Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
79/17.6YRLSB-2
Relator: TERESA ALBUQUERQUE
Descritores: PROPRIEDADE INDUSTRIAL
MEDICAMENTO GENÉRICO
PATENTE
TRIBUNAL ARBITRAL
COMPETÊNCIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/25/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário:
I - Em sede de arbitragem necessária (e ao contrário do que sucede na arbitragem convencional em que a competência do tribunal há-de advir da convenção arbitral), a competência do tribunal arbitral em razão da matéria, ter-se-á de aferir pela natureza da relação jurídica tal como é apresentada pelo Demandante na petição inicial, cabendo, assim, verificar se a relação jurídica ali delineada corresponde a um conflito que se integre na matéria em relação à qual, o Estado, confiando-a à arbitragem necessária, abdicou de a julgar através da sua organização.
II – No caso da arbitragem necessária estabelecida na L 62/2011 de 12/12 a norma de atribuição de jurisdição e competência corresponde à do seu art 2º.
III -De acordo com ela, o o litígio que fica sujeito a arbitragem necessária é o que traduz um conflito entre, por um lado, o interessado na proteção de direitos de propriedade industrial que lhe advenha da titularidade dos direitos de patente relacionados com medicamentos de referência, (na acepção da alínea ii) do n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 176/2006, de 30 de Agosto), e por outro, o interessado na introdução no mercado de medicamentos genéricos.
IV - Para a competência do tribunal arbitral não é necessário alegar que o medicamento de referência é produzido utilizando os processos e possui as caracteristicas técnicas reivindicadas na EP.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral:

Acordam na 2ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa


            I - G. D. Searle, LLC (“Primeira Demandante” ou “Searle”) e Janssem Sciences Ireland UC (“Segunda Demandante” ou “Janssen), conjuntamente designadas por "Demandantes”, na acção arbitral necessária que movem contra Teva B.V (“Demandada” ou Teva), pediram a condenação desta a:

a) abster-se de, em território português, ou tendo em vista a comercialização nesse território, importar, fabricar, armazenar, introduzir no comércio, vender ou oferecer os medicamentos genéricos contendo como princípio ativo o Darunavir identificados no artigo 194° da presente petição, ou qualquer outro medicamento contendo Darunavir como única substância ativa ou em associação com qualquer outra ou outras substâncias ativas, enquanto o CCP 270 se encontrar em vigor, ou seja, até 24 de fevereiro de 2019;

b) abster-se de, em território português, ou tendo em vista a comercialização nesse território, importar, fabricar, armazenar, introduzir no comércio, vender ou oferecer os medicamentos genéricos contendo como princípio ativo o Darunavir identificados no artigo 194." da presente petição, ou qualquer outro medicamento contendo o Darunavir, como única substância ativa ou em associação com qualquer outra ou outras substâncias ativas, na forma de darunavir etanolato, bem como nas formas equivalentes, incluindo o darunavir hidrato, enquanto as patentes EP 1 567 529 e EP 2 314 591 se encontrarem em vigor;

c) abster-se de, em território português, ou tendo em vista a comercialização nesse território, importar, fabricar, armazenar, introduzir no comércio, vender ou oferecer os medicamentos genéricos contendo como princípio ativo o Darunavir identificados no artigo 194.° da presente petição, ou qualquer outro medicamento contendo Darunavir, como única substância ativa ou em associação com qualquer outra ou outras substâncias ativas, fabricados sob os processos constantes das patentes EP 1 448 567, EP 1 725 566 e EP 2 089 371, enquanto as mesmas patentes se encontrarem em vigor;

d) com vista a garantir o exercício dos direitos da Demandante, a não transmitir a terceiros as AIMs identificadas no artigo 194.° da presente petição, até à caducidade dos referidos direitos de patente ora exercidos;

e) nos termos do disposto no artigo 829º-A do Código Civil, uma sanção pecuniária compulsória de valor não inferior a € 110.000,00 (cento e dez mil euros), por cada dia de atraso no cumprimento da condenação que vier a ser proferida nos termos do primeiro, do segundo e do terceiro pedidos; e

f) suportar todos os custos e encargos decorrentes da presente ação arbitral, e ainda a reembolsar as Demandantes das provisões por honorários dos árbitros e secretário e despesas administrativas, pagas pelas Demandantes em seu nome ou em suprimento da sua falta pela Demandada, hem como os honorários dos mandatários das Demandantes e outras despesas que estas tenham tido com o processo.

A Demandada contestou, fazendo valer o entendimento de que o medicamento genérico “darunavir” não constitui violação dos direitos de propriedade industrial das Demandantes, para o que e antes de mais, se defendeu por excepção, invocando a incompetência do tribunal arbitral para apreciar a infração das patentes europeias EP1448567, EP1567529, EP1725566, EP2089371 e EP2314591.

Referiu para esse efeito:

«A Lei 62/2011 é clara: apenas os litígios emergentes da invocação de direitos de propriedade industrial relacionados com medicamentos de referência estão sujeitos a arbitragem necessária. Por outras palavras, os direitos de propriedade industrial, que podem ser invocados contra medicamentos genéricos através de arbitragem necessária, são apenas aqueles relativos a um medicamento de referência. Neste caso, o medicamento de referência das Demandantes é o Prezista, que compreende o ingrediente ativo darunavir.A Demandada não sabe, e não tem obrigação de saber, se o medicamento de referência Prezista das Demandantes é produzido através dos processos, e se possui as características técnicas, reivindicados nas patentes EP1448567, EP1567529, EP1725566, EP2089371 e EP2314591. As Demandantes não demonstraram, nem sequer alegaram, que as patentes EP1448567, EP1567529, EP1725566, EP2089371 e EP2314591 abrangem, ou estão de algum modo relacionadas com, o medicamento de referência Prezista. A mera afirmação de que as patentes invocadas "protegem processos de preparação de Darunavir, que são adequados ao fabrico em escala industrial" e que como o genérico da Demandada será "comercializado em escala comercial', irá infringir tais patentes é inócua e padece de fundamento, fáctico e jurídico.Consequentemente, as patentes EP1448567, EP1567529, EP1725566, EP2089371 e EP2314591 não podem ser invocadas na presente ação arbitral»

Dessa excepção defenderam-se as Demandantes no articulado de resposta, invocando:

A argumentação da Demandada a este propósito é, para além de escassa, deveras ininteligível, pois a mesma vem argumentar que desconhece, sem a obrigação de conhecer, se o medicamento de referência das Demandantes é produzido utilizando os processos ou sequer se possui as características técnicas reivindicados nas patentes EP 1 448 567, EP 1 567 529, EP 1 725 566, EP 2 089 371 e EP 2 314 591, dai resultando uma suposta impossibilidade de invocação dos correspondentes direitos de patente invocados nestes autos.

Daqui parece decorrer que só as patentes de produto poderiam ser invocadas ao abrigo da Lei n. 62/2011, de 12 de dezembro (doravante apenas "Lei 62/2011"), sendo o Tribunal Arbitral constituído competente apenas para conhecer da infração de tais patentes de onde resultasse a proteção da própria substância ativa do medicamento de referência em causa.

Nos termos do disposto no artigo 2.° da na Lei 62/2011, os litígios emergentes da invocação de direitos de propriedade industrial relacionados com medicamentos de referência e os medicamentos genéricos, «independentemente de estarem em causa patentes de processo, de produto ou de utilização, ou de certificados complementares de protecção», ficam sujeitos a arbitragem necessária.

E, nos termos do artigo 3°/1, qualquer «interessado que pretenda invocar o seu direito de propriedade industrial» nos termos do citado artigo 2°, deve fazê-lo junto do tribunal arbitral institucionalizado ou efetuar pedido de submissão do litígio a arbitragem não institucionalizada.

De onde resulta que o Tribunal Arbitral constituído no âmbito desta arbitragem necessária será sempre competente para apreciar a infração de todos e quaisquer direitos de propriedade industrial que as Demandantes considerem que serão infringidos pela comercialização dos medicamentos genéricos para os quais a Demandada pediu AIMs, indicando como medicamento de referência o medicamento das Demandantes.

Desde logo, não é despiciendo que a Demandada não fundamente, nem sequer sumariamente, a sua tese no sentido de que o Tribunal Arbitral é incompetente para apreciar a infração de determinadas patentes e que a Demandante deveria alegar e demonstrar que o medicamento de referência destas "está relacionado" com as Patentes que a mesma invoca nos autos.

A verdade é que não há como sustentar tal tese, pois os direitos de propriedade industrial que que as Demandantes invocam nestes autos derivam da titularidade de patentes e não de medi­camentos.

Pelo contrário, nos termos do artigo 101º do Código da Propriedade Industrial (doravante apenas "CPP"), as patentes conferem o direito às Demandantes de impedir que terceiros, sem o seu consentimento, explorem o invento patenteado, por qualquer das formas definidas no artigo 101º/2 do CPI, durante o periodo de vigência das referidas patentes.

Não constitui sequer requisito da invocação dos referidos direitos que um titular de uma patente explore diretamente (ou por pessoa por ele autorizada) as invenções patenteadas – pelo que os argumentos da Demandada são irrelevantes para a apreciação da questão da infração de tais direitos.

Em sede de saneador julgou o tribunal arbitral improcedente a excepção de incompetência (parcial) do Tribunal Arbitral, nos seguintes termos:

«Sustenta a demandada, a este respeito, desconhecer se o medicamento de referência das demandantes é produzido com utilização dos processos ou se possui as carateristicas técnicas reivindicados nas sobreditas patentes, daí resultando uma suposta impossibilidade de invocação dos correspondentes direitos.

Do que logicamente decorreria que só as patentes de produto poderiam ser invocadas ao abrigo da Lei n.° 62/2011, de 12 de dezembro, sendo o Tribunal Arbitral competente apenas para conhecer da infração de tais patentes de onde resultasse a proteção da própria substância ativa do medicamento de referência em causa. 

 Sem razão, porém.

 Nos termos do disposto no art 2° dessa lei especial, os litígios emergentes da invocação de direitos de propriedade industrial relacionados com medicamentos de referência e os medicamentos genéricos, "independentemente de estarem em causa patentes de processo, de produto ou de utilização, ou de certificados complementares de proteção", ficam sujeitos a arbitragem necessária. Sendo que, nos termos do nº 1 do respetivo art 3º, qualquer interessado que pretenda invocar o seu direito de propriedade industrial ao abrigo daquele art 2º deve fazê-lo junto do tribunal arbitral institucionalizado ou efetuar pedido de submissão do litígio a arbitragem não institucionalizada.

A competência do tribunal arbitral deve ser aferida em função dos termos em que a petição inicial foi deduzida em juízo (com data de 5 de fevereiro de 2016). Ora, nesse articulado peticionam as demandantes ao tribunal arbitral necessário o reconhecimento da infração (pela demandada) de todos os direitos de propriedade industrial de que alegadamente são titulares, violação essa que, na sua ótica, se traduz na comercialização dos medicamentos genéricos para os quais a demandada solicitou AIM's, indicando como medicamento de referência o medicamento das demandantes. Direitos esses que as demandantes alegam derivar da titularidade das patentes, que não própria e tão-somente de medicamentos. Não é, pois, o caso, muito menos no presente estádio processual, operar uma cisão discriminatória entre as patentes invocadas como causa de pedir para efeitos de aferição da competência do tribunal rationae materiae em função das concretas patentes em jogo.Tal (eventual) discriminação relevará em sede de julgamento de mérito, que não em sede de exceção dilatória, rectius de exceção de incompetência (parcial) do Tribunal Arbitral.         Improcede, por conseguinte, a invocada exceção.»

II - È do assim decidido que vem interposta a presente apelação cujas alegações a Demandada concluiu nos seguintes termos:

1 - O artigo 18º/ 9 da Lei 63/2011 de 14 de dezembro (Lei da Arbitragem voluntária ou LAV), as partes poderão impugnar a decisão do tribunal arbitral sobre a sua competência para o tribunal estadual competente, neste caso o Tribunal da Relação de Lisboa.

2 - 0 artigo 3º/7 da Lei n.° 62/2011 de 12 de dezembro prevê expressamente a possibilidade de interposição de recurso da sentença proferida pelo Tribunal Arbitral

3- Dispõe expressamente o artigo 644º/2 alínea b) do CPC que cabe recurso de apelação da decisão que aprecie a competência absoluta do tribunal.

4 - A Lei 62/2011 é clara nos seus artigos 1º e 2º: apenas os litígios emergentes da invocação de direitos de propriedade industrial relacionados com medicamentos de referência estão sujeitos a sujeitos a arbitragem necessária.

5- Os direitos de propriedade industrial, que podem ser invocados contra medicamentos genéricos através de arbitragem necessária, são apenas aqueles relacionados com um medicamento de referência.

6- Neste caso, o medicamento de referência das Recorridas é o Prezista®, que compreende o ingrediente ativo darunavir.

7- As Recorridas nem sequer alegaram que as patentes EP1448567, EP1567529, EP1725566, EP2089371 e EP2314591 abrangem, ou estão de algum modo relacionadas com, o medicamento de referência Prezista®, requisito essencial para a arbitragem necessária ao abrigo da Lei 62/2011.

8 - O legislador fez menção aos medicamentos de referência na sua própria epígrafe da Lei 62/2011.

9 - O legislador não teria ainda incluído ainda menções expressas aos medicamentos de referência nos artigos mais relevantes da Lei n.° 62/2011, isto é os artigos 1º e 2º.

10- O Tribunal Arbitral fez uma interpretação errada da Lei 62/2011 no sentido de que esta apenas prevê um regime de arbitragem necessária para os litígios entre direitos de propriedade industrial e medicamentos genéricos, concluindo pela irrelevância da conexão daqueles direitos de propriedade industrial com os medicamentos de referência conforme exigido pela Lei n.° 62/2011.

Termos em que deve o presente recurso de apelação ser julgado procedente, revogando-se a decisão recorrida e consequentemente julgar-se o Tribunal Arbitral incompetente para apreciar a alegada infração das patentes europeias nº EP's 1448567, 1567529, 1725566, 2089371 e 2314591 pelo medicamento genérico da Recorrente, atenta a falta de alegação de que o medicamento de referência é produzido ou detém as características técnicas daquelas patentes.

As Demandantes apresentaram contra alegações defendendo o decidido.

 

III – Em função das conclusões das alegações, e no respectivo confronto com a decisão recorrida, constitui questão a apreciar no presente recurso, a de  saber se a competência em razão da matéria do tribunal arbitral necessário implicava que as Demandantes tivessem alegado que as patentes EP1448567, EP1567529, EP1725566, EP2089371 e EP2314591 abrangem, ou estão de algum modo relacionadas, com o medicamento de referência Prezista®.

 Como matéria de facto relevante para a apreciação da questão em causa, destaca-se a seguinte: 

I – Em Portugal, os medicamnetos contendo “Darunavir” como substância activa são comercializados por uma sociedade subsidiária das Companhias Janssen Phamaceutical – a Janssen Cilag International N.V.- que é a titular das Autorizações de Introdução no Mercado (“AIMs”) no território português para o medicamento de referência Prezista®.

2- A Primeira Demandante é titular da Patente Europeia EP 810 209.

3- É ainda titular do Certificado Complementar de Protecção CPP nº 270, que abrange o “Duranavir”, e tem como patente base a EP 810 209

4 - A Segunda Demandante é titular das seguintes EP: EP 1.448 567; EP 1 567 529; EP 2 314 591; EP 1 725 566; e EP 2 089 371.

5 - A Demandada  requereu  para medicamentos genéricos as (quatro) “AIMs” a que se refere o art 194º da petição inicial, todas elas tendo como substância activa o “Darunavir” e como Medicamento de Referência, o Prezista®.

Segundo a apelante, os direitos de propriedade industrial que podem ser invocados contra medicamentos genéricos através de arbitragem necessária, são apenas aqueles relacionados com um medicamento de referência, e por assim ser, do seu ponto de vista – e, se bem se entende o mesmo, – o titular de direito de propriedade industrial que lhe advenha de uma EP – como é o caso dos das  Demandantes/apeladas nos autos – tem que alegar que essas EPs «abrangem ou estão de algum modo relacionadas com o medicamento de referência» - que na situação dos autos é o Prezista®, sendo que as Demandantes o não teriam feito na petição.

 E parecem reconduzir a necessária relacionação entre o medicamento de referência e o medicamento genérico, à circunstância do medicamento de referência ser produzido de acordo com os processos e métodos reivindicados nas patentes de onde emergem os direitos de propriedade industrial que se fazem valer na acção.  

Entendem ainda que a falta de alegação dessa (específica) relacionação implica a incompetência em razão da matéria por parte do Tribunal Arbitral.

O que está em causa pois, é, numa dimensão processual, verificar se se pode reconhecer ao tribunal arbitral necessário que foi constituído ad hoc «para dirimir o litigio entre a GD Searle e Janssen Sciences Ireland UC como Demandantes contra Teva BV como Demandada, relativo à substância activa Durunavir» (como consta da respectiva acta de instalação), a jurisdição para apreciar e decidir o objecto da acção, tal como ele resultou delineado na petição inicial. È que, também aqui, em sede de arbitragem necessária (e ao contrário do que sucede na arbitragem convencional em que a competência do tribunal há-de advir da convenção arbitral), a competência do tribunal arbitral em razão da matéria ter-se-á de aferir pela natureza da relação jurídica, tal como é apresentada pelo Demandante na petição inicial, cabendo, assim, tão somente, verificar se a relação jurídica ali delineada corresponde a um conflito que se integre na matéria em relação à qual, o Estado, confiando-a à arbitragem necessária, abdicou de a julgar através da sua organização.


Essa norma de atribuição de jurisdição e competência, na situação dos autos corresponde – não se vendo que outra possa ser  – à do art 2º da Lei n.º 62/2011, de 12 de dezembro, Lei cujo objecto é definido pelo respectivo art 1º, que refere: «A presente lei cria um regime de composição dos litígios emergentes de direitos de propriedade industrial quando estejam em causa medicamentos de referência e medicamentos genéricos, procedendo à quinta alteração ao Decreto-Lei n.º 176/2006, de 30 de Agosto, alterado pelos Decretos-Leis n.os 182/2009, de 7 de Agosto, 64/2010, de 9 de Junho, e 106-A/2010, de 1 de Outubro, e pela Lei n.º 25/2011, de 16 de Junho, e à segunda alteração ao regime geral das comparticipações do Estado no preço dos medicamentos, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 48-A/2010, de 13 de Maio, alterado pelo Decreto-Lei n.º 106-A/2010, de 1 de Outubro».

Diz o referido art 2º da L 62/2011, sob a epígrafe “arbitragem necessária” :

«Os litígios emergentes da invocação de direitos de propriedade industrial, incluindo os procedimentos cautelares, relacionados com medicamentos de referência, na acepção da alínea ii) do n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 176/2006, de 30 de Agosto, e medicamentos genéricos, independentemente de estarem em causa patentes de processo, de produto ou de utilização, ou de certificados complementares de protecção, ficam sujeitos a arbitragem necessária, institucionalizada ou não institucionalizada».

De acordo com esta norma, o o litígio que fica sujeito a arbitragem necessária é o que traduz um conflito entre, por um lado, o  interessado na proteção de direitos de propriedade industrial que lhe advenha da titularidade dos direitos de patente relacionados com medicamentos de referência, (na acepção da alínea ii) do n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 176/2006, de 30 de Agosto), e por outro, o interessado na introdução no mercado de medicamentos genéricos.

Medicamento de referência, segundo aquele art 3º/1 al  ii) do DL 176/2006 de 30/8, é o que «foi autorizado com base em documentação completa, incluindo resultados de ensaios farmacêuticos, pré-clínicos e clínicos» e, medicamento genérico, segundo a al oo) daquele mesmo art 3º/1, é o «medicamento com a mesma composição qualitativa e quantitativa em substâncias ativas, a mesma forma farmacêutica e cuja bioequivalência com o medicamento de referência haja sido demonstrada por estudos de biodisponibilidade apropriados».

Do que se depreende que aquela norma de atribuição de competência se basta com um litígio que resulte emergente da invocação de direitos de propriedade industrial que se relacionem com medicamentos de referência e medicamentos genéricos, explicitando seguidamente que esses litigios poderão respeitar a patentes de processo, de produto ou de utilização, ou de certificados complementares de protecção.

A expressão ali utilizada, de teor bem genérico, como o é, “relacionados”, é por si significativa no sentido de não se pretender restringir os direitos de propriedade industrial a invocar na arbitragem necessária- bastará, afinal, um qualquer elo de relação entre o medicamento de referência e o medicamento genérico.

Para a Lei 62/2011 resulta suficiente que o litígio a submeter à arbitragem necessária resulte da invocação de direitos de propriedade industrial emergentes de patentes – quer sejam de processo, de produto ou de utilização, ou de certificados complementares de proteção - relacionados com medicamentos de referência e com medicamentos genéricos, nenhuma exigência resultando da referida norma do art 2º no sentido de não poder ser submetido àquela arbitragem o litigio em que o o titular dos direitos não proceda à alegação de que o seu medicamento de referência é produzido de acordo com os processos e métodos reivindicados nas patentes de onde emergem tais direitos.

Assim, para o tribunal arbitral ser competente para apreciar a infração dos  direitos de propriedade industrial que as Demandantes entendem que serão infringidos por via da exploração industrial e comercial dos medicamentos genéricos da Demandada, basta a relacionação entre uns e outros medicamentos que advém da simples circunstância da Demandada na acção ter pedido AIM”s indicando como medicamento de referência o medicamento das Demandantes, o Prezista.

Lembre-se que de acordo com a Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 13/XII de 1/09/2011 (disponível em http://www.parlamento.pt), a Lei 62/2011 visou «obviar aos fatores de estrangulamento que dificultam a entrada célere de genéricos no mercado de medicamentos, entre outros os decorrentes da incerteza sobre a violação, ou não, de direitos de propriedade industrial por parte dos medicamentos genéricos que pretendem aceder ao mercado e consequentes litígios judiciais relacionados com a subsistência de direitos de propriedade industrial a favor de outrem, através da instituição de um mecanismo alternativo de composição dos litígios – arbitragem necessária – que, num curto espaço de tempo, profira uma decisão de mérito quanto à existência, ou não, de violação dos direitos de propriedade industrial – visando, a final, um objectivo de sustentabilidade do SNS e de acesso dos utentes a medicamentos a custos comportáveis».

Por outro lado, o art 101º CPI, que respeita aos direitos conferidos pela patente, depois de estabelecer no seu nº 1 que a patente confere o direito exclusivo de explorar a invenção em qualquer parte do território português, refere no seu nº 2, que a patente «confere ainda ao seu titular o direito de impedir a terceiros, sem o seu consentimento, o fabrico, a oferta, a armazenagem, a introdução no comércio ou a utilização de um produto objeto de patente, ou a importação ou posse do mesmo, para algum dos fins mencionados», estabecendo o nº 4 a “medida” dos direitos conferidos pelas patentes – os direitos conferidos pelas patentes não podem exceder o âmbito definido pelas reivindicações – ideia reforçada no nº 1 do art 97º - «o âmbito da protecção conferida pela patente é determimado pelo conteúdo das reivindicações».

Será, pois, pelo conteúdo das reivindicações que se fará, em última análise,  a “relacionação” entre os medicamentos de referência das Demandantes e os medicamentos genéricos da Demandada, mas esse aspecto pertence já ao mérito, nada tendo a ver com a competência enquanto prresuposto processual.

De onde se conclui que para a competência do tribunal arbitral não era necessário alegar que o medicamento de referência Prezista® é produzido  utilizando os processos e possui as caracteristicas técnicas reivindicadas nas EP.

Há, pois, que confirmar a decisão por meio da qual o Tribu­nal Arbitral se considerou materialmente competente para apreciar a infração das EP 1448567, EP 1567529. EP 1725566, EP 2089371 e EP 2314591 pelo medicamento genérico das Demandadas, julgando-se, consequentemente, improcedente a apelação.

IV – Pelo exposto, acorda este tribunal em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.

Custas pela apelante.

Lisboa, 25 de Maio de 2017 

    Maria Teresa Albuquerque                                      

                 Jorge Vilaça

                Vaz Gomes