Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
14202/16.4T8LSB.L1-2
Relator: JORGE LEAL
Descritores: INTERMEDIÁRIOS FINANCEIROS
DEVER DE INFORMAR
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/22/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I. Os AA. eram clientes do banco/Réu, mantendo, pois, com este uma relação contratual, iniciada com abertura de conta, associada a um depósito à ordem e seguida de abertura de contas de depósito a prazo.
II. Os clientes reconhecem aos bancos um superior conhecimento da sua atividade proveniente da sua profissionalização e especialização, confiando que estes atuarão, não só de acordo com normais padrões de diligência e correção ao nível da genérica boa-fé exigida na execução dos contratos (art.º 762.º n.º 2 do CC) ou da sua negociação prévia (art.º 227.º n.º 1 do CC), mas, mais do que isso, esperarão que estes, tal como expressamente enunciado no RGICSF, pautarão a sua atuação por elevados padrões de competência técnica (art.º 73.º do RGICSF), os quais se refletirão na “diligência, neutralidade, lealdade, discrição e respeito consciencioso dos interesses que lhes estão confiados”, que deverão nortear as suas relações com os clientes (art.º 74.º RGICSF).
III. Ainda que se aceite ser questionável que da relação bancária geral resulte para os bancos um dever genérico de prestação de informações (obrigação de prestação de informações fora de específica contratação ou de imposição legal), que arrede a regra geral de desresponsabilização prevista no n.º 1 do art.º 485.º do CC, entende-se que se o banco, interpelado pelo cliente para prestar uma informação não diretamente conexionada com a relação bancária em concreto vigente, aceitar prestá-la, ou se o banco tomar a iniciativa, a latere de concreta relação negocial existente com o cliente, de o abordar para, por exemplo, o informar acerca de uma possibilidade de negócio, deverá fazê-lo em consonância com os deveres de rigor e diligência supra enunciados, incorrendo em responsabilidade obrigacional, se falhar.
IV. Acresce que os AA. beneficiam da proteção acrescida decorrente do facto de o banco se lhes ter apresentado como intermediário financeiro.
V. Ao nível dos deveres impostos ao intermediário financeiro, incluindo o banco para tal autorizado, destacam-se os deveres de informação, expressos no art.º 312.º do CVM, relativamente aos serviços que ofereça, lhe sejam solicitados ou que efetivamente preste, os quais deverão ser cumpridos através da prestação de “todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada”, sendo certo que o objeto dessas informações é indicado, nas alíneas seguintes do referido artigo, apenas de forma exemplificativa.
IV. O n.º 2 do art.º 312.º do CVM consagra o princípio da proporcionalidade inversa, ou seja, a regra segundo a qual a extensão e a profundidade da informação a prestar pelo intermediário financeiro ao cliente devem ser tanto maiores quanto menor for o seu grau de conhecimento e experiência.
V. Ao investidor lesado em virtude de incumprimento de um dever de informação por parte de intermediário financeiro, cabe demonstrar a existência desse dever; sobre o intermediário financeiro recai o ónus da prova de que cumpriu cabalmente o dever de informar, de acordo com os padrões enunciados nos artigos 7.º n.º 1, 312.º n.ºs 1 e 2 do CVM; sobre o intermediário financeiro recai o ónus da prova de falta de culpa no alegado incumprimento (n.º 2 do art.º 314.º do CVM, na redação anterior à introduzida pelo DL 357-A/2007, de 31.10); sobre o investidor recai o ónus da prova do dano decorrente da atuação do intermediário financeiro e do nexo de causalidade entre o facto do intermediário financeiro e o dano, ou seja, de que se tivesse formado a sua vontade de modo esclarecido, ter-se-ia abstido de celebrar qualquer negócio ou teria optado por outro investimento.
VI. No caso dos autos, em que o A., cliente tradicional, avesso ao risco, habituado a aplicar as suas poupanças em depósitos a prazo ou equiparados, subscreveu obrigações subordinadas sobre a sociedade detentora do banco, convencido de que se tratava de aplicação idêntica a um depósito a prazo, provando-se que não efetuaria tal aplicação se tivesse sido esclarecido acerca das suas caraterísticas, a reparação do dano consistirá na colocação do lesado na posição patrimonial em que se encontraria no caso de não ter efetuado essa aplicação, ou seja, não se tendo provado outros danos, na restituição ao A. da quantia aplicada.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa
RELATÓRIO
Em 02.6.2016 Manuel e mulher, Maria intentaram ação declarativa de condenação com processo comum contra Banco Bic Português, S.A.
Os AA. alegaram, em síntese, que em outubro de 2004 tinham um depósito a prazo, no valor de € 55 000,00, na agência em Leiria do antecessor do ora R., BPN – Banco Português de Negócios, S.A.. Por essa altura o A. marido foi contactado por um funcionário da dita agência que o convenceu a aplicar o valor do dito depósito a prazo, que se vencia em 25.10.2004, numa obrigação SLN Rendimento Mais 2004, no valor nominal de € 50 000,00, tendo essa quantia (€ 50 000,00), sido debitada, em 25.10.2004, na conta de depósitos à ordem dos AA.. O A. foi aliciado para tal operação com a indicação de que o tal produto tinha características similares às de um depósito a prazo, mas melhor remunerado. Para esse efeito o A. deslocou-se à agência, onde se limitou a assinar um documento intitulado “Comunicação de Cliente”, já preenchido. Em 08.5.2006 o A. recebeu um telefonema do seu gestor de conta no banco R., o qual lhe disse que subscrevera em seu nome duas obrigações SLN 2006, similares ao produto de 2004, no valor de € 50 000,00 cada uma. Era um produto totalmente garantido, com características semelhantes às de um depósito a prazo, só que melhor remunerado. O valor das duas obrigações foi debitado na conta dos AA., a partir de um depósito a prazo e de depósitos à ordem por eles titulados. Desta feita o A. nem sequer assinou qualquer documento. Ora, os AA. não foram informados das características dos aludidos produtos, tendo-os adquirido tão só porque lhes foi afiançado que eram garantidos pelo próprio banco, que, apesar de serem obrigações a dez anos, podiam ser resgatados a qualquer altura, apenas com penalização nos juros, tal como sucede nos depósitos a prazo. Não lhes foi entregue qualquer nota informativa dos produtos em questão, sendo certo que os empregados do R. tinham instruções para as não facultar aos clientes. Os empregados do R. bem sabiam que os AA. eram avessos ao risco, que apenas colocavam as suas poupanças em depósitos a prazo, e que se os AA. conhecessem as verdadeiras características das ditas obrigações, nomeadamente o que constava nas ditas notas informativas, acerca da subordinação, liquidez e reembolso antecipado, não as teriam subscrito. Após a crise do sub-prime e a nacionalização do BPN os AA., como outros, tentaram reaver o dinheiro investido nas ditas obrigações, sem sucesso. Os empregados do banco tranquilizaram os AA., dizendo-lhes que a breve trecho haveria uma solução, e que era preferível aguardarem, continuando a receber os juros semestrais contratados, que a SLN, agora Galilei, ia pagando, por intermédio do banco. Só que, tendo a Galilei iniciado um processo de revitalização, foi recusada a homologação do plano de recuperação apresentado, pelo que os AA. desistiram de receber da Galilei o valor do seu investimento, sendo certo que os empréstimos deveriam ser reembolsados em outubro de 2014 e abril de 2016, respetivamente. A SLN – Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, SA, pagou os juros referentes às obrigações SLN Rendimento Mais 2004 até 30.9.2015 e os referentes às obrigações SLN 2006 até 30.4.2015. De resto, só em finais de 2015, quando preparavam a presente ação, é que os AA. receberam do banco documento escrito com as condições de aplicação das quantias, o prazo, a rentabilidade, as condições de movimentação e demais informação relevante e legalmente exigida para esse tipo de operações.
Os AA. entendem que o R., por força da violação das obrigações legais e contratuais que tinha para com os AA. enquanto banco e intermediário financeiro, é responsável, solidariamente com, atualmente, a Galilei, SGPS, S.A., pelos prejuízos que lhes causou, correspondentes ao valor do capital e juros de mora vencidos e bem assim juros de mora vincendos a contar da citação, à taxa supletiva para as operações comerciais.
Os AA. terminaram pedindo que o R. fosse condenado a restituir aos AA. a quantia de € 160 111,43, acrescida de juros à taxa supletiva legal para as operações comerciais, contados sobre € 150 000,00, desde a citação e até integral e efetivo pagamento.
O R. contestou a ação, invocando a ineptidão da petição inicial e a prescrição do crédito dos AA., aceitando que os AA. haviam subscrito as referidas obrigações e que foram recebendo os respetivos juros e que ainda não lhes foi restituído o respetivo capital, mas impugnando tudo o mais, nomeadamente que os AA. tivessem sido enganados ou de alguma forma induzidos a investir num produto de risco, ou que lhes tivesse sido omitida alguma informação relevante, aquando da concretização dos negócios em questão. Negou, em suma, qualquer responsabilidade no sucedido e na falta de pagamento invocada, tendo concluído pela sua absolvição do pedido.
A convite do tribunal, os AA. responderam à matéria de exceção, pugnando pela sua improcedência.
Foi proferido saneador em que se julgou improcedente a arguição de ineptidão da petição inicial e se relegou para final a apreciação da exceção de prescrição.
Foi identificado o objeto do litígio e procedeu-se à enunciação dos temas da prova.
Realizou-se audiência final e em 31.3.2017 foi proferida sentença em que se julgou a ação improcedente e consequentemente se absolveu o R. do pedido.
Os AA. apelaram da sentença, tendo apresentado alegações em que formularam as seguintes conclusões:
A. Não é aceitável e nem sequer é defensável que se considere que um banco presta informação verdadeira, actual, clara e objectiva quando vende a investidores não qualificados, simples aforradores, uma obrigação subordinada, dizendo aos clientes que se trata de um produto semelhante a um depósito a prazo.
B. Reputa-se, quase como um facto público e notório, o modus operandi do Banco réu nas relações que mantinha com os seus clientes, sobretudo quando acaba de ser tornado público que Oliveira, o chefe da quadrilha, cabeça da SLN e do BPN, foi condenado a 14 anos de prisão e que Luís, o numero dois do BPN e o gestor da área financeira da SLN, foi condenado a 8 anos e meio de prisão, ambos pela prática, entre outros, do crime de burla qualificada.
C. Tal modus operandi, em ordem ao seu financiamento consistiu, como é do conhecimento comum, em seduzir meros aforradores com produtos financeiros com remuneração superior à comummente praticada por outros operadores financeiros.
D. E, em ordem a esse desiderato, convencerem tais aforradores que os produtos vendidos eram meros sucedâneos de depósito a prazo, mobilizáveis a qualquer tempo, com eventual perda de juros, o que na realidade não era verdade.
E. Sendo certo que a douta sentença assim também o considerou.
F. Foram carreadas para os autos provas inequívocas e irrefutáveis que impunham resposta diversa (a de “provados”) aos factos vertidos nas alíneas b); c); f) e g), esta última em parte, dos factos não provados.
G. Quanto à matéria da al. b) dos factos não provados, do cotejo da pág. 4 do documento n.º 6 da petição inicial (a nota interna do produto “SLN 2004”) consta que “o prospecto da emissão deverá ser entregue a todos os clientes que o solicitem” com o depoimento de Teófilo, que afirmou que “as instruções que havia era para entregar só se o cliente solicitasse”, impunha-se que a mesma tivesse recebido a resposta de “provada”.
H. A redação A todos os clientes que o solicitem, por si só, inculca desde logo a ideia de que a ficha técnica só deverá ser mostrada em casos extremos, uma vez que o cliente comum, confiante e incauto, nunca a solicitará.
I. A resposta de “provado” á matéria de facto da al. c) dos factos não provados impunha-se em resultado dos depoimentos de Teófilo (referência aos telefonemas de Oliveira, á pressão para vender, ao sistema especifico de incentivos), Saúl (empenhamento de toda a estrutura do Banco com base em informação falsa, pressão para vender”), João, (pressão que vinha de cima tremenda para a comercialização dessas aplicações), cotejados com a nota interna do produto SLN 2004 (doc. 6 da petição inicial).
J. A resposta de “provado” á matéria de facto de parte da al. g) dos factos não provados impunha-se em resultado dos depoimentos de Teófilo (referência á similitude com a venda das obrigações BPN 2003 e à insistência na similitude do produto com um depósito a prazo, o facto o cliente alvo ser aquele de depósito a prazo), Saúl, (de novo a referência ao depósito a prazo, ao capital garantido e ao risco banco, a falta de entrega do prospecto, a omissão da característica da subordinação e o seu desconhecimento das características do produto vendido) e João, (referencia ao depósito a prazo e á garantia do banco, bem como á pressão na venda).
K. A resposta de “provado” á matéria de facto da al. f) dos factos não provados impunha-se em resultado dos depoimentos de Teófilo, Saúl e João, que foram unânimes em referir que o autor marido só queria depósitos a prazo, mas com taxas altas, cotejados com o facto de o Banco réu não ter carreado para os autos qualquer prova de que os autores haviam comprado ou vendido obrigações, no BPN ou em outros Bancos.
L. Se é certo que o banco réu juntou, uma “comunicação de cliente” relativa á subscrição de 2004, assinada pelo autor marido, não juntou qualquer documento relativo á subscrição de 2006.
M. O depoimento das testemunhas supra descritos não deixa duvidas: o cliente visado era aquele cliente tradicional, de depósito a prazo, que queria produtos sem risco de capital, como os autores e que nunca compraria as obrigações dos autos, devidamente informado.
N. Nenhum dos factos alegados nos &s 16.º a 18.º; 24.º; 55.º; 58.º a 64.º; 68.º; 73.º; 77.º e 78.º da petição inicial foi impugnado pelo réu, na sua contestação.
O. Ao contestar, deve o réu tomar posição definida perante os factos que constituem a causa de pedir invocada pelo autor, sendo certo que se consideram admitidos por acordo os factos que não forem impugnados.
P. Os factos alegados nos &s 16.º a 18.º; 24.º; 55.º; 58.º a 64.º; 68.º; 73.º; 77.º e 78.º da petição inicial inserem-se nos pontos 1; 2; 3 e 4 dos temas da prova e são de fundamental importância para a descoberta da verdade material, pelo que não podiam os mesmos deixar de ter sido elencados na lista dos factos provados.
Q. O elenco de tais factos na lista de factos provados implicava, de imediato, a remoção da lista de factos não provados da matéria que integra as als. b); c); e); f) e g) dos factos não provados.
R. O conjunto de toda a prova produzida, cotejando a forma como o produto era comercializado, (semelhante a um depósito a prazo e com capital garantido), falseando as reais características do mesmo, incutindo nos funcionários do banco uma falsa sensação de segurança do produto, que estes transmitiam aos clientes, a pressão para vender, os prémios específicos aos funcionários para a comercialização do produto, impunham que o tribunal a quo, tivesse dado por parcialmente provados os factos constantes da alínea g) dos factos não provados.
S. Contratos de intermediação financeira são os negócios jurídicos celebrados entre um intermediário financeiro e um cliente (investidor), relativos à prestação de atividades de intermediação financeira.
T. No que tange aos respetivos sujeitos, os contratos de intermediação financeira caracterizam-se por serem necessariamente concluídos, em regra, entre intermediários financeiros e investidores ou clientes, os quais se podem agrupar «grosso modo» em duas grandes categorias, os investidores institucionais e não institucionais.
U. No que respeita ao seu objeto, os contratos de intermediação financeira apresentam duas notas comuns fundamentais: de um lado, esses contratos têm por objeto imediato a prestação de serviços de intermediação, sendo por isso reconduzíveis, na sua maioria, ao mesmo «macro tipo negocial» (prestação de serviço) e profundamente tributários da disciplina geral da intermediação financeira; de outro lado, tais contratos têm por objeto mediato, não apenas os tradicionais valores mobiliários, mas, genericamente, qualquer tipo de instrumento financeiro.
V. Os contratos de intermediação financeira encontram-se, balizados pelo regime geral da atividade de intermediação financeira, incluindo os variados deveres gerais que impendem sobre os intermediários financeiros, destacando-se, entre estes, os deveres de boa-fé, diligência, lealdade, transparência, informação e publicidade.
W. A relação de confiança que se estabelece entre o intermediário financeiro e o cliente pode relevar, para efeitos de responsabilidade contratual, se ocorrerem danos em virtude de falta de informação detalhada fornecida pelo intermediário, ao nível habitualmente atingido pela prestação, no âmbito da relação estabelecida.
X. No caso de o cliente não ser um investidor institucional ou experiente (é o caso dos autores, que o tribunal a quo considerou serem investidores não qualificados), carece objetivamente de particular proteção, nomeadamente em termos de informação.
Y. Em relação aos clientes, a prestação de informações apresenta-se como uma das obrigações essenciais, no âmbito da relação bancária duradoura.
Z. Sempre que a informação seja imposta, quer por obrigação principal, que por obrigação secundária, estabelecida pela relação negocial entre o Banco e o cliente, haverá que aplicar naturalmente as regras da responsabilidade obrigacional.
AA. Sempre que tal não sucede fica aberta a via da fundamentação dessa responsabilidade com base na violação de deveres de boa-fé.
BB. A prestação de informação pelo Banco nunca é desinteressada, visando antes que o recetor da informação, ao determinar-se por esta, adquira confiança na competência do Banco que lhe prestou a informação e reforce a sua relação como cliente desse Banco. Nestes termos, parece que não será forçado enquadrar esta situação no âmbito da responsabilidade pré-contratual (art. 227.º do C.C.), uma vez que a informação é prestada para instituição de futuras relações contratuais e a sua falsidade, mesmo que resultante de negligência, constitui uma forma de violação da boa-fé.
CC. Nas relações entre o Banco e o cliente, sempre que não exista uma relação negocial que corresponda a uma efetiva obrigação de informação, existe uma relação de confiança de onde resulta um dever específico de veracidade das informações espontaneamente prestadas.
DD. O Banco não está obrigado a tomar a iniciativa de informar o seu cliente sobre matérias que não tenham a ver com o âmbito do contrato bancário geral desenhado entre as partes, nomeadamente o Banco não está obrigado a informar o seu cliente sobre eventuais oportunidades de negócio, mas, se o fizer, fica obrigado a agir com a correção, a veracidade e a prudência que lhe são exigíveis por força da sua condição específica de profissional habilitado para o exercício da atividade, por força da confiança que tal facto inspira no cliente.
EE. Consideram os recorrentes que, no caso vertente, não foram rigorosamente observados os deveres de informação a que supra nos referimos.
FF. E, aliás, é a própria decisão que assim o considerou, posto que, no ponto 7 dos factos provados, assim o afirma ao referir que “Aos AA. e aos clientes era dito pelos funcionários do Banco que o produto era semelhante a um depósito a prazo”.
GG. Como ademais o reitera nos pontos 10 e 12 dos factos provados: “Como ademais o reitera nos pontos 10 e 12 dos factos provados: “Os funcionários do balcão onde os autores tinham depositadas as suas quantias acreditavam que os produtos que vendiam eram seguros e que não ofereciam risco para os subscritores; O A. foi contactado em Outubro de 2004, por um funcionário do Balcão onde o A. tinha conta, dizendo-lhe que estava a ser lançado um novo produto financeiro, de características similares às de um depósito a prazo, só que melhor remunerado, com capital garantido e podendo existir financiamento com o penhor de tal produto”.
HH. Bem como nos pontos 19, 21 e 22, a propósito das obrigações SLN 2006: “Pelo funcionário (do) Banco réu, o qual lhe referiu que o produto era similar ao de 2004, totalmente garantido, com características semelhantes às de um depósito a prazo, só que melhor remunerado. Os funcionários do banco explicaram ainda ao A. que podia proceder ao resgaste do valor em causa, desde que transmitisse as obrigações, por endosso a terceiros, e se o fizesse antecipadamente perderia apenas os juros; Era ainda dito pelos funcionários do banco que era um produto seguro e emitido pela dona do banco a SLN”.
II. Dando-se como provada a factualidade supratranscrita, não pode deixar de afirmar-se que os autores foram enganados ao subscreverem os produtos «SLN Rendimento Mais 2004» e «SLN 2006» convencidos que se tratava de um produto semelhante a um depósito a prazo.
JJ. Consideramos fundamental o depoimento de Teófilo Carreira quando refere que “os clientes que nós privilegiávamos eram os clientes tradicionais com depósitos a prazo, clientes do Banco, até porque a colocação e venda do produto era feita num prazo muito curto, entre nós havia objetivos, havia objetivos definidos pelo Banco e pela administração do Banco e havia uma grande pressão para colocar o produto nesse intervalo (…) era só transferir de depósitos a prazo para as obrigações”.
KK. Dando-se como provada a factualidade supratranscrita, não pode afirmar-se que os autores não foram enganados ao subscreverem os produtos “SLN 2004” “SLN 2006”, convencidos que se tratava de um mero sucedâneo de depósito a prazo, e que, pelo contrario, “nada fazia prever uma eventual insolvência da entidade emitente, a qual, aliás, era a dona do banco” e que “nessa data nada fazia crer que a situação financeira iria determinar tal desfecho (…) logo tal previsibilidade também escaparia ao controlo do intermediário financeiro”.
LL. A douta sentença enferma de vício de contradição profunda entre a factualidade dada como provada e a decisão de direito que tais factos mereceram, pelo que padece da nulidade referida no artigo 615.º, n.º 1, al. c) do C.P.C.
MM. À luz da matéria de facto provada, dos preceitos legais citados e dos considerandos doutrinários referidos, a informação defeituosa prestada pelo BIC ao autor marido, seu cliente, acerca das obrigações “SLN 2004” e “SLN 2006”, foi-o no âmbito de um dever jurídico de informação que sobre ele impendia
NN. É obrigacional a responsabilidade do BIC decorrente da eventual prestação defeituosa daquela informação, posto que em momento algum ao autor marido foi referida a distinção entre os produtos denominados SLN 2004 e SLN 2006 e um puro depósito a prazo.
OO. Os contratos de investimento, subtipo de contrato financeiro, têm como escopo a prestação de serviços na área do investimento em instrumentos financeiros, à luz do art. 290.º do C.V.M.
PP. Entre eles, importa destacar o subtipo que é o contrato relativo a ordens para a realização de operações sobre instrumentos financeiros, regulado pelos arts. 325.º a 334.º do C.V.M.
QQ. O contrato de ordens para a realização de operações sobre instrumentos financeiros consiste em declarações negociais, com o objetivo de celebrar contratos que podem ser de comissão, mandato ou mediação, entre um intermediário financeiro legalmente habilitado e um cliente. O propósito está na realização de negócios que abarquem os valores mobiliários em causa.
RR. A execução das ordens que o intermediário recebe a partir do cliente que pretende investir constitui o elemento fundamental para o funcionamento de todo o mecanismo legal e financeiro.
SS. É deste tipo a relação contratual retratada na matéria de facto provada, no âmbito da qual o autor marido adquiriu as ditas obrigações “SLN 2004” e “SLN 2006”.
TT. A informação prestada pelo BIC ao autor marido acerca dos produtos financeiros obrigações “SLN 204” e SLN 2006", responsabiliza-o, a ele, Banco, enquanto intermediário financeiro;
UU. Essa responsabilidade é de natureza obrigacional, que não delitual.
VV. A informação prestada pelo BPN, através dos seus funcionários da agência da Leiria-Moagem, ao autor marido, acerca do produto financeiro obrigações “SLN 2004” e “SLN 2006", foi enganosa, defeituosa, imperfeita ou inexata, uma vez que em momento algum, foi explicitado ao autor marido que, no limite, a aquisição dos produtos financeiros comportava risco, não sendo reconduzível, por forma alguma, à figura de um puro depósito a prazo.
WW. No caso sub judice está provado que os funcionários das agências do BIC tinham indicações superiores para convencerem os clientes a adquirirem aquele produto financeiro como se fosse um produto semelhante a um depósito a prazo; esses funcionários, assim como os seus colegas das demais agências daquele Banco, estavam convencidos, de acordo com indicações superiores que lhes foram transmitidas, que as obrigações “SLN 2004” e “SLN 2006” constituíam um produto financeiro seguro e que não oferecia risco para os subscritores, razão pela qual asseguraram ao autor marido que tais obrigações eram um mero sucedâneo de um depósito a prazo, sem qualquer risco e melhor remunerado.
XX. Perante isto, foi enganosa, a informação prestada pelo BIC ao autor marido acerca das características dos produtos SLN 2004 e SLN 2006.
YY. Tal se recolhe, aliás, da factualidade consignada na sentença recorrida sob o ponto 7 dos factos provados e do mail junto como Doc. 11 da petição inicial, em que os próprios funcionários do BIC admitem terem sido eles próprios levados a enganar os seus clientes.
ZZ. O tribunal a quo não se debruçou, como devia, ainda que ao de leve, sobre o teor dos dois mails, juntos como documentos n.º 10 e n.º 11 da petição inicial, nem que fosse para infirmar o respetivo teor. Incorreu o tribunal a quo na nulidade a que se referem os artigos 607.º, n.º 4, e 615.º, n.º 1, al. d): não procedeu ao exame critico das provas e deixou de se pronunciar sobre questão que devesse apreciar.
AAA. Tais documentos nem sequer foram impugnados pelo Banco réu,.
BBB. No mail junto como doc. 10 da petição inicial, quando se refere “chegou o momento de colocarmos em evidência e à vista de todos (Administração, acionistas e restantes colegas), tudo aquilo por que temos vindo nestes últimos dois anos, a lutar, ou seja, PROFISSIONALISMO, ATITUDE, e fundamentalmente, HONESTIDADE PROFISSIONAL (…) relembro que a SLN VALOR é a maior acionista da SLN SGPS (31%), que por sua vez detém 100% do BPN, ou seja, na prática, estamos a “vender” o equivalente a um DP, com uma excelente taxa (…). Quando o cliente efetua um DP no BPN está a comprar “risco” BPN. Não vejo diferenças”, revela-se um padrão comportamental por parte das chefias do Banco: seduzir os clientes com produtos de risco, como se de depósitos a prazo se tratasse.
CCC. O cumprimento defeituoso está diretamente relacionado com o princípio da pontualidade consagrado no art. 406.º do Cód. Civil.
DDD. A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação.
EEE. In casu, na informação prestada ao autor marido acerca dos produtos financeiros obrigações SLN 2004 e SLN 2006, exigia-se ao BIC uma atuação caracterizada pelo dever do BIC de agir com elevado nível de zelo, de cautela e de competência técnica.
FFF. A referência ao princípio da boa-fé tem como consequência que se apliquem ao direito dos valores mobiliários, ainda que com ajustamentos, os conceitos doutrinários e as decisões jurisprudenciais sobre esse tema.
GGG. Quanto aos deveres propriamente ditos, a estrutura normativa dirige-se, mais do que a disciplinar o acesso à atividade de intermediário financeiro, a assegurar a sua correta ordenação ao interesse preponderante e à tutela do cliente-investidor.
HHH. O dever que impende sobre os intermediários financeiros de prestarem assistência aos seus clientes, que decorre do facto de os mercados se terem aberto ao grande público, sem conhecimentos específicos na área. Tendo-se passado de um princípio de neutralidade do intermediário financeiro para uma obrigação de colaboração com o cliente, nomeadamente alertando-o para riscos inerentes à operação a desenvolver, bem como recomendando-lhe determinadas estratégias de investimento (arts 304.º, n.º 3 e 312.º, n.º 2, do C.V.M. sobre o princípio da idoneidade, que impõe ao intermediário financeiro que adapte as informações, recomendações e advertências ao cliente à experiência, conhecimentos e perfil de risco deste).
III. Atenta a diversidade entre investidor e intermediário financeiro, este como profissional do mercado, não pode existir uma uma igualdade formal civilística entre as partes, por sobressair a tendencial debilidade do cliente individual e a experiência profissionalizada do intermediário financeiro, com estrutura organizativa, humana e técnica e orientado por um escopo lucrativo.
JJJ. É dever do intermediário financeiro prestar, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efetivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, de modo a que esteja assegurada a completude, verdade, atualidade, clareza, objetividade e licitude dessas informações.
KKK. A conduta diligente, por força do art. 304.º, n.º 2, do C.V.M. é integrada por um elevado padrão de diligência nas relações com todos os intervenientes no mercado, não sobressaindo apenas na vertente da pontualidade do cumprimento da obrigação, mas quanto à delimitação do conteúdo da mesma.
LLL. Na delimitação do conteúdo do dever de informar, assume especial relevo um vetor que tem a ver com a adequação da informação à própria experiência e conhecimento técnico do cliente.
MMM. Essa informação deve, então, cobrir os aspetos técnicos necessários, de forma clara e apreensível pelo cliente em causa, para produzir o efeito útil a que se destina.
NNN. Deve, pois, ser uma informação simultaneamente pautada por características de rigor técnico-jurídico e de clareza, simplicidade e eficiência adequadas a cada cliente em concreto.
OOO. Ora, no caso em apreço, ficou provado (14º, 17º e 18º da petição inicial) que “os autores são investidores não qualificados e simples aforradores” e (7 dos factos assentes) que “aos AA e aos clientes era dito pelos funcionários do banco que o produto era semelhante a um depósito a prazo”.
PPP. Resulta cristalino dos documentos n.º 6, n.º 9, n.º 10 e nº 11 da petição inicial, dos depoimentos das testemunhas Teófilo Santos, Saúl Borges e, em menor grau, de João, e da matéria de facto provada, que o BIC, ao invés de informar o autor marido do risco inerente à aquisição das obrigações “SLN 2004” e “SLN 2006", emitidas pela SLN, através dos seus quadros superiores, deu indicações os funcionários das suas agências para convencerem os clientes a adquirirem aquele produto financeiro como se fosse um produto semelhante a um depósito a prazo; convenceu o autor marido, através dos seus funcionários da agência de Leiria-Moagem, a adquirir uma obrigação SLN 2004 e duas obrigações SLN 2006; convenceu os seus funcionários da agência, assim como os seus demais funcionários das outras agências, que as obrigações SLN 2004 e SLN 2006, emitidas pela SLN, constituíam um produto financeiro seguro e que não oferecia risco para os subscritores31; através dos seus funcionários da agência de Leiria-Moagem, assegurou ao autor marido que as obrigações SLN 2004 e SLN 2006 eram um produto semelhante a um depósito a prazo, sem qualquer risco e melhor remunerado e não informou o autor marido que, ao adquirir as obrigações SLN 2004 e SLN 2006, perdia o controlo sobre o dinheiro investido; não podia, após tal aquisição, movimentar, levantar ou gastar, até 27 de outubro de 2014 e 30 de abril de 2016, respetivamente, datas do termo das maturidades daqueles produtos financeiros, o dinheiro investido e que o empréstimo do mesmo à SLN, consubstanciado na aquisição das obrigações SLN 2004 e SLN 2006, só poderia ser reembolsado a partir daquelas datas.
QQQ. O autor marido só adquiriu as obrigações SLN 2004 e SLN 2006 por ter sido convencido, pelos funcionários da agência de Leiria-Moagem do BIC, que o retorno da quantia investida na sua aquisição, era garantida pelo próprio Banco, e que se tratava de produtos semelhantes a depósitos a prazo, com características semelhantes a estes, mas melhor remunerados.
RRR. O autor marido nunca teve intenção de adquirir aqueles produtos financeiros, nem os teria adquirido se os funcionários do BIC o tivessem previamente informado acerca das suas características, ou se lhe tivessem mostrado e explicado o conteúdo das “notas informativas” respeitante a tais produtos, nomeadamente o teor dos capítulos “Reembolso antecipado” e “Garantias e subordinação”.
31 Atente-se no teor dos factos provados sob os pontos 10., 19., e 22. constante da douta sentença recorrida.
SSS. Pois que, como referiu Saúl, devidamente informado sobre as características do produto, “não tenho dúvidas de que o senhor Manuel e a maioria dos clientes não subscrevia”.
TTT. Esta asserção, por si só, demonstra o nexo de causalidade entre a atividade ilícita desenvolvida pelo banco réu e o dano sofrido pelos autores.
UUU. Assim, é por demais evidente que, ao arrepio do que a douta sentença recorrida considerou, ocorreu uma gritante violação dos deveres de informação a que o BIC estava vinculado na atividade que desenvolveu junto do autor marido, enquanto intermediário financeiro.
VVV. De facto, o autor marido avançou para a aquisição de duas aplicações financeiras, num montante considerável, sem ter sido alertado (antes, por ter sido enganado) das características e riscos que os produtos em causa encerravam, incorrendo, assim, o BIC em responsabilidade.
WWW. Com efeito, sendo o BIC responsável perante os credores pelos atos dos seus funcionários (art. 800.º, n.º 1, do C.C.), violou os deveres de informação, bem como os princípios da boa-fé, diligência, lealdade e transparência a que estava adstrito, quer por força do relacionamento contratual existente com o autor marido, quer na qualidade de intermediário financeiro.
XXX. Atuou, por isso, de forma ilícita,
YYY. A falha de informação inicial do BIC acerca das características das obrigações SLN 2204 e SLN 2006 (assim como a violação dos demais deveres que sobre si impediam) projetou-se negativamente na esfera patrimonial dos autores, os quais, após o vencimento das aplicações, não foram reembolsados pela emitente SLN.
ZZZ. O comportamento do BPN foi decisivo e causal na produção dos danos sofridos pelo autor marido, pois que foi com base na informação de capital garantido e sem risco (um produto semelhante a um depósito a prazo), que este deu o seu acordo na aquisição das obrigações SLN 2004 e SLN 2006.
AAAA. É ostensivo o nexo de causalidade entre a violação dos deveres resultantes da lei, nomeadamente os deveres de informação, a que o BIC estava adstrito e os danos que o autor marido reclama nesta ação (art. 563.º do C.C.).
BBBB. O dano corresponde ao valor dos montantes investidos e não reembolsados na data do vencimento das aplicações.
CCCC. É, assim, evidente, o direito do autor marido a ser indemnizado pelo réu.
DDDD. No âmbito das normas de conduta, o D.L. n.º 357-A/2007, de 31 de outubro limitou-se a levar a cabo a concretização da matéria relativa á adequação da operação às circunstâncias do cliente, cuja extensão depende do tipo de serviço a prestar.
EEEE. Tratou-se, pois, de uma lei meramente interpretativa, não inovadora, que se limitou a concretizar melhor uma das soluções de direito possíveis que já decorriam da lei anterior. Como lei interpretativa, a nova lei integra-se na lei interpretada.
FFFF. Notificado para informar se alguma vez, e na afirmativa quando, classificou o perfil dos autores como investidores, o banco respondeu nunca o ter feito.
GGGG. Não é aceitável que o tribunal a quo não tenha sido capaz de discernir que o ónus da prova da prestação da informação correta sobre o produto financeiro cabia ao Banco réu, por via do disposto nos artigos 304.º-A, n.º 2 do C.V.M. e 344.º, n.º 1 e 799º, nº 1 do Código Civil.
HHHH. A pessoa normal confia: sabe que lida com profissionais do dinheiro, responsáveis e sindicados pelo estado. Dentro do razoável, o ónus da informação é do banqueiro.
IIII. O tribunal a quo ignorou o conflito de interesses entre a SLN e o Banco réu, o qual é, no caso dos autos, gritante.
JJJJ. E também não se apercebeu da intermediação excessiva, pois a atividade descrita e demonstrada nos autos não era a da intermediação financeira, no verdadeiro sentido do termo: do que se tratava era de utilizar o Banco réu para captar de forma ilícita recursos para a sua dona, através de uma autêntica caça aos depósitos a prazo dos seus clientes.
KKKK. A prática do Banco réu extravasava em muito a simples intermediação financeira, o que se prosseguia era a canibalização dos depósitos.
LLLL. A decisão de que ora se recorre vai contra o entendimento maioritário e consolidado dos juízes do Juízo Cível Central de Lisboa, em causas da mesma natureza, patrocinadas pelo mesmo mandatário, por factos praticados em Leiria, pelos mesmos funcionários, conforme sentenças, proferidas no âmbito dos processos n.ºs 35242/15.5T8LSB, do Juiz 4; 3317/15.6T8LRA, do Juiz 13 e 3341/15.9T8LRA, do Juiz 18, todas transitadas em julgado.
MMMM. Entendimento esse que também foi perfilhado por este Venerando Tribunal em Acórdão de 15/09/2015 (Maria Amélia Ribeiro), disponível em www.dgsi.pt.
NNNN. Também o Supremo Tribunal de Justiça perfilha o mesmo entendimento: assim em Acórdãos de 10/01/2013 (Tavares de Paiva), e de 17/03/2016 (Maria Clara Sottomayor) disponíveis em www.dgsi.pt,
OOOO. Demonstrados o facto, o tipo, a ilicitude, a culpa (que se presume), bem como o nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano, deverá, pois, inequivocamente, ser revogada a douta sentença recorrida.
PPPP. O prazo de prescrição a aplicar no caso sub judice seria sempre o prazo geral de 20 anos (artigo 309º do Código Civil) e não o especial de dois anos (artigo 324º, nº 2, do C.V.M.).
QQQQ. A douta sentença recorrida violou o disposto nos artigos 73.º; 74.º; 75.º, n.º 1 e 76.º do R.G.I.C.S.F.; nos artigos 309.º; 323.º, n.º 1; 344.º, n.º 1; 376.º; 406.º; 483.º; 485.º; 487.º; 563.º; 573.º; 762.º, n.º 1; 798.º; 799.º e 800.º do Código Civil; nos artigos 574.º, n.º 1 e n.º 2; 607.º, n.º 4 e n.º 5 e 615.º, n.º 2, alíneas b) e c) do C.P.C. e nos artigos 1.º, n.º 1, al. a); 7.º; 30.º; 289.º; 290.º; 292.º; 293.º, n.º 1, al. a); 304.º; 304.º-A; 305.º; 309.º-A; 309.º-B; 310.º; 312.º; 314.º; 324.º, n.º 2 e 325.º a 334.º do C.V.M..
Os apelantes terminaram pedindo que a sentença recorrida fosse revogada e julgasse a ação totalmente procedente, por provada.
O R. contra-alegou, pugnando, sem formular conclusões, pela improcedência do recurso e consequente manutenção da decisão recorrida.
Foram colhidos os vistos legais.
FUNDAMENTAÇÃO
As questões que se suscitam neste recurso são as seguintes: impugnação da matéria de facto; responsabilidade do R. face aos AA..
Primeira questão (impugnação da matéria de facto)
O tribunal a quo deu como provada a seguinte
Matéria de facto
1. O Banco réu girava anteriormente sob a denominação “BPN – Banco Português de Negócios, S.A.”.-cf. certidão junta a fls. 46 a 67;
2. Até à nacionalização do “BPN - Banco Português de Negócios, S.A.”(com a Lei nº 62-A/2008, de 11/11) a totalidade do capital social do Banco era detida, na íntegra, pela sociedade “BPN, SGPS, S.A.”, a qual, por sua vez, era detida, também na íntegra, pela sociedade então denominada “SLN – Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A.”. – cf. certidão de fls. 68 a 82 e de fls. 112 a 121;
3. Os autores são, há mais de 12 anos, clientes do Banco réu, através da agência de Leiria (Moagem);
4. Pela “SLN – Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A.”, foi decidido emitir 1000 obrigações subordinadas a 10 anos, denominadas “SLN –Rendimento Mais 2004”, por “emissão de 1.000 obrigações subordinadas, no valor nominal de 50.000€, por dez anos, em 25/10/2014, sendo que nos termos da nota interna cuja cópia foi junta a fls. 134 a 138 cujo teor se reproduz, se refere que se destina à rede comercial e que a “total subscrição desta emissão é, assim, de importância estratégica para o grupo”;
5. Nos termos da nota interna referida refere-se quanto a juros dos 1ºs ao 10 cupões 4,5%, sendo o seu pagamento semestral e postecipadamente, e a nível de capital garantido consta “100% do capital investido”;
6. Mais se refere na mesma nota que a atribuição de prémios em Dezembro encontra-se dependente do “Grau de realização dos objectivos (GRO) deste produto”;
7. Aos AA. e aos clientes era dito pelos funcionários do Banco que o produto era semelhante a um depósito a prazo;
8. A nível interno existia quanto ao produto em causa a nota informativa, com data de Outubro de 2004, e cuja cópia se encontra junta a fls. 139 a 172 cujo teor se reproduz;
9. Em Maio de 2006, “SLN – Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A.”, decidiu emitir 1000 obrigações subordinadas a 10 anos, denominadas “SLN –2006”, nos mesmos moldes das anteriormente referidas, existindo quanto a estas a nota informativa cuja cópia se encontra junta a fls. 173 a 205;
10. Os funcionários do balcão onde os autores tinham depositadas as suas quantias acreditavam que os produtos que vendiam eram seguros e que não ofereciam risco para os subscritores;
11. O autor tinha, no Banco réu, em Outubro de 2004, no valor de €55.000,00 (cinquenta e cinco mil euros)- cf. doc. de fls. 208;
12. O A. foi contactado em Outubro de 2004, por um funcionário do Balcão onde o A. tinha conta, dizendo-lhe que estava a ser lançado um novo produto financeiro, de características similares às de um depósito a prazo, só que melhor remunerado, com capital garantido e podendo existir financiamento com o penhor de tal produto;
13. Mais referiu que, atentas as características do produto, o mesmo estava a ter uma procura enorme junto dos clientes do Banco;
14. No dia 8/10/2004, o autor marido compareceu na agência de Leiria (Moagem) onde deu ordem de aquisição de uma obrigação SLN no valor de 50.000€;
15. Na mesma data, foi exibido ao autor marido um documento intitulado “Comunicação de Cliente”, onde consta a seguinte ordem: “DP – 55.000,00 EUR – Prazo: 25/10/04; Taxa – 3,40%; Sub. SLN 50.000,00 em 25/10/2004” – cf. doc. de fls. 209 cujo teor se reproduz;
16. No dia 25/10/2004, foi debitada, na conta de depósitos à ordem do autor, a quantia de €50.000,00, relativa à compra de uma obrigação SLN Rendimento Mais 2004 – cf. doc. de fls. 210;
17. No dia 08/05/2006, foi feita a transferência do valor de €50.000,00 (cinquenta mil euros) para a conta do A. n.º 0079.0000.05685934101.07, bem como uma outra no valor de €12.500,00 (doze mil e quinhentos euros), tendo ficado na mesma um saldo de €100.727,57€ – cf. doc. de fls. 211;
18. E nesse dia, e após contacto do funcionário do balcão onde o A. tinha depositadas tais quantias, e com a mesma informação anteriormente prestada, o mesmo deu ordem de subscrição de duas obrigações SLN 2006;
19. Pelo funcionário Banco réu, o qual lhe referiu que o produto era similar ao de 2004, totalmente garantido, com características semelhantes às de um depósito a prazo, só que melhor remunerado;
20. No mesmo dia, foi debitada na conta dos autores a aquisição de duas obrigações “SLN 2006”, no valor de 100.000€ – cf. fls. 212;
21. Os funcionários do banco explicaram ainda ao A. que podia proceder ao resgate do valor em causa, desde que transmitisse as obrigações, por endosso a terceiros, e se o fizesse antecipadamente perderia apenas os juros;
22. Era ainda dito pelos funcionários do banco que era um produto seguro e emitido pela dona do banco a SLN;
23. Os títulos em causa encontram-se indicados nos extractos emitidos pela ré como “Obrigações SLN rendimento mais 2004 e SLN 2006”, encontrando-se as mesmas depositadas no banco – cf. doc. de fls. 213 e 214 e 221 e 222;
24. Os juros contratados nas aquisições efectuadas nos autos foram pagos até 08/05/2015, quanto às obrigações SLN 2006 e até 27/04/2015, relativamente às SLN Rendimento Mais 2004 – cf. doc. de fls. 229;
25. A “SLN - Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A.”, hoje denominada “Galilei, SGPS, S.A.” apresentou, no Tribunal da Comarca de Lisboa, um Processo Especial de Revitalização, o qual corre seus termos pela 1.ª Secção de Comércio - J4, com o número 22922/15.4T8LSB, tendo sido logo proferido o despacho e sido proferida sentença que, declarando encerrado o processo negocial, sem aprovação do Plano de Recuperação, determinou o encerramento do Processo de Revitalização – cf. doc. de fls. 231 a 237;
26. A ré, à data dos factos, não possuía sistema interno de classificação de investidores;
27. Relativamente às obrigações SLN 2006 a ré possuía a nota interna junta a fls. 336 a 336 vº e informativa junta a fls. 218 a 226, cujos teores se dão por reproduzidos, bem como autorização do Banco de Portugal – cf. doc. de fls. 315 vº;
28. O A. recebia os extractos mensais da sua situação financeira junto da ré, onde as obrigações em causa apareciam como parte integrante da sua carteira de títulos e separadas das restantes aplicações, sem que tenha feito qualquer reclamação ( cf. fls. 213 e 214 ).
Na sentença figuram os seguintes
Factos não provados
a) Que os autores encontram-se, actualmente, reformados;
b) Que tenham sido dadas instruções aos funcionários do Banco para não entregarem aos clientes, potenciais ou efectivos subscritores das obrigações, a nota informativa das obrigações em causa, ou para nem sequer mostrarem tal nota informativa aos clientes.
c) Que a venda das obrigações foi determinada pela auditoria às contas do Banco réu, e a ordem do Banco de Portugal para que este reforçasse os seus capitais próprios;
d) Que a compra das obrigações SLN 2006 tenha sido feita sem autorização dos autores;
e) Que os autores são pessoas com um elevado espirito de trabalho e de poupança, o que lhes permitiu amealhar significativas poupanças;
f) Que aos AA. tenha sido afiançado pelos funcionários do mesmo que o retorno das quantias em questão era garantido pelo próprio Banco;
g) Que todos os funcionários do Banco réu que lidavam com o autor marido sabiam que este era uma pessoa com pouca instrução escolar, não tinha por hábito investir na Bolsa, não costumava adquirir qualquer produto diverso de depósitos a prazo e nunca havia comprado ou vendido obrigações;
h) Que o A. logo aquando da nacionalização do BPN tenha tido conhecimento de toda a informação relativa às obrigações em causa.
O Direito
Nos termos do n.º 1 do art.º 662.º do CPC “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.”
Pretendendo o recorrente impugnar a decisão relativa à matéria de facto, deverá, nos termos do art.º 640.º do CPC, sob pena de rejeição, especificar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes (n.º 2 alínea a) do art.º 640.º do CPC).
Nesta apelação os apelantes identificaram os factos que, no seu entender, deveriam ter sido dados como provados e que, por conseguinte, indevidamente não o foram, e indicaram os respetivos meios de prova, que são documentais e testemunhais. No que concerne à prova testemunhal, procederam à transcrição integral da gravação dos depoimentos e, nas alegações, reproduziram os trechos dos depoimentos que, na sua perspetiva, sustentam a sua visão da prova, tendo indicado as páginas, na transcrição dos depoimentos, onde constam tais passagens dos depoimentos. Tanto basta, cremos, para que se deem como satisfeitos os ónus da impugnação da decisão de facto, à luz da jurisprudência, relativamente liberal, do STJ, a este respeito (STJ, 22.02.2017, proc. n.º 988/08.3TTVNG.P4.S1; STJ, 22.02.2017, proc. n.º 638/13.6TBLRA.C1.S1).
Os apelantes consideram que se devia ter dado como provado o seguinte:
Haviam sido dadas instruções aos funcionários do Banco para não entregarem aos clientes, potenciais ou efectivos subscritores das obrigações, a nota informativa das obrigações em causa, ou para nem sequer mostrarem tal nota informativa aos clientes” (correspondente à al. b) dos factos não provados);
A venda das obrigações foi determinada pela auditoria às contas do Banco réu, e a ordem do Banco de Portugal para que este reforçasse os seus capitais próprios” (correspondente à al. c) dos factos não provados);
Os autores são pessoas com um elevado espirito de trabalho e de poupança, o que lhes permitiu amealhar significativas poupanças” (correspondente à al. e) dos factos não provados);
Aos AA. foi afiançado pelos funcionários do banco que o retorno das quantias em questão era garantido pelo próprio Banco” (correspondente à al. f) dos factos não provados);
Os funcionários do Banco réu que lidavam com o autor marido sabiam que este não costumava adquirir qualquer produto diverso de depósitos a prazo nem nunca havia comprado ou vendido obrigações” (correspondente a parte da al. f) dos factos não provados);
O cliente visado pelo banco era o cliente tradicional, de depósito a prazo, que queria produtos sem risco de capital, como os AA. e que nunca compraria as obrigações dos autos, devidamente informado” (al. M) das conclusões e n.º 3 dos temas da prova).
Os apelantes defendem, desde logo, que a matéria de todas estas alíneas deveria ter sido dada como provada uma vez que o por si alegado nos artigos 16.º a 18.º, 24.º, 55.º, 58.º a 64.º, 68.º, 73.º, 77.º e 78.º da p.i. não foi especificadamente impugnado pelo R..
Ora, constata-se que todos estes artigos foram impugnados, especificadamente, pelo R., no art.º 4.º da contestação, e resultam impugnados atendendo ao conjunto da defesa (art.º 574.º n.ºs 1 e 2 do CPC). Daí que, como os apelantes reconhecem, parte da respetiva matéria tenha sido enunciada como integrando os temas da prova, sem reclamação por parte dos AA. (cfr. artigos 596.º, n.º s 1 e 2 e 410.º do CPC). E o que não foi incluído nos temas da prova foi excluído da ação, por força do despacho proferido em 18.11.2016, em que se julgou não escritos os artigos 21.º a 56.º, 154.º e 155.º, 166.º e 167.º da p.i. (fls 276 e 277 dos autos) – decisão essa que não foi impugnada.
Resta, então, apreciar a prova produzida quanto aos factos supra referidos (à exceção do da alínea e) dos factos não provados, em que a impugnação por parte dos apelantes assentava tão só no alegado efeito cominativo da não impugnação na contestação).
Primeiro facto: “Haviam sido dadas instruções aos funcionários do Banco para não entregarem aos clientes, potenciais ou efectivos subscritores das obrigações, a nota informativa das obrigações em causa, ou para nem sequer mostrarem tal nota informativa aos clientes” (correspondente à al. b) dos factos não provados).
Na nota interna atinente às obrigações SLN 2004, quanto ao prospecto da emissão, consta que “o prospecto da emissão, que enviamos em anexo, deverá encontrar-se disponível para consulta e ser entregue a todos os Clientes que o solicitem” (vide pág. 137 dos autos). Quanto às testemunhas: Teófilo, Director – Coordenador do BPN na zona de Leiria, disse que “as instruções que havia, era para entregar só se o cliente o solicitasse”; “…que eu saiba não era entregue aos clientes a ficha técnica, nem era distribuída, até que nem sequer houve formação por parte da administração do Banco para discutir a questão das obrigações subordinadas, isso nunca foi feito”; “a ideia que eu tenho é que por norma não era entregue”. Saúl, ao tempo diretor de zona e que trabalhava na agência de Leiria, e que propôs ao A. o investimento nas obrigações SLN 2004, afirmou que por norma não se entregava aos clientes a nota interna do produto. João, gestor de conta do A. ao tempo dos factos, disse lembrar-se de ter entregue a ficha técnica a alguns clientes, mas que havia uma relação de confiança, a maior parte das vezes a venda era feita por telefone e por conversa, pelo que na maior parte das vezes poderia não haver lugar à entrega da ficha do produto ao cliente.
Embora não se possa dar como provada a totalidade do alegado pelos apelantes, tem alguma relevância e resulta da prova, o seguinte:
Em regra, não era facultada aos clientes a nota informativa das obrigações em questão, a não ser que estes o solicitassem.”
Segundo facto: “A venda das obrigações foi determinada pela auditoria às contas do Banco réu, e a ordem do Banco de Portugal para que este reforçasse os seus capitais próprios” (correspondente à al. c) dos factos não provados).
Os trechos dos depoimentos indicados pelos apelantes para sustentarem este facto (Teófilo Carreira, Saúl Borges, João Jesus), assim como os documentos indicados (doc. 6 e 9 da p.i. – argumentário para a venda das obrigações SLN 2004 e 2006) não têm qualquer ligação com esta matéria, não se vislumbrando, de todo o modo, da totalidade do conteúdo desses documentos e desses depoimentos qualquer confirmação do aqui asseverado, total ou parcialmente, pelo que nesta parte a impugnação da decisão de facto improcede.
Terceiro facto: “Aos AA. foi afiançado pelos funcionários do banco que o retorno das quantias em questão era garantido pelo próprio Banco” (correspondente à al. f) dos factos não provados).
Teófilo afirmou, a perguntas do mandatário do R., que nunca foi dada garantia formal de que o banco pagaria, se necessário, as obrigações ao cliente; mas dizia-se-lhes que era um produto da dona do banco e que por isso era tão seguro como se fosse do banco, era um “risco-banco”; em caso de necessidade, o banco assumia arranjar comprador para o título. Saúl disse que se dizia aos clientes que o produto era da SLN, que por ser dona do banco era como se o produto fosse do banco, que “era um risco equiparado”. “O produto era comercializado pelo banco, o banco é que era responsável, qualquer situação era com o banco.” “Fui eu que aconselhei o Sr. Manuel [o A.] a subscrever o produto. Portanto, fui eu que intervim na venda do produto.” E, quanto às SLN 2006, “…também aconselhei, apesar de não ter sido subscrito na unidade que eu geria, era normal o Sr. Manuel Domingues conversar comigo e pedir explicação de qual era a melhor opção para, para remunerar o capital que ele tinha no banco.” “Nós vendíamos como se fosse um produto do banco.” “Na altura era um produto que nós vendíamos como um produto de capital garantido, sem risco, e risco de banco”. O produto “era garantido pelo banco, era a informação que nos davam.” “ E, face às objeções do advogado do R.: “… fui eu que vendi o produto, eu é que sei o que disse, portanto…” “O cliente comprou um produto do banco, eu disse era o produto que estava ali gerido pelo Banco, responsabilizado pelo Banco, foi isso que lhe foi dito [ao A.].” João, gestor de conta do A., disse que as obrigações em causa “era um produto que era vendido como um depósito a prazo, em que se o cliente precisasse do dinheiro podia ser endossado, podia servir de colateral a um crédito qualquer, era um produto que hoje não tem liquidez, mas na altura tinha liquidez total e tinha garantia do banco.
Advogado dos AA.: “Então, os senhores vendiam estes produtos aos clientes como um produto garantido pelo banco?
Testemunha: “Exatamente. Exatamente. À data, BPN.” (…) O argumentário que vinha de cima era que estar a vender uma obrigação ou estar a vender um depósito a prazo era rigorosamente a mesma coisa porque o risco era risco banco.”
Face a estes depoimentos, não vemos razões para não dar como provado que “ao A. foi afirmado, pelos empregados do R., que as aplicações SLN 2004 e SLN 2006 eram garantidas pelo BPN.”
Quarto facto: “Os funcionários do Banco réu que lidavam com o autor marido sabiam que este não costumava adquirir qualquer produto diverso de depósitos a prazo nem nunca havia comprado ou vendido obrigações” (correspondente a parte da al. f) dos factos não provados).
Todas as testemunhas conheciam os AA., tendo sido Teófilo e Saúl “quem levou o Sr. Manuel para o banco [BPN]”, e sendo João Jesus o seu gestor de conta.
O depoimento destas testemunhas é coincidente no sentido de que os AA. eram clientes avessos ao risco, apenas investindo as suas poupanças em depósitos a prazo, ou eventualmente aplicações idênticas, procurando as melhores taxas, neste tipo de aplicações (era um “pica-taxas”, segundo Teófilo). Teófilo: “Era uma pessoa muito picuinha que tinha depósitos noutros bancos e que normalmente, pronto só queria depósitos a prazo, só queria produtos seguros, mas era sempre muito exigente a nível da remuneração.” “Só queria depósitos a prazo, mas com taxas altas.Saúl: “O conhecimento que eu tenho do senhor Manuel é que é uma pessoa conservadora, é uma pessoa cautelosa e que procura remunerar os seus capitais o melhor possível e sempre uma pessoa, mas sempre uma pessoa cautelosa e, pelo menos comigo, o que subscreveu foi sempre depósitos a prazo ou produtos de risco garantido pelo banco.” João: “…daquilo que eu me lembro, o senhor Manuel nunca pediu produtos com risco, daquilo que eu me lembro. Essencialmente, o seu património estava, essencialmente, em depósitos a prazo e alguns produtos que penso que ele também tinha noutros bancos ligados com a atividade bancária, mas produtos naquilo que eu tenho ideia, sem grande risco.”
Face ao exposto, deve dar-se como provado que “Os funcionários do banco sabiam que o A. era um investidor conservador, que só aplicava as suas poupanças em depósitos a prazo ou em produtos de pouco risco.”
Quinto facto: “O cliente visado pelo banco era o cliente tradicional, de depósito a prazo, que queria produtos sem risco de capital, como os AA. e que nunca compraria as obrigações dos autos, devidamente informado” (al. M) das conclusões e n.º 3 dos temas da prova).
Os depoimentos prestados pelas três testemunhas acima são coincidentes no sentido de que se tivesse sido explicado ao A. que as obrigações não eram da responsabilidade do BPN, mas tão só da SLN, e que se a SLN ficasse insolvente, entraria em último lugar no pagamento dos seus créditos, apenas à frente dos acionistas, este não teria aplicado o seu dinheiro nas aludidas obrigações.
Advogado dos AA.: “Então, eu para terminar senhor Saúl, faço-lhe esta pergunta: acha que o senhor Manuel tinha aceite subscrever estes produtos se lhe tivesse sido dito atenção o BPN não tem nada a ver com isto, isto trata-se de produtos da SLN, não tem o seu pagamento garantido pelo banco e mais a mais trata-se de obrigações subordinadas, ou seja, se houver um problema qualquer com a solvabilidade da SLN o senhor ficará no último lugar dos credores reconhecidos?
Saúl: “Não, eu não tenho dúvidas que o senhor Manuel e a maioria dos clientes não subscrevia.”
Advogado dos AA.: “Acha que, se tivesse sido dito ao senhor Manuel atenção isto é um produto da SLN que é a dona do banco, mas que com este produto o BPN não tem nada a ver, mais a mais, trata-se de obrigações subordinadas, não tem capital garantido pelo Banco e se houver algum problema com a solvabilidade da SLN, o senhor ficará no final da lista de credores?
João: “Eu não poderia dizer isso porque isso não nos era transmitido superiormente, mas se eu lhe tivesse dito isso ao senhor Manuel, com certeza ele não iria fazer essa aplicação, nem ele, nem grande parte dos clientes, com certeza.”
Por conseguinte, por se tratar de matéria alegada na petição inicial, que faz parte dos temas da prova e é relevante, e se mostra provada, estando incluída no âmbito da impugnação da decisão de facto, dar-se-á também como provado o seguinte:
Se tivessem sido previamente explicadas ao A. as características das obrigações SLN que veio a subscrever, nomeadamente que eram obrigações assumidas apenas pela SLN e não pelo BPN, e que no caso de insolvência da SLN o pagamento do capital por si investido ficaria subordinado ao prévio reembolso de todos os credores não subordinados, tendo apenas prioridade sobre os acionistas da SLN, o A. não teria subscrito tais obrigações.”
Em suma, a impugnação da decisão de facto é parcialmente procedente e consequentemente adita-se à matéria de facto os seguintes números 29 a 32:
29. Em regra, não era facultada aos clientes a nota informativa das obrigações em questão, a não ser se estes o solicitassem.
30. Ao A. foi afirmado, pelos empregados do R., que as aplicações SLN 2004 e SLN 2006 eram garantidas pelo BPN.
31. Os funcionários do banco sabiam que o A. era um investidor conservador, que só aplicava as suas poupanças em depósitos a prazo ou em produtos de pouco risco.
32. Se tivessem sido previamente explicadas ao A. as características das obrigações SLN que veio a subscrever, nomeadamente que eram obrigações assumidas apenas pela SLN e não pelo BPN, e que no caso de insolvência da SLN o pagamento do capital por si investido ficaria subordinado ao prévio reembolso de todos os credores não subordinados, tendo apenas prioridade sobre os acionistas da SLN, o A. não teria subscrito tais obrigações.
Segunda questão (o crédito dos AA. face ao R.)
Está provado que os AA. eram e são clientes do banco R., aí sendo titulares de conta de depósito à ordem e de contas de depósitos a prazo (n.ºs 3, 11, 16, 17, 18, 20 da matéria de facto).
Em outubro de 2004 o A. marido foi contactado por um funcionário do balcão onde tinha aberto a sua conta, que o informou que estava a ser lançado um novo produto financeiro, de caraterísticas similares às de um depósito a prazo, só que melhor remunerado e com capital garantido, o qual estava a ser alvo de uma procura enorme pelos clientes do banco (n.ºs 12 e 13 da matéria de facto). Foi dito ao A. que o produto era seguro e emitido pela dona do banco, a SLN, e era garantido pelo BPN (n.ºs 22 e 30). Mais foi dito ao A. que, embora a obrigação fosse a 10 anos, o seu valor poderia ser resgatado antecipadamente, desde que a obrigação fosse endossada a terceiros, perdendo tão só os juros (n.º 21).
O A., convencido pelo assim informado, aceitou aplicar € 50 000,00, que tinha depositado no banco, na aludida obrigação SLN 2004 (n.ºs 14 a 16 da matéria de facto).
Em maio de 2006 o A. foi de novo contactado por um funcionário do balcão onde tinha a sua conta no banco e, após lhe terem sido dadas indicações iguais às supra referidas, aceitou aplicar a quantia de € 100 000,00, que tinha depositada no banco, em duas obrigações SLN 2006, no valor de € 50 000,00 cada uma, com o prazo de maturidade de 10 anos (17, 18, 19 e 20 dos factos provados).
Ora, sucede que embora os AA. tivessem recebido juros respeitantes às ditas obrigações, o seu capital não lhes foi pago, uma vez chegada a data da respetiva maturidade, ocorrida, respetivamente, em outubro de 2014 e maio de 2016, encontrando-se os títulos depositados no banco (n.ºs 4, 9, 23 e 24 da matéria de facto). Sendo certo que a obrigacionista (“SLN”) tentou obter a aprovação de um plano de recuperação no âmbito de um processo de revitalização, o qual foi encerrado sem aprovação de um plano de recuperação (n.º 25 da matéria de facto).
Ora, constata-se que aquilo em que os AA. aplicaram as suas poupanças nada tinha a ver com um depósito a prazo.
O depósito a prazo é um depósito bancário, isto é, uma disponibilidade monetária entregue a uma entidade que está sujeita a um conjunto de deveres prudenciais de natureza legal e administrativa que se destinam a garantir que essa entidade pode, a todo o momento e salvo particular acordo inter partes, restituir ao depositante o valor correspondente à totalidade ou parte da quantia depositada (art.º 1.º do Dec.-Lei n.º 430/91, de 02.11). O depósito bancário é um depósito irregular (artigos 1185.º e 1205.º do CC), um negócio em que predomina o interesse do depositante, conforme decorre do regime decorrente do Dec.-Lei n.º 430/91 e é confirmado pela tradicional proteção legal conferida aos depósitos bancários, nomeadamente através do fundo de garantia de depósitos, em caso de insolvência da instituição bancária (cfr. artigos 164.º a 166.º do RGICSF; Manuel Carneiro da Frada, “Crise financeira mundial e alteração das circunstâncias: contratos de depósito vs. contratos de gestão de carteiras”, in ROA, 2009, ano 69.º, vol. III/IV, p.647; António Pedro de Azevedo Ferreira, A relação negocial bancária, 2005, Quid Juris, p. 131). Bem diferente é a situação do titular de obrigações, as quais, constituindo, como se enuncia no art.º 348.º do CSC, “valores mobiliários que, numa mesma emissão, conferem direitos de crédito iguais sobre a entidade emitente, em regra têm subjacente um contrato de mútuo (vide Paulo Câmara, Manual de Direito dos Valores Mobiliários, 2016, 3.ª edição, p. 139; A. Barreto Menezes Cordeiro, Manual de Direito dos Valores Mobiliários, 2016, Almedina, p. 158), estando sujeitas a um prazo fixado em benefício do devedor (entidade emitente). Estes títulos têm graus de proteção variados, desde as obrigações hipotecárias (Dec.-Lei n.º 125/90, de 16.4 e, depois, Dec.-Lei n.º 59/2006, de 20.3) e as obrigações titularizadas (Dec.-Lei n.º 453/99, de 05.11), especialmente favoráveis às pretensões dos obrigacionistas, e, no polo oposto, as obrigações subordinadas: em caso de insolvência do emitente, os titulares de obrigações subordinadas apenas serão reembolsados depois dos demais credores de dívida não subordinada (António Barreto Menezes Cordeiro, ob. cit., pp. 163 e 164; Paulo Câmara, ob. cit, p. 140).
Ora, no caso dos autos, os AA. não empregaram as suas poupanças em depósitos a prazo, aplicações que beneficiam da liquidez e segurança supra referidas, mas sim em obrigações subordinadas, a dez anos, ou seja, desprovidas de liquidez e, além disso, de segurança, não só por não emanarem de uma instituição de crédito mas de uma sociedade que, embora “dona” do BPN, é jurídica e patrimonialmente dela distinta, não gozando da tradicional proteção concedida às instituições de crédito – ainda para mais, estando os obrigacionistas, fruto da natureza subordinada das obrigações, relegados, em eventual processo de liquidação da devedora, para o fim dos pagamentos – apenas antes dos acionistas – (cfr. a nota interna referida no n.º 4 da matéria de facto, a nota informativa referida em 8 da matéria de facto e as notas interna e informativa referidas no n.º 27 da matéria de facto).
Os AA. aplicaram as suas poupanças em produtos distintos daquilo que tinham visionado, ou melhor, adquiriram obrigações sem estarem devidamente esclarecidos acerca das suas características, as quais não eram adequadas ao seu perfil de investidores conservadores, avessos ao risco, habituados a aplicar o seu dinheiro em depósitos a prazo ou equiparados (n.ºs 31 e 32 da matéria de facto).
Ora, como se disse, os AA. eram clientes do BPN, mantendo, pois, com o banco uma relação contratual, iniciada com abertura de conta, naturalmente associada a um depósito à ordem e, em simultâneo ou sucessivamente, seguida de abertura de contas de depósito a prazo.
A relação negocial bancária, assim constituída (vide António Pedro de Azevedo Ferreira, A relação negocial bancária, citada, pp. 591 e ss.; Almeno de Sá, Direito Bancário, 2008, Coimbra Editora, 2008, pp. 13 e ss.; António Menezes Cordeiro, Direito Bancário, 6.ª edição, 2016, Almedina, pp. 266, 286 a 291), desencadeia entre as partes um elo de confiança, que tenderá a reforçar-se com o seu prolongamento. O particular, ao abrir conta num banco, dá a este acesso à sua vida patrimonial e até pessoal, decorrente de todo o giro de prestações a débito e a crédito patenteadas na respetiva conta-corrente, para além das informações decorrentes de concretas operações realizadas, nomeadamente as de concessão de crédito. Os bancos têm interesse em que a sua atuação capte e reforce a confiança do cliente, assim mantendo a seu favor o acesso às respetivas poupanças, manancial essencial da atividade dos bancos, enquanto entidades de intermediação creditícia, ou seja, intermediárias entre aqueles, como o público em geral, maxime as famílias, que em matéria de créditos se encontram em posição excedentária (depositantes) e agentes económicos, maxime as empresas, que se encontram numa posição deficitária (vide José E. Engrácia Antunes, Direito dos Contratos Comerciais, Almedina, 2009, pp. 470 e 471). Os clientes reconhecem aos bancos um superior conhecimento da sua atividade proveniente da sua profissionalização e especialização, confiando que estes atuarão, não só de acordo com normais padrões de diligência e correção ao nível da genérica boa-fé exigida na execução dos contratos (art.º 762.º n.º 2 do CC) ou da sua negociação prévia (art.º 227.º n.º 1 do CC), mas, mais do que isso, esperarão que estes, tal como expressamente enunciado no RGICSF, pautarão a sua atuação por elevados padrões de competência técnica (art.º 73.º do RGICSF), os quais se refletirão na “diligência, neutralidade, lealdade, discrição e respeito consciencioso dos interesses que lhes estão confiados”, que deverão nortear as suas relações com os clientes (art.º 74.º RGICSF).
Ainda que se aceite ser questionável que da relação bancária geral resulte para os bancos um dever genérico de prestação de informações (obrigação de prestação de informações fora de específica contratação ou de imposição legal – cfr. Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, “Informação bancária e responsabilidade”, in Estudos em homenagem ao Prof. Doutor Inocêncio Galvão Telles, II volume, Direito Bancário, Almedina, 2002, p. 236; António Menezes Cordeiro, Direito Bancário, ob. cit., pp. 407 e 408; defendendo a existência de um dever geral de informação a cargo das entidades bancárias, vide António Pedro de Azevedo Ferreira, obra citada, pp. 626-657, maxime 649), que arrede a regra geral de desresponsabilização prevista no n.º 1 do art.º 485.º do CC, entende-se que se o banco, interpelado pelo cliente para prestar uma informação não diretamente conexionada com a relação bancária em concreto vigente, aceitar prestá-la, ou se o banco tomar a iniciativa, a latere de concreta relação negocial existente com o cliente, de o abordar para, por exemplo, o informar acerca de uma possibilidade de negócio, deverá fazê-lo em consonância com os deveres de rigor e diligência supra enunciados, incorrendo em responsabilidade obrigacional se falhar (vide Agostinho Cardoso Guedes, “A responsabilidade do banco por informações à luz do artigo 485.º do Código Civil”, in Revista de Direito e Economia, ano XIV, 1988, p. 145; Luís Manuel Teles Menezes de Leitão, estudo citado, p. 231 e nota 14, pp. 236-238 – embora este autor se incline pela aplicação, aqui, do regime da responsabilidade in contrahendo – art.º 227.º do CC; António Pedro de Azevedo Ferreira, ob. cit., pp. 652 e 653).
Resulta da matéria provada que os funcionários do banco R. abordaram o A., cliente do banco, para o aconselharem a efetuar uma determinada aplicação das suas poupanças, no que não lhe prestaram a devida informação, dando-lhe dessa aplicação uma perspetiva incorreta, levando-o a direcionar o seu dinheiro num investimento de risco superior ao visado, de que resultou a perda desse dinheiro, uma vez que o respetivo devedor não reembolsou o capital e a sua situação de insolvência, aliada ao carater subordinado do crédito, não perspetivam que os AA. virão a reaver dele esse dinheiro.
Ora, tudo isto figura uma situação de responsabilidade civil contratual ou obrigacional, que gera uma obrigação de indemnização dos AA. por parte do R.. Estão presentes, com efeito, os respetivos pressupostos: facto ilícito (prestação de informação errónea, no quadro de relação negocial bancária), culpa (a culpa presume-se, nos termos do art.º 799.º n.º 1 do CC), dano (perda do capital entregue à entidade emissora das obrigações) e nexo de causalidade entre o facto e o dano (se o A. tivesse sido informado das verdadeiras características do crédito que lhe foi concedido a troco das entregas de dinheiro a que procedeu, não as teria efetuado – cfr. n.º 32 da matéria de facto) – artigos 798.º, 799.º, 562.º e 563.º do CC. Sendo certo que o banco responde diretamente pela atuação dos seus funcionários, nos termos do art.º 800.º do CC (cfr. Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, estudo citado, p. 242).
Vimos, pois, que bastariam as regras gerais da responsabilidade civil, harmonizadas com as características próprias da atividade bancária, para sustentar o êxito da pretensão dos AA..
Porém, a posição dos AA. é ainda reforçada pelas regras específicas decorrentes do tipo de investimento em que aplicaram o seu dinheiro. De facto, as obrigações constituem valores mobiliários, instrumentos financeiros cuja transação está cometida a profissionais, os intermediários financeiros (cfr. artigos 1.º n.º 1 al. b) e 289.º do Código dos Valores Mobiliários - CVM). Estes podem ser, nomeadamente, instituições bancárias (art.º 293.º n.º 1 al. a) do CVM; art.º 4.º n.º 1 al. e) do RGICSF). Sendo certo que o R. agiu também nessa qualidade, para o que estava autorizado (cfr. doc. a fls 272 v.º).
Estamos no terreno da intermediação no mercado de capitais, ou seja, da intermediação financeira, caracterizada pela interposição entre agentes superavitários (investidores) e deficitários (empresas emitentes ou negociadoras de instrumentos financeiros) (cfr. José A. Engrácia Antunes, ob. cit., p. 471). O grau de sofisticação destes instrumentos, gerador de opacidade quanto às suas características e nível de risco, acentua a necessidade de que a sua apresentação a transação seja acompanhada de todas as informações necessárias para que a decisão dos investidores seja esclarecida. Daí a implementação de todo um quadro cominador de deveres de informação, destinados a ultrapassar as assimetrias informativas existentes no mercado de valores mobiliários. Tais mecanismos protegem os investidores e, indiretamente, impulsionam a eficiência do próprio mercado (Margarida Azevedo Almeida, “A responsabilidade civil de intermediários financeiros por informação deficitária e falta de adequação dos instrumentos financeiros”, in O novo Direito dos Valores Mobiliários, I Congresso sobre Valores Mobiliários e Mercados Financeiros, 2017, Almedina, pp. 414, 415, 416, 421 e 422).
Os factos a que se reportam estes autos (intermediação na subscrição de três obrigações) ocorreram antes das alterações introduzidas ao CVM pelo DL n.º 357-A/2007, de 31.10, pelo que estas não serão levadas em consideração, reportando-se os artigos citados ao texto que lhes é anterior.
Com interesse para o caso sub judice, avultam as seguintes normas do CVM:
Artigo 7º
Qualidade da informação
1 - A informação respeitante a instrumentos financeiros, a formas organizadas de negociação, às actividades de intermediação financeira, à liquidação e à compensação de operações, a ofertas públicas de valores mobiliários e a emitentes deve ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita.
2 - O disposto no número anterior aplica-se seja qual for o meio de divulgação e ainda que a informação seja inserida em conselho, recomendação, mensagem publicitária ou relatório de notação de risco.
(…).”
Artigo 30.º
Investidores institucionais
1 — Consideram-se investidores institucionais as instituições de crédito, as empresas de investimento, as instituições de investimento colectivo e respectivas sociedades gestoras, as empresas seguradoras e as sociedades gestoras de fundos de pensões.
2 — Não beneficiam da protecção conferida aos investidores não institucionais as entidades públicas, as sociedades abertas, as sociedades gestoras de participações sociais, os titulares de participação qualificada em sociedade aberta, os consultores autónomos e as entidades colocadoras de unidades de participação por conta de outrem.”
Artigo 304.º
Princípios
1 — Os intermediários financeiros devem orientar a sua actividade no sentido da protecção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado.
2 — Nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.
3 — Na medida do que for necessário para o cumprimento dos seus deveres, o intermediário financeiro deve informar-se sobre a situação financeira dos clientes, a sua experiência em matéria de investimentos e os objectivos que prosseguem através dos serviços a prestar.
4 — Os intermediários financeiros estão sujeitos ao dever de segredo profissional nos termos previstos para o segredo bancário.
5 — Estes princípios e os deveres referidos nos artigos seguintes são aplicáveis aos titulares do órgão de administração do intermediário financeiro e às pessoas que efectivamente dirigem ou fiscalizam cada uma das actividades de intermediação.”
Artigo 305.º
Aptidão e organização profissionais
1 — No exercício da sua actividade, o intermediário financeiro deve assegurar elevados níveis de aptidão profissional.
2 — O intermediário financeiro deve manter a sua organização empresarial equipada com os meios humanos, materiais e técnicos necessários para prestar os seus serviços em condições adequadas de qualidade e de eficiência e por forma a evitar procedimentos errados ou negligentes.
Artigo 312.º
Deveres de informação
1 — O intermediário financeiro deve prestar, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efectivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, incluindo nomeadamente as respeitantes a:
a) Riscos especiais envolvidos pelas operações a realizar;
b) Qualquer interesse que o intermediário financeiro ou as pessoas que em nome dele agem tenham no serviço prestado ou a prestar;
c) Existência ou inexistência de qualquer fundo de garantia ou de protecção equivalente que abranja os serviços a prestar;
d) Custo do serviço a prestar.
2 — A extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente.
3 — A circunstância de os elementos informativos serem inseridos na prestação de conselho, dado a qualquer título, ou em mensagem promocional ou publicitária não exime o intermediário financeiro da observância dos requisitos e do regime aplicáveis à informação em geral.”
Artigo 314.º
Responsabilidade civil
1 — Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua actividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.
2 — A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação.”
Artigo 324.º
Responsabilidade contratual
1 — São nulas quaisquer cláusulas que excluam a responsabilidade do intermediário financeiro por actos praticados por seu representante ou auxiliar.
2 — Salvo dolo ou culpa grave, a responsabilidade do intermediário financeiro por negócio em que haja intervindo nessa qualidade prescreve decorridos dois anos a partir da data em que o cliente tenha conhecimento da conclusão do negócio e dos respectivos termos.”
Para Pedro Boulloza González, o art.º 7.º do CVM contém uma norma de dever, de aplicação imediata aos destinatários, naturalmente sem prejuízo da possibilidade de aplicação conjunta com qualquer outra norma concretizadora também aplicável. Trata-se de uma norma autónoma de dever, geradora de responsabilidade civil. Os requisitos da qualidade da informação (completude, veracidade, atualidade, clareza, objetividade e licitude) aplicam-se tanto a propósito da informação obrigatória como de informação facultativa, ou seja, prestada de livre iniciativa (“Qualidade da informação”, in Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários, n.º 49, dezembro de 2014, p. 11, consultável na internet, através dos habituais motores de busca). Opinião diversa (e talvez de sufragar) tem Paulo Câmara, para quem o art.º 7.º do CVM não configura uma fonte autónoma de deveres de informação; apenas disciplina o critério de qualidade informativa à luz do qual o cumprimento dos deveres de informação será avaliado (obra citada, p. 708).
Também o art.º 304.º do CVM não conterá uma enunciação de verdadeiros deveres legais, diretamente fundadores, no caso de violação, de responsabilidade civil, mas exercerão, enquanto princípios jurídicos, uma função integradora face a lacunas da lei, assim como assegurarão a delimitação material do âmbito de aplicação dos deveres e apontarão os critérios de exigência e os padrões a tomar em consideração no preenchimento em concreto das previsões normativas e contratuais dos deveres de conduta (neste sentido, cfr. Gonçalo André Castilho dos Santos, A responsabilidade civil do intermediário financeiro perante o cliente, Almedina, 2008, pp. 75-82).
Ao nível dos deveres impostos ao intermediário financeiro, destacam-se os deveres de informação, expressos no art.º 312.º, relativamente aos serviços que ofereça, lhe sejam solicitados ou que efetivamente preste, os quais deverão ser cumpridos através da prestação de “todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada”, sendo certo que o objeto dessas informações é indicado, nas alíneas seguintes, apenas de forma exemplificativa (vide o uso do advérbio “nomeadamente”).
O n.º 2 do art.º 312.º consagra o princípio da proporcionalidade inversa, ou seja, a regra segundo a qual a extensão e a profundidade da informação a prestar pelo intermediário financeiro ao cliente devem ser tanto maiores quanto menor for o seu grau de conhecimento e experiência. “A inversão da proporcionalidade entre a informação a prestar e o grau de conhecimento do investidor cria, na esfera do intermediário financeiro, um dever de conhecimento do cliente (Know your cliente rule) e traduz, uma vez mais, a necessidade de tratamento diferenciado entre investidores com vista à superação de inevitáveis desigualdades informativas e à possível reposição de uma tendencial igualdade” (Sofia Nascimento Rodrigues, A protecção dos investidores em valores mobiliários, Almedina, 2001, p. 46).
Ora, como se viu, os AA. são investidores avessos ao risco, habituados a aplicações tradicionais e conservadoras, pelo que eram credores de uma informação de elevado grau de cuidado, atenção e completude.
Tal informação deveria ter sido prestada aquando da abordagem que foi feita ao A. para lhe propor a aquisição das obrigações, estando aqui presente o caráter prévio da informação a que o intermediário está obrigado a disponibilizar face à tomada de decisão de (des)investimento (Gonçalo Castilho, ob. cit., pp. 140 e 141). Mais do que mero dever acessório, trata-se de um dever de conduta secundário, decorrente desde logo da lei, sem necessidade de expressa previsão contratual (Gonçalo Castilho, ob. cit., pp. 141 e 142).
Os contactos entre o potencial investidor e o intermediário financeiro, se culminarem numa decisão de investimento, originarão um negócio jurídico de cobertura, através do qual o investidor confere ao intermediário financeiro os necessários poderes para celebrar os chamados negócios jurídicos de execução, ou seja, aqueles contratos que os intermediários financeiros celebrarão por conta dos clientes e que visam a aquisição ou alienação de valores mobiliários (v.g., Gonçalo Castilho dos Santos, ob. cit., p. 162, nota 366). O contrato de cobertura será um contrato de mandato, frequentemente na modalidade de comissão (art.º 266.º do Código Comercial; cfr. Gonçalo Castilho dos Santos, ob. cit., pp. 158, 162-164).
Gonçalo Castilho dos Santos realça que o CVM ensaia um “subsistema de imputação”, com uma composição inovatória de traços do regime da responsabilidade delitual com traços da responsabilidade obrigacional (ob. cit, p. 199). Assim é: desde logo, no n.º 2 do art.º 314.º do CVM estabelece-se uma presunção de culpa do intermediário financeiro no caso de responsabilidade emergente da violação de dever de informação, independentemente da fonte contratual, pré-contratual ou meramente legal desse dever (ou seja, ainda que se consubstancie responsabilidade civil aquiliana, à luz da segunda parte do n.º 1 do art.º 483.º do Código Civil). Por outro lado, ao estender-se a presunção de culpa à responsabilidade pré-contratual, ultrapassou-se o escolho resultante da querela existente acerca da natureza contratual ou delitual do regime do art.º 227.º n.º 1 do CC (Gonçalo André Castilho dos Santos, ob. cit., p. 212).
No n.º 1 do art.º 314.º aplana-se o caminho da responsabilização delitual do intermediário financeiro pelos prejuízos causados a terceiro, na falta de sujeição a deveres contratuais ou pré-contratuais, qualificando-se os deveres legais e regulamentares impostos aos intermediários financeiros como disposições destinadas a proteger interesses alheios (segunda parte do n.º 1 do art.º 483.º do CC) (cfr. Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, “Actividades de intermediação e responsabilidade dos intermediários financeiros”, in Direito dos Valores Mobiliários, volume II, Coimbra Editora, 2000, p. 147; idem, Gonçalo Castilho dos Santos, ob. cit., p. 191). De todo o modo, aceita-se que o n.º 1 do art.º 314.º do CVM não circunscreve a disciplina da imputação dos danos à responsabilidade delitual. O preceito em causa consagra simultaneamente uma cláusula de imputação obrigacional dos danos sofridos pelo cliente do intermediário financeiro inadimplente no que respeita às obrigações a que estava adstrito e que surgem expressas no rol de deveres que a lei estabeleceu (Gonçalo Castilho, ob. cit., p. 191). De facto, entre o intermediário financeiro e o seu cliente estabelece-se sempre uma relação obrigacional, um vínculo pessoal através do qual o cliente tem direito à realização de determinada prestação com o conteúdo dado por uma específica atividade de intermediação financeira (Gonçalo Castilho, ob. cit., p. 192). De todo o modo, tal relação é estabelecida essencialmente por via contratual, implicando que a violação dos respetivos deveres e a consequente responsabilidade pelo seu incumprimento assentem no contrato de intermediação financeira, pese embora o forte contributo da lei mobiliária para a definição do quadro de deveres específicos de conduta impostos ao intermediário financeiro (Gonçalo Castilho, ob. cit., p. 193). Daí que a aparente dicotomia introduzida no n.º 2 do art.º 324.º do CVM (“Salvo dolo ou culpa grave, a responsabilidade do intermediário financeiro por negócio em que haja intervindo nessa qualidade prescreve decorridos dois anos a partir da data em que o cliente tenha conhecimento da conclusão do negócio e dos respectivos termos”), entre responsabilidade obrigacional de origem legal ou regulamentar e responsabilidade de origem contratual, circunscrevendo o n.º 2 do art.º 324.º à responsabilidade contratual, constitua um falso problema, pois “toda a atividade de intermediação financeira é exercida tendo por base a celebração de contratos de intermediação financeira e, por isso, o regime da responsabilidade civil contratual cobrirá todo o espectro do regime da responsabilidade obrigacional do intermediário financeiro” (Gonçalo Castilho, ob. cit., p. 259).
António Menezes Cordeiro vem defendendo que na responsabilidade civil obrigacional a presunção de culpa, prevista no art.º 799.º n.º 1 do CC, abarca também a ilicitude (vide, por último, “Responsabilidade bancária, deveres acessórios e nexo de causalidade”, in Estudos de Direito Bancário I, Almedina, 2018, pp. 25-27) e o nexo de causalidade (ob. cit., p. 37), tudo se conjugando no conceito do direito napoleónico “faute.” Quanto à presunção de ilicitude, ela é pressuposta pela imputação de um juízo de culpa sobre o devedor; quanto ao nexo de causalidade, ele decorre do incumprimento, do qual emerge, sem mais, o dever de indemnizar, que é decalcado do dever de prestar. Tal já não será assim no que concerne aos deveres acessórios: relativamente a estes o credor deve identificar quais os deveres acessórios violados, que bens eram por eles protegidos, qual a extensão dos danos (estudo citado, pp. 37 e 38). Do mesmo modo se passarão as coisas no âmbito da responsabilidade bancária (estudo cit., pp. 38-40). Quanto à violação do dever de informar, Menezes Cordeiro propugna uma solução casuística, dependendo a existência, ou não, de presunção de culpa, de ilicitude e de causalidade da inserção do dever de informar, respetivamente, numa situação de tipo obrigacional ou numa situação de tipo aquiliano (estudo cit., pp. 40 e 41).
Gonçalo Castilho dos Santos, embora discorde da inserção da ilicitude na presunção de culpa prevista no âmbito da responsabilidade civil obrigacional, maxime à luz do art.º 314.º n.º 2 do CVM (atual art.º 304.º-A n.º 2), defende que tal presunção se estende ao nexo de causalidade. Para tal invoca o teor de alegadas presunções de causalidade inseridas em situações tipificadas no CVM (artigos 152.º n.º 2, 334.º, 282.º), bem como o elevado padrão de diligência na conduta do intermediário financeiro fixado no n.º 2 do art.º 304.º. Segundo este autor, tais preceitos demonstram que a estrutura montada pelo legislador “não está preparada para admitir resultados contraproducentes em termos de protecção do cliente-investidor. Designadamente, o modelo da lei visa acautelar, precisamente, a posição enfraquecida do cliente na demonstração da “culpa técnica” do intermediário financeiro ou de nexos de causalidade comprometidos com complexas e sofisticadas rotinas operacionais, bem como com “leis de mercado” habitualmente desconhecidas do leigo, à partida, de um investidor não qualificado, por sinal” (ob. cit, pp. 215 e 216).
Também Margarida Azevedo Almeida, em nome do particular escopo de proteção do investidor e da eficácia preventiva que entende também estar ligada à responsabilidade civil, defende que as dificuldades de prova em matéria de incumprimento ou deficiente cumprimento de obrigações informativas e de adequação, maxime na área da intermediação financeira, determinam que a inversão do ónus da prova prevista no art.º 314.º n.º 2 do CVM (atual art.º 304.º-A) se estenda ao nexo causal entre o facto ilícito e o dano (estudo citado, pp. 420 e 421).
No que concerne à presunção de culpa prevista no art.º 799.º n.º 1 do CC, não encontramos razões para dissentir da visão clássica, que equipara a responsabilidade civil delitual à responsabilidade civil obrigacional, destrinçando nesta, à semelhança do que ocorre na responsabilidade delitual, a existência de um facto voluntário do devedor (incumprimento da obrigação), a qualificação desse facto como ilícito (violação do contrato ou de dever emergente da relação obrigacional), a culpa (juízo de censura pelo incumprimento), o dano (prejuízo emergente do incumprimento da obrigação) e o nexo de causalidade entre o facto e o dano. Esses elementos encontram-se mencionados no art.º 798.º do CC, não se vislumbrando razão para que tal diferenciação não seja tida em conta pelo legislador quando, no artigo seguinte, estipula a inversão do ónus da prova quanto à culpa, que continua bem destacada no n.º 2 do mesmo artigo (cfr. Menezes Leitão, Direito das Obrigações, volume I, 2017, 14.ª edição, Almedina, pp. 345-347 e Direito das Obrigações, volume II, 2017, 11.ª edição, Almedina, pp. 245-253; Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 12.ª edição, 2013, pp. 543, 549).
Tal visão das coisas é de manter no regime do CVM, o qual reproduz, no art.º 314.º (atual art.º 304.º-A), o quadro conceitual traçado no Código Civil (“os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os “danos” “causados a qualquer pessoa em consequência da “violação de deveres” respeitantes ao exercício da sua actividade”); “a “culpa” do intermediário financeiro presume-se quando o “dano” seja “causado” no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais…” (neste sentido, tacitamente, cfr. Menezes Leitão, “Actividades de intermediação e responsabilidade dos intermediários financeiros”, estudo citado, pp. 147 e 148).
Assim, ao investidor lesado em virtude de incumprimento de um dever de informação por parte de intermediário financeiro, cabe demonstrar a existência desse dever; sobre o intermediário financeiro recai o ónus da prova de que cumpriu cabalmente o dever de informar, de acordo com os padrões enunciados nos artigos 7.º n.º 1, 312.º n.ºs 1 e 2 do CVM (art.º 342.º n.º 2 do CC); sobre o intermediário financeiro recai o ónus da prova de falta de culpa no alegado incumprimento; sobre o investidor recai o ónus da prova do dano decorrente da atuação do intermediário financeiro e do nexo de causalidade entre o facto do intermediário financeiro e o dano. In casu, o estabelecimento da relação de causalidade supõe a determinação da vontade do investidor pelo comportamento do intermediário financeiro. “A escolha do investidor deverá ter sido causada pela conduta do intermediário financeiro, de tal modo que, se este houvesse cumprido as suas obrigações informativas, a escolha do investidor teria sido diversa”. “Para que se estabeleça o nexo causal é necessário que, caso tivesse formado a sua vontade de modo esclarecido, o investidor ter-se-ia abstido de celebrar qualquer negócio ou teria optado por outro investimento” (Margarida Azevedo Almeida, estudo citado, pp. 421 e 422).
Também aqui, movendo-nos (em regra) no âmbito da responsabilidade contratual, os intermediários financeiros serão responsáveis pela atuação dos seus funcionários nos termos do art.º 800.º n.º 1 do CC (Menezes Leitão, Actividades de intermediação…, estudo cit., p. 148; Gonçalo Castilho dos Santos, ob. cit., pp. 229-232). Tal nexo não é afastado ou restringido pelo n.º 5 do art.º 304.º do CVM (“Estes princípios e os deveres referidos nos artigos seguintes são aplicáveis aos titulares do órgão de administração do intermediário financeiro e às pessoas que efectivamente dirigem ou fiscalizam cada uma das actividades de intermediação”) – este preceito, além de elevar o grau de exigência de conduta de alguns dos representantes do intermediário financeiro, alarga o elenco de pessoas que podem ser diretamente responsabilizadas pelo lesado e, ainda, facilita o exercício de direito de regresso entre responsáveis segundo o mesmo padrão de culpabilidade (Gonçalo Castilho dos Santos, ob. cit., p. 232).
Note-se que o CVM não prevê que o vício na formação da vontade do investidor, decorrente da violação dos deveres de informação por parte do intermediário financeiro, acarretem a anulação do negócio de transação de valores mobiliários executado. Isto é, como nota Paulo Câmara, “o sistema de proteção consagrado no Código dos Valores Mobiliários assenta em deveres de adequação e em deveres de informação, cujo incumprimento pode desencadear deveres de indemnização mas não coloca de princípio em crise a validade do negócio aquisitivo. Dada a potencial distribuição em massa de valores mobiliários, a opção simétrica seria na prática inviável” (ob. cit., p. 714).
Como é óbvio, o sistema protetor montado pelo CVM não garante ao investidor a inexistência de risco. O que se pretende é que o investidor seja alertado e informado para os riscos gerais do mercado de valores mobiliários e para os riscos concretos de determinada operação, de molde a que sobre ele recaia o ónus da decisão (cfr. Sofia Nascimento Rodrigues, ob. cit., pp. 33 e 34). Por outras palavras: “com a cominação de uma malha apertada de deveres ligados à informação não se anula o risco do investimento; o que interessa sobretudo é tornar visível e transparente esse mesmo risco para que os investidores possam tomar uma decisão de aforro esclarecida” (Paulo Câmara, ob. cit., p. 704). A indemnização visa colocar o investidor lesado na situação em que estaria se a sua vontade tivesse sido formada de forma esclarecida. Não está em causa uma garantia de realização das expetativas do investidor (Margarida Azevedo Almeida, estudo cit., p. 421).
Num caso como o dos autos, em que está provado que o A. efetuou uma aplicação de capital que, no caso de ter sido devidamente informado, não realizaria (n.º 32 da matéria de facto), a reparação do dano consiste na colocação do lesado na posição patrimonial em que se encontraria no caso de não ter efetuado essa aplicação. Trata-se, aqui, de responsabilidade pelo dano da confiança ou interesse contratual negativo, e não pelo interesse contratual positivo. O lesado só poderia exigir ser colocado na situação patrimonial em que estaria se a informação prestada estivesse correta, se o lesante tivesse assumido uma verdadeira garantia pela correção e pela completude da informação, no que respeita à existência dessas circunstâncias (vide Paulo Mota Pinto, Interesse contratual negativo e interesse contratual positivo, volume II, pp. 1369 e 1370, 1379 a 1384).
Assim, os AA. têm direito ao pagamento, pelo R., do valor das quantias que aqueles foram induzidos a entregar em benefício da SLN, e que esta não lhes restituiu. Nada foi alegado ou demonstrado em relação a lucros que os AA. poderiam ter auferido em razão de aplicações alternativas que pudessem ter efetuado e que não realizaram em virtude da aquisição das obrigações. Ao valor do capital perdido acrescerão juros de mora, devidos desde a interpelação do R., que apenas se demonstrou ter ocorrido com a citação (art.ºs 805.º n.º 1 e 806.º n.º 1 do Código Civil). A obrigação indemnizatória não constitui uma obrigação comercial, nem é devida a uma empresa comercial, pelo que os juros devidos são os civis (cfr. art.º 102.º do Código Comercial e art.ºs 806.º n.º 2 e 559.º do CC).
Na sua contestação o R. arguiu a prescrição do crédito dos AA.. Invocou o disposto no art.º 324.º n.º 2 do CVM: “Salvo dolo ou culpa grave, a responsabilidade do intermediário financeiro por negócio em que haja intervindo nessa qualidade prescreve decorridos dois anos a partir da data em que o cliente tenha conhecimento da conclusão do negócio e dos respectivos termos.”
A sentença impugnada assumiu uma posição algo ambígua no que concerne a esta questão, conforme decorre da transcrição que se segue:
Concluindo desta forma não haverá que aferir da prescrição alegada pela ré, dado o princípio da consunção previsto no artº 608º nº 2 do CPC, porém, relativamente a questões cuja decisão seja prejudicada pode, ainda assim, justificar-se a apreciação que sirva para reforçar o resultado declarado, como ocorre quando a improcedência da acção encontre o duplo fundamento na integração jurídica dos factos provados e na caducidade ou na prescrição. Porém no caso concreto, competia á ré a prova que os AA. tiveram logo após a nacionalização do Banco – em, 2008 – conhecimento de todas as particularidades das obrigações em causa – cf. artº 343º nº 3 do CC, mas tal prova não foi feita, mas como os AA. não lograram provar os factos que permitiriam afirmar o direito que se arrogavam, em nada releva apreciar a prescrição, pois esta só seria relevante face ao direito, que neste caso não se declara.
Ou seja, em virtude de não se ter reconhecido aos AA. o direito por eles reclamado, na sentença não se emitiu juízo quanto à respetiva prescrição. Porém, sempre se referiu que o R. não lograra demonstrar a data em que os AA. tinham tido conhecimento do negócio (ou seja, das verdadeiras características dos produtos financeiros subscritos), dies a quo a partir do qual, nos termos do n.º 2 do art.º 324.º do CVM, se conta o prazo prescricional. Ora, sendo assim, como é, naufragaria a invocada prescrição. Acresce que, in casu, o R., através dos seus empregados, agiu pelo menos com negligência grave, violando grosseiramente o padrão de completude, verdade e clareza erigido pelo n.º 1 do art.º 7.º do CVM, o qual era particularmente avivado, nos termos do n.º 2 do art.º 312.º, pelas características dos AA., aforradores tradicionais, avessos ao risco e não familiarizados com os produtos que lhes foram oferecidos.
Assim, o prazo prescricional aplicável ao caso seria o que quadra à responsabilidade civil obrigacional, ou seja, o prazo regra de 20 anos, previsto no art.º 309.º do CC (cfr., v.g., Gonçalo Castilho dos Santos, ob. cit., p. 256; Menezes Leitão, Direito das Obrigações, volume I, ob. cit., p. 402; Almeida Costa, Direito das Obrigações, ob. cit., p. 644, nota 2).
Consequentemente, analisada esta questão nos termos do art.º 665.º n.º 2 do CPC, conclui-se pela inexistência da arguida prescrição.
Assim, a pretensão dos AA. é parcialmente procedente.
Nestes termos, para situações idênticas, têm decidido os tribunais portugueses (cfr. acórdão da Relação de Lisboa, de 06.12.2017, processo 13416-16.1T8LSB.L1-8; acórdão da Relação de Lisboa, de 02.11.2017, processo 6295-16.0T8LSB.L1-8; acórdão da Relação de Lisboa, de 10.10.2017, processo 4042/16.6T8LSB.L1-7; acórdão da Relação de Guimarães, de 11.01.2018, processo 401/16.2T8BGC.G1; acórdão da Relação de Guimarães, de 27.4.2017, processo 2928/16.7T8GMR.G1; acórdão da Relação de Coimbra, de 21.01.2018, processo 3246/16.6T8VIS.C2; acórdão da Relação de Coimbra, de 16.01.2018, processo 3906/16.1T8VIS.C1; acórdão da Relação de Coimbra, de 12.9.2017, processo 821/16.2T8GRD.C1; acórdão da Relação de Évora, de 11.01.2018, processo 1821/16.8T8STR.E1; acórdão da Relação de Évora, de 21.12.2017, processo 2695/16.4T8STR.E1 – todos consultáveis na base de dados do IGFEJ.

DECISÃO

Pelo exposto, julga-se a apelação parcialmente procedente e, consequentemente, revoga-se a sentença recorrida e, em sua substituição, julga-se a ação parcialmente provada e procedente e, consequentemente, condena-se o R. a pagar aos AA. a quantia de € 150 000,00 (cento e cinquenta mil euros), acrescida de juros de mora à taxa legal, atualmente 4%, vencidos a contar da citação, até integral pagamento.
As custas da ação e da apelação são da responsabilidade de ambas as partes, na proporção do respetivo decaimento (art.º 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC).

Lisboa, 22.3.2018

Jorge Leal
Ondina Carmo Alves
Pedro Martins