Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1920/14.0YYLSB-A.L1-6
Relator: TERESA SOARES
Descritores: AUDIÊNCIA PRÉVIA
DISPENSA DA SUA REALIZAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/22/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE / ANULADA A DECISÃO
Sumário: I. Em face do NCPC, a audiência prévia apresenta-se como diligência praticamente obrigatória.

II. A dispensa de audiência prévia apenas está consentida quanto às ações que hajam de prosseguir oas seus termos (artigo 593.º do Código de Processo Civil Revisto), sendo ainda concebível, mas apenas no quadro da aplicação do princípio da adequação formal, por via do artº 547º do NCPC, sendo que, nesse caso, será exigível que a questão já esteja suficientemente debatida nos articulados, e isto sem prejuízo de a dispensa ser precedida de consulta das partes, por exigência do princípio do contraditório, como decorre do artº 3º, nº 3, do NCPC

III. Fora destes apertados limites que consentirão a dispensa da audiência prévia, a sua não realização  terá como inevitável consequência a verificação de uma nulidade processual, por prática de acto não permitido por lei com influência no exame ou decisão da causa, a enquadrar no artº 195º do NCPC.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 6.ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa

1. O executado TM veio deduzir embargos e oposição à penhora, em relação à execução que lhe é movida pelo Exequente, Banco Banif Mais, SA., pelo valor de € 27.445,04, onde invocou inexequibilidade do título, incorrecta liquidação, no tocante a juros e taxa de justiça e defendeu existir excesso de penhora, por estar penhorado o bem imóvel de valor “quase” o dobro da quantia exequenda, embora também alegue que provavelmente da venda do imóvel não resultará o pagamento do credito exequendo, dada a existência de duas hipotecas no valor global de € 78.505,79.
 
2. O exequente contestou, defendendo a improcedência dos embargos e da oposição.

3. Foi proferido saneador-sentença que julgou improcedentes os embargos e a oposição à execução.
No tocante à não realização de audiência prévia escreveu-se:
“Dado que o estado do processo permite, sem necessidade de mais provas, o conhecimento do mérito, o Tribunal irá, de imediato, conhecer do fundo da causa, nos termos do disposto no art. 595.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil, não se justificando, por manifestamente inútil, a realização de audiência prévia, nos termos dos arts. 6.º e 130.º do CPC.”

4. Recorreu o executado com alegações, donde se extraem as seguintes conclusões:
A) Por despacho saneador/sentença proferida nos presentes autos, foi a oposição à execução (mediante embargos) e a oposição à penhora deduzidas pelo ora recorrente/executado julgadas improcedentes;
B) Ora, de acordo com os factos carreados para os autos e nos termos do direito aplicável ao caso sub judice, não pode o ora recorrente concordar com a decisão proferida pelo Mmo. Juiz a quo,
C) No que diz respeito à improcedência da oposição à execução, a sentença recorrida limita-se a referir que "o embargante começa por invocar a inexequibilidade da sentença dada à execução. Ora, tal questão encontra-se prejudicada por força do decidido pelo TRL nos autos principais, que entendeu que tal sentença era exequível";
D) Ora, para além de ter suscitado a questão da exequibilidade do título executivo, o executado/opoente também impugnou a liquidação da obrigação exequenda efectuada pelo exequente/recorrido, por entender que os montantes peticionados foram incorrectamente calculados, já que estão a ser reclamadas quantias muito superiores àquelas a que o exequente/embargado tem direito (vd. arts. 7° a 20° da oposição à execução);
E) Importa recordar que o título executivo que serve de base à presente execução é uma sentença condenatória judicial que julgou parcialmente procedente o pedido do autor/exequente (vd. sentença/título executivo), sendo que toda a execução tem que ter por base uma obrigação certa, exigível e liquida (vd. art. 713° do CPC);
F) Na referida sentença entendeu-se que "o vencimento da totalidade da dívida de capital tem como consequência deixarem de ser devidos a partir desse momento quaisquer juros remuneratórios, pois cessa então a privação do uso do capital contratualmente legitimada a que o credor estava sujeito" (vd. ponto IV, fundamentação de direito, pág. 7);
G) Pelo que se concluiu que "o A. tem, assim, direito a receber a totalidade do capital mutuado, por via do não pagamento da 10· prestação contratual em 10-11-2007, deixando, no entanto, de ter direito a exigir a partir dessa data, de quaisquer juros remuneratórios sobre o capital, bem como o respectivo imposto e prémios de seguros incluídos nas prestações".
H) Apesar do supra determinado, o exequente/recorrido peticionou na presente execução (vd. liquidação da obrigação) a quantia global de € 27.445,04, sendo a título de capital (€ 12.197,93), juros vencidos (€ 3.080,77), à taxa de 15,39% desde 10/11/2007 até 01/07/2009, juros vencidos (€ 11.543,14), à taxa de 20,39%, desde 02/07/2009 até 19/02/2014, imposto de selo (€ 123,23 + € 461,73 = € 584,96), taxa de justiça (€ 38,25) e juros vincendos à taxa de 20,39% até integral pagamento, acrescidos de imposto de selo à taxa de 40/0 sobre sses juros;
I) Ou seja, o exequente reclama juros moratórios à taxa de 20,390/0 e de 15,330/0, o que significa que peticionou juros moratórios a uma taxa igual à dos juros remuneratórios (pretensão que a sentença/título executivo claramente não atendeu), acrescidos de imposto de selo e de taxa de justiça (que também não é devida a título de quantia exequenda conforme pretende o exequente)
J) Ora, sobre a impugnação da liquidação da obrigação exequenda e a sua eventual inexigibilidade (pelo menos parcial) suscitada pelo executado/opoente, a sentença recorrida é completamente omissa e, viola o disposto nos artigos 608°, n° 2, 615°, n° 1, al. d) e 713° do CPC; reparado pela decisão posterior.
K) Por outro lado, sendo o Tribunal a quo a instância competente (em razão da matéria) para conhecer da liquidação da obrigação dependente de simples operação aritmética e tendo a mesma sido impugnada pelo executado/opoente, ao optar pela dispensa da audiência prévia (considerando-a "manifestamente inútil") o Mmo. Juíz a quo obstou a que pudessem ser dirimidas as questões de facto e de direito do litigio, bem como suprimidas quaisquer as imprecisões e/ou reclamações suscitadas pelas partes, pelo que a sentença recorrida violou o disposto nos artigos 5°, n.º 2, al. b) e 591°, n.º 1, alíneas b), c), d) e f) do CPC;
Arts.º 593.º , 1, 591.º 1, d) e 595.º 1 a audiência prévia não podia ser dispensada, dado que o processo ia findar com decisão final de mérito. Contudo o julgador achando-a inútil, dispensou-a.
L) Face ao supra exposto, deve a oposição à execução ser julgada procedente, por erro na liquidação da obrigação exequenda tal como foi efectuada pelo exequente/oposto, devendo ser designada audiência prévia, por forma a discutir e suprimir todas as imprecisões existentes no cálculo da liquidação da obrigação exequenda, sempre na esteira do doutamente determinado na fundamentação da sentença/título executivo;
M) Relativamente à oposicão à penhora, o executado/opoente requereu o levantamento da penhora que incide actualmente sobre seu imóvel/casa de habitação (vd. auto de penhora de 06/04/2015), nos termos e com os fundamentos enunciados no art. 784°, n.º 1, al. a) do CPC, bem como requereu (vd. requerimento de 24/02/2017) que fosse ordenada a suspensão das diligências de venda do seu imóvel/casa de habitação do agregado familiar, até à decisão final sobre os embargos deduzidos (vd. art. 733°, n° 5 do CPC);
N) Se relativamente ao requerimento de 24/02/2017 o Mmo. Juiz a quo não se pronunciou, no que diz respeito à oposição à penhora a sentença recorrida julgou-a improcedente;
O) Ora, salvo o devido respeito e melhor opinião, também nesta matéria não pode o executado/opoente concordar com o entendimento e decisão proferida pelo Mmo. Juíz a quo;
P) Ao contrário do mencionado na sentença recorrida, para além da penhora da casa de habitação do executado foram indicados pelo executado/opoente e existem outros bens susceptíveis de ser penhorados nos autos principais;
Q) Na verdade, encontra-se presentemente penhorado à ordem dos autos principais o vencimento do executado (vd. auto de penhora de 08/02/2017), os seus créditos/reembolso de IRS (vd. auto de penhora de 15/05/2017), sendo que o executado/poente manifestou expressamente a disponibilidade de entregar ao exequente/oposto a viatura automóvel objecto do contrato de mútuo celebrado entre as partes (vd. arts. 31° e 32° do articulado da oposição à execução e à penhora);
R) Face às penhoras em curso, em 20110/2017 encontra-se penhorado à ordem dos autos principais a quantia pecuniária global de 5.269,92€ (vd. notificação de 23110/2017 da Sra. Agente de execução nomeada);
S) Assim, ao omitir e ao não considerar todas as penhoras já realizadas nos autos principais, a sentença recorrida violou o disposto nos artigos 5°, nO 2, alíneas a), b) e c) e 751°, n.º 1 do CPC;
T) Por outro lado, importa não olvidar que o imóvel penhorado se encontra onerado com duas hipotecas a favor do credor hipotecário, Novo Banco, SA (vd. auto de penhora de 06/04/2015);
U) Ora, atento o valor patrimonial do imóvel (56.426,95€) e o montante global dos créditos hipotecários contraídos junto do Novo Banco, SA (78.505,79€), o exequente/oposto jamais poderia ver o seu crédito satisfeito através da venda judicial da casa de habitação do ora recorrente, pelo que estamos perante uma penhora claramente desproporcionada, logo, inadmissível, tal como dispõe o art. 784°, n° 1, al. a) do CPC;
V) Não obstante reconhecer essa "desproporcionalidade", a sentença recorrida refere que "compulsada a PI do apenso B, verifica-se que o opoente entrou em incumprimento para com o Novo Banco e, por isso, inexiste qualquer desproporção na penhora e a oposição terá de soçobrar";
W) Mais uma vez não se entende, nem se pode aceitar esta decisão do Mmo. Juiz a quo;
X) Em primeiro lugar, o Mmo. Juiz a quo dá o "incumprimento" como verificado, sem que tenha sido esgotado o prazo legal para o executado/poente impugnar os créditos reclamados pelo Novo Banco, SA (76.460,51€), o que veio efectivamente a acontecer;
Y) Ou seja, o Mmo. Juiz a quo nem sequer teve a preocupação e/ou a prudência de aguardar pelo decurso do prazo de impugnação dos créditos reclamados pelo Novo Banco, SA, para formar a sua convicção quanto ao suposto "incumprimento" do executado/opoente para com o Novo Banco, SA, o que viola os princípios do contraditório e da igualdade vertidos nos artigos 3° e 4° do CPC; terá razão, mas agora…quid ? ver como estão no âmbito da reclamação de créditos
Z) Em 26/10/2017, o executado/poente impugnou os créditos reclamados no apenso B dos autos principais e nega o incumprimento dos contratos de mútuo, bem como o vencimento integral da totalidade do capital mutuado;
AA) Ora, em resposta à impugnação de créditos, o próprio reclamante, Novo Banco, SA, confessa que: "(n) posteriormente à entrada da reclamação de créditos, o executado veio regularizar as prestações em atraso, encontrando-se actualmente em cumprimento quanto a ambos os contratos. (vd. art. 5° da resposta do credor reclamante no apenso B);
BB) Ou seja, ao contrário do mencionado pelo Mmo. Juiz a aquo, não se verifica o incumprimento por parte do executado/opoente, pelo que a penhora efectuada ao imóvel/casa de habitação do executado é claramente desproporcionada, logo, inadmissível, tendo a sentença recorrida violado o disposto no art. 784°, n.º 1, al. a) do CPC;
CC) Sem prejuízo do supra exposto, importa também referir que a penhora do imóvel do executado/opoente traduz-se, objectivamente, numa situação de excesso de penhora;
DD) Na verdade, o valor do imóvel penhorado é praticamente o dobro do crédito exequendo, sendo que (para além da penhora imóvel) foram efectuadas outras penhoras ao património do executado/opoente, designadamente, a penhora do seu vencimento mensal e a penhora dos seus reembolsos de IRS (vd. autos de penhora de 08/02/2017 e 15/05/2017);
EE) Ora, sabendo-se que o acto de constituição da garantia patrimonial em que a penhora assenta está submetido a um princípio estrito de proporcionalidade e devendo essa diligência limitar-se aos bens necessários ao pagamento da dívida exequenda (e demais encargos do processo), a sentença recorrida viola o disposto no art. 735°, n.º3 do CPC, bem como o princípio da adequação vertido no art. 751°, n° 1 do CPC;
FF) Ou seja, conclui-se, mais uma vez, que a penhora efectuada ao imóve/casa de habitação do executado é desproporcionada (pelo que a sentença recorrida violou o disposto no art. 784°, n.º1, al. a) do CPC), bem como origina graves e irreparáveis prejuízos ao executado/embargante e respectivo agregado familiar, pondo em causa a tutela do direito à habitação previsto no art. 733°, n° 5 do CPC e no art. 65° da CRP;
GG) Face ao supra exposto, deve a oposição à penhora ser julgada procedente, revogando-se a sentença recorrida e ordenando-se o levantamento da penhora sobre o imóvel/casa de habitação do executado/opoente.

5. A recorrida contra-alegou pugnando pela manutenção da decisão.

6. Dada a invocada nulidade, por falta de pronúncia, sobre a incorrecta liquidação da obrigação baixaram os autos à 1.ª instância tendo sido completada a sentença com a pronúncia que havia sido omitida, nos moldes seguintes:
“O executado, contudo, invoca nos embargos, naquilo que releva, que o exequente peticiona juros moratórios à taxa de 15,33%, ou seja a uma taxa a que a sentença não atendeu, acabando, no entanto por apontar lapso à sentença na sua parte decisória. E diz ainda que é também reclamada na execução taxa de justiça a qual não pode integrar a quantia exequenda.
Cumpria na sentença apreciar este fundamento de embargos e que se reconduz,
afinal, à invocação de falta de título para reclamar os juros à citada taxa e a taxa de justiça.
Tendo sido omitida tal apreciação, a sentença deixou de pronunciar-se sobre questão que tinha que apreciar, o que gera nulidade nos termos do art.615.º n.º1 d) do CPC.
Tal nulidade, admitindo a sentença recurso, deve ser invocada no recurso o que
sucedeu (art.615.º n.º4 do CPC). Para tanto está provado, face ao requerimento executivo e titulo executivo, que:
1. O exequente instaura a execução dando como titilo executivo a sentença de fls.38 e segs. da execução da qual consta o seguinte dispositivo “condeno TMa pagar ao Banco Mais, S.A., a quantia que se vier a liquidar em execução se sentença, correspondente às prestações de capital não pagas (no total de 75- 10.ª a 84.ª), acrescidas de juros moratórios à taxa anual de 15,39%, desde 10 de Novembro de 2007 até integral pagamento, bem como o correspondente imposto de selo, absolvendo-o do demais peticionado.
2. O exequente no requerimento executivo procede à liquidação, contabilizando os juros à taxa de 15,39% desde 10.11.2007.
3. Na execução o exequente faz constar da liquidação o valor da taxa de justiça paga na execução - €38,25 – incluindo esse valor na quantia peticionada.
4. O executado requereu na acção declarativa onde foi proferida a sentença a rectificação da mesma, o que foi indeferido por despacho de 3.5.2016, certificado a fls.60 dos autos.
Pese embora se demonstre ter sido pedida a alteração da sentença por via de rectificação dela, tal rectificação foi indeferida pelo que para a questão que nos ocupa há que considerar que o réu foi condenado ao pagamento de juros de mora à taxa de 15,39% e não 15,33% como mencionava, talvez por lapso, na petição de embargos. Foi também condenado no pagamento do imposto de selo. Desta feita e estando pedidos juros à taxa constante da sentença esta dá cobertura a tal pedido, pelo que, nessa parte a liquidação está feita em conformidade com o título, o que leva à improcedência desse fundamento de embargos.
Já quanto à taxa de justiça, valor que o arguido também questiona quando invoca que a sentença não dá cobertura a quantias reclamadas, assiste-lhe razão. Sendo a taxa de justiça paga na execução a mesma tem o tratamento legal de custas, a ser considerada em sede de custas de parte, não podendo ser reclamada como se de quantia exequenda se tratasse, pois a sentença não condenou – nem fazia sentido que condenasse – no pagamento dessa taxa da futura e eventual execução.
Deve ser extinta a execução no que concerne a essa quantia.
Pelo exposto, decide-se julgar parcialmente procedentes os embargos e extinguir a execução quanto ao montante de €38,25 relativo a taxa de justiça.”

7. Nada obsta ao conhecimento do recurso.

8. Factualidade a atender é a que consta do relatório.

9. Como é sabido o âmbito do recurso determina-se pelas conclusões dos recorrentes-artigos 639.º e 635.º do Novo CPC (aprovado pelo art.º 1º da Lei nº 41/2013 de 26/06).

Nulidade por falta de realização da audiência prévia
 Como se deixou supra enunciado, foi proferida decisão final de mérito, no âmbito do despacho saneador, tendo sido aí consignado a não realização de audiência prévia, por manifestamente inútil, não tendo as partes sido previamente auscultadas sobre a possibilidade da não realização dessa diligência.
O recorrente insurge-se contra a não realização dessa audiência, invocando a consequente nulidade.
Como é sabido, em face do NCPC, a audiência prévia apresenta-se como diligência praticamente obrigatória.
Mal ou bem, assim o decidiu o legislador, na sua actividade soberana.
João Correia e outros in Introdução ao Estudo e à Aplicação do Código de Processo Civil de 2013, Almedina, Coimbra, 2013, p. 73 também reconhecem essa obrigatoriedade como regra.
Quanto ao conhecimento do algum pedido ou excepção peremptória no saneador pode ler-se na ob.cit, pag.77 “(…) sempre que o juiz projecte conhecer no despacho saneador de uma excepção peremptória ou de algum pedido (independentemente do possível sentido da decisão), deverá convocar audiência prévia para os efeitos do artº 591º.1.b)”, dado que “está em jogo assegurar o exercício do contraditório, na acepção de direito a produzir alegações antes de uma decisão final (artº 3º.3)”
Quanto ao conhecimento total do mérito da causa, na fase do saneador, a audiência prévia apresenta-se como manifestamente obrigatória, pois outro entendimento não se mostra possível em face da  análise conjugada do disposto nos arts.º 593.º, 1, 591.º 1, d) e 595.º 1.
Lebre de Freitas, in A Acção Declarativa Comum à Luz do CPC de 2013, 3ª ed., pág. 172, a este propósito: “Quando se julgue habilitado a conhecer imediatamente do mérito da causa, mediante resposta, total ou parcial, ao pedido (ou pedidos) nela deduzido(s) (art. 595-1-b), o juiz deve convocar a audiência prévia para esse fim. No CPC de 1961 posterior à revisão de 1995-1996, exceptuava-se o caso em que os fundamentos da decisão a proferir tivessem sido já discutidos pelas partes, não havendo insuficiências ou imprecisões na exposição da matéria de facto a corrigir e revestindo-se a apreciação da causa de manifesta simplicidade. No Novo código esta excepção desaparece: o juiz não pode julgar de mérito no despacho saneador sem primeiro facultar a discussão, em audiência, às partes.”
Nestas situações de conhecimento total do mérito temos por evidente que a “acção não vai prosseguir” (como é o caso dos autos) pelo que, à contrário do que se dispõe no art.º 593.º 1, a diligência não pode ser dispensada.
Neste sentido   PAULO RAMOS DE FARIA e ANA LUÍSA LOUREIRO, (in Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, vol. I, Almedina, Coimbra, 2013, p. 494) onde apontam que artº 593º apenas contemplará a dispensa da audiência prévia quanto às «acções que hajam de prosseguir», o que não se aplicará às situações de «conhecimento da totalidade do mérito», na medida em que essas acções não prosseguem, terminando no despacho saneador; por outro lado, e não sendo à partida possível essa dispensa, esta ainda será concebível, mas apenas no quadro da aplicação do princípio da adequação formal, por via do artº 547º do NCPC, sendo que, nesse caso, será exigível que a questão já esteja suficientemente debatida nos articulados, e isto sem prejuízo de a dispensa ser precedida de consulta das partes, por exigência do princípio do contraditório, como decorre do artº 3º, nº 3, do NCPC (cfr. ). Neste quadro a dispensa de audiência prévia determinada fora dos apertados limites que consentirão as disposições aludidas terá como inevitável consequência a verificação de uma nulidade processual, por prática de acto não permitido por lei com influência no exame ou decisão da causa, a enquadrar no artº 195º do NCPC. Esta orientação tem vindo a consolidar-se na jurisprudência dos tribunais superiores, como sejam os Acs. RL de 2014/10/9  proc. 2164/12.1TVLSB.L1-2 e de 2015/5/5, Proc. 1386/13.2TBALQ.L1-7, de 2017/10/19 proc. 155421-14.5YIPRT.L1-8.
Acs. RP de 2015/9/24, Proc. 128/14.0T8PVZ.P1 e de 2015/11/12, Proc. 4507/13.1TBMTS-A.P1, 2017/9/27, proc 136/16.6T8MAI-A.P1
Estamos aqui a seguir de perto o Ac. da R. Évora de 2016/6/30, proferido no proc. 309/15.9T8PTG-A.E1 .

No caso, a “manifesta inutilidade” invocada no despacho a coberto do art.º 130.º do CPC não é fundamento suficiente para a não realização da diligência, já o invocado art.º 6.º (poderes de gestão processual)poderia suportar essa dispensa, mas necessário era que partes para tanto tivessem sido auscultadas, ao abrigo do art.º 3 do CPC, “assim se garantindo não apenas o contraditório sobre a gestão do processo, mas também uma derradeira oportunidade para as partes discutirem o mérito da causa”, (como bem se argumenta no acordão citado da RPorto de 2015/11/12), o que não ocorreu no caso.

Neste contexto, nada mais resta senão concluir que a decisão final a conhecer de mérito, com dispensa de audiência prévia (que no caso era imposta por lei), consubstancia nulidade susceptível de influir no exame e decisão da causa, integrando-se do art. 195º nº 1 do CPC, procedendo pois a nulidade arguida.

Pelo exposto, acorda-se em julgar procedente a presente apelação, anulando a decisão recorrida devendo ser convocada audiência prévia, para os fins supra referidos, ao abrigo do artº 591º, nº 1, als. b) e d), do NCPC.
Sem custas, por a exequente apelada a elas não ter dado causa (artº 527º, nos 1 e 2, a contrario, do NCPC).

Lx, 2018/3/22

Teresa Soares
Maria de Deus Correia
Nuno Sampaio