Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
7953/10.9TBALM-F.L1-2
Relator: EZAGÜY MARTINS
Descritores: COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA
TRIBUNAL SUPERIOR
CASO JULGADO FORMAL
EXTINÇÃO DE TRIBUNAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/01/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I - Abrangendo o caso julgado a parte decisória da decisão, mas porque aquela é a conclusão extraída dos seus fundamentos, o respetivo caso julgado encontra-se sempre referido àqueles.
II – Assim, o caso julgado formado por Acórdão da Relação, que decide ser um tribunal de 1ª instância o competente em razão da matéria para determinada ação, para isso atendendo não só ao pedido formulado como ao que entendeu ser a correspondente causa de pedir, estende-se a essa definição da causa de pedir.
III – A declaração, com trânsito em julgado, no domínio de vigência da LOFTJ, da competência material de um Juízo de Competência Cível, não obstando à ulterior extinção daquele Juízo, pelo Decreto-Lei n.º 49/2014, de 27-3 e à transição dos processos nele pendentes para os novos tribunais que viessem a abranger a competência do mesmo, nos termos estabelecidos pelo sobredito Decreto-Lei, impede porém o reequacionamento da questão da causa de pedir na ação respetiva.
(Sumário elaborado pelo Ralator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:



I-RELATÓRIO:

 
I - A, intentou ação declarativa, com processo especial nos termos do regime processual experimental. Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 107/2008, de 23 de Setembro, contra B, pedindo:
1) Seja “declarado definitivamente resolvido o contrato de franquia dos autos;”

Seja “a Ré condenada a:

2) Descontinuar, imediata e permanentemente, o uso de todos os sinais distintivos de comércio “C”, todos os nomes e marcas similares, ou qualquer outro nome, designação ou marca, ou cores semelhantes ou lettering indicando ou sugerindo que a RÉ é ou foi franquiada da AUTORA, incluindo qualquer nome de domínio, endereço de correio electrónico, endereço de Internet, ou qualquer outro endereço ou identificador de rede electrónica utilizado pela RÉ que contenha qualquer referência a “C”;
3) A cumprir com o disposto na clausula 7ª nº 1 do contrato de franquia dos autos, ainda que se entenda, sem conceder, que o mesmo não foi objecto de renovação por vontade da RÉ, aplicando-se ainda assim o disposto na clausula 52ª nº 4 do contrato de franquia, deixando de imediato de exercer quaisquer actividade de embelezamento e estética de unhas, ou outra concorrente com os estabelecimentos “C”, a partir das instalações sitas na loja identificada sob o nº 1.19, sita no (…), tal como está obrigada nos termos do disposto na cláusula 7.1. do contrato de franquia dos autos (cfr. Doc. 3);
4) Entregar à AUTORA todo o material de escritório, papel timbrado, formulários, manuais, outros materiais impressos, filmes, livros, cassetes, video cassetes, software licenciado e material publicitário que contenham os sinais distintivos de comércio “C”, ou quaisquer nomes, designações ou marcas similares, que indiquem ou sugiram que a AUTORA é ou foi um franquiado autorizado da AUTORA, e devolver prontamente qualquer equipamento que lhe tenha sido emprestado ou locado pela AUTORA;
5) Descontinuar, imediata e permanentemente, toda a publicidade feita na qualidade de franquiado “C”, obrigação que compreende, entre outras medidas, a remoção imediata de todos os letreiros na loja identificada sob o nº 1.19, sita (…) da RÉ que contenham os sinais distintivos de comércio “C”;
6) Deixar de utilizar, imediata e definitivamente, o Sistema de estética e embelezamento de unhas “C”, nomeadamente, os manuais de operação, manuais de formação, manuais e instrumentos auxiliares de venda, filmes e livros, material publicitário e promocional, bem como todos os segredos comerciais e materiais confidenciais e protegidos que lhe tenham sido entregues pela AUTORA ao abrigo do contrato de franquia;
7) Pagar à AUTORA a quantia de €5.904,87 (cinco mil novecentos e quatro euros e oitenta e sete cêntimos) respeitantes às facturas supra identificadas no artigo 53º, acrescida dos juros de mora comerciais à taxa legal, vencidos e vincendos calculados desde a data de interpelação para cumprimento efectuada pela Notificação Judicial Avulsa em 12 de Junho de 2010, liquidando-se na presente data os juros vencidos em €258,84 (duzentos e cinquenta e oito euros e oitenta e quatro cêntimos);
8) Pagar à AUTORA a quantia de €40.000 (quarenta mil euros) a título de indemnização por resolução do contrato de franquia dos autos imputável à RÉ, nos termos previstos na cláusula 55ª nº 1 do referido contrato, acrescida dos juros de mora comerciais à taxa legal, vencidos e vincendos calculados desde 28 de Agosto de 2010 (cfr. admonição nº 3 da Notificação Judicial Avulsa efectuada em 29 de Julho de 2010 e doc. 25 junto à Providência Cautelar), liquidando-se na presente data os juros vencidos em €1.078,36 (mil e setenta e oito euros e trinta e seis cêntimos);
Ou, sem conceder, ainda que se entenda que o referido contrato de franquia não foi objecto de renovação tácita, tendo, portanto, caducado em 19 de Setembro de 2008, por inércia da RÉ, ao abrigo da mesma disposição contratual, ser a RÉ condenada a pagar à AUTORA a quantia de €40.000 (quarenta mil euros) a título de indemnização por caducidade do contrato de franquia dos autos imputável à RÉ, nos termos previstos na cláusula 55ª nº 1 do referido contrato, acrescida dos juros de mora comerciais à taxa legal, vencidos e vincendos calculados desde 28 de Agosto de 2010 (cfr. admonição nº 3 da Notificação Judicial Avulsa efectuada em 29 de Julho de 2010 e doc. 25 junto à Providência Cautelar), liquidando-se na presente data os juros vencidos em €1.078,36 (mil e setenta e oito euros e trinta e seis cêntimos);
9) Pagar à AUTORA, por força da sanção prevista na cláusula 56ª nº 1 d) do contrato de franquia dos autos, a quantia diária de €742,26 (setecentos e quarenta e dois euros e vinte e seis cêntimos) por cada dia de uso não autorizado dos sinais distintivos de comércio da AUTORA, desde 29 de Julho de 2010 (data da resolução do contrato de franquia e ou da admonição para cessar de imediato a utilização dos sinais distintivos de comercio da AUTORA) até ao dia em que cesse de utilizar em definitivo os sinais distintivos de comércio da AUTORA, e que na presente data se computa em €113.565,78 (cento e treze mil quinhentos e sessenta e cinco euros e setenta e oito cêntimos).”.

Alegando, para tanto e em suma, que:

A Autora, já antes da sua transformação de sociedade por quotas em sociedade anónima, usava a denominação “A”.
Sendo titular da marca “C” registada junto da “Oficina Española de Patentes y Marcas” sob o nº (…), e também da marca “C” registada junto da Organização Mundial da Propriedade Intelectual sob o nº (…), bem como, ainda, requerente do pedido de registo de marca nacional “C”, apresentado em em 03/07/2003 junto do INPI.
Em 1 de Fevereiro de 2007, por força de um contrato de cessão de posição contratual celebrado entre a RÉ (na qualidade de Cessionária) e a sociedade E, (na qualidade de Cedente e franquiada) e a aqui AUTORA, então com a denominação “D”, (na qualidade de franquiadora, intervindo no mesmo de modo a autorizar a referida cessão de posição contratual), a sociedade RÉ assumiu a posição de franquiado no contrato de franquia para o conceito “C” anteriormente celebrado entre a AUTORA e a B.
Na sequência do referido acordo, à RÉ foi transmitido o Saber-fazer inerente ao conceito do negocio, e esta passou a poder não só utilizar o referido saber-fazer como também atuar comercialmente junto dos consumidores sob os sinais distintivos do comercio da AUTORA, e como franquiada da rede “C”, utilizando para o efeito, nomeadamente, material de escritório, papel timbrado, material publicitário e outros com os referidos sinais distintivos do comércio.
Na sequência de incumprimentos vários por parte da ré, com irremediável quebra da confiança naquela, procedeu a A. a resolução do contrato de franquia, a qual operou todos os seus efeitos no dia 29-07-2010, pelas 10h30.
A Ré, porém, em claro afrontamento do disposto na cláusula 56º do contrato, continua a explorar o estabelecimento em causa, sito no (…), sob os sinais distintivos de comercio “C”, sem qualquer autorização para tal e sem sequer pagar à A., os Royalties a que contratualmente estaria obrigada como qualquer outro franquiado;
Computando-se, nos termos clausulados, o valor da indemnização por cada dia de uso não autorizado, em €742,26.
Ao que acresce a obrigação de não concorrência pós contratual estipulada pela cláusula 7.1. do referido contrato de franquia.
Usufruindo e beneficiando ainda a RÉ, ilicitamente, desde 29 de Julho de 2010, das campanhas de marketing e publicidade levadas a efeito pela AUTORA para toda a sua Rede de Franquiados “C”.

Contestou a Ré, arguindo, para além do mais – mas no que aqui interessa – a exceção de incompetência absoluta do Tribunal, em razão da matéria.
Considerando a propósito que a A. funda os seus pedidos na proteção dos sinais distintivos do comércio e no regime da concorrência, prevista e regulada no Código da Propriedade Industrial.
Ora nos termos e para os efeitos da alínea f) do n.º 1 do artigo 89º do CPC, compete aos Tribunais de Comércio preparar e julgar as ações de declaração em que a causa de pedir verse sobre propriedade industrial em qualquer das modalidades previstas no Código da Propriedade Industrial.

Remata, com a sua absolvição da instância, “por incompetência absoluta em razão da matéria, extinguindo-se os presentes autos e caso, assim não se entenda, devem improceder todos os pedidos da A. por falta de prova e/ou falta de fundamento.”.

Respondeu a A., concluindo pela improcedência de tal matéria de exceção.

Vindo a ser proferido o despacho de 23-07-2012, reproduzido a folhas 139-141, que – considerando ser   "a materialidade com relevância para a apreciação da excepção de competência material deste tribunal (…) a que resulta da alegação factual exarada na petição inicial.”, e que isso posto, “Estão, pois, em causa direitos contemplados no Código da Propriedade Industrial, cuja apreciação da sua violação cabe aos tribunais do comércio.” – concluiu “que é in casu competente para a tramitação e decisão deste processo o Tribunal do Comércio de Lisboa, assim se excluindo a competência material deste tribunal.”, declarando tal incompetência e absolvendo “a ré «B » da instância”.

Inconformada, recorreu a A., vindo esta Relação, por Acórdão de 19-03-2013, reproduzido a folhas 142-151, a produzir o seguinte teor decisório:
“Por todo o exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação
de Lisboa em julgar a apelação procedente, revogando-se a decisão recorrida e, em sua substituição, decide-se julgar o tribunal recorrido materialmente competente para conhecer da presente acção.”
.

Baixando os autos à 1ª instância, foi ali proferido ulterior despacho de 06-11-2014, reproduzido a folhas 2 e v.º – ponderando terem os autos sido “distribuídos à 2ª Secção Cível da Instância Central de Lisboa (Almada)“, consistindo” “numa acção em que a causa de pedir versa sobre a prática de actos de concorrência desleal em matéria de propriedade industrial”, sendo competente “para tais ações (…) o Tribunal da Propriedade Intelectual, nos termos do disposto no art. 111°, n.º 1, j) da Lei n.º  62/2013, de 26 de Agosto.”, e presente o estabelecido no art.º 14º do Decreto-Lei n.º 49/2014, de 27-03, em matéria de transição de processos pendentes – concluiu-se que “os autos deveriam ter sido distribuídos ao Tribunal da Propriedade Intelectual, de competência alargada a todo o território nacional, nos termos do anexo III da Lei n.º 62/2013 supra citada.”.

Sendo no mesmo determinando “ao abrigo do disposto no art. 210º do Cód. Proc. Civil de 2013”, a remessa dos “autos à distribuição junto do Tribunal da Propriedade Intelectual, dando-se baixa da distribuição efectuada.”.

Uma vez mais inconformada, recorreu a A., formulando, nas suas alegações, as seguintes conclusões:

1) O Despacho recorrido, ao julgar que os presentes autos consistem numa acção em que a causa de pedir versa sobre a prática de actos de concorrência desleal em matéria de propriedade industrial, viola o disposto no n.º 1 do artigo 620.º do CPC, numa ofensa a caso julgado formal pelo Acórdão de 19 de Março de 2013, proferido nos presentes autos pela 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, na apelação aí registada sob o n.º 161713/13.
2) Acórdão já transitado em julgado e constante de folhas (...) dos presentes autos, que por razões de economia processual aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.
3) Com efeito, tal Acórdão, decidindo julgar procedente a apelação, julgou o Tribunal de Comarca e de Família e Menores de Almada materialmente competente para conhecer a acção, tendo para o efeito fixado o respectivo objecto do litígio, sua causa de pedir e pedido.

4) Em síntese, (socorrendo-nos do sumário deste acórdão publicado em www.dgsi.pt) tal acórdão fixou que:

1. A competência material do tribunal para conhecer de determinada causa afere-se em função da qualidade das partes e do objecto da acção, tal como vem configurado pelo autor, à luz do respectivo critério legal de atribuição.
2. Para tal efeito, importa atentar na factualidade alegada pelo autor na perspectiva do efeito pretendido, à luz do quadro normativo aplicável, por forma a identificar e caracterizar a causa de pedir em que se funda a pretensão ou as pretensões deduzidas, devendo proceder-se a tal aferição relativamente a cada uma dessas pretensões.
3. No caso presente, muito embora tenha a A. alegado a titularidade de marcas, como objecto de autorização de utilização por parte da R. no quadro do contrato de franquia com esta firmado, as pretensões deduzidas não têm por objecto qualquer efeito reivindicativo de eficácia real na base propriamente desses direitos privativos, mas tão só a inibição de a mesma R. continuar a respectiva exploração em virtude da alegada resolução do referido contrato.
4. O que, fundamentalmente, aqui se pretende é o reconhecimento judicial da resolução do contrato de franquia operada pela A. e a consequente condenação da R. nos efeitos legais e contratuais daí decorrentes, incluindo a descontinuação imediata e permanente do uso de todos os sinais distintivos de comércio “C”, bem como de todos os nomes e marcas similares, ou qualquer outro nome, designação ou marca, ou cores semelhantes que tinham sido concedidos à R. por via do referido contrato.
5. Por sua vez, a pretensão indemnizatória a título de violação da obrigação de não concorrência, foi formulada também com base na alegada violação da obrigação de não concorrência pós-contratual estipulada no mesmo contrato de franquia, cujos parâmetros legais se encontram estabelecidos no artigo 9.º do Dec.-Lei n.º 178/86, aplicável, por analogia, ao contrato de franquia.
6. Conforme doutrina e jurisprudência dominantes, o instituto da concorrência desleal não constitui um direito de propriedade industrial privativo, mas antes um instituto autónomo distinto daqueles direitos, não obstante existirem alguns pontos de contacto entre uns e outros.
7. Nessa linha de entendimento, tem-se considerado que aquele instituto não se inscreve no contencioso dos direitos privativos da propriedade industrial, mormente para efeitos da competência em razão da matéria cometida aos tribunais de comércio pela alínea f) do n.º 1 do artigo 89.º da LOFTJ.
8. Em suma, todas as pretensões deduzidas pela A. nesta acção inscrevem-se no âmbito do contrato de franquia alegado, na sua violação contratual e pós-contratual, imputada à R., bem como na resolução do mesmo com as consequências daí decorrentes. (negrito nosso)
9. Nessa medida, o objecto da presente acção cai no âmbito da competência residual dos tribunais cíveis, em particular dos juízos de competência cível especializada, em conformidade com os artigos 64.º, 65.º, n.º 2, e 94.º da LOFTJ.

5) Donde, no que tange à definição e contornos do objecto do litígio dos presentes autos, do respectivo pedido e causa de pedir, o mesmo já foi julgado pelo Tribunal da Relação de Lisboa, como se inscrevendo no âmbito do contrato de franquia alegado, na sua violação contratual e pós-contratual, imputada à R., bem como na resolução do mesmo com as consequências daí decorrentes, pelo que o Despacho recorrido ao julgar que os presentes autos consistem numa acção em que a causa de pedir versa sobre a prática de actos de concorrência desleal em matéria de propriedade industrial, viola o disposto no n.º 1 do artigo 620.º do CPC numa ofensa a caso julgado formal.
6) Como nos ensina o douto acórdão do STJ de 20/10/2010, tendo por relator o venerando Conselheiro Santos Cabral, o caso julgado enquanto pressuposto processual, conforma um efeito negativo que consiste em impedir qualquer novo julgamento da mesma questão. Com os conceitos de caso julgado formal (cfr. artigo 620.º do Novo CPC) e material (cfr. artigo 619.º do Novo CPC) descrevem-se os diferentes efeitos da sentença. Com o conceito de caso julgado formal refere-se a inimpugnabilidade de um decisão no âmbito do mesmo processo (efeito conclusivo). Por seu turno o caso julgado material tem por efeito que o objecto da decisão não possa ser objecto de outro procedimento.
7) No que concerne á extensão do caso julgado pode distinguir-se entre caso julgado em sentido absoluto e relativo: No primeiro caso a decisão não pode ser impugnada em nenhuma das suas partes. O caso julgado relativo é objectivamente relativo quando só uma parte da decisão se fixou e será subjectivamente relativo quando só pode ser impugnada por um dos sujeitos processuais.
8) Como nos ensina Castro Mendes, o caso julgado formal consubstancia-se na mera irrevogabilidade do acto, ou decisão judicial, que serve de base a uma afirmação jurídica ou conteúdo e pensamento, isto é, uma inalterabilidade da sentença por acto posterior no mesmo processo (Castro Mendes, in "Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil", pág. 16).
9) No caso julgado formal (art. 620.º do Novo CPC), a decisão recai unicamente sobre a relação jurídica processual, sendo, por isso, a ideia de inalterabilidade relativa, devendo falar-se antes em estabilidade, coincidente com o fenómeno de simples preclusão (cfr. Alberto dos Reis, "Código de Processo Civil, Anotado", vol. V, pág. 156).
10) Há, pois, caso julgado formal quando a decisão se torna insusceptível de alteração por meio de qualquer recurso como efeito da decisão no próprio processo em que é proferida, conduzindo ao esgotamento do poder jurisdicional do juiz e permitindo a sua imediata execução (actio judicati) - cfr. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de Janeiro de 2002, Proc. 3924/01; de 3 de Março de 2004, Proc. 215/04; de 20 de Outubro de 2010, Proc. 3554/02 e de 12 de Julho de 2011, Proc. 129/07.
11) Para Damião da Cunha os conceitos de «efeito de vinculação intraprocessual» e de «preclusão» -referidos ao âmbito intrínseco da actividade jurisdicional -querem significar que toda e qualquer decisão (incontestável ou tornada incontestável) tomada por um juiz, implica necessariamente tanto um efeito negativo, de precludir uma «reapreciação» (portanto uma proibição de «regressão»), como um efeito positivo, de vincular o juiz a que, no futuro (isto é, no decurso do processo), se conforme com a decisão anteriormente tomada (sob pena de, também aqui, «regredir» no procedimento). Este raciocínio, adianta o mesmo Autor vale, não só em primeira instância, como em segunda ou terceira instância (embora o grau de vinculação dependa da especificidade teleológica de cada grau de recurso). E este mecanismo vale -ao menos num esquema geral - para qualquer tipo de decisão, independentemente do seu conteúdo, isto é, quer se trate de uma decisão de mérito, quer de uma decisão «processual».

12) Neste sentido, qualquer decisão que se dirige apenas às decisões de mérito contém um efeito de vinculação intra-processual. Do que se trata é, pois, e nesta medida, de um
qualquer exercício de poderes públicos (em que incontestavelmente se insere a função jurisdicional) ter que percorrer um determinado iter formativo para que legitimamente se possa manifestar; assim o que está em causa é que, no exercício da função jurisdicional (repetindo, todavia, que não se trata de um problema exclusivo da função jurisdicional), uma determinada decisão sobre a culpabilidade, tomada por forma legítima (porque, supostamente, se percorreu um iter formativo) e incontestável (porque dela não se interpôs recurso), produza os seus efeitos:

a) o efeito negativo, no sentido de não poder ser colocada novamente em «juízo»; e
b) positivo, no sentido de que, no decorrer da actividade jurisdicional, as questões subsequentes que estejam numa relação de «conexão» não coloquem em causa o já decidido -ou seja, existe o dever de retirar as consequências jurídicas que decorrem da anterior decisão.

13) Como diz Teixeira de Sousa (in “Estudos sobre o Novo Processo Civil”, pág. 579), “não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge estes fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão”.
14) O caso julgado formal respeita, assim, a decisões proferidas no processo, no sentido de determinação da estabilidade instrumental do processo em relação à finalidade a que está adstrito. Ou seja, o caso julgado formal constitui um efeito de vinculação intraprocessual e de preclusão, pressupondo a imutabilidade dos pressupostos em que assenta a relação processual.
15) Assim, no que tange à definição e contornos do objecto do litígio dos presentes autos, bem como sobre o que versa o respectivo pedido e causa de pedir, tal já foi julgado nos presentes autos pelo Tribunal da Relação de Lisboa (cfr. fls...), como se inscrevendo no âmbito do contrato de franquia alegado, na sua violação contratual e pós-contratual, imputada à R., bem como na resolução do mesmo com as consequências daí decorrentes.
16) Pelo que o acórdão de 19/03/2013 proferido nos presentes autos pela 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa (cfr. fls ...) constituir caso julgado formal nos sobreditos termos, impedindo qualquer nova apreciação sobre o que versa a causa de pedir e o pedido, estando precludida qualquer apreciação da mesma matéria que se impôs então como definitiva.
17) Donde o Despacho sob recurso violar o disposto no n.º 1 do artigo 620.º do CPC, por ofender caso julgado, e por tal dever ser revogado.

Todavia,

18) caso assim não se entenda, sem conceder, atenta a posterior entrada em vigor da Lei 62/2013 de 26 de Agosto e do Decreto-Lei n.º 49/2014 de 27 de Março, diplomas nos quais o MM Juiz a quo alicerça a sua decisão, ainda assim sempre se dirá que o referido Despacho viola o disposto quanto às regras de competência dos Tribunais, já que, por todo o supra exposto e alegado, mormente o teor do Acórdão da Relação de Lisboa proferido nos presentes autos (cfr. fls...) e que aqui, mais uma vez por uma questão de economia processual se dá por integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais, o pedido e a causa de pedir continuam a não versar sobre a prática de actos de concorrência desleal em matéria de propriedade industrial.

19) Com efeito, a A. ora Apelante intentou a presente acção declarativa cível com processo especial a que se refere o Decreto-lei 108/2006 contra a Ré “B”, sociedade comercial com o número único de matrícula e de pessoa colectiva (…), invocando para o efeito e em síntese que:

(i) em 1 de Fevereiro de 2007, por força de um contrato de cessão de posição contratual celebrado entre a RÉ (na qualidade de Cessionária) e a sociedade “B”, NIPC 507069390 (na qualidade de Cedente e franquiada) e a aqui AUTORA, então com a denominação “X”, (na qualidade de franquiadora, intervindo no mesmo de modo a autorizar a referida cessão de posição contratual), a sociedade RÉ assumiu a posição de franquiado no contrato de franquia para o conceito “C” anteriormente celebrado entre a Apelante e a ”B”, conforme documento junto como n.º 2 aos autos de Procedimento Cautelar apensos – cfr. artigo 5 da pi junta a fls. (...);
(ii) Como anexo 1 ao referido contrato de cessão de posição contratual, constava o contrato de franchising objecto da cessão, pelo que a RÉ o recebeu e teve pleno conhecimento do seu conteúdo e a ele se obrigou, conforme resulta da cláusula segunda do referido contrato de cessão de posição contratual; contrato que se juntou como documento n.º  3 aos autos de Procedimento Cautelar, que a final se requer a respectiva apensação, e aqui se dá por integralmente reproduzido – cfr. artigo 6 da pi junta a fls. (...);
(iii) Na sequência do referido acordo, à Apelada foi transmitido o Saber-fazer inerente ao conceito do negocio, e esta passou a poder não só utilizar o referido saber- fazer como também actuar comercialmente junto dos consumidores sob os sinais distintivos do comercio da Apelante, e como franquiada da rede “C”, utilizando para o efeito, nomeadamente, material de escritório, papel timbrado, material publicitário e outros com os referidos sinais distintivos do comércio – cfr. artigo 7 da pi junta a fls. (...);
(iv) Em sede da causa de pedir, invocou a Apelante todas as declarações e estipulações contratuais identificadas e parcialmente transcritas do contrato de franchising que vigorou entre as partes e das quais emergem os direitos que pela presente acção pretende fazer valer – cfr. artigos 9.º a 39.º da pi junta aos autos a fls. (...).
(v) Ainda em sede de causa de pedir invocou a Apelante um conjunto de factos e circunstâncias respeitantes à manutenção, duração do vínculo contratual de franquia com a A., bem como, a violação por banda da Apelada das obrigações contratuais estabelecidas entre as partes e bem assim, circunstâncias e factos quando ao tempo e modo da resolução contrato em causa que invoca e entende ser ilícita – cfr. artigos 40.º a 131.º da pi junta aos autos a fls. (...).

Factos com fundamento nos quais, peticionou a Apelante:

1. A declaração judicial de resolução do contrato de franquia em causa nos autos; e,

A Condenação da Apelada:

2. A descontinuar, imediata e permanentemente, o uso de todos os sinais distintivos de comércio “C”, todos os nomes e marcas similares, ou qualquer outro nome, designação ou marca, ou cores semelhantes ou lettering indicando ou sugerindo que a Apelada é ou foi franquiada da Apelante, incluindo qualquer nome de domínio, endereço de correio electrónico, endereço de Internet, ou qualquer outro endereço ou identificador de rede electrónica utilizado pela Apelada que contenha qualquer referência a “C”;
3. A cumprir com o disposto na cláusula 7.ª n.º 1 do contrato de franquia dos autos, ainda que se entenda, sem conceder, que o mesmo não foi objecto de renovação por vontade da Apelada, aplicando-se ainda assim o disposto na cláusula 52.ª n.º 4 do contrato de franquia, deixando de imediato de exercer quaisquer actividade de embelezamento e estética de unhas, ou outra concorrente com os estabelecimentos “C”, a partir das instalações sitas na loja identificada sob o no 1.19, sita (…), tal como está obrigada nos termos do disposto na cláusula 7.1. do contrato de franquia dos autos;
4. Entregar à Apelante todo o material de escritório, papel timbrado, formulários, manuais, outros materiais impressos, filmes, livros, cassetes, video cassetes, software licenciado e material publicitário que contenham os sinais distintivos de comércio “C”, ou quaisquer nomes, designações ou marcas similares, que indiquem ou sugiram que a Apelada é ou foi um franquiado autorizado da Apelante, e devolver prontamente qualquer equipamento que lhe tenha sido emprestado ou locado pela Apelante;
5. Descontinuar, imediata e permanentemente, toda a publicidade feita na qualidade de franquiado “C”, obrigação que compreende, entre outras medidas, a remoção imediata de todos os letreiros na loja identificada sob o no 1.19, sita (…) da Apelada que contenham os sinais distintivos de comércio “C”;
6. Deixar de utilizar, imediata e definitivamente, o Sistema de estética e embelezamento de unhas “C”, nomeadamente, os manuais de operação, manuais de formação, manuais e instrumentos auxiliares de venda, filmes e livros, material publicitário e promocional, bem como todos os segredos comerciais e materiais confidenciais e protegidos que lhe tenham sido entregues pela Apelante ao abrigo do contrato de franquia;
7. Pagar à Apelante a quantia de €5.904,87 (cinco mil novecentos e quatro euros e oitenta e sete cêntimos) respeitantes às facturas supra identificadas no artigo 53º, acrescida dos juros de mora comerciais à taxa legal, vencidos e vincendos calculados desde a data de interpelação para cumprimento efectuada pela Notificação Judicial Avulsa em 12 de Junho de 2010, liquidando-se os juros vencidos à data da propositura da acção em €258,84 (duzentos e cinquenta e oito euros e oitenta e quatro cêntimos);
8. Pagar à Apelante a quantia de €40.000 (quarenta mil euros) a título de indemnização por resolução do contrato de franquia dos autos imputável à Apelada, nos termos previstos na cláusula 55.ª n.º 1 do referido contrato, acrescida dos juros de mora comerciais à taxa legal, vencidos e vincendos calculados desde 28 de Agosto de 2010 (cfr. admonição no 3 da Notificação Judicial Avulsa efectuada em 29 de Julho de 2010 e doc. 25 junto à Providência Cautelar), liquidando-se na os juros vencidos à data da propositura da acção em €1.078,36 (mil e setenta e oito euros e trinta e seis cêntimos), ou, sem conceder, ainda que se entenda que o referido contrato de franquia não foi objecto de renovação tácita, tendo, portanto, caducado em 19 de Setembro de 2008, por inércia da RÉ, ao abrigo da mesma disposição contratual, condenação da Apelada no pagamento à Apelante da quantia de €40.000 (quarenta mil euros) a título de indemnização por caducidade do contrato de franquia dos autos imputável à Apelada, nos termos previstos na cláusula 55.ª n.º 1 do referido contrato, acrescida dos juros de mora comerciais à taxa legal, vencidos e vincendos calculados desde 28 de Agosto de 2010, liquidados à data da propositura da acção os juros vencidos em €1.078,36 (mil e setenta e oito euros e trinta e seis cêntimos);
9. Pagar à Apelante, por força da sanção prevista na cláusula 56.ª n.º 1 d) do contrato de franquia dos autos, a quantia diária de €742,26 (setecentos e quarenta e dois euros e vinte e seis cêntimos) por cada dia de uso não autorizado dos sinais distintivos de comércio da Apelante, desde 29 de Julho de 2010 (data da resolução do contrato de franquia e ou da admonição para cessar de imediato a utilização dos sinais distintivos de comércio da Apelante até ao dia em que cesse de utilizar em definitivo os sinais distintivos de comercio da Apelante, e que na presente data se computa em €113.565,78 (cento e treze mil quinhentos e sessenta e cinco euros e setenta e oito cêntimos) – cfr. pedidos deduzidos na pi a fls. (...) dos autos.

20) Ora, atento o objecto do litígio, causa de pedir e pedido, supra exposto, a verdade é que:

(i) nem tão pouco as alterações legislativas entretanto ocorridas sobre a competência dos tribunais (Lei 62/2013 de 26 de Agosto e Decreto-Lei n.º 49/2014 de 27 de Março) procederam a qualquer alteração de molde a considerar que o objecto do litígio dos presentes autos se possa subsumir ao previsto na alínea j) do n.º 1 do artigo 111.º da LOSJ e, assim, devesse passar para a competência do Tribunal da Propriedade Intelectual;
(ii) nem tão pouco as alterações legislativas entretanto ocorridas sobre a competência dos tribunais (Lei 62/2013 de 26 de Agosto e Decreto-Lei n.º 49/2014 de 27 de Março) passaram a dar competência ao Tribunal da Propriedade Intelectual para:

a) julgar o pedido de resolução do contrato de franquia dos autos;
b) julgar o incumprimento contratual da R./Apelada;
c) julgar o pagamento das prestações pecuniárias devidas por força do  contrato;
d) julgar a indemnização por não concorrência pós contratual.

21) Ou seja, o Tribunal da Propriedade Intelectual não detém a necessária competência jurisdicional para julgar os presentes autos.
22) Com efeito, e já posteriormente ao acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido nos presentes autos, e à instalação e funcionamento do Tribunal da Propriedade Intelectual, veio o Tribunal da Relação de Coimbra  pronunciar-se no mesmo sentido do acórdão dos presentes autos (Cfr. Acórdão da Relação de Coimbra de 16/04/2013, relator Desembargadora Maria José Guerra, disponível em www.dgsi.pt); bem como, novamente, o Tribunal da Relação de Lisboa, (Cfr. Acórdão da Relação de Lisboa de 26/09/2013, relator Desembargador Ezaguy Martins, disponível em www.dgsi.pt);
23) Em síntese, o douto aresto do Tribunal da Relação de Coimbra diz-nos que: “A competência material do Tribunal determina-se pelo pedido formulado pelo Autor e pelos fundamentos que invoca.”
24) (...) Isto significa que a estrutura de causalidade entre causa de pedir e pedido que o autor estabelece na petição inicial, ou no conjunto dos seus articulados, é suficiente, é o contexto, o enquadramento da relação jurídica alegada e, em consequência, da aplicação das normas de competência. A causa de pedir encontra-se, assim, nos factos jurídicos alegados pelo autor que, na sua lógica, permitem o isolamento da relação jurídica necessária para a aplicação da norma de competência.
25) (...) Como vem sendo maioritariamente defendido os actos de concorrência desleal não se esgotam na violação de direitos privativos tutelados pelo CPI (Código da Propriedade Industrial). Nem sempre a concorrência desleal assenta na lesão de um direito privativo, assim como a violação de um direito privativo não consubstancia necessariamente um acto de concorrência desleal – neste sentido, vide, por todos o ac. da Rel. de Lisboa, de 05-02-2009, disponível in www.dgsi.pt.
26) (...) Os argumentos então esgrimidos a respeito da competência dos tribunais cíveis e dos tribunais de comércio a propósito das acções sobre concorrência desleal continuam, em nossa opinião, a manter-se, agora, no confronto entre os tribunais cíveis e o Tribunal de Competência Especializada para a Propriedade Intelectual. Na verdade, expressando a lei – na citada alínea j) do Art. 89º- A, n.º 1 da Lei n.º 3/99, de 13.01 na redacção que resulta da Lei n.º 46/2011, de 24.06 – que compete ao Tribunal de Competência Especializada para a Propriedade Intelectual conhecer das questões relativas a acções em que a causa de pedir verse sobre a prática de actos de concorrência desleal em matéria de propriedade industrial, temos para nós que o legislador quis apenas incluir em tal previsão legal as situações em que a prática de actos de concorrência desleal respeitem a direitos privativos da propriedade industrial.
27) Em tal sentido aponta Pedro Sousa e Silva, in Direito Industrial, Coimbra Editora, 2011, págs. 317 e 318, nota 640, aduzindo que a área de especialização do novo Tribunal de Propriedade Industrial é mais circunscrita do que a da tutela da actividade empresarial em geral, pelo que o sentido a dar à expressão “em matéria de propriedade industrial”, constante da parte final do referido preceito legal abarca apenas as situações em que a prática de actos de concorrência desleal respeitem a direitos privativos da propriedade industrial, tecendo, ainda, considerações sobre a opção do legislador.
28) Ora, nos presentes autos, como já alegado supra e julgado pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 19/03/2013, é patente que o núcleo essencial da causa de pedir invocada pela ora Apelante radica no cumprimento e ou incumprimento do contrato de franquia dos autos, na sua violação contratual e pós-contratual, imputada à R., bem como na resolução do mesmo com as consequências daí decorrentes.
29) Ora, e agora já no domínio do criado e instalado Tribunal da Propriedade Intelectual – sendo sabido que aquele abarca os direitos de autor e direitos conexos e a propriedade industrial – partindo do princípio de que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, não desconhecendo a lei vigente e as correntes doutrinárias e jurisprudenciais nesta matéria, não poderemos assinalar outro alcance à redacção do actual art.º 89º- A, n.º 1, alínea j), da L.O.F.T.J., que não seja o de excluir da competência daquele Tribunal, as acções em que a causa de pedir verse sobre a prática de actos de concorrência desleal que não sejam em matéria de propriedade industrial. Desse modo consagrando o entendimento perfilhado por Oliveira Ascensão, para quem, e como visto, “para além das condutas tipificadas como violadoras de direitos privativos, há muitas outras pelas quais se manifesta a concorrência desleal.” (Cfr. Acórdão da Relação de Lisboa de 26/09/2013, relator Desembargador Ezaguy Martins, disponível em www.dgsi.pt).
30) Continuando o douto aresto, “(...) repare-se que no anterior art.º 89º, n.º 1, daquela lei, se atribuía competência aos tribunais de comércio para “f) As acções de declaração em que a causa de pedir verse sobre propriedade industrial, em qualquer das modalidades previstas no Código da propriedade Industrial. Enquanto agora, no âmbito já do art.º 89º-A, n.º 1, para além de se manter, na alínea b), idêntica norma – reportada ao tribunal da propriedade intelectual – se dispôs especificamente quanto à matéria da concorrência desleal, na sobredita alínea j), em termos que claramente distinguem entre concorrência desleal em matéria de propriedade industrial e sem ser em matéria de propriedade industrial.
31) O que forçosamente implica a assimilação da primeira “modalidade” de concorrência às hipóteses em que a mesma implica a violação de um direito privativo da propriedade industrial que não é pressuposta na segunda “modalidade”.
32) Pelo exposto, os actos que constituem a causa de pedir nos presentes autos, não só não constituem violação de direitos privativos da propriedade industrial, como se reconduzem a um negócio de carácter meramente civil, não sendo, portanto, susceptíveis de serem subsumidos ao disposto na alínea j) do n.º 1 do artigo 111.º da LOSJ (Lei n.º 62/2013 de 26 de Agosto), que determinaria a competência para julgar a causa ao Tribunal da Propriedade Intelectual, mas sim, residualmente, ao Tribunal de Comarca, por força do previsto no artigo 80.º e 81.º da LOSJ (em especial a alínea a) do n.º 2), In casu, o Tribunal de Comarca de Lisboa – Instância Central de Almada, por força das disposições conjugadas dos artigos 60.º, 64.º, 65.º,66.º e 71.º n.º 1 do CPC; artigo 117.º n.º 1 alínea a) da LOSJ e artigo 84.º n.º 1 alínea c) do Decreto-Lei n.º 49/2014 de 27 de Março.
33) Pelo que, no que tange ao regime de transição dos processos pendentes estipulado no artigo 104.º do Decreto-Lei n.º 49/2014 de 27 de Março, por força do disposto no seu n.º 1, andou-se bem ao proceder-se à distribuição do processo à Instância Central Cível de Almada.
34) Ao não se entender assim, a Apelante veria o exercício do seu direito à demanda coarctado, porquanto não poderia em sede de acção da competência do Tribunal da Propriedade Intelectual arguir a resolução do contrato de franquia dos autos, o incumprimento contratual da R./Apelada, o pagamento das prestações pecuniárias devidas por força do contrato e a indemnização por não concorrência pós contratual, uma vez que o Tribunal da Propriedade Intelectual, pelas mesmas razões supra elencadas, não detém a necessária competência jurisdicional.
35) Ao ter decidido em sentido contrário, violou o Despacho recorrido, por um lado, quanto à ofensa de caso julgado formal, o disposto no artigo 620.º n.º 1 do CPC e por outro, quanto à competência dos tribunais em razão da matéria, o disposto nos artigos 60.º, 64.º, 65.º, 66.º e 71.º n.º 1, todos do CPC; artigo 80.º, artigo 81.º n.º 2 alínea a) e artigo 117.º n.º 1 alínea a) todos da LOSJ e artigo 84.º n.º 1 alínea c) e artigo 104.º n.º 1, ambos do Decreto-Lei n.º 49/2014 de 27 de Março, os quais devem ser interpretados no sentido de que, não havendo nenhuma disposição legal que atribua competência a outra ordem jurisdicional nos termos do disposto no citado artigo 80.º da LOSJ, o Tribunal a quo é o competente para julgar a presente acção revogando-se o Despacho recorrido, substituindo-se por outro que julgue o Tribunal a quo como o materialmente competente para a julgar.”.

Não se mostram produzidas contra-alegações.

II- Corridos os determinados vistos, cumpre decidir.

Face às conclusões de recurso, que como é sabido, e no seu reporte à fundamentação da decisão recorrida, definem o objeto daquele – vd. art.ºs 635º, n.º 3, 639º, n.º 3, 608º, n.º 2 e 663º, n.º 2, do Código de Processo Civil – são questões propostas à resolução deste Tribunal:

- se o despacho recorrido ofende caso julgado operado pelo já referido Acórdão desta Relação, reproduzido a folhas 142-151;
- se a competência, em razão da matéria, para a presente ação, pertence ao tribunal recorrido ou ao Tribunal da Propriedade Intelectual.
***
Com interesse, emerge da dinâmica processual o que se deixou referido supra, em sede de relatório.
***
Vejamos então:

1. O Acórdão desta Relação de 19-03-2013, reproduzido a folhas 142-151, revogou o sobredito despacho de 23-07-2012, julgando, “em sua substituição (…) o tribunal recorrido materialmente competente para conhecer da presente acção”.

E assim depois de ponderar, designadamente, que “a pretensão indemnizatória a título de violação da obrigação de não concorrência, foi formulada também com base na alegada violação da obrigação de não concorrência pós-contratual estipulada no mesmo contrato de franquia (…) De resto e como tem vindo a ser sustentado pela larga maioria da doutrina e da jurisprudência (…) mesmo o instituto da concorrência desleal não constitui um direito industrial privativo, mas antes um instituto autónomo (…) que (…) não se inscreve no contencioso dos direitos privativos da propriedade industrial, mormente para efeitos da competência em razão da matéria cometida aos tribunais de comércio pela alínea f) do n.º 1 do artigo 89º da LOFTJ.

Concluindo que “Em suma, todas as pretensões deduzidas pela A. nesta acção se inscrevem no âmbito do contrato de franquia alegado, na sua violação contratual e pós-contratual, imputada à R., bem como na resolução do mesmo com as consequências daí decorrentes.

E “Nessa medida, não se vislumbra que estejamos perante o foro privativo dos tribunais de comércio, mas sim no âmbito da competência residual dos tribunais cíveis, em particular dos juízos de competência cível especializada, como é o caso, em conformidade com os artigos 64º, 65º, n.º 2, e 94º, da LOFTJ.”.

2. Como é sabido, o caso julgado traduz-se na inadmissibilidade da substituição ou modificação da decisão – transitada em julgado, cfr. art.º 677º, do anterior Código de Processo Civil e 628º do novo Código de Processo Civil – por qualquer tribunal, incluído aquele que a proferiu.

Podendo ser formal ou material, consoante o âmbito da sua eficácia.

Assim, o primeiro, só tem um valor intraprocessual, ou seja, só é vinculativo no próprio processo em que a decisão foi proferida, cfr. art.º 672º, do anterior Código, a que corresponde o artigo 620º do atual Código de Processo Civil.

Já o caso julgado material, além dessa eficácia intraprocessual, é suscetível de valer num processo distinto daquele em que foi proferida a decisão transitada, cfr. art.º 671º, n.º 1, do anterior Código de Processo Civil/artigo 619º, n.º 1 do novo Código de Processo Civil.

Correspondendo o caso julgado, e nas palavras de Teixeira de Sousa,[1] a “uma exigência da boa administração da justiça, da funcionalidade dos tribunais e da salvaguarda da paz social, pois que evita que uma mesma ação seja instaurada várias vezes, obsta a que sobre a mesma situação recaiam soluções contraditórias e garante a resolução definitiva dos litígios que os tribunais são chamados a dirimir.”.

Definindo-se o objeto da ação pelo pedido e pela causa de pedir, também a identidade do pedido e da causa de pedir corresponde à identidade do objeto[2] da decisão transitada em julgado.

 Assim, abrangendo o caso julgado a parte decisória da decisão, mas por que aquela é a conclusão extraída dos seus fundamentos – cfr. art.ºs 659º, n.º 2, in fine, e 713º, n.º 2, do Código de 1961, e 607º, n.º 3 e 663º, n.º 2, do novo Código – o respetivo caso julgado encontra-se sempre referenciado a certos fundamentos.

Como refere Miguel Teixeira de Sousa, “Não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge estes fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão”.[3]

E “o caso julgado também possui um valor enunciativo: essa eficácia de caso julgado exclui toda a situação contraditória ou incompatível com aquela que ficou definida na decisão transitada (…)
Além disso, está igualmente afastado todo o efeito incompatível, isto é, todo aquele que seja excluído pelo que foi definido na decisão transitada”.[4]

Nesta linha, a jurisprudência tem, de forma sistemática, reiterado o entendimento de que são abrangidas pelo caso julgado as questões apreciadas que constituam antecedente lógico indispensável da parte dispositiva da sentença.

E, assim, v. g. o Supremo Tribunal de Justiça, nos seus Acórdãos de 29-06-1976,[5] com anotação concordante de Vaz Serra, na R.L.J, Ano 110º, pág. 232, e de 09-05-1996.[6]

Tendo-se considerado, no último daqueles arestos, que “Relativamente à questão de saber que parte da sentença adquire, com o trânsito desta, força obrigatória dentro e fora do processo – que é o problema dos limites objectivos do caso julgado –, temos de reconhecer que, considerando o caso julgado restrito à parte dispositiva do julgamento, há que alargar a sua força obrigatória à resolução das questões que a sentença tenha tido necessidade de resolver como premissa da conclusão firmada.
Efectivamente, a decisão não é mais nem menos do que a conclusão dos pressupostos lógicos que a ela conduzem – precisamente, os fundamentos – e aos quais se refere.”.

Deste modo, “O caso julgado há-de poder ser invocado quando a sua não extensão aos fundamentos possa gerar contradição entre os fundamentos de duas decisões que seja susceptível de inutilizar praticamente o direito que a primeira decisão haja salvaguardado (…).[7]
Ora, isto visto, temos que, por via do seu trânsito em julgado, o respigado acórdão desta Relação, de 19-03-2013, definiu, com força obrigatória dentro do processo – e para efeitos de competência material – não só que a competência para a presente ação era do então juízo de competência cível, como ainda que “a pretensão indemnizatória a título de violação da obrigação de não concorrência, foi formulada também com base na alegada violação da obrigação de não concorrência pós-contratual estipulada no mesmo contrato de franquia (…), e que o instituto da concorrência desleal não constitui um direito industrial privativo, mas antes um instituto autónomo (…) que (…) não se inscreve no contencioso dos direitos privativos da propriedade industrial, mormente para efeitos da competência em razão da matéria cometida aos tribunais de comércio pela alínea f) do n.º 1 do artigo 89º da LOFTJ”.

E que, “Em suma, todas as pretensões deduzidas pela A. nesta acção se inscrevem no âmbito do contrato de franquia alegado, na sua violação contratual e pós-contratual, imputada à R., bem como na resolução do mesmo com as consequências daí decorrentes.”.

3. O processo foi inicialmente distribuído ao 4º Juízo de Competência Cível do Tribunal de Comarca e de Família e Menores de Almada, definido na então vigente LOFTJ – aprovada pela Lei n.º 38/87, de 23 de Dezembro, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro e demais subsequentes, anteriores à Lei n.º 46/2011, de 24-06 – como juízo de competência específica, para preparar e julgar os processos de natureza cível que não sejam de competência das varas cíveis e dos juízos de pequena instância cível, cfr. artigos 96º, n.º 1, alínea c) e 99º, daquela Lei (sendo o primeiro na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 38/2003, de 08-03)

Tendo depois transitado para a 2ª Secção Cível da Instância Central de Almada, da Comarca de Lisboa, concede-se que nos quadros do regime de transição de processos pendentes estabelecido no artigo 104º do Decreto-Lei n.º 49/2014, de 27-3.
Quando da prolação do despacho recorrido – em 06-11-2014 – vigorava já a Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto, que foi regulamentada pelo citado Decreto-Lei n.º 49/2014.

A referida Lei, no tocante a tribunais de 1ª instância, e pelo que agora interessa, comete aos tribunais de comarca a competência para “preparar e julgar os processos relativos a causas não abrangidas pela competência de outros tribunais”, cfr. artigo 80º, n.º 1.

Prevendo, por outro lado, a possibilidade de existência de “tribunais judiciais de primeira instância com competência para mais do que uma comarca ou sobre áreas especialmente referidas na lei, designados por tribunais de competência territorial alargada.”, vd. artigo 83º, n.º 1.

Sendo esses últimos, tribunais “de competência especializada”, que “conhecem de matérias determinadas, independentemente da forma de processo aplicável”, n.º 2 do mesmo artigo.

Entre eles, e “nomeadamente” se incluindo “O tribunal da propriedade intelectual;”, vd. n.º 3, alínea a), daquele artigo 83º.
Definindo-se no artigo 111º, n.º 1, alínea j), da LOSJ – normativo convocado no despacho recorrido – a competência de tal espécie de tribunal, para conhecer das “Ações em que a causa de pedir verse sobre a prática de atos de concorrência desleal em matéria de propriedade industrial;”.

Da competência das secções cíveis das instâncias centrais da comarca –– previstas como secções de competência especializada, no artigo 81º, n.ºs 1, alínea a) e 2, alínea a), trata o artigo 117º da LOSJ.

Dispondo aquele, e no que aqui pode interessar, que:

“1 - Compete à secção cível da instância central:
a) A preparação e julgamento das ações declarativas cíveis de processo comum de valor superior a €50.000;”.

Por sua vez, o artigo 104º do Decreto-Lei n.º 49/2014 – sendo manifesto o lapso da referência, no despacho recorrido, ao artigo 14º daquele diploma – dispôs, sob a epígrafe “Transição de processos pendentes”:

“1 - Os processos que em cada uma das áreas se encontrem pendentes nos atuais tribunais de comarca, à data da instalação dos novos tribunais, transitam para as secções de competência especializada das instâncias centrais, de acordo com as novas regras de competência material e territorial, com exceção dos processos pendentes nos juízos de competência específica cível relativos às matérias da competência das secções de comércio, os quais transitam para as correspondentes secções da instância local.
2 - Os processos pendentes nas atuais varas cíveis, varas com competência mista cível e criminal e juízos de grande instância cível das comarcas piloto, independentemente do valor, transitam igualmente para as secções de competência especializada das instâncias centrais referidas no número anterior.
3 -Transitam para os tribunais de competência territorial alargada, à data da instalação dos novos tribunais, os processos pendentes nos atuais tribunais de competência especializada que lhes correspondam.
4 -Os processos pendentes nos atuais tribunais e juízos de competência especializada das comarcas piloto, não incluídos no número anterior, transitam, dentro do mesmo município, à data da instalação dos novos tribunais, para as secções de competência especializada das instâncias centrais, de acordo com as regras de competência material.
5 - Os processos pendentes nas atuais comarcas, não abrangidos pelas regras previstas nos números anteriores, transitam, à data da instalação dos novos tribunais, para as respetivas instâncias locais.
6 - Os processos objeto de interposição de recurso jurisdicional que se encontrem pendentes nas instâncias superiores, à data da instalação dos novos tribunais, transitam, após decisão, para as secções ou tribunais competentes, de acordo com as novas regras de competência material e territorial, sem prejuízo do previsto no n.º 2.
7 - Os processos em que o Ministério Público é titular, pendentes nos atuais tribunais, departamentos de investigação e ação penal ou serviços do Ministério Público, transitam, à data da instalação dos novos tribunais, para os departamentos ou serviços do Ministério Público que lhes correspondam.”.

Confrontando-nos assim com derrogação da regra perpetuatio jurisdictionis (semel competens semper competens), segundo a qual a competência se fixa no momento em que a ação se propõe, sendo irrelevantes as modificações de facto e de direito que ocorram posteriormente, e que consagrada no artigo 22º da LOFTJ, transitou para o artigo 38º da atual LOSJ.

Derrogação porém consentida – na circunstância de o artigo 117º daquele Decreto-Lei ter extinto os “actuais” “distritos judiciais, círculos judiciais e comarcas” – pela ressalva, no n.º 2 do citado artigo 22º da LOFTJ, como do também referenciado artigo 32º da LOSJ, das modificações de direito, em caso de supressão do “órgão a que a causa estava afeta.” (n.º 2, em ambos os artigos).

4. Ora a transição de processo pendente em juízo de competência cível, para o Tribunal de competência alargada, da Propriedade Intelectual, não encontra cobertura em qualquer dos n.ºs do artigo 104º, da LOSJ – sendo que o despacho recorrido transcrevendo a integralidade do artigo não referencia nenhum daqueles.

Apenas o n.º 3 do referido artigo prevendo a transição de processos para os tribunais de competência alargada, ponto também é que contempla tão-somente a dos “pendentes nos atuais tribunais de competência especializada que lhes correspondam”.
O que não é o caso dos Juízos de Competência Cível dos extintos Tribunais de Comarca, relativamente ao Tribunal da Propriedade Intelectual.

Desde logo, por isso que no domínio da LOFTJ – o preceito em análise refere-se aos “atuais tribunais de comarca” – os juízos de competência cível, como visto já, são tribunais de competência específica – vd. citado artigo 96º, n.º 1, alínea c) – que não de competência especializada (cível ou criminal, cfr. artigo 93º).

Depois, porque os tribunais de competência especializada que corresponderiam ao novel Tribunal da Propriedade Intelectual, seriam:
- O Tribunal da Propriedade Intelectual criado pela Lei n.º 46/2011 de 24 de Junho, a qual alterou o artigo 78º da LOFTJ, e aditou a esta o artigo 89º-A, definindo a competência daquele Tribunal…
…Mas sendo que o disposto em tal artigo apenas produziu efeitos com a instalação do Tribunal da Propriedade Intelectual – vd. o artigo 20º, n.ºs 1 e 2 daquela Lei n.º 46/2011 – e que esse tribunal apenas passou a ser competente para os processos instaurados depois da sua instalação, mantendo-se a competência dos tribunais que antes existiam para os processos neles pendentes, cfr. artigo 18.°, da dita Lei.
- O pré-existente Tribunal do Comércio – vd. artigo 78º, alínea e), da LOFTJ – cuja competência, definida no artigo 89º da mesma Lei – na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18-03 – abrangia a preparação e julgamento das (n.º 1, alínea f)) “…acções de declaração em que a causa de pedir verse sobre propriedade industrial, em qualquer das modalidades previstas no Código da Propriedade Industrial;”, e (n.º 1, alínea h)) das “…acções de nulidade e de anulação previstas no Código da Propriedade Industrial.”.

Não colhendo eventual pretensão de contornar o que se nos afigura ser o inarredável sentido e alcance do sobredito artigo 104º, do Decreto-Lei n.º 49/2014, afirmando – como apenas se fez no despacho recorrido – que a causa de pedir na ação “versa sobre a prática de actos de concorrência desleal em matéria de propriedade industrial”, e que, assim sendo, porque caberia na competência do então Tribunal do Comércio (de Lisboa), se justificaria a transição dos autos para o novel Tribunal da Propriedade Intelectual, por conforme à ratio do n.º 3 daquele artigo.

É que uma tal abordagem afrontaria o caso julgado formal operado pelo Acórdão desta Relação, de 19-03-2013, no tocante à definição da causa de pedir na ação, nos termos que se referiram supra, e designadamente enquanto concluiu que “todas as pretensões deduzidas pela A. nesta acção se inscrevem no âmbito do contrato de franquia alegado, na sua violação contratual e pós-contratual, imputada à R., bem como na resolução do mesmo com as consequências daí decorrentes.

Com exclusão, da invocada causa petendi, da prática de atos de concorrência desleal em matéria de propriedade industrial.

Não tendo o artigo 104º, n.º 3, da LOSJ a virtualidade de derrogar tal segmento do considerado caso julgado.

Para além de que a definição, com trânsito em julgado, da competência material do então Juízo de Competência Cível da Comarca de Almada, no supracitado Acórdão desta Relação, não obstando à ulterior extinção daquele Juízo e à transição dos processos nele pendentes para os novos tribunais que viessem a abranger a competência daquele, nos termos estabelecidos pelo sobredito artigo 104º, implicou que essa transição fosse para Tribunal com competência na área “cível”.

Sob pena, a não ser assim, acolhendo-se a “solução” afirmada no despacho recorrido, de se derrogar o decidido com trânsito em julgado naquele Acórdão.
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Cobrando pois aplicação, como foi inicialmente observado na 1ª instância, o disposto no n.º 1, 1ª parte, do referido artigo 104º: “Os processos que em cada uma das áreas se encontrem pendentes nos atuais tribunais de comarca, à data da instalação dos novos tribunais, transitam para as secções de competência especializada das instâncias centrais, de acordo com as novas regras de competência material e territorial (…)”.

E assim se mantendo a competência material do tribunal recorrido para a presente ação.

Com procedência das conclusões da Recorrente.

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III - Nestes termos, acordam em julgar a apelação procedente, e revogam o despacho recorrido, a substituir por outro que, se a tanto nada mais obstar, determine o prosseguimento dos autos.

Custas pelo vencido a final.

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Em observância do disposto no n.º 7 do art.º 663º, do Código de Processo Civil, passa a elaborar-se sumário, da responsabilidade do relator, como segue:

I - Abrangendo o caso julgado a parte decisória da decisão, mas por que aquela é a conclusão extraída dos seus fundamentos, o respetivo caso julgado encontra-se sempre referido àqueles.
II – Assim, o caso julgado formado por Acórdão da Relação, que decide ser um tribunal de 1ª instância o competente em razão da matéria para determinada ação, para isso atendendo não só ao pedido formulado como ao que entendeu ser a correspondente causa de pedir, estende-se a essa definição da causa de pedir.
III – A declaração, com trânsito em julgado, no domínio de vigência da LOFTJ, da competência material de um Juízo de Competência Cível, não obstando à ulterior extinção daquele Juízo, pelo Decreto-Lei n.º 49/2014, de 27-3 e à transição dos processos nele pendentes para os novos tribunais que viessem a abranger a competência do mesmo, nos termos estabelecidos pelo sobredito Decreto-Lei, impede porém o reequacionamento da questão da causa de pedir na ação respetiva.

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Lisboa, 2015-10-01


(Ezagüy Martins)
(Maria José Mouro)
(Maria Teresa Albuquerque)


[1] In “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, LEX, 1997, pág. 568.
[2] Idem, pág. 318.
[3] Teixeira de Sousa, in op. cit., págs. 578, 579.
[4] Idem, pág. 579.
[5] In B. M. J. 258º, 220.
[6] In CJAcSTJ, Ano IV, tomo II, págs. 55-58.
[7] Assim, Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado, Rui Pinto, in “Código de Processo Civil, Anotado”, Vol. 2º, Coimbra Editora,
2001,pág.322.