Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2784/08.9TVLSB-A.L1-6
Relator: GRANJA DA FONSECA
Descritores: COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
TRIBUNAIS PORTUGUESES
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/25/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: 1 – Apresentando a causa uma conexão com duas ordens jurídicas, necessário se torna apreciar a competência internacional dos tribunais portugueses.
2 – Regulada a competência dos tribunais portugueses nos artigos 65º, 65º-A e 99º do CPC, em consonância com a lei constitucional, prevalece sobre o direito interno o que se acha estabelecido em tratados, convenções, regulamentos comunitários e leis especiais a que o Estado Português se acha vinculado.
3 – A Convenção de Lugano, relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial, foi celebrada com o espírito de promover a extensão dos princípios já adquiridos na Convenção de Bruxelas aos Estados membros da EFTA, de que Portugal e Suíça fazem parte.
4 – Como regra, segundo esta Convenção, o elemento que determina a competência judiciária é o domicílio do demandado.
5 – A Convenção contém todavia um certo número de disposições que se afastam desse princípio e permitem intentar a acção num outro Estado Contratante que não o Estado do domicílio do demandado.
6 – Uma dessas disposições diz respeito às obrigações contratuais, podendo uma das partes na acção ser demandada nos tribunais do local do cumprimento dessa obrigação.
7 – Para saber se a situação dos autos é um dos casos abrangido por essa disposição especial, há que indagar se o objecto da acção integra “matéria contratual” e, em caso afirmativo, qual o local de cumprimento dessa obrigação.
8 – A determinação do lugar do cumprimento da obrigação litigada deve, em princípio, ser feita de acordo com o disposto na lei aplicável, segundo as normas de conflito do Estado do foro.
9 – Assim, segundo o Estado do foro (Portugal), quando as obrigações tenham por fonte um contrato, estabelece-se como elemento de conexão decisivo a residência habitual comum das partes. Na falta desta, nos contratos que não sejam a título gratuito, o lugar da celebração do contrato.
10 – Não tendo as partes elegido legislação aplicável; não tendo sede no mesmo Estado nem existindo consenso quanto ao local onde foi celebrado o contrato, esta última circunstância não é, ainda assim, essencial para a decisão se, atendendo às realidades concretas, a solução preconizada por qualquer dois ordenamentos jurídicos for a mesma, qualquer que tenha sido o lugar da celebração do contrato.
11 - Assim sendo e independentemente de se concluir que o contrato foi celebrado em Portugal ou na Suíça, temos que, para efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 5º da Convenção de Lugano, se deve concluir que, à luz das normas substantivas aplicáveis por força da norma de conflitos nacional, a obrigação de indemnização emergente do contrato tem de ser cumprida em território nacional.
12 - Deste modo, resta considerar que os tribunais nacionais, em razão da nacionalidade e, dentro destes, em particular, a 2ª Secção da 5ª Vara Cível de Lisboa, em razão da matéria, são competentes para a tramitação e decisão da causa.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:
1. Na acção declarativa de condenação com processo ordinário que B..., L. da, com sede em Lisboa, intentou, nas Varas Cíveis de Lisboa, contra C..., S. A., com sede em SUÍÇA, pretende a autora o pagamento de uma indemnização por insuficiência de pré – aviso e de uma indemnização de clientela, em virtude da cessação, operada pela ré, de um contrato de concessão comercial que alega ter mantido com esta.
A ré/apelante defendeu-se, por excepção, tendo alegado a incompetência internacional dos tribunais portugueses, uma vez que, em seu entender, a acção devia ter sido proposta perante os tribunais suíços, ou seja, perante os tribunais do Estado onde tem a sua sede, tendo, para o efeito, invocado o disposto no artigo 2º da Convenção de Lugano, pedindo, em consequência, a absolvição da instância.
A autora/apelada discordou da argumentação produzida pela ré, tendo defendido na réplica a competência internacional dos tribunais portugueses, invocando para o efeito o disposto no artigo 5º, n.º 1, 1ª parte da Convenção de Lugano.
No saneador, foi julgada improcedente a excepção dilatória da incompetência absoluta em razão da nacionalidade alegada pela ré, tendo, em consequência, sido declarado o tribunal “a quo” competente para a tramitação e decisão da causa.
Inconformada com a decisão, recorreu a ré, finalizando as alegações, com as seguintes conclusões:
1ª – O Exc. mo Juiz “a quo” fez uma incorrecta aplicação do disposto no artigo 5º, n.º 1, 1ª parte, da Convenção de Lugano, porquanto, não se encontrando provado nos autos qual o lugar onde a obrigação que serve de fundamento ao pedido deve ser cumprida, não é possível invocar o disposto nesta disposição legal, para fundamentar a competência dos tribunais portugueses;
2ª – Com efeito, sendo controvertido o facto relativo ao lugar em que foi celebrado o contrato, não é possível determinar o lugar em que a obrigação que serve de fundamento ao pedido deve ser cumprida e, consequentemente, não é também possível concluir pela competência internacional dos tribunais portugueses.
3ª – Por esta razão, a apelante discorda da interpretação subscrita na decisão recorrida, porquanto nem os factos nem o direito permitiam tal decisão.
4ª – Tendo a ré invocado a incompetência internacional dos tribunais portugueses, ao abrigo do disposto no artigo 2º da Convenção de Lugano, já que se encontra dado como assente nos autos, por acordo das partes, que a ré tem a sua sede na Suíça, pretendendo a autora beneficiar do disposto no artigo 5º, n.º 1, 1ª parte da Convenção de Lugano, cabia a esta última o ónus de provar qual o lugar onde o contrato foi celebrado, o que não sucedeu;
5ª – Nestas condições, não se mostrando provado que a acção foi proposta perante o tribunal do lugar, onde a obrigação que serve de fundamento ao pedido deve ser cumprida, deve a 5ª Vara Cível de Lisboa ser declarada internacionalmente incompetente para a tramitação e decisão da presente causa, nos termos do disposto no artigo 2º da Convenção de Lugano;
6ª – Reconhecida a incompetência internacional e determinada a incompetência absoluta do tribunal, deve a ré ser absolvida da instância.
7ª – Caso, assim, se não entenda, o que só em tese se admite, deverá o facto relativo ao lugar da celebração do contrato ser considerado controvertido e ordenado o aditamento de um quesito, em que se questione o lugar da celebração do contrato, remetendo-se a decisão sobre a competência do tribunal em razão da nacionalidade para a sentença, revogando-se o douto saneador na parte em que conhece da excepção invocada pela ora apelante.
A autora contra – alegou. Finaliza as alegações com as seguintes conclusões:
1ª – A decisão recorrida, relativa à competência dos tribunais portugueses, deve ser mantida e, em consequência, ser julgado improcedente o presente recurso de apelação.
2ª – Ficou provado, ao contrário do alegado pela apelante, que a obrigação que serve de fundamento ao pedido deve ser cumprida em Portugal, tanto à luz do ordenamento jurídico português como do suíço;
3ª – Tal constatação é bastante para se poder aplicar a primeira parte do n.º 1 do artigo 5º da Convenção de Lugano;
4ª – Com efeito, está demonstrado convenientemente, através das disposições legais dos ordenamentos aqui em causa (nomeadamente o artigo 774º do Código Civil e o n.º 1 do parágrafo 2º do artigo 74º da “LOI FEDÉRALE COMPLETANT LE CODE CIVIL SUISSE”, de 30 de Março de 1911), que, qualquer que tenha sido o lugar da celebração do contrato, a solução da presente questão seria sempre a de considerar competentes os tribunais portugueses;
5ª – Daí não ser suficiente para afastar a aplicação daquela norma a argumentação aduzida pela apelante, de acordo com a qual, ao não ficar provado qual o lugar da celebração do contrato, não ser possível determinar o lugar em que a obrigação devia ser cumprida;
6ª – Deverá, assim, ser mantida a douta decisão recorrida na parte em que julgou competentes os tribunais portugueses;
7ª – Acresce que a apelada fundamentou o seu pedido de indemnização na insuficiência do pré – aviso com que a apelante denunciou o contrato de concessão comercial existente entre as partes, tendo formulado, ainda, um pedido de indemnização de clientela, tendo por base aquela mesma relação contratual;
8ª – Foram, pois, formulados dois pedidos pela apelada: pedido de indemnização por insuficiência de pré – aviso de denúncia do contrato e pedido de indemnização de clientela;
9ª – Relativamente ao primeiro daqueles pedidos, fundamenta-se o mesmo na obrigação que impendia sobre a apelante de denunciar o contrato, observando um prazo de pré – aviso razoável;
10ª – A obrigação de observar o pré – aviso razoável, a que a apelante estava adstrita, deveria ser cumprida em Portugal, uma vez ser este o local de execução do contrato e onde, por consequência, produz efeitos a denúncia;
11ª – No que diz respeito ao segundo dos pedidos – indemnização de clientela – está o mesmo relacionado com a obrigação a cargo da apelante de indemnizar a apelada, como forma de compensação pela clientela que esta angariou e da qual a apelante continuaria a beneficiar após o termo do contrato;
12ª – Estando aquela obrigação conectada com a execução do contrato, deverá entender-se que o lugar para o seu cumprimento e o lugar da execução do contrato é o mesmo, ou seja, Portugal;
13ª – Daí que, e em conclusão, a presente acção poderia, como foi, ser intentada em Portugal, já que se encontra preenchida a previsão legal do n.º 1 do artigo 5º da Convenção de Lugano;
14ª – De notar, a final, que tal seria a solução se aplicável fosse ao caso dos autos a Convenção de Roma de 19/06/1980 sobre a Lei Aplicável às Obrigações Contratuais;
15ª – Com efeito, a aplicação do critério supletivo aí previsto – lei do país com o qual apresente uma conexão mais estreita – conduzir-nos-ia a julgar competentes os tribunais portugueses;
16ª – E não podemos ser alheios ao espírito das duas normas que, sobre a mesma matéria, elegem diferentes critérios supletivos (assim, no Código Civil, temos a lei do lugar da celebração do contrato, enquanto na Convenção de Roma temos a lei do país com o qual o contrato apresente uma conexão mais estreita), pois só através da sua interpretação poderemos obter soluções idênticas para casos idênticos;
17ª – Assim, indo à vontade do legislador na eleição daqueles critérios, podemos inferir que aquele terá eleito o lugar da celebração do contrato (na solução do Código Civil), por ser esta uma das formas capazes de revelar a conexão do contrato com dado país;
18ª – Mas, na falta daquele elemento, sendo controvertido como é, no caso dos autos, qual seja aquele lugar, não choca que a avaliação da conexão se faça por outras formas, o que nos levaria a concluir pela maior conexão do contrato dos autos com Portugal, seguindo a decisão proferida pelo STJ no âmbito do processo n.º 06B3288, numa situação semelhante.

2.Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões da recorrente, salvo se outras forem de conhecimento oficioso, a questão nuclear que importa dilucidar consiste em saber se, no caso, se encontra, ou não, determinado nos autos o lugar onde a obrigação, que serve de fundamento ao pedido, deve ser cumprida, e se, não se encontrando determinado, é, ou não, possível, ainda assim, invocar o disposto no artigo 5º, n.º 1 da Convenção de Lugano.

3.Com interesse para a causa interessam os seguintes factos:
1º - A autora é uma sociedade comercial de direito português, sedeada ... em Lisboa;
2º - A ré é uma sociedade comercial de direito suíço, com sede na Suíça;
3º - A autora e a ré mantiveram entre si um contrato que consistia no fornecimento de relógios pela segunda para posterior revenda pela primeira em Portugal;
4º - Tal contrato veio a ser cessado por iniciativa da ré;
5º - A autora formula um pedido de indemnização com base na cessação da relação contratual.

4.A tese defendida pela recorrente é a de que o Tribunal a quo fez uma incorrecta aplicação do disposto no artigo 5º, n.º 1, 1ª parte, da Convenção de Lugano, “porquanto, não se encontrando provado nos autos qual o lugar onde a obrigação que serve de fundamento ao pedido deve ser cumprida, não é possível invocar o disposto nesta disposição legal para fundamentar a competência dos tribunais portugueses”.
Pelo contrário, sustenta a apelada que o recurso não deve proceder, uma vez que, e ao contrário do que afirma a apelante, se encontra determinado nos autos o lugar onde a obrigação que serve de fundamento ao pedido deve ser cumprida, sendo, assim, possível invocar o disposto no artigo 5º, n.º 1, 1ª parte da Convenção de Lugano.
Esta é também a tese do despacho recorrido, importando, por isso, determinar de que lado estará, em nosso entender, a razão.
Estão as partes de acordo que a causa apresenta uma conexão com duas ordens jurídicas, tal como o Tribunal a quo considerou, sendo, por isso, necessário apreciar a competência internacional dos tribunais portugueses.
Nos termos do artigo 8º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, as normas constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas por Portugal vigoram na nossa ordem jurídica interna.
O artigo 8º, n.º 2 da CRP estabelece uma cláusula de recepção geral do direito internacional pactício na ordem jurídica interna, impondo a prevalência do direito internacional, tanto sobre o direito interno anterior como sobre o posterior.
Regulada a competência internacional dos tribunais portugueses nos artigos 65º, 65º-A e 99º do CPC, em consonância com a lei constitucional, foram convocados, para a apreciação da questão solvenda, atendendo ao preceituado no n.º 1 do artigo 65º CPC, os instrumentos internacionais a que o Estado Português se acha vinculado.
Considerou-se, então, o disposto na Convenção de Lugano de 16 de Setembro de 1988, relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial, a qual foi aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.º 33/91, de 24 de Abril e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 51/91, de 30 de Outubro.
Esta Convenção foi celebrada com o espírito de promover a extensão dos princípios já adoptados na Convenção de Bruxelas também aos Estados membros da EFTA.
Princípios essenciais da Convenção de Lugano em matéria de competência judiciária:
O artigo 2º estipula a regra de que os nacionais de um Estado parte na Convenção devem ser demandados perante os tribunais desse Estado.
O artigo 3º prevê, no entanto, que os nacionais de um Estado possam ser accionados perante os tribunais de um outro Estado, conquanto haja lugar à aplicação das regras enunciadas nas secções 2 a 6 desse título, contando-se entre estas normas a primeira parte do n.º 1 do artigo 5º que preceitua o seguinte:
“O requerido com domicílio no território de um Estado Contratante pode ser demandado num outro Estado Contratante:
1 - Em matéria contratual, perante o tribunal do lugar onde a obrigação que serve de fundamento ao pedido foi ou deva ser cumprida; (...)”.
Temos, assim, que, como regra, o elemento que determina a competência judiciária é o domicílio do demandado. As pessoas domiciliadas num Estado Contratante são demandadas, independentemente da sua nacionalidade, junto dos tribunais desse Estado.
A Convenção contém todavia um certo número de disposições que se afastam desse princípio e permitem intentar a acção num outro Estado Contratante que não o Estado do domicílio do demandado.
São regras de competência especial que constituem uma possibilidade suplementar para o demandante, que pode igualmente optar por intentar uma acção nos tribunais do Estado Contratante em que se encontra domiciliado.
Um dos casos em que estas regras especiais se aplicam, diz respeito às obrigações contratuais, podendo uma pessoa ser demandada nos tribunais do local de execução dessa obrigação.
Assim, para saber se a situação dos autos configura um dos casos que conferem competência especial aos tribunais portugueses, importará apreciar, desde logo, o objecto da acção, pois só dessa maneira se poderá concluir se a mesma trata de “matéria contratual”.
Tal como se refere no despacho recorrido, “no caso vertente, a autora, por intermédio da presente acção, pretende efectivar o direito à indemnização em virtude da cessação, operada pela ré, de um contrato de concessão comercial que alega ter mantido com esta. A causa de pedir radica, em larga medida, no contrato”.
E conclui, dizendo: “Deste modo, não obstante o contrato, de acordo com as alegações das partes, ter já cessado a sua vigência, deve-se considerar que estamos perante matéria contratual na acepção do n.º 1 do artigo 5º da Convenção”.
Apreciado e decidido este aspecto, em relação ao qual não há quaisquer discrepâncias, importará, depois, apreciar, tal como o despacho recorrido fez, o segundo elemento relevante para aplicar o citado n.º 1 do artigo 5º da Convenção, ou seja, o lugar onde a obrigação deve ser cumprida.
Segundo Miguel Teixeira de Sousa e Dário Moura Vicente[1], “a determinação do lugar do cumprimento da obrigação litigada deve, em princípio, ser feita de acordo com o disposto na lei aplicável segundo as normas de conflitos do Estado do foro”.
Significa isto que, para se saber se a ré estava a ser demandada perante o tribunal competente, teria de se saber onde é que a obrigação devia ser cumprida.
Para isso, ter-se-á de atender à norma de conflitos do Estado do foro e, por sua vez, à lei que a norma de conflitos desse Estado designar.
Ora, a norma de conflitos do Estado do foro (Portugal) estabelece que as “obrigações provenientes de negócio jurídico, assim como a própria substância dele, são reguladas pela lei que os respectivos sujeitos tiverem designado ou houverem tido em vista (artigo 41º, n.º 1 CC).
“Para a escolha da lei não se exige uma declaração expressa. O n.º 1 manda atender à lei que os sujeitos do vínculo obrigacional tiverem designado ou houverem tido em vista, e, portanto, àquela que os termos da convenção possam reflectir como pretendida, através de uma declaração tácita de vontade (artigo 217º, n.º 1)[2].
Não havendo as partes elegido a legislação aplicável, aplica-se, supletivamente, o disposto nos n. os 1 e 2 do artigo 42º, ou seja, quando as obrigações tenham por fonte um contrato, estabelece-se como elemento de conexão decisivo a residência habitual comum das partes. Na falta desta, nos contratos a título gratuito a residência do que atribui o benefício e nos outros o lugar da celebração do contrato.
In casu, as partes não elegeram a legislação aplicável (artigo 41º, n.º 1); não têm sede no mesmo Estado (artigo 42º, n.º1); tratando-se, como se trata, de um contrato oneroso, inexiste consenso quanto ao local onde foi celebrado o contrato (artigo 42º, nº 2), sendo certo que, segundo as regras do ónus da prova, competia à ré demonstrar, mas não demonstrou, que o contrato fora celebrado na Suíça.
Aqui chegados, defende a recorrente que, não tendo as partes designado a lei aplicável, nem tendo ficado provado nos autos qual o lugar da celebração do contrato, não é, consequentemente, possível determinar, à luz da lei do lugar da celebração, o lugar em que a obrigação deve ser cumprida.
Nestas condições, conclui que, não se mostrando provado que a acção foi proposta perante o tribunal do lugar onde a obrigação que serve de fundamento ao pedido deve ser cumprida, deve a 5ª Vara Cível de Lisboa ser declarada internacionalmente incompetente para a tramitação e decisão da presente causa, nos termos do disposto no artigo 2º da Convenção de Lugano.
Não obstante o brilho da argumentação da recorrente, cremos não lhe assistir razão, pela simples mas decisiva razão de que, não podendo o contrato ter sido celebrado em qualquer outro lugar senão em Portugal (tese da autora) ou na Suíça (tese da ré), o lugar da celebração do contrato acaba por não ser decisivo para a decisão desta excepção, atendendo às realidades concretas envolventes da situação dos autos.
Com efeito, qualquer que tivesse sido o lugar da celebração do contrato, a solução da presente questão seria sempre a mesma, ou seja, os tribunais competentes para decidir da presente causa seriam sempre os tribunais portugueses.
E porquê?
Se o contrato tiver sido celebrado em Portugal, será aplicável a lei nacional (artigo 42º, n.º 2 do CC).
Com efeito, discutindo-se nos autos, fundamentalmente, questões de responsabilidade civil contratual, peticionando-se o pagamento de uma indemnização por insuficiência de pré – aviso e de uma indemnização de clientela, a obrigação de indemnizar reconduz-se a uma prestação pecuniária, isto é, uma obrigação que tem por objecto certa quantia em dinheiro.
Tal obrigação deve ser cumprida no lugar do domicílio do credor ao tempo do cumprimento (artigo 774º CC), isto é, na sede da autora que se situa em Portugal.
Se o contrato tiver sido celebrado na Suíça, como sustenta a ré, será aplicável, por força do preceituado no n.º 2 do artigo 42º, n.º 2 CC) a lei helvética, e, em particular, o n.º 1 do parágrafo segundo do artigo 74º da “LOI FEDÉRALE COMPLETANT LE CODE CIVIL SUISSE”, de 30 de Março de 1911, onde se lê:
“(...) À défaut de stipulation contraire, les dispositions suivantes sont applicables: 1 – lorsqu’il s’agit d’une somme d’argent, le paiement s’opère dans le lieu où le créancier est domicilié à l’époque du paiement, (…)”, ou seja, na falta de uma disposição em contrário, a obrigação de pagamento de uma quantia em dinheiro deve ser cumprida no lugar onde o credor (le créancier) está domiciliado à data do pagamento.
No caso vertente, a autora é a credora e está sedeada em Portugal. Logo a prestação deve ser efectuada em Portugal.
Temos, assim, que o tribunal a quo considerou os dois possíveis lugares de celebração do contrato – Portugal e Suíça – e analisou as soluções preconizadas pelos dois ordenamentos jurídicos de modo a saber a resposta neles prevista à questão de saber qual o lugar onde a obrigação devia ser cumprida.
Sendo a resposta dos dois ordenamentos a mesma, percebe-se a constatação do tribunal quando diz que deixa de ser decisivo o aspecto relativo a saber onde foi celebrado o contrato.
Na verdade, tal aspecto só seria decisivo, e, desse modo, inviabilizaria a aplicação do artigo 5º, n.º 1 da Convenção de Lugano, se as soluções preconizadas pelos dois ordenamentos fossem distintas.
Estamos, assim, em condições de poder concluir que, depois da apreciação dos dois ordenamentos jurídicos envolvidos, o Tribunal a quo fez uma correcta apreciação da situação sub judicio, já que qualquer que tivesse sido o lugar da celebração do contrato e qualquer que fosse o ordenamento jurídico aplicável, resultante da circunstância do lugar da celebração, a obrigação que serve de fundamento ao pedido teria sempre de ser cumprida em Portugal, pois aí se situa o domicílio do credor.
Torna-se deste modo inútil ordenar o aditamento de um quesito, em que se questione o lugar da celebração do contrato, como pretendia, em alternativa, a recorrente.
“Assim sendo e independentemente de se concluir que o contrato foi celebrado em Portugal ou na Suíça, temos que, para efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 5º da Convenção de Lugano, se deve concluir que, à luz das normas substantivas aplicáveis por força da norma de conflitos nacional, a obrigação de indemnização emergente do contrato tem de ser cumprida em território nacional”.
Deste modo, resta considerar que os tribunais nacionais, em razão da nacionalidade e, dentro destes, em particular, a 2ª Secção da 5ª Vara Cível de Lisboa, em razão da matéria, são competentes para a tramitação e decisão da causa.
Concluindo:
1 – Apresentando a causa uma conexão com duas ordens jurídicas, necessário se torna apreciar a competência internacional dos tribunais portugueses.
2 – Regulada a competência dos tribunais portugueses nos artigos 65º, 65º-A e 99º do CPC, em consonância com a lei constitucional, prevalece sobre o direito interno o que se acha estabelecido em tratados, convenções, regulamentos comunitários e leis especiais a que o Estado Português se acha vinculado.
3 – A Convenção de Lugano, relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial, foi celebrada com o espírito de promover a extensão dos princípios já adquiridos na Convenção de Bruxelas aos Estados membros da EFTA, de que Portugal e Suíça fazem parte.
4 – Como regra, segundo esta Convenção, o elemento que determina a competência judiciária é o domicílio do demandado.
5 – A Convenção contém todavia um certo número de disposições que se afastam desse princípio e permitem intentar a acção num outro Estado Contratante que não o Estado do domicílio do demandado.
6 – Uma dessas disposições diz respeito às obrigações contratuais, podendo uma das partes na acção ser demandada nos tribunais do local do cumprimento dessa obrigação.
7 – Para saber se a situação dos autos é um dos casos abrangido por essa disposição especial, há que indagar se o objecto da acção integra “matéria contratual” e, em caso afirmativo, qual o local de cumprimento dessa obrigação.
8 – A determinação do lugar do cumprimento da obrigação litigada deve, em princípio, ser feita de acordo com o disposto na lei aplicável, segundo as normas de conflito do Estado do foro.
9 – Assim, segundo o Estado do foro (Portugal), quando as obrigações tenham por fonte um contrato, estabelece-se como elemento de conexão decisivo a residência habitual comum das partes. Na falta desta, nos contratos que não sejam a título gratuito, o lugar da celebração do contrato.
10 – Não tendo as partes elegido legislação aplicável; não tendo sede no mesmo Estado nem existindo consenso quanto ao local onde foi celebrado o contrato, esta última circunstância não é, ainda assim, essencial para a decisão se, atendendo às realidades concretas, a solução preconizada por qualquer dois ordenamentos jurídicos for a mesma, qualquer que tenha sido o lugar da celebração do contrato.
11 - Assim sendo e independentemente de se concluir que o contrato foi celebrado em Portugal ou na Suíça, temos que, para efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 5º da Convenção de Lugano, se deve concluir que, à luz das normas substantivas aplicáveis por força da norma de conflitos nacional, a obrigação de indemnização emergente do contrato tem de ser cumprida em território nacional.
12 - Deste modo, resta considerar que os tribunais nacionais, em razão da nacionalidade e, dentro destes, em particular, a 2ª Secção da 5ª Vara Cível de Lisboa, em razão da matéria, são competentes para a tramitação e decisão da causa.
5.Pelo exposto, na improcedência da apelação, confirma-se a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 25 de Fevereiro de 2010
Manuel F. Granja da Fonseca
Fernando Pereira Rodrigues
Maria Manuela dos Santos Gomes

[1] Comentário à Convenção de Bruxelas, LEX edições, Lisboa, 1994, 89.
[2] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, 4ª edição, 79.