Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1465/2006-2
Relator: TIBÉRIO SILVA
Descritores: ARBITRAGEM VOLUNTÁRIA
DECISÃO ARBITRAL
ACÇÃO DE ANULAÇÃO
FUNDAMENTOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/02/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE
Sumário: 1. O dever de fundamentar previsto no art. 23°, nº3 e na al. d) do n.° 1 do art. 27° da Lei n.° 31/86, de 29 de Agosto (Arbitragem Voluntária), corresponde ao estabelecido na al. b) do n.° 1 do art. 668° do Código de Processo Civil.
2. Aplicando-se à fundamentação das decisões arbitrais os princípios gerais do processo civil, é de concluir que a falta de fundamentação capaz de conduzir à anulação da decisão é a absoluta e não a meramente insuficiente.
3. A incompletude ou deficiência, podendo conduzir à alteração ou revogação da decisão, não a tornam nula. Mas a deficiência da decisão arbitral só pode ser combatida por via do recurso (se for admissível, designadamente por a ele não terem as partes renunciado).
4. O peso que, na solução adoptada, o tribunal arbitral confere a determinada factualidade é questão que excede a acção de anulação, na qual apenas se cuida de vícios de natureza processual.
5. O vício da contradição entre os fundamentos e a decisão não pode incluir-se, por não estar previsto no art. 27º, al. d), conjugado com o art. 23º da Lei nº 31/86, de 29-08, na causa de pedir da acção de anulação.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:
I
EPAL - EMPRESA PORTUGUESA DAS ÁGUAS LIVRES, S.A., com sede na Av. da Liberdade, n.° 24, em Lisboa, e C..., com sede na …, intentaram acção de anulação de decisão arbitral, sob a forma ordinária, contra S…, com sede na Rua …, pedindo que seja anulado o acórdão do Tribunal Arbitral "Golf das Amoreiras", depositado no Tribunal Cível de Lisboa a 25-01-2005, com fundamento na violação do disposto no art. 27º, nº1, als. b) e d) da Lei nº 31/86, de 29 de Agosto.

Alegaram, em síntese, que:
A requerimento da Ré e tendo como requeridas as AA., foi constituído, em 30-10-2002, o Tribunal Arbitral "Golf das Amoreiras", em conformidade com a cláusula compromissória incluída no Contrato-Promessa de Cessão de Exploração (Cláusula 8.a do contrato celebrado entre a A. EPAL e a G…. (em cuja posição contratual a Ré sucedeu) em 27-12-1993, com as alterações constantes das Adendas e Aditamentos de 08-08-1997, 09-03-2000 e 19-05-2001, com a Convenção de Arbitragem e com o Regulamento do Tribunal Arbitral, ambos de 18-10-2002.
O objecto do litígio cometido ao Tribunal Arbitral foi definido na Convenção de Arbitragem, nos seguintes termos: "Determinar se assiste ou não à Requerente (Ré na presente acção) o direito de resolução do contrato-promessa celebrado entre a EPAL – Empresa Portuguesa das Águas Livres, S.A. (A. na presente acção), e a G..., em 27-12-1993, com as alterações constantes das Adendas e Aditamentos de 08-08-1997, 09-03-2000 e 19-05-2001".
O Tribunal Arbitral proferiu acórdão, em 24-11-2004 (depositado no Tribunal Cível de Lisboa, em 25-01-2005), julgando "a acção procedente, declarando que a A. (S…) tem o direito a resolver o contrato-promessa celebrado em 27 de Dezembro de 1993, com as alterações introduzidas pelas adendas e aditamentos de 8 de Agosto de 1997, de 9 de Março de 2000 e de 19 de Maio de 2001".
As partes no litígio em causa na instância arbitral renunciaram à possibilidade de recurso.
O Acórdão do Tribunal Arbitral padece de vícios processuais que são fundamento da respectiva anulação, na medida em que consubstanciam: a violação de uma regra do Regulamento do Tribunal Arbitral que se na traduz na incompetência daquele (al. a) do nº1 do artigo 27º da Lei nº 31/86) e a violação do dever de fundamentação (al. d) do mesmo número).
No que respeita ao primeiro vício, alegam, em resumo, que tendo as partes convencionado que os árbitros julgariam segundo o direito constituído, por oposição à solução segundo a equidade, acabou o Tribunal Arbitral por dar como assente a existência de um não cumprimento definitivo e antecipado das obrigações que incumbiam às Rés, com base num critério que só pôde ser o da equidade, já que não poderia assentar no direito constituído.
Acrescentam que a violação da regra do Regulamento do Tribunal Arbitral que obriga ao julgamento segundo o direito constituído respeita ao exercício da jurisdição do Tribunal Arbitral. Tendo o Tribunal extravasado os limites que lhe estavam impostos, gera-se uma situação de incompetência, o que desencadeia a invalidade da decisão arbitral, nos termos da al. b), primeira parte, do nº1 do art. 27º da Lei de Arbitragem Voluntária.
No que tange ao vício da falta de fundamentação, referem as AA., em resumo, que:
O Tribunal decidiu aditar à matéria assente determinados factos alegados num articulado superveniente, tendo admitido a junção aos autos dos documentos que acompanharam esse articulado, como a resposta ao mesmo da Autora no processo arbitral. Contudo, tais factos não constam da enumeração da matéria de facto apurada no acórdão arbitral e não foram considerados ou referidos em qualquer porção da parte decisória, ou em qualquer outra parte, do mesmo acórdão.
Os factos omitidos são essenciais à decisão da causa.
O Tribunal arbitral estava obrigado, nos termos gerais do art. 158º do CPC, a explicitar os motivos pelos quais não deu como provados factos que mandara aditar à matéria assente.
A ausência de menção aos factos em apreço, no acórdão do Tribunal Arbitral, constitui uma violação do princípio da igualdade com que a partes devem ser tratadas em relação aos factos que lhes são favoráveis.
O mesmo se verificou quanto a factos resultantes da discussão da causa e em relação aos quais houve da parte das AA. manifestação da vontade de aproveitamento, nos termos do art. 264º, nº3 do CPC, conforme requerimento constante da acta da segunda sessão de julgamento, sucedendo que o Tribunal não os teve em consideração e não explicou os motivos por que não os deu como provados. E eram factos essenciais à defesa das Rés (naquele processo).

Contestou a Ré, conforme se retira de fs. 270 e segs., suscitando a questão da insuficiência do mandato forense e pugnando pela improcedência dos fundamentos invocados pelas AA.
Pediu a condenação das AA. como litigantes de má fé.

As AA. vieram, a fs. 295, pronunciar-se, ao abrigo do disposto no art. 3º, nº3 do CPC, sobre a insuficiência do mandato forense e sobre a questão da litigância da má fé, juntando aos autos duas procurações forenses com ratificação do processado e defendendo o indeferimento do pedido de condenação como litigantes de má fé.

Foi, em seguida, proferida sentença, na qual se considerou prejudicada a apreciação da excepção da insuficiência dos mandatos forenses pela junção das procurações com ratificação do processado e se julgou a acção improcedente.
Considerou-se, ainda, não haver motivo para a condenação por litigância de má fé.

Inconformadas com esta decisão, dela recorreram as AA., concluindo as suas alegações pela seguinte forma:
«1. A EPAL e o C…, em sessão de 14 de Julho de 2003, do processo arbitral subjacente ao recurso jurisdicional ora interposto, requereram, ao abrigo do disposto no artigo 264. °, n.° 3, do Código de Processo Civil, a consideração de determinados factos relevantes para a decisão que veio a ser proferida, mas o Tribunal Arbitral não os acolheu nessa mesma decisão.

2. Todavia, em lado algum da referida decisão arbitral se identifica ou detecta uma qualquer consideração dos factos de que a EPAL e o C… se pretenderam socorrer ou, do mesmo modo, uma qualquer decisão expressa sobre o requerimento apresentado em 14 de Julho de 2003, sendo, por isso, a decisão arbitral completamente omissa quanto a esses pontos.

3. A conclusão a retirar é a de que o Tribunal Arbitral entendeu não acolher a pretensão formulada, mas sem que se detivesse minimamente sobre a fundamentação de uma tal decisão, existindo, por isso, de forma manifesta, violação do dever de fundamentação, o que constitui motivo de anulação da decisão arbitral, por força do disposto na alínea d) do n.° 1 do artigo 27.° e n.° 3 do artigo 23.° da Lei n.° 31/86, de 29 de Agosto.

4. Assim sendo, decidiu mal o Tribunal recorrido, com ofensa do disposto nos artigos 158, °, 659. °, n,ºs 2 e 3, e 666.°, n.° 3, do Código de Processo Civil e 23.°, n.° 3, e 27.°, n.° 1, alínea d), da Lei n.° 31/86, de 29 de Agosto, ao considerar que o mencionado Acórdão Arbitral não era anulável à luz destes mesmos preceitos legais.

5. Acresce que, em 18 de Novembro de 2005, o Tribunal Arbitral decidiu considerar como assentes factos alegados em articulado superveniente das ora Recorrentes, factos esses que, naturalmente, por força de tal decisão, deveriam ter sido vertidos na matéria de facto apurada, constante do Acórdão Arbitral, por força do disposto no referido artigo 659.°, n.° 2, do Código de Processo Civil, e devidamente valorados na decisão a proferir.

6. Acontece, todavia, que, contra o que entendeu o Tribunal recorrido, os factos dados como provados na tal sessão de 18 de Novembro de 2005 não constam do elenco dos factos relevantes para a decisão, ao contrário do que sustenta o Tribunal a quo e do que se impunha ao Tribunal Arbitral por força, mais uma vez, do artigo 659.°, n.° 2, do Código de Processo Civil.

7. A circunstância descrita resulta, desde logo, em vício de violação do dever de fundamentação, decorrente do artigo 158.° do Código de Processo Civil, inter alia, na medida em que, apesar de ter formalmente admitido o articulado superveniente apresentado pelas ora Recorrentes e do mesmo ter extraído como assentes três factos particularmente relevantes para a decisão final a proferir, acabou por não os considerar no elenco dos factos assentes para a decisão arbitral, como se lhe impunha pelo artigo 659.°, n.° 2, do Código de Processo Civil, sem para tanto apresentar qualquer fundamentação.

8. Mais do que isso, a mesma circunstância resulta, igualmente, em vício de violação do princípio da igualdade processual, na medida em que o Tribunal Arbitral carreou para a decisão arbitral factos que tinham sido alegados pela S… e considerados provados, atribuindo-lhe a relevância que se extrai do Acórdão Arbitral, mas, no caso dos factos alegados pelas Recorrentes no seu articulado superveniente, devidamente admitidos e também considerados assentes, o Tribunal Arbitral, contra tal princípio basilar, constante, aliás, do artigo 3.°-A do Código de Processo Civil, acabou por não os verter na decisão arbitral que veio a ser proferida.

9. Os vícios descritos constituem fundamento de anulação de Acórdão Arbitral, por força do disposto nos artigos 16.°, alínea a), 23.°, n.° 3, e 27.°, n.° 1, alíneas c) e d), da Lei n.° 31/86, de 29 de Agosto, razão pela qual decidiu mal o Tribunal recorrido, impondo-se ao Tribunal ad quem a substituição da decisão recorrida por outra que, de facto, anule o Acórdão Arbitral proferido.

10. Em matéria de fundamentação, impõem-se sobre os tribunais duas exigências, que nada têm a ver com a solução jurídica de qualquer caso concreto: a um tempo, que essa fundamentação exista, de facto, em qualquer decisão jurisdicional, ou seja, de que as Partes tenham à sua disposição a justificação do Tribunal para a solução atribuída ao caso concreto; a outro tempo, que essa fundamentação, para além de existir, e independentemente da questão de saber se a solução jurídica encontrada é, ou não, a que melhor se adequa à intenção do legislador, seja coerente com a decisão final proferida, ou seja, que esta última constitua uma consequência natural da primeira.

11. São as duas exigências referidas na conclusão anterior que estão na base do n.° 3 do artigo 23.° da Lei n.° 31/86, de 29 de Agosto, sendo a violação de qualquer dessas exigências – ou seja, concretizando, a inexistência, em absoluto de fundamentação, ou a apresentação de fundamentação que esteja em oposição com a decisão proferida – motivo de anulação de qualquer decisão arbitral, nos termos previstos no artigo 27.°, n.° 1, alínea d), do mesmo diploma, sob pena de ofensa ao disposto no antes mencionado artigo 205.°, n.° 1, da Constituição da República.

12. No caso em apreço, a decisão proferida pelo Tribunal Arbitral, de acordo com a qual existia fundamento para a S… resolver o contrato que tinha previamente celebrado com as ora Recorrentes, por força de uma alegada declaração tácita antecipada de não cumprimento, encontra-se em clara contradição com a fundamentação apresentada para o efeito, por exigir um comportamento inequívoco, do ponto de vista do seu enquadramento jurídico, que a própria fundamentação não revela, antes pelo contrário.

13. A esta luz, verifica-se uma contradição entre os fundamentos da decisão arbitral e a própria decisão em si mesma, o que constitui causa de nulidade, nos termos do artigo 668.°, n.° 1, alínea c), do Código de Processo Civil e, para além disso, motivo de anulação, de acordo com o disposto no artigo 27.°, n.° 1, alínea d), da Lei n° 31/86, de 29 de Agosto, tendo o Tribunal a quo decidido mal, em violação dos mencionados preceitos legais, ao manter o Acórdão Arbitral que aqui também está em causa.

14. No campo arbitral, a fundamentação manifestamente errada deve, por maioria de razão, ser aproximada da falta de fundamentação, nos termos e para efeitos do disposto nos artigos 23.°, n.° 3, e 27.°, n.° 1, alínea d), da Lei n.° 31/86, como se retira do Parecer jurídico elaborado pelo Professor Doutor ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO (cfr. pp. 22 e 23).

15. No caso concreto do Acórdão Arbitral proferido, com apoio no mesmo Parecer jurídico, verifica-se uma situação-limite: embora formalmente justificada, a presente decisão arbitral apresenta-se de tal modo contrária ao contrato-base e à ordem pública imperativa que, materialmente, está falha de qualquer fundamentação, razão pela qual se verifica, assim, o fundamento da sua anulação, previsto nos artigos 23.°, n.° 3, e 27.°, n.° 1, alínea d), da Lei n.° 31/86, de 29 de Agosto.

16. Assim, decidiu mal o Tribunal a quo ao ter entendido que apenas a ausência absoluta de fundamentação integrava a previsão dos artigos 23.°, n.° 3, e 27.°, n.° 1, alínea d), da Lei n.° 31/86, de 29 de Agosto, e, do mesmo modo, ao ter mantido (e não anulado) a decisão arbitral proferida, razão pela qual deverá ser revogada a sentença recorrida e substituída por outra que anule o referido Acórdão Arbitral.».

Terminam pedindo que, na procedência do recurso, seja revogada a douta Sentença recorrida e substituída por outra que anule o Acórdão Arbitral anteriormente proferido.

Foi junto parecer jurídico elaborado pelo Sr. Prof. António Menezes Cordeiro.

Contra-alegou a Ré, pugnando pela manutenção do julgado.

A Ré interpôs recurso subordinado, circunscrito à não condenação das AA. como litigantes de má fé, mas, já nesta Relação, veio a desistir de tal recurso.
*
Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões de quem recorre, há que apreciar se a sentença recorrida, ao contrário do decidido, devia ter anulado a decisão arbitral em causa, por falta de fundamentação e violação do princípio da igualdade.
*

II

Na sentença recorrida, deram-se por provados os seguintes factos, com interesse para a decisão:

«1° O Tribunal Arbitral "Golfe das Amoreiras" foi constituído em 30-10-2002, a requerimento da Ré e tendo como requeridas as AA., em conformidade com a cláusula compromissória incluída no Contrato-Promessa de Cessão de Exploração (Cláusula 8.a do contrato celebrado entre a A. EPAL e a G…. (em cuja posição contratual a Ré sucedeu) em 27-12-1993, com as alterações constantes das Adendas e Aditamentos de 08-08-1997, 09-03-2000 e 19-05-2001 (documentos de fls. 34, 95, 99 e 14), com a Convenção de Arbitragem e com o Regulamento do Tribunal Arbitral (documentos de fls.109 e 112).
2° O objecto do litígio cometido ao Tribunal Arbitral foi definido na Convenção de Arbitragem (documento de fls. 109) nos seguintes termos: "Determinar se assiste ou não à Requerente (Ré na presente acção) o direito de resolução do contrato-promessa celebrado entre a EPAL – Empresa Portuguesa das Águas Livres, S.A. (A. na presente acção), e a G..., em 27-12-1993, com as alterações constantes das Adendas e Aditamentos de 08-08-1997, 09-03-2000 e 19-05-2001"
3° O Tribunal Arbitral proferiu acórdão, em 24-11-2004 (depositado no Tribunal Cível de Lisboa, em 25-01-2005), julgando "a acção procedente, declarando que a A. (S...) tem o direito a resolver o contrato-promessa celebrado em 27 de Dezembro de 1993, com as alterações introduzidas pelas adendas e aditamentos de 8 de Agosto de 1997, de 9 de Março de 2000 e de 19 de Maio de 2001".
4° As partes no litígio em causa na instância arbitral renunciaram à possibilidade de recurso (artigo 16.° do Regulamento do Tribunal Arbitral, junto a fls. 112, e Cláusula 8.ª, n.° 5, do Contrato-Promessa, junto a fls. 34).
5° As AA. foram notificadas da decisão arbitral a 20-01-2005.
6° No Regulamento do Tribunal Arbitral, as partes convencionaram que "os árbitros julgam segundo o direito constituído" (artigo 13.° do Regulamento, junto a fls. 112), por oposição à solução de acordo com a equidade.».

III

Analisemos as conclusões das Recorrentes.

Referem as Recorrentes, em primeiro lugar, que a EPAL e o C…, em sessão de 14 de Julho de 2003, do processo arbitral subjacente ao recurso jurisdicional ora interposto, requereram, ao abrigo do disposto no artigo 264.°, n.° 3, do Código de Processo Civil, a consideração de determinados factos relevantes para a decisão que veio a ser proferida, mas o Tribunal Arbitral não os acolheu nessa mesma decisão. Todavia, em lado algum da referida decisão arbitral se identifica ou detecta uma qualquer consideração dos factos de que a EPAL e o C… se pretenderam socorrer ou, do mesmo modo, uma qualquer decisão expressa sobre o requerimento apresentado em 14 de Julho de 2003, sendo, por isso, a decisão arbitral completamente omissa quanto a esses pontos.
A conclusão a retirar – acrescentam – é a de que o Tribunal Arbitral entendeu não acolher a pretensão formulada, mas sem que se detivesse minimamente sobre a fundamentação de uma tal decisão, existindo, por isso, de forma manifesta, violação do dever de fundamentação, o que constitui motivo de anulação da decisão arbitral, por força do disposto na alínea d) do n.° 1 do artigo 27.° e n.° 3 do artigo 23.° da Lei n.° 31/86, de 29 de Agosto. E, assim sendo, decidiu mal o Tribunal recorrido, com ofensa do disposto nos artigos 158,°, 659.°, n,ºs 2 e 3, e 666.°, n.° 3, do Código de Processo Civil e 23.°, n.° 3, e 27.°, n.° 1, alínea d), da Lei n.° 31/86, de 29 de Agosto, ao considerar que o mencionado Acórdão Arbitral não era anulável à luz destes mesmos preceitos legais.
Acresce – dizem ainda – que, em 18 de Novembro de 2005, o Tribunal Arbitral decidiu considerar como assentes factos alegados em articulado superveniente das ora Recorrentes, factos esses que, naturalmente, por força de tal decisão, deveriam ter sido vertidos na matéria de facto apurada, constante do Acórdão Arbitral, por força do disposto no referido artigo 659.°, n.° 2, do Código de Processo Civil, e devidamente valorados na decisão a proferir. Acontece, todavia, que, contra o que entendeu o Tribunal recorrido, os factos dados como provados na tal sessão de 18 de Novembro de 2005 não constam do elenco dos factos relevantes para a decisão, ao contrário do que sustenta o Tribunal a quo e do que se impunha ao Tribunal Arbitral por força, mais uma vez, do artigo 659.°, n.° 2, do Código de Processo Civil.
Entendem que a circunstância descrita resulta, desde logo, em vício de violação do dever de fundamentação, decorrente do artigo 158.° do Código de Processo Civil, inter alia, na medida em que, apesar de ter formalmente admitido o articulado superveniente apresentado pelas ora Recorrentes e do mesmo ter extraído como assentes três factos particularmente relevantes para a decisão final a proferir, acabou por não os considerar no elenco dos factos assentes para a decisão arbitral, como se lhe impunha pelo artigo 659.°, n.° 2, do Código de Processo Civil, sem para tanto apresentar qualquer fundamentação.
Consideram também que, mais do que isso, a mesma circunstância resulta, igualmente, em vício de violação do princípio da igualdade processual, na medida em que o Tribunal Arbitral carreou para a decisão arbitral factos que tinham sido alegados pela S… e considerados provados, atribuindo-lhe a relevância que se extrai do Acórdão Arbitral, mas, no caso dos factos alegados pelas Recorrentes no seu articulado superveniente, devidamente admitidos e também considerados assentes, o Tribunal Arbitral, contra tal princípio basilar, constante, aliás, do artigo 3.°-A do Código de Processo Civil, acabou por não os verter na decisão arbitral que veio a ser proferida.

Na sentença recorrida, ponderou-se, a este propósito, o seguinte:
«As AA. alegaram a este respeito que no acórdão foram omitidos factos aditados à matéria assente na sequência de articulado superveniente que apresentaram, que constam do 6.° § da acta da décima sessão de julgamento, factos esses que não constam da enumeração da matéria de facto do acórdão nem aí foram considerados ou referidos, apesar de serem essenciais à boa decisão da causa, estando o Tribunal Arbitral obrigado a explicitar os motivos pelos quais não os deu como provados. O mesmo terá sucedido com outros factos resultantes da instrução e que as ora AA. quiseram aproveitar, conforme requerimento lavrado em acta da segunda sessão de julgamento, datada de 14-07-2003
Vejamos.
Escapa à sindicância deste tribunal saber se os factos em causa eram ou não essenciais à decisão da causa, já que a sua intervenção é meramente formal, limitada à questão de saber se houve ou não falta de fundamentação para efeitos dos citados preceitos da Lei da Arbitragem.
A alegada violação do princípio da igualdade, também invocada pelas AA., nada tem a ver com esta questão, pois não está directamente em causa a ofensa de direitos fundamentais mas antes uma mera questão de ordem processual, que não envolve um tratamento discriminatório ou menos favorável para uma das partes.
Confirma-se que foram aditados três factos aos já assentes na sequência de articulado superveniente das então requeridas, factos esses que basicamente se reconduzem a documentos juntos ao processo.
No acórdão arbitral faz-se referência ao aditamento na página 7 e, na alínea 222a dos factos assentes, deu-se como reproduzido conteúdo de todos os documentos juntos aos autos pelas partes até essa data.
Não há, pois, omissão de factos na medida em que estes se reconduzem aos documentos, o que ocorre é uma prática processual deficiente, que os tribunais superiores têm vindo a censurar aos tribunais de 1ª instância, aliás com razão, mas que deve ser respeitada quando é utilizada.
Quer isto significar que todos os factos em causa estavam à disposição do tribunal arbitral quando fundamentou a decisão que veio a proferir.
O objecto do litígio consistia em "Determinar se assiste ou não à Requerente o direito de resolução do contrato promessa celebrado entre a EPAL – Empresa Portuguesa das Águas Livres, S.A., e a G…, em 27-12-1993, com as alterações constantes das Adendas e Aditamentos de 08-08-1997, 09-03-2000 e 19-05-2001" (cfr. o facto n.° 2 supra).
O dever de fundamentar previsto no n.° 3 do art.° 23° e na al. d) do n.° 1 do art.° 27° da Lei n.° 31/86, de 29 de Agosto, corresponde a idêntico dever previsto na al. b) do n.° 1 do art.° 668° do Código de Processo Civil, não se descortinando razões que permitam estabelecer um âmbito de previsão diverso.
A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem sido uniforme, ao longo de muitos anos, no sentido de que "a falta de motivação a que alude a alínea b) do n° 1 do art. 668° do Código de Processo Civil, motivo de nulidade da decisão, é a total omissão dos fundamentos de facto ou de direito em que assenta a decisão; uma especificação dessa matéria apenas incompleta ou deficiente não afecta o valor legal da sentença" (acórdão de 05-05-2005, processo n.° 839/05 da 7a secção, recentemente publicado em www.dgsi.pt. na sequência de inúmeros outros.
O que se verifica é que o tribunal arbitral tratou até muito exaustivamente a questão que constituía objecto do litígio num acórdão invulgarmente extenso, analisou com rigor os aspectos que considerou necessários à decisão e tirou as conclusões que vieram a obter vencimento.
Não estava o tribunal, de acordo com a jurisprudência, obrigado a considerar todos os argumentos aduzidos pelas partes, nem todos os factos ou todos os documentos. Se essa análise foi incompleta ou até deficiente – questão sobre a qual não nos pronunciamos porque é alheia a este tribunal – é algo que não releva em termos de violação do dever de fundamentação. Mas sempre se dirá, em termos gerais, que a análise de factos que as partes consideram relevantes para a boa decisão da causa está sempre dependente da concordância do tribunal a tal respeito, bem ou mal, sob pena de frequente dispersão com argumentos secundários ou irrelevantes, prejudiciais à questão ou questões que constituem o objecto dos litígios.
Conclui-se, assim, que não há completa omissão dos fundamentos de facto ou de direito no acórdão proferido pelo tribunal arbitral, e assim sendo não ocorre justificação para a sua anulação.».

De acordo com o disposto no nº1 do art. 1º da Lei nº 31/86 de 29/08, desde que por lei especial não esteja submetido exclusivamente a tribunal judicial ou a arbitragem necessária, qualquer litígio que não respeite a direitos indisponíveis pode ser cometido pelas partes, mediante convenção de arbitragem, à decisão de árbitros.
Nos termos do estabelecido no art. 15º, nº1 do mesmo diploma, na convenção de arbitragem ou em escrito posterior, até à aceitação do primeiro árbitro, podem as partes acordar sobre as regras do processo a observar na arbitragem (…).
No art. 16º, al. a), prescreve-se que as partes serão tratadas com absoluta igualdade e, na al. c) que em todas as fases do processo será garantida a estreita observância do princípio do contraditório.
De acordo com o preceituado no art. 18º, nº1, pode ser produzida perante o tribunal arbitral qualquer prova admitida pela lei de processo civil.
Nos termos do art. 23º, nº3, a decisão deve ser fundamentada.
Estabelece-se no art. 27º (sempre da Lei nº 31/86):
«1- A sentença arbitral só pode ser anulada pelo tribunal judicial por algum dos seguintes fundamentos:
a) Não ser o litígio susceptível de resolução por via arbitral;
b) Ter sido proferida por tribunal incompetente ou irregularmente constituído;
c) Ter havido no processo violação dos princípios referidos no artigo 16.º, com influência decisiva na resolução do litígio;
d) Ter havido violação do artigo 23.º, n.os 1, alínea f), 2 e 3;
e) Ter o tribunal conhecido de questões de que não podia tomar conhecimento, ou ter deixado de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar.
2 - O fundamento de anulação previsto na alínea b) do número anterior não pode ser invocado pela parte que dele teve conhecimento no decurso da arbitragem e que, podendo fazê-lo, não o alegou oportunamente.
3 - Se da sentença arbitral couber recurso e ele for interposto, a anulabilidade só poderá ser apreciada no âmbito desse recurso.».

No art. 14º, al e) do Regulamento do Tribunal Arbitral (doc. fs. 112 e segs.) estipula-se que da decisão do tribunal arbitral constarão os fundamentos da decisão, tanto de facto como de direito.

Entendeu-se, na sentença recorrida, como se viu, que o dever de fundamentar previsto no art.° 23° e na al. d) do n.° 1 do art.° 27° da Lei n.° 31/86, de 29 de Agosto, corresponde a idêntico dever previsto na al. b) do n.° 1 do art.° 668° do Código de Processo Civil, não se descortinando razões que permitam estabelecer um âmbito de previsão diverso, e que a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem sido uniforme, ao longo de muitos anos, no sentido de que "a falta de motivação a que alude a alínea b) do n° 1 do art. 668° do Código de Processo Civil, motivo de nulidade da decisão, é a total omissão dos fundamentos de facto ou de direito em que assenta a decisão (…)».
Sobre a esta matéria, considera Paula Costa Silva que a exigência do nº3 do art. 23º se pode explicar «através da vontade legislativa de afastar toda a arbitrariedade do processo arbitral, impondo-se aos árbitros que demonstrem que «a solução dada ao caso é legal e justa…, que é a emanação correcta da lei», podendo dizer-se que «uma sentença é provida de fundamentos sempre que seja possível compreender a motivação do árbitro. Assim, mesmo que a motivação seja deficiente, medíocre ou errada, estaremos perante uma sentença motivada, devendo as deficiências da sua fundamentação, que não geram nulidade, ser arguidas em via de recurso. Só a falta absoluta de motivação implicará uma nulidade da sentença arbitral, invocável através da acção de anulação. Sempre que a motivação seja deficiente e não havendo lugar a anulação, deve essa deficiência ser suprida através de recurso interposto contra a sentença arbitral.» (Anulação e Recursos da Decisão Arbitral, in Revista da Ordem dos Advogados, Ano 52, Lisboa, Dezembro de 1992, págs. 938-939).
Conforme ensina Alberto dos Reis, «Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.
Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto» (Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, Coimbra Editora, Coimbra, 1952, pág. 140).
Também no Manual do Processo Civil de Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Coimbra Editora, 1985, pág. 687, se pode ler que, para se considerar que a sentença padece de falta de fundamentação, «não basta que a sentença seja deficiente, incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito».
A jurisprudência tem, como é referido na sentença recorrida, alinhado por este diapasão.
Por exemplo, no Ac. do STJ, de 17/05/2001 (Rel. Sousa Dinis), CJ/Acs. do STJ, II, 89), considerou-se que à fundamentação das decisões arbitrais se aplicam os princípios gerais do processo civil e que a falta de fundamentação capaz de conduzir à anulação da decisão é a absoluta falta de fundamentação e não a fundamentação insuficiente.
Já o Ac. do STJ, de 11-05-1995 (Rel. Joaquim de Matos), www.dgsi.pt, também reportado a uma decisão arbitral, se tinha pronunciado nesse sentido.
No Ac. da Rel. de Lisboa, de 09/11/2000 (Rel. Sousa Grandão), CJ, V, 87, também se sublinhou que «Só a falta absoluta de motivação implicará a nulidade da sentença arbitral invocável através da acção de anulação», mais se referindo que “Sendo inadmissível o recurso da decisão arbitral – ou porque a causa não comporta ou porque houve renúncia – terão as partes que suportar o ónus duma fundamentação eventualmente deficiente.».
Outros arestos, como o do STJ, 05-05-2005 (Rel. Araújo de Barros), citado na sentença recorrida, têm vindo também a vincar que a falta de motivação, a que alude o art. 668º, nº 1, b) do CPC, geradora de nulidade da decisão, se traduz na total omissão dos fundamentos de facto ou de direito em que assenta a decisão. A incompletude ou deficiência, podendo conduzir à alteração ou revogação da sentença, não a tornam nula.
Conforme refere Paula Costa e Silva, ob. cit., págs. 946-947, os fundamentos de anulação da decisão arbitral assumem-se como nulidades de natureza processual. E o mesmo se considerou no Ac. do STJ, de 05-12-2002 (Rel. Ribeiro Coelho), acedido em www.dgsi.pt: «No pedido de anulação da decisão arbitral a causa de pedir tem de reconduzir-se a um dos circunstancialismos previstos […] nas diversas alíneas do nº1 do art. 27º [a Lei nº 31/86 de 29/08], que apenas prevêem hipóteses que respeitam à relação processual de arbitragem […]. São vícios equiparáveis a nulidades processuais».
Crê-se, pelo que se tem vindo a expor, que a sentença recorrida não merece reparo ao considerar que a decisão arbitral não padece do invocado vício da falta de fundamentação, de molde a ser anulada.
É certo que nela não foram reproduzidos os factos aditados à matéria assente, em despacho proferido em 18-11-2003 (acta de fs. 120), mas também não se demonstra que o Tribunal os tenha ignorado, pois, no ponto 6.12 do relatório da decisão, referiu-se que «Em 18 de Novembro de 2003, o Tribunal Arbitral decidiu aditar à matéria assente determinados factos alegados no articulado superveniente das Rés e admitiu a junção aos autos dos documentos que acompanharam esse articulado a resposta ao mesmo.».
Vejamos, de acordo de acordo com o doc. nº 7 (cópia da acta da sessão de 18/11/2003), a fs. 120 e 121, quais são esses factos:
«Relativamente ao articulado superveniente e respectiva resposta, o Tribunal decidiu aditar à matéria assente os seguintes factos:
1° - Por despacho proferido em 28 de Abril, que se dá como reproduzido, a Câmara Municipal de Lisboa decidiu, designadamente:
a) O não arquivamento do processo n.° 306/0B/01, com fundamento em inutilidade superveniente, dado não se verificarem os pressupostos constantes do artigo 106° e seguintes do CPA e uma vez que o requerente manifestou interesse na tomada de decisão final;
b) O indeferimento do pedido de licenciamento constante do processo nº 306/OB/01, com fundamento no parecer desfavorável do IPPAR, nos termos do disposto na alínea g) do nº 1 do art. 63° do Decreto-Lei n.° 445/91, de 20 de Novembro, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.° 250/95, de 15 de Outubro, o qual preconiza entre os fundamentos para o indeferimento do pedido de licenciamento a recusa prévia, fundamentada, por alguma das entidades consultadas da aprovação, autorização ou parecer favorável, exigidos por lei;
Justificação: o acordo das partes (ver art. 10° do articulado superveniente e arts. 15° a 18° da resposta da A.) e prova documental (doc. 75, junto pelas Requeridas);
2° - A EPAL e o C… comunicaram à S…, por carta datada de 11 de Junho de 2003, a decisão de indeferimento do pedido de licenciamento de obra n.° 306/OB/2001;
Justificação: o acordo das partes (ver art. 28° do articulado superveniente e arts. 20° e 23°, a contrario, arts. 17° e 18° da resposta da A.) e prova documental (doc. 77, junto pelas Requeridas);
3° - O C… reclamou, em 18 de Junho de 2003, do despacho da Senhora Vereadora da Câmara Municipal de Lisboa;
Justificação: prova documental (doc. 79, junto pelas Requeridas), não impugnada.
O Tribunal decidiu ainda admitir a junção dos documentos apresentados com o articulado superveniente e com a respectiva resposta.».
Verifica-se que estes factos têm todos por base (até pela sua natureza) prova documental. Ora, no ponto 222 A) da matéria de facto da decisão arbitral deu-se por reproduzido o conteúdo de todos os documentos juntos pelas partes até àquela data.
Independentemente de, na linha do que tem sido considerado pela jurisprudência, e conforme se refere na sentença, ser passível de crítica, em termos técnicos, a opção de se darem por reproduzidos documentos, a verdade é que não podem deixar de estar contemplados nesta alínea os documentos aludidos na acta em apreço.
Por outro lado, não se olvidará que o Tribunal, desde que, naturalmente, tenham relevo para a decisão e ainda que não figurem no elenco de factos seleccionados e dados por provados na sequência do labor probatório, tomará em consideração os factos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito (art. 659º, nº 3 do CPC).
Importará ter em conta que, no momento da selecção dos factos que possam relevar para a decisão da causa, há que considerar as soluções plausíveis da questão de direito, o que supõe a reunião de um espectro factual capaz de suportar esta ou aquela solução. Na decisão final, o tribunal deve resolver as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação (nº2 do art. 660º do CPC), não tendo o julgador de se ocupar de todos os argumentos ou razões invocados pelas partes, contentando-se a fundamentação da sentença «com a indicação das razões jurídicas que servem de apoio à solução adoptada pelo julgador» (Antunes Varela, Bezerra e Sampaio e Nora, ob. cit., pág. 688); «o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão» (Alberto dos Reis, ob. cit., pág. 143).
O peso que, na solução adoptada, o Tribunal Arbitral, no amplo universo factual fornecido pelo processo, conferiu ou deixou de conferir à factualidade em causa (também processualmente adquirida), é questão que excede a acção de anulação, na qual apenas se cuida de vícios de natureza processual.
As Recorrentes fazem, igualmente, referência a factos que quiseram aproveitar, nos termos do art. 264º, nº3 do CPC, conforme requerimento constante da acta da sessão de 14/07/2003 (doc. nº8, a fs. 122 e 123).
Da leitura da cópia dessa acta retira-se que, em tal sessão, foram prestados depoimentos de parte, não se tendo reduzido a escrito qualquer passagem dos mesmos.
Após a prestação desses depoimentos, foi feito um requerimento pelo Sr. Dr. Ricardo Guimarães, no qual se referiu ao conteúdo do depoimento do Sr. Eng. Luís Godinho Lopes e terminou da seguinte forma:
«A EPAL e o C… sustentam, por um lado, que a convicção da S… sobre o sucesso do projecto, caso existisse, resultava de a própria acompanhar o processo de licenciamento. Por outro lado, que o IPPAR se tinha mostrado irredutível na reapreciação do seu parecer. Por fim, que mantinham a vontade na concretização do projecto da Academia de Golfe das Amoreiras.
Os factos acima descritos, que se retiraram do depoimento do Sr. Eng.° …, estão relacionados com a descrita posição da EPAL e do C...
Assim, ao abrigo do art. 264°, n.° 3 do Código de Processo Civil, a EPAL e o C… requerem que estes factos sejam levados em consideração pelo Tribunal Arbitral."
Seguidamente foi dada a palavra ao Sr. Dr. … que, no uso da mesma, disse:
"A autora nada tem a opor a que o Tribunal tenha em conta qualquer declaração do depoente Eng.° …, simplesmente terão que ser tidas em conta as suas declarações inseridas no contexto em que foram emitidas e não declarações que os mandatários das rés entendem terem sido emitidas sem curar de especificar o contexto em que o foram. Aliás, a autora está segura que todas as declarações de todos os depoentes serão tidas em conta pelo Tribunal sempre tendo em atenção aquilo que efectivamente foi dito e o contexto em que o foi."
Está em causa a valoração de um depoimento e o consequente reflexo na matéria fáctica, considerada essencial à decisão do caso, o que competia ao Tribunal Arbitral e escapa, conforme se refere na sentença recorrida, à sindicância inerente a uma acção de anulação.
O que se pode, com todo o respeito por opinião diversa, concluir é que, como foi ponderado na sentença recorrida, a decisão arbitral não padece do vício de falta de fundamentação – considerando o sentido que deve, à face da Lei, ser dado a esta expressão – de modo a gerar a sua anulação.

Também se revela ajustada a apreciação feita na sentença quanto à alegada violação do princípio da igualdade.
Conforme ensina Manuel Andrade, este princípio consiste «em as partes serem postas no processo em perfeita paridade de condições, desfrutando, portanto, idênticas possibilidades de obter a justiça que lhes seja devida» (Noções Elementares de Processo Civil, reimpressão, Coimbra Editora, 1993, pág. 380).
Salvo o devido respeito, não se retira da decisão arbitral qualquer tratamento que ofenda a “paridade simétrica” das posições das partes perante o Tribunal (vide Lebre de Freitas, Introdução do Processo Civil, Conceito e Princípios Gerais, Coimbra Editora, 1996, pág. 105). O que ressalta da decisão é a adopção de uma linha de rumo, face à ampla factualidade fornecida pelo processo, com destaque para a matéria que se acha mais relevante. Ora, a valorização de uns factos em detrimento de outros, tendo em vista a solução adoptada pelo julgador, não redunda em violação (e, neste caso, tal, na realidade, não acontece) do princípio da igualdade.

Consideram as Recorrentes que a inexistência, em absoluto, de fundamentação, ou a apresentação de fundamentação que esteja em oposição com a decisão proferida são motivo de anulação de qualquer decisão arbitral, nos termos previstos no artigo 27.°, n.° 1, alínea d), do citado diploma, sob pena de ofensa ao disposto no antes mencionado artigo 205.°, n.° 1, da Constituição da República.
Reportando-se ao caso em apreço, referem que a decisão proferida pelo Tribunal Arbitral, de acordo com a qual existia fundamento para a S… resolver o contrato que tinha previamente celebrado com as ora Recorrentes, por força de uma alegada declaração tácita antecipada de não cumprimento, se encontra em clara contradição com a fundamentação apresentada para o efeito, por exigir um comportamento inequívoco, do ponto de vista do seu enquadramento jurídico, que a própria fundamentação não revela, antes pelo contrário.
A esta luz – concluem – verifica-se uma contradição entre os fundamentos da decisão arbitral e a própria decisão em si mesma, o que constitui causa de nulidade, nos termos do artigo 668.°, n.° 1, alínea c), do Código de Processo Civil e, para além disso, motivo de anulação, de acordo com o disposto no artigo 27.°, n.° 1, alínea d), da Lei n° 31/86, de 29 de Agosto, tendo o Tribunal a quo decidido mal, em violação dos mencionados preceitos legais, ao manter o Acórdão Arbitral que aqui também está em causa.
O vício que ora se aponta é o da contradição entre os fundamentos e a decisão (art. 668º, nº1, c) do CPC).
Segundo Alberto dos Reis, ocorre esta nulidade quando «os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto» (op. cit., pág. 141).
A propósito deste vício, considerou-se, na fundamentação do Ac. do STJ, de 09-02-2006 (Rel. Salvador da Costa), www.dgsi.pt, o seguinte:
«[…] o vício de nulidade a que se reportam a alínea c) do nº 1 do artigo 668º e o artigo 716º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil, que os reclamantes invocaram, é o que ocorre quando os fundamentos de facto e de direito invocados no acórdão conduzirem logicamente ao resultado oposto àquele que integra o respectivo segmento decisório.
É motivada pelo facto de o tribunal dever subsumir o caso concreto submetido à sua apreciação às pertinentes normas jurídicas e justificar que a solução decorrente é harmónica com os factos provados e a lei aplicável.
Daí que os fundamentos de facto e de direito do acórdão devam ser logicamente harmónicos com a pertinente conclusão ou decisão, como corolário do princípio de que o acórdão deve ser fundamentado de facto e de direito, sendo certo que se não verifica esse requisito quando haja contradição entre os fundamentos de facto e de direito e a decisão nos quais assenta.
Mas uma coisa é a contradição lógica entre os fundamentos e a decisão da sentença ou do acórdão, e outra, essencialmente diversa, o erro de interpretação dos factos ou do direito ou na aplicação deste, que não raro, na prática são confundidos.»
Estamos perante um vício que, tendo, naturalmente, a ver com a fundamentação, não se confunde com a sua falta; ao contrário, pressupõe a existência de fundamentação, colocando-se no plano da desarmonia – lógica – entre esta e a decisão.
O art. 668º, nº1 do CPC contempla, na al. b) do nº1, a falta de fundamentação e, na alínea c), a oposição entre os fundamentos e a decisão.
Se bem interpretamos a petição inicial, este problema não foi colocado pelas AA. e, assim, não foi apreciado na sentença recorrida. Ora, como se sabe, ressalvados os casos de conhecimento oficioso, os recursos «visam modificar as decisões recorridas, e não criar decisões sobre matéria nova, não podendo o tribunal de recurso conhecer de questões que não tenham sido objecto da decisão recorrida ou que as partes não suscitaram perante o tribunal recorrido.” (Ac. do STJ, de 27/05/98, BMJ 477º, 362).
Além disso, sendo o vício da contradição entre os fundamentos e a decisão diferente do da falta de fundamentação, é de concluir, analisando o art. 27º, al. d), conjugado com o art. 23º, da Lei nº 31/86, que se trata de matéria que não pode incluir-se na causa de pedir da acção de anulação.
É este, aliás, o entendimento de Paula Costa Silva, quando refere que «nos casos em que se verifica uma contradição entre os fundamentos e a decisão não nos parece caber acção de anulação. Se bem que nestas hipóteses se possa considerar que a fundamentação não preenche nenhuma das suas finalidades ou funções, certo é que a Lei nº 31/86, ao contrário daquilo que estabelece o C.P.C., no seu artigo 668º, nº1, al. c), não previu expressamente esta causa de nulidade. Deste modo, e apesar de existir uma contradição lógica insanável na sentença, deve esta contradição ser ultrapassada através de recurso da decisão arbitral» (op. cit., pág. 939).
Consideramos, assim, que não há que conhecer desta matéria.

As Recorrentes defendem, ainda, que no campo arbitral, a fundamentação manifestamente errada deve, por maioria de razão, ser aproximada da falta de fundamentação, nos termos e para efeitos do disposto nos artigos 23.°, n.° 3, e 27.°, n.° 1, alínea d), da Lei n.° 31/86, como se retira do Parecer jurídico elaborado pelo Professor Doutor António Menezes Cordeiro (cfr. pp. 22 e 23).
Acrescentam que, no caso concreto do Acórdão Arbitral proferido, com apoio no mesmo Parecer jurídico, se verifica uma situação-limite: embora formalmente justificada, a presente decisão arbitral apresenta-se de tal modo contrária ao contrato-base e à ordem pública imperativa que, materialmente, está falha de qualquer fundamentação, razão pela qual se verifica, assim, o fundamento da sua anulação, previsto nos artigos 23.°, n.° 3, e 27.°, n.° 1, alínea d), da Lei n.° 31/86, de 29 de Agosto.

Conforme é observado pela Recorrida, está-se, também aqui, perante problemática não suscitada na 1º Instância (as AA. fizeram assentar a sua alegação na falta de fundamentação atinente à matéria de facto) e que, por isso, não foi objecto de tratamento na sentença. E, como é, igualmente, sublinhado pela Recorrida, as Recorrentes acabam por reconhecer que a decisão está “formalmente justificada”.
De qualquer modo, com todo o respeito, consideramos que a apreciação da fundamentação, em termos materiais, para, eventualmente, se concluir que está errada, se situa fora do objecto da acção de anulação, na qual, como atrás se deixou dito, se cuida de nulidades de natureza processual.
Porque não estamos perante um recurso (a que as partes renunciaram) da decisão arbitral, mas de uma sentença proferida em acção de anulação, com os apertados limites que a Lei impõe a esta acção, entendemos que não será possível, no seu âmbito, discutir a questão ora, doutamente, colocada.
Recordemos, aqui, o ensinamento de Alberto dos Reis, acima citado, no sentido de que importará distinguir «a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.».
Salvo o devido respeito por opinião diversa, não merece reparo a sentença recorrida quando conclui que, não havendo completa omissão de fundamentos de facto ou de direito no acórdão proferido pelo Tribunal Arbitral, não ocorre justificação para a sua anulação.

Por tudo o que se deixou dito, na improcedência do recurso, mantém-se a douta sentença recorrida.

Custas pelas Recorrentes.
*
Lisboa, 2.11.2006

(Tibério Silva)
(Ezagüy Martins)
(Maria José Mouro)