Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
249/15.1PDOER.L1-3
Relator: JORGE RAPOSO
Descritores: OFENSAS À HONRA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/22/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário: 1. Na ponderação sobre se determinadas expressões são ofensivas da honra e consideração e merecem a tutela penal importa ter em consideração as circunstâncias em que as expressões são proferidas, se no contexto têm conotações que ofendem a reserva da intimidade e os direitos fundamentais dos visados, que podem variar consoante o sexo, factores sociais, culturais ou educacionais.

2. Quando estão em causa pessoas referidas na al. l) do art. 132º do Código Penal no exercício de funções, existem especiais razões de protecção e de tutela penal da honra radicada na dignidade, reputação e consideração exteriores inerentes a essas funções.

3. Ao proferir as seguintes expressões dirigindo-se a três agentes da PSP no exercício das suas funções e por causa delas “ninguém me tira daqui pois não obedeço nem a polícias nem a caralho nenhum! Vão para o caralho!”, existe uma clara comparação entre os polícias ofendidos e um caralho, com um claro sentido pejorativo, desprestigiante e, consequentemente atentatório da honra e consideração que lhes é devida. Com esta contextualização, também mandar um agente da autoridade para o caralho, entendido como o órgão sexual masculino, constitui um ataque à honra e consideração a justificar a tutela do direito penal.

4. Cometeu o arguido comete três crimes de injúria agravada, p. e p. pelos art.s 181º e 184º, com referência ao disposto no art. 132º nº 2 al. l) todos do Código Penal pelos quais deve ser condenado, devendo este tribunal proceder à determinação da espécie e medida da pena.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral:

Acordam em conferência na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. RELATÓRIO

APA, filho ABA e de MMP, natural de Angola, nascido a 26 de Fevereiro de 1964, solteiro, operador de armazém, residente na Rua ---------------------, em Paço de Arcos, foi julgado em processo comum com intervenção do tribunal singular e, a final, condenado pela prática, em 07.07.2015, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos artigos 143º nº 1 e 145º nº1 al. a), com referência ao disposto no art. 132º nº 2 al. l), todos do Código Penal em uma pena de dois meses de prisão, a qual, nos termos do disposto nos art.s 44º nº 1 do Código Penal, foi substituída por pena de sessenta dias de multa, à razão da taxa diária de € 8, perfazendo o montante total de € 480,00 e absolvido da prática dos três crimes de injúria agravada, p. e p. pelos art.s 181º e 184º, com referência ao disposto no art. 132º nº 2 al. l) todos do Código Penal de que também fora acusado.

*

Inconformado, o Digno Magistrado do Ministério Público interpôs recurso limitado à absolvição, apresentando as seguintes conclusões:

1. Nas circunstâncias de tempo, modo e lugar que constam da acusação, o arguido dirigiu-se aos três agentes da PSP ali presentes, devidamente uniformizados, e no exercício das suas funções, e disse-lhes, entre outras coisas, “Vão para o caralho”.

2. Tais factos constam como provados da douta sentença ora recorrida.

3. Simplesmente entendeu-se que tais palavras não têm tipicidade criminal, e considerou-se não provado que o arguido sabia que as expressões proferidas eram ofensivas da honra e da consideração pessoal e profissional dos agentes, e que agiu de forma livre, consciente e voluntária, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.

4. Tal decisão não assenta na prova produzida e viola as regras de experiência.

5. O arguido confessou os factos de forma livre, integral e sem reservas, razão pela qual tal prova impunha solução diversa da que foi acolhida em sede de sentença, ou seja, obrigava à sua condenação pela prática deste crime.

6. A expressão em si mesma é, objectivamente, ofensiva da honra e da consideração devidas a qualquer um, sendo que as vítimas eram agentes da PSP, devidamente uniformizados, no exercício das suas funções.

7. O arguido dirigiu-lhes tais palavras, de forma livre, deliberada e consciente, precisamente visando atingi-los, o que conseguiu, e ciente do teor do que dizia.

8. Independentemente da origem da palavra, a verdade é que a expressão em causa é hoje entendida, comummente, como sendo ofensiva e lesiva da honra e da consideração devidas a qualquer pessoa, muito mais quando se trata de agente imbuído de cargo de autoridade.

9. Verifica-se, assim, erro notório na apreciação da prova, quando a douta sentença ora recorrida dá como provado um facto que contraria toda a evidência, a lógica mais elementar e as regras de experiência comum.

Nestes termos, e nos demais de direito aplicáveis, deve a sentença em crise ser revogada e substituída por outra que, considerando como provados os factos não provados, julgue totalmente procedente a acusação deduzida contra o arguido e, em consequência, o condene pela prática dos três crimes de injúria agravada por ele praticados.

V. Exas., contudo, farão conforme for de JUSTIÇA.

O arguido respondeu ao recurso concluindo:

A. O arguido, ora recorrido, foi condenado pela prática de um crime de ofensa à integridade tisica qualificada p. e p. pelos arts. 143.° n.º 1, 145.° n.º 1 alínea a), por referência ao artigo 132.° n.º 2 alínea 1) todos do CP e absolvido da prática de três crimes de injúria agravada p. e p. pelos arts. 181.°, 184.°, por referência ao artigo 132.° n.º 2 alínea 1) todos do CP.

B. Ora, vem o Ministério Público recorrer da Sentença por entender que o arguido não deveria ter sido absolvido da acusação da prática dos três crimes de injúria agravada, discordando das conclusões retiradas pelo Mm. Juiz na Sentença.

C. No entanto, parece-nos não assistir razão ao entendimento da Digna Magistrada do Ministério Público uma vez que além da conclusão que é retirada pelo Mm. Juiz (a nosso ver acertada), consta em nota de rodapé na Sentença a origem quer linguística quer histórica que justificam o facto de a palavra "caralho" não ser ofensiva da honra e consideração dos agentes da PSP.

D. O arguido proferiu aquelas palavras num contexto em que se encontrava embriagado (portanto com a sua imputabilidade severamente diminuída).

E.O arguido não disse apenas para os agentes da PSP a expressão "vão para o caralho" mas sim "ninguém me tira daqui pois não obedeço nem a polícias nem a caralho nenhum! Vão para o caralho". Ora, este último "vão para o caralho" quando enquandrado com o que foi dito pelo arguido na sua totalidade enquadra-se mais num desabafo.

F. Na senda do mui douto Acordão da Relação de Lisboa de 20-10-2010 também mencionado pela Digna Magistrada do Ministério Público nas suas Alegações de Recurso se diz: "Segundo as fontes, para uns a palavra "caralho" vem do latim "caraculu" que significava pequena estaca, enquanto que, para outros, este termo surge utilizado pelos portugueses nos tempos das grandes navegações para, nas artes de marinhagem, designar o topo do mastro principal das naus, ou seja, um pau grande. Certo é que, independentemente da etimologia da palavra, o povo começou a associar a palavra ao órgão sexual masculino, o pénis. E esse é o significado actual da palavra, se bem que no seu uso popular quotidiano a conotação fálica nem sequer muitas vezes é racionalizada".

G. No caso em concreto o arguido não racionalizou a conotação fálica que vem associada à palavra "caralho". Aquela expressão, no nosso entendimento, não atinge valores relevantes do ponto de vista do direito penal.

H. Finalmente, entende o Ministério Público que a confissão feita pelo arguido impunha decisão diversa da que foi proferida, no entanto, cabe ao Mm. Juiz o enquadramento jurídico-penal dos factos confessados pelo arguido, entende-se neste caso que as expressões proferidas pelo mesmo não têm relevância penal, devendo a sua análise ser feita apenas no campo da normas de convivência social.

I. Assim, deverá ser mantida a Sentença proferida pelo Tribunal a quo absolvendo-se o arguido da prática de três crimes de injúria agravada.

Nestes termos e nos demais de Direito aplicáveis, deve ser negado provimento ao Recurso e, em consequência, ser a decisão do Tribunal a quo mantida, absolvendo-se o arguido da prática de três crimes de injúria agravada, só assim se fazendo a habitual e necessária JUSTIÇA.

O recurso foi admitido.

O Mmº Juiz a quo, indevidamente, proferiu despacho de sustentação. Efectivamente, apenas “se o recurso não for interposto de decisão que conheça, a final, do objecto do processo, o tribunal pode, antes de ordenar a remessa do processo ao tribunal superior, sustentar ou reparar aquela decisão” (art. 414º nº 4 do Código de Processo Penal).

Consequentemente não será considerado o teor de tal despacho.

*

Nesta Relação foi cumprido o disposto no art. 416º do Código de Processo Penal. Em douto parecer o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto pugnou pela procedência do recurso.

Não foi apresentada resposta ao parecer.

Foram colhidos os vistos, após o que o processo foi remetido à conferência.

II. FUNDAMENTAÇÃO

As relações reconhecem de facto e de direito, (art. 428º do Código de Processo Penal).

É jurisprudência constante e pacífica que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação (art.s 403º e 412º do Código de Processo Penal), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (art. 410º nº 2 do Código de Processo Penal).

*

Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente, a questão a decidir é a de saber se as palavras proferidas pelo arguido aos agentes policiais revestem tipicidade criminal.

*

É a seguinte a factualidade provada e não provada:

- da acusação:

1. No dia 7 de Julho de 2015, pelas 17h30, MSM, MCS e EBB, agentes da PSP da 82.ª Esquadra – Porto Salvo, deslocaram-se ao estabelecimento comercial denominado Supermercado Joaninha, sito no 6-D da Estrada de Paço de Arcos, por haver notícia de comportamentos inadequados por um cliente.

2. Ali chegados, apercebendo-se que o arguido APA era o causador dos distúrbios, por solicitação de RGA, gerente, pediram àquele que se retirasse daquele local.

3. Explicando-lhe que não podia consumir bebidas alcoólicas que não havia adquirido naquele espaço bem como não podia perturbar as pessoas que ali se encontravam, nem realizar as suas necessidades fisiológicas à porta, exibindo o seu pénis.

4. O arguido, contudo, recusou-se a sair daquele espaço, dirigindo aos agentes da PSP as seguintes expressões: “ninguém me tira daqui pois não obedeço nem a polícias nem a caralho nenhum! Vão para o caralho!”

5. Expressões que repetiu quando, de seguida, MSM lhe solicitou que se identificasse; identificação que negou fornecer.

6. Apenas volvidos cerca de 30 minutos, e após insistência dos referidos agentes da PSP, o arguido se retirou daquele estabelecimento comercial.

7. No exterior, MSM pediu novamente ao arguido que se identificasse, porém, sem que nada o fizesse prever, desferiu-lhe uma pancada com a mão no ombro, empurrando-o, regressando ao Supermercado Joaninha.

8. Local onde, de seguida, lhe é dada voz de detenção.

9. Como consequência directa e necessária das condutas do arguido, MSM sofreu dores.

10. O arguido sabia que MSM, MCS e EBB eram agentes da PSP e que se encontravam no exercício das suas funções.

11. Agindo ainda com o propósito concretizado de molestar o corpo e saúde de MSM e de lhe produzir dores.

12. O arguido agiu sempre voluntária, livre e conscientemente bem sabendo que a sua conduta de molestar o corpo e saúde de MSM era proibida e punida por lei penal.

- outros factos relevantes para a boa decisão da causa:

13. O arguido agiu sob o efeito de bebidas alcoólicas que então consumiu em excesso.

14. O arguido aufere cerca de 740 (setecentos e quarenta) euros líquidos por mês.

15. O arguido vive com a sua mãe, contribuindo mensalmente com 250 (duzentos e cinquenta) euros para o pagamento das despesas mensais, fora o pagamento de outras despesas inerentes à vida hodierna, não tendo descendentes que dependam de si.

16. O arguido tem o 12.º ano de escolaridade.

17. O arguido não tem antecedentes criminais.

18. O arguido manifestou-se arrependido, tendo pedido desculpa em sede de julgamento aos agentes policiais visados pelas suas supracitadas condutas.

Factos não provados.

A. O arguido sabia que MSM, MCS e EBB eram agentes da PSP e que se encontravam no exercício das suas funções e que as expressões que lhes dirigiu eram ofensivas da sua honra e consideração pessoal e profissional.

B. O arguido agiu sempre voluntária, livre e conscientemente bem sabendo que a sua conduta de dirigir as supracitadas palavras aos agentes policiais era proibida e punida por lei penal.

Na motivação da decisão sobre a matéria de facto a sentença recorrida refere, a propósito da matéria de facto não provada e sobre o dolo injuriandi:

Os factos vertidos na acusação julgam-se provados com fundamento na sua confissão livre, integral e sem reservas da parte do arguido, com excepção dos factos descritivos da consciência da ilicitude e do dolo injuriandi, já que, conforme abaixo se deixará exposto, não se vislumbra tipicidade criminal nas palavras que o arguido proferiu aos agentes policiais, já que o seu teor, uma vez interpretado sob toda e qualquer contexto, não é lesivo da honra e da consideração devidas aos visados.

Na fundamentação de direito, sobre os crimes de injúria agravada, a sentença pondera:

Comete o crime de injúria quem imputar a pessoa singular factos, mesmo sob a forma de suspeita, ou lhe dirigir palavras, que sejam ofensivos da honra ou consideração desta – cf. art. 181.º, n.º 1 do Cód. Penal.

Trata-se de um crime doloso, cujo bem jurídico tutelado é a honra.

A honra vem conhecendo ao longo do tempo diversas conceptualizações, afigurando-se correcta a sua definição em moldes pelos quais “A honra é um aspecto da personalidade de cada indivíduo, que lhe pertence desde o nascimento apenas pelo facto de ser pessoa e radicada na sua inviolável dignidade. Desta forma, a comunidade em que cada um se insere não constitui a fonte da honra, apenas o lugar em que ela se deve actualizar “ - vd. José de Faria Costa, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, págs. 606 e 607, Coimbra Editora, 1999.

A letra do tipo criminal é consonante com o entendimento de José Faria de Costa, ao qual se adere, que “ A honra é vista como um bem jurídico complexo que inclui, quer o valor pessoal ou interior de cada indivíduo, radicado na sua dignidade, quer a própria reputação ou consideração exterior.(…) O ordenamento jurídico português alarga a tutela da honra também à consideração ou reputação exteriores.” - in Ob.cit… .

O tipo objectivo do ilícito consiste numa imputação directa à vítima de factos e/ou de palavras ofensivas da honra e consideração desta.

Que significado há a tirar das palavras de molde a considera-las ofensivas?

Existe o entendimento jurisprudencial pacífico, vertido no Ac. TRL, 09.04.91, Proc. 0013035, in www.dgsi.pt, que “Para concluir se uma conduta é ou não lesiva da honra deve o julgador orientar-se por um critério objectivo, tendo em conta o valor social da honra, a carga ofensiva da conduta em função das circunstâncias, a condição da pessoa, à relação entre o agente e o ofendido, costumes, etc; sendo irrelevante a maior ou menor sensibilidade às ofensas”.

Porém, há que ver que, como refere José Faria da Costa, “o significado das palavras, para mais quando nos movemos no mundo da razão prática, tem um valor de uso. Valor que se aprecia, justamente, no contexto situacional, e que ao deixar intocado o significante ganha ou adquire intencionalidades bem diversas, no momento em que apreciemos o significado. Todavia, defender-se a posição doutrinária que se acaba de enunciar, não quer significar, nem por sombras, que não haja palavras cujo sentido primeiro e último seja tido por toda a comunidade falante, como ofensivo da honra e consideração”, in Ob. Cit., pág. 630.

Apurou-se que o arguido disse em voz alta e para os três supracitados agentes policiais o seguinte: “ninguém me tira daqui pois não obedeço nem a polícias nem a caralho nenhum. Vão para o caralho”.

Ao ter proferido as supracitadas palavras, o arguido foi mal-educado e rude para com os agentes policiais, mas não lhes imputou factos nem lhes dirigiu palavras que fossem lesivas da sua honra e consideração, já que mandar alguém para “o caralho” não é elegante, bem-educado nem é de boa educação, mas não se repercute negativamente na honra e na consideração que são devidas ao visado A palavra caralho, que é um vulgarismo ou palavrão, vem «do lat[im] *caraculu-, "pequena estaca"» (in Dicionário da Língua Portuguesa 2008, da Porto Editora).

Por outro lado, o Dicionário Eletrônico Houaiss diz que o vocábulo é de «orig[em] duv[idosa]; Leo Spitzer propôs o lat[im] *characŭlus, dim[inutivo] de *charax,âcis, do gr[ego] chárax,akos, "esteio, estaca, empa"; apesar de tal étimo satisfazer tanto semântica quanto foneticamente, o voc[ábulo], que por sua sufixação arcaica (dim[inutivo] em -cŭlus) teria de ser uma f[orma] bastante antiga, jamais foi encontrado em lat[im], como, argutamente, lembra Corominas». – vide https://ciberduvidas.iscte-iul.pt/consultorio/perguntas/a-origem-da-palavra-caralho/29050.
Segundo a Academia Portuguesa de Letras, caralho é a palavra com que se denominava a pequena cesta que se encontrava no alto dos mastros das caravelas, de onde os vigias perscrutavam o horizonte em busca de sinais de terra.
O caralho, dada a sua situação numa área de muita instabilidade (no alto do mastro) era onde se manifestava com maior intensidade o rolamento ou movimento lateral de um barco.
Também era considerado um lugar de castigo para aqueles marinheiros que cometiam alguma infracção a bordo.
O castigado era enviado para cumprir horas e até dias inteiros no caralho e quando descia ficava tão enjoado que se mantinha tranquilo por um bom par de dias. Daí surgiu a expressão:
-Vai pró caralho!
Hoje em dia, caralho é a palavra que define toda a gama de sentimentos humanos e todos os estados de ânimo.(...) – vide http://www.dicionarioinformal.com.br/caralho/- Segundo a Academia Portuguesa de Letras, caralho é a palavra com que se denominava a pequena cesta que se encontrava no alto dos mastros das caravelas, de onde os vigias perscrutavam o horizonte em busca de sinais de terra.
O caralho, dada a sua situação numa área de muita instabilidade (no alto do mastro) era onde se manifestava com maior intensidade o rolamento ou movimento lateral de um barco.
Também era considerado um lugar de castigo para aqueles marinheiros que cometiam alguma infracção a bordo.
O castigado era enviado para cumprir horas e até dias inteiros no caralho e quando descia ficava tão enjoado que se mantinha tranquilo por um bom par de dias. Daí surgiu a expressão:
-Vai pró caralho!
Hoje em dia, caralho é a palavra que define toda a gama de sentimentos humanos e todos os estados de ânimo.(...) – vide http://www.dicionarioinformal.com.br/caralho/

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Porquanto as palavras proferidas pelo arguido aos agentes policiais não se revestem de tipicidade criminal, impõe-se absolvê-lo da acusação pela prática de crimes de injúrias agravadas.

*

Cumpre decidir.

Poder-se-ia ponderar se a conduta do arguido não deveria subsumir-se antes à prática de um único crime de resistência e coacção, p. e p. pelo art. 347º nº 1 do Código Penal.

Impor-se-ia, então, ponderar a integração também nessa conduta dos crimes de injúria se se entendesse que, no encadeamento da acção, a qual não pode deixar de ser avaliada na sua integralidade, “integrando-se as injúrias a órgão de polícia criminal num mesmo processo de descarga emocional do arguido, num episódio de vida unívoco e inequivocamente revelador da unidade de sentido do comportamento ilícito global, deve a punição ser obtida na moldura penal do tipo legal que integra o sentido de ilícito dominante” Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 24.9.2013, no proc. 356/09.0GELLE.E1, disponível no site dgsi.pt, entre outros que apontam para a possibilidade de existência de um concurso meramente aparente; em sentido contrário a jurisprudência do Tribunal da Relação de Lisboa, nos acórdãos de 11.4.2007 e 22.5.2014, nos proc.s 2983/2007-3 , disponível no site dgsi.pt que consideram que o critério distintivo para decidir sobre a unidade ou pluralidade de infracções é o do bem jurídico. .

É de afastar, porém, a razoabilidade dessa solução, tendo em atenção que essa alteração da qualificação jurídica, para crime que tutela diferentes bens jurídicos e com uma pena abstracta mais elevada, constituiria uma alteração substancial de factos (art.s 1º al. f) e 359º do Código de Processo Penal) inadmissível por força do princípio da proibição de reformatio in pejus (art. 409º nº 1 do Código de Processo Penal).

Aliás, o recurso está limitado à parte da decisão que se refere aos crimes de injúrias (art. 403º nºs 1 e 2 al. c) do Código de Processo Penal).

Alguma jurisprudência sustenta que, em determinadas ocasiões, expressões iguais ou semelhantes àquelas que o arguido proferiu podem não ter tipicidade penal e não ser mais do que uma falta de educação, grosseria ou rudeza.

Dir-se-á, mesmo que em algumas circunstâncias, essas expressões podem ser absolutamente adequadas ao contexto e não significar sequer falta de educação, como bem assinala o Ex.mo Sr. Procurador-Geral Adjunto nesta Relação.

A destrinça, porém, tem de ser efectuada numa aproximação ao caso concreto.

Importa ter em consideração as circunstâncias em que as expressões são proferidas.

A expressão em causa pode ter o significado inócuo que resulta da consulta dos dicionários citados na sentença recorrida mas pode ter conotações que ofendem a reserva da intimidade e os direitos fundamentais dos visados e que podem variar consoante o sexo, factores sociais, culturais ou educacionais ou até geográficos.

É relevante a qualidade em que o visado actua: a susceptibilidade de revelar especial censurabilidade se praticado contra qualquer das pessoas referidas na al. l) do art. 132º do Código Penal no exercício de funções pode significar que a expressão acarreta a exigência de uma protecção da honra acrescida, radicada na dignidade, reputação e consideração exteriores inerentes a tais funções.

No caso em apreciação as expressões foram proferidas inopinadamente, sem qualquer razão para além do normal exercício de funções por parte dos agentes policiais visados. Não existia nenhuma relação de proximidade entre o arguido e os ofendidos que permitisse esse tipo de linguagem. Existe uma clara comparação entre os polícias ofendidos e um caralho, com um claro sentido pejorativo, desprestigiante e, consequentemente atentatório da honra e consideração que é devida aos ofendidos.

Por outro lado, como afirma o Ex.mo Sr. Procurador-Geral Adjunto nesta Relação no seu parecer, de uma forma particularmente expressiva:

(…)o caralho … sendo hoje, ainda na concepção dominante o órgão sexual masculino e também o termo mais utilizado justamente para atacar a honra e consideração alheias (…). O juiz em julgamento e o polícia na rua uniformizado e em funções não pode ser mandado “bugiar” quanto mais para o caralho, sem que tal conduta tenha a tutela do direito penal. Justamente porque o nosso ordenamento, e bem, alarga tal tutela à reputação exterior da honra e não apenas à interior.

Com esta contextualização, também mandar um agente da autoridade para o caralho, entendido como o órgão sexual masculino, constitui um ataque à honra e consideração (reputação exterior) a justificar a tutela do direito penal.

*

Considerando que a fundamentação do tribunal a quo para os factos não provados se deveu apenas à conceptualização jurídica efectuada, tendo em atenção o disposto no art. 431º al. a) do Código de Processo Penal, altera-se a matéria de facto não provada, passando os factos não provados (A e B) a constar como provados.

Porque as expressões proferidas são ofensivas da honra e consideração devidas aos ofendidos, agentes da PSP em exercício de funções, o que o arguid o bem sabia, cometeu os três crimes de injúria agravada, p. e p. pelos art.s 181º e 184º, com referência ao disposto no art. 132º nº 2 al. l) todos do Código Penal de que foi acusado.

Não se verifica qualquer causa de exclusão da ilicitude ou da culpa.

Importa determinar as penas (parcelares e única) adequada tendo em atenção que constitui jurisprudência fixada que “em julgamento de recurso interposto de decisão absolutória da 1.ª instância, se a relação concluir pela condenação do arguido deve proceder à determinação da espécie e medida da pena, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 374.º, n.º 3, alínea b), 368.º, 369.º, 371.º, 379.º, n.º 1, alíneas a) e c), primeiro segmento, 424.º, n.º 2, e 425.º, n.º 4, todos do Código de Processo Penal” Acórdão de fixação de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça nº 4/2016, publicado Iª série do DR de 22.2.2016..

Cada um dos crimes de injúria agravada é punido com pena de prisão de 45 dias até quatro meses e quinze dias ou multa de 15 até 180 dias, nos termos das disposições conjugadas dos art.s 41º nº 1, 47º nº 1, 181º nº 1 e 184º do Código Penal.

Seguiremos de perto o raciocínio expendido na decisão recorrida ao fixar a pena pelo crime de ofensa à integridade física qualificada que não mereceu a censura dos sujeitos processuais e que se adequa às circunstâncias do caso.

Opta-se, nos termos do art. 70º do Código Penal pela pena não detentiva que satisfaz os fins das penas – de protecção de bens jurídicos e de reintegração do agente na sociedade – atendendo a que o arguido é primário, integrado socialmente.

Na determinação da medida das penas ponderar-se-ão os factores que influem na determinação da respectiva medida, atentos os critérios enunciados no art. 71° do Código Penal, atendendo à culpa do agente, que constitui o fundamento e o limite superior e inultrapassável da pena a aplicar, sob pena de, ultrapassando-o, se afrontar a dignidade humana do delinquente, e tendo como limite mínimo a necessidade de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto e às exigências de prevenção positiva ou de integração do agente.

O critério e as circunstâncias do art. 71.º do Código Penal são os parâmetros, quer para a determinação da medida concreta proporcionalmente compatível com a prevenção geral, quer para identificar as exigências de prevenção especial, fornecendo ainda indicações objectivas para a apreciação e definição da culpa do agente, considerando todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de ilícito, deponham a favor do agente ou contra ele, nomeadamente nas diversas alíneas do nº 2 do citado preceito, como sejam: o grau de ilicitude do facto, a intensidade do dolo, os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram, a conduta anterior e posterior ao facto, as condições pessoais do agente, a ausência de predisposição para manter uma conduta lícita, quando manifestada no facto e a existência de antecedentes criminais.

As exigências de prevenção geral são determinantes na fixação da medida da pena, face à necessidade de reafirmação da validade das normas, defendendo o ordenamento jurídico e assegurando segurança à comunidade, para que esta sinta confiança e protecção pela norma, apesar de violada. Tais valores têm de ser coordenados com as exigências de prevenção especial, quer no sentido de evitar a reincidência, quer na socialização do agente com vista a respeitar os valores comunitários fundamentais tutelados pelos bens jurídico-criminais.

Como resulta da matéria dada como provada, a conduta do arguido reveste-se de uma ilicitude de grau não elevado, no contexto de uma única altercação.

As exigências de prevenção especial positiva ou de ressocialização do arguido são reduzidas, considerando que o mesmo tem 52 anos de idade e vive socialmente inserido, em família, designadamente com a sua mãe de quem cuida, trabalha e não tem antecedentes criminais, além de se ter mostrado arrependido pela sua conduta e ter confessado integralmente e sem reservas.

A sua culpa é mitigada pelo estado de embriaguez que não pôs em causa a sua capacidade de entender e de querer, o qual despoletou o episódio que se destaca negativamente do seu comportamento habitualmente integrado.

Depõe a favor do arguido a idade com ausência de antecedentes criminais, a sua inserção social, o arrependimento demonstrado e a confissão.

Entende-se adequada e proporcional a aplicação ao arguidos da penas de 30 dias de multa à taxa diária de 8 € por cada um dos crimes.

Em cúmulo jurídico, ponderando a personalidade normativa do arguido e a circunstância de estar em causa um único episódio da sua vida (art. 77º nº 1 do Código Penal), mostra-se adequada a aplicação de uma pena única de 45 dias de multa.

O cúmulo com a pena aplicada pelo crime de ofensa à integridade física qualificada é material, atendendo à diferente natureza das penas Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 12.3.2014, no proc. 955/06.1TAFLG-A.P1, disponível no site dgsi.pt, doutrina e jurisprudência aí referida e, ainda, Juiz Conselheiro Dr. António Artur Rodrigues da Costa, O Cúmulo Jurídico Na Doutrina e na Jurisprudência do STJ, disponível no site do stj.pt.

Em síntese:

1. Na ponderação sobre se determinadas expressões são ofensivas da honra e consideração e merecem a tutela penal importa ter em consideração as circunstâncias em que as expressões são proferidas, se no contexto têm conotações que ofendem a reserva da intimidade e os direitos fundamentais dos visados, que podem variar consoante o sexo, factores sociais, culturais ou educacionais.

2. Quando estão em causa pessoas referidas na al. l) do art. 132º do Código Penal no exercício de funções, existem especiais razões de protecção e de tutela penal da honra radicada na dignidade, reputação e consideração exteriores inerentes a essas funções.

3. Ao proferir as seguintes expressões dirigindo-se a três agentes da PSP no exercício das suas funções e por causa delas “ninguém me tira daqui pois não obedeço nem a polícias nem a caralho nenhum! Vão para o caralho!”, existe uma clara comparação entre os polícias ofendidos e um caralho, com um claro sentido pejorativo, desprestigiante e, consequentemente atentatório da honra e consideração que lhes é devida. Com esta contextualização, também mandar um agente da autoridade para o caralho, entendido como o órgão sexual masculino, constitui um ataque à honra e consideração a justificar a tutela do direito penal.

4. Cometeu o arguido comete três crimes de injúria agravada, p. e p. pelos art.s 181º e 184º, com referência ao disposto no art. 132º nº 2 al. l) todos do Código Penal pelos quais deve ser condenado, devendo este tribunal proceder à determinação da espécie e medida da pena.

III DECISÃO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes da 3ª Secção Criminal desta Relação em conceder provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e, alterando a matéria de facto provada e não provada nos termos supra referidos que aqui se dão por reproduzidos, revogar a sentença na parte absolutória e, consequentemente:

Pela prática de três crimes de injúria agravada, p. e p. pelos art.s 181º e 184º, com referência ao disposto no art. 132º nº 2 al. l) todos do Código Penal, condenar o arguido APA, por cada um dos crimes, na pena de trinta dias de multa à taxa diária de oito euros;

Em cúmulo jurídico destas três penas, condenar o arguido em quarenta e cinco dias de multa à taxa diária de oito Euros, perfazendo o total de trezentos e sessenta Euros, a que correspondem trinta dias de prisão subsidiária

Esta pena acumula materialmente com a pena aplicada pela prática do crime de ofensa à integridade física qualificada em que já havia sido condenado pelo tribunal a quo.

Recurso sem custas.

Lisboa, 22 de Março de 2017
(elaborado, revisto e rubricado pelo relator e
assinado por este e pela Ex.ma Adjunta)

(Jorge Raposo)

(Margarida Ramos de Almeida)