Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
516/12.6TBOER.L1-8
Relator: MARIA ALEXANDRINA BRANQUINHO
Descritores: PROPRIEDADE HORIZONTAL
ARRENDAMENTO
DANOS CAUSADOS NO EDIFÍCIO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/17/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: - O proprietário de fracção de prédio em propriedade horizontal não responde, perante o condomínio, por danos naquele causados, decorrentes de actos praticados pelo respectivo inquilino ou por terceiro.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial: Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa.



I-Relatório:



I..., S.A. veio interpor recurso da sentença proferida na acção que contra si e, ainda, contra T... e M..., foi intentada por Condomínio do Prédio sito ....

Na p.i., a autora, ora apelada, pede a condenação dos réus, entre eles a ora apelante, no pagamento da quantia de €10.055,25, acrescida dos juros legais calculados desde a citação até efectivo e integral pagamento.

Para o efeito, a autora alega que a primeira ré - I..., S.A.  – é  proprietária de fracção autónoma que corresponde ao 2.º C do prédio urbano sito ..., sendo os segundo e terceiro réus os possuidores/inquilinos de tal fracção.

A autora diz, também, que os possuidores/inquilinos da referida fracção adulteraram o olho de boi provocando, assim, uma inundação que atingiu o tecto da loja do r/c e os dois elevadores do prédio, cujo custo de reparação ascendeu a €10.055,25 com IVA incluído, montante que agora reclama.
***

Embora citados, apenas a 1ª ré contestou dizendo que é, efectivamente, proprietária da fracção identificada pela autora, e que a deu de arrendamento à 2.ª ré por contrato que com ela celebrou, não sabendo, no entanto, de quem se trata o demandado M....

A 1.ª ré diz, também, que a inundação não teve origem na fracção de que é proprietária, mas sim numa válvula que regula o fornecimento da água e que se encontra no exterior da fracção, junto ao contador.

Segundo a versão apresentada pela autora, versão que a 1.ª ré aceita, foi o 3.º réu quem violou o dito olho de boi, pelo que quaisquer responsabilidades hão-de ser assacadas aos segundo e terceiro réus.  
***

Foi proferido despacho saneador, identificado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova, tudo ao abrigo da Lei nº 41/2013, de 26.6.

Concluída a audiência de julgamento, a 1.ª instância julgou provados os seguintes factos:
1.Em 10.5.2011 verificou-se uma inundação nas partes comuns do prédio urbano sito ....
2.Tendo uma elevada quantidade de água escorrido pelas escadas e entrou pelos elevadores.
3.Água que provinha do “olho-de-boi”, pertencente ao 2º C, localizado no patamar desta fracção.
4.Devido a adulteração do “Olho-de-Boi” selado pelo SMAS, pelo Réu M..., que admitiu a autoria dos factos e a sua responsabilidade sobre os mesmos, perante o Autor.
5.M... habitava no 2º C, com conhecimento e autorização da Ré T..., esta titular de contrato de arrendamento, celebrado com a 1ª Ré, incidente sobre a identificada fracção.
6.Como causa directa e necessária da inundação supra identificada, os dois elevadores do prédio sito no Autor, inundaram as caixas/poços dos mesmos, os quais tiveram de ser de imediato desligados, e a reparação dos mesmos importou em €10.055,25, com IVA, quantia paga pelo Autor à O...
7.A fracção C do prédio sito no Autor é propriedade da 1ª Ré.
8.Tendo a mesma dado de arrendamento a fracção à 2ª ré T..., por contrato celebrado em 1.11.2009.
9.O olho-de-boi consiste numa válvula que regula o fornecimento de água, a qual antecede o contador da água, através do qual a água da rede pública é transportada para o ramal privado, do prédio.
10.A fracção J do prédio do Autor corresponde ao 2º C.
11.O troço que vai do olho-de-boi ao contador da fracção C, apenas serve esta fracção.
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A 1.ª instância proferiu sentença que rematou com o seguinte dispositivo: «Pelo supra exposto, decide-se julgar a presente acção integralmente procedente, porque provada e, em consequências, condenam-se os RR., solidariamente, a pagar ao Autor a quantia de €10.055,25, acrescida dos juros legais calculados desde a citação até efectivo e integral pagamento».

Aquele dispositivo é precedido da seguinte fundamentação: «(…) em nosso entendimento, os três RR. são responsáveis, mas com base em responsabilidades diferentes, perante o Autor, e de forma solidária, ao pagamento reclamado, se bem, atentas as diferentes naturezas das respectivas responsabilidades, haverá naturalmente direito de regresso entre os mesmos.

De facto, o causador dos danos, com base em ilicitude (facto típico, ilícito, culposo e causador directamente de danos) é o 3º Réu, sem qualquer dúvida.

Contudo, e dado que o “olho-de-boi” apenas servia (para transporte da água do ramal público para a fracção, consumo privado daquela) a fracção da Ré, sua proprietária, e competindo a esta, enquanto proprietária, a conservação, manutenção do “olho-de-boi”, pelo que também é responsável pela indemnização reclamada (cfr. artº 1424º, nº 3, do CC).

Já a 2ª Ré, enquanto arrendatária, na data dos factos, titular do contrato de arrendamento, possuidora da fracção em apreço, é igualmente responsável pela conservação, manutenção do “olho-de-boi”.

Assim, as 1ª e 2ª Rés são responsáveis a título de proprietária e arrendatária (posse e domínio sobre o “olho-de-boi” que serve o 2º C), ao abrigo dos deveres que impendem sobre os proprietários/possuidores sobre o imóvel relativamente ao qual exercem os poderes de facto, de proprietária e arrendatária – artº 1305º e o 3º réu é responsável a título de responsabilidade civil extracontratual, conforme supra explicitado – artº 483º, do Cód. Civil.

Mas, perante o Autor, todos são responsáveis, de forma solidária.
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A 1.ª ré, ora apelante, apresentou as seguintes conclusões de recurso:
1.O Tribunal a quo não fez a melhor interpretação e aplicação do Direito tendo em conta a factualidade apurada nos autos;
2.A Apelante não pode ser responsabilizada pelo pagamento da indemnização ao Autor, por via da responsabilidade civil extracontratual, em concreto, de responsabilidade por factos ilícitos prevista no n.º 1 do artigo 483.º do Código Civil;
3.Foi o 3.º Réu quem praticou o facto ilícito e culposo e não a Apelante;
4.O artigo 1305.º do Código Civil define o conteúdo do direito de propriedade e o artigo 1424.º, n.º 3 do Código Civil responsabiliza o condómino pelas despesas decorrentes da manutenção das partes comuns que servem exclusivamente esse condómino;
5.Os artigos 1305.º e 1424.º, n.º 3 do Código Civil não configuram situações de responsabilidade objectiva, independentemente de culpa;
6.O Tribunal a quo violou o disposto no artigo 483.º n.º 2 do Código Civil, ao estribar-se no disposto nos artigos 1305.º e 1424.º, n.º 3 do Código Civil para fundamentar a decisão de condenar (solidariamente) a Apelante, enquanto proprietária do imóvel, no pagamento da indemnização ao Autor;
7.A situação dos autos não configura nenhuma situação de responsabilidade pelo risco, nem mesmo por via da aplicação dos artigos 1305.º e 1424.º, n.º 3 do Código Civil;
8.Os artigos 492.º e 493.º do Código Civil não prevêem situações de responsabilidade objectiva do proprietário, mas uma mera presunção de culpa;
9.A inundação resultou de um acto ilícito do 3.º Réu, que violou o “olho-de-boi”, na tentativa de ver restabelecido o abastecimento de água na fracção, que se encontrava cortada por falta de pagamento;
10.A torneira “olho-de-boi” rebentou, não por pretensa falta de conservação ou manutenção, mas porque foi adulterada/violada pelo 3.º Réu;
11.A presunção de culpa prevista no artigo 492.º do Código Civil não tem aplicação ao caso dos autos, porque a mesma apenas opera em caso de vício de construção ou defeito de manutenção, o que não ocorreu in casu;
12.Nenhuma responsabilidade pode ser imputada à Apelante por via do n.º 1 do artigo 493.º do Código Civil, porquanto a Apelante, à data dos factos - por ter dado de arrendamento a fracção dos autos à 2.ª Ré -, não tinha o poder de facto sobre o imóvel, nem o dever de o vigiar;
13.Mas, ainda que assim se não entenda, terá de se concluir, atenta a factualidade provada nos autos, que a Apelante logrou ilidir as presunções de culpa previstas nos artigos 492.º, n.º 1 e 493.º do Código Civil;
14.Ao decidir como decidiu - responsabilizando a Apelante pelo pagamento (solidário) da indemnização ao Autor - o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 483.º, n.º 1 e 2 e nos artigos 492.º e 493.º, todos do Código Civil;
15.Não foi alegado nos autos ou, sequer, provado, que danos concretos foram provocados nos elevadores em consequência da inundação;
16.No caso sub judice não deve considerar-se preenchido o requisito do dano, que para os efeitos previstos nos artigo 483.º, 562.º e 563.º do Código Civil, reporta-se ao “dano real” e não ao mero “dano de cálculo”.
Nestes termos e nos mais de Direito doutamente supridos por V. Exas. deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e, consequentemente, revogada a sentença proferida nos autos e
substituída por outra que absolva a Apelante do pedido.
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Contra alegou a autora, concluindo da forma que segue:
1.Vem o presente recurso interposto pela proponente I... S.A, da douta sentença de 23/06/2015, que julgou procedente o pedido da aqui recorrente.
2.Ora, a questão aqui levada a apreciação, foi saber se os danos provocados nos elevadores do prédio sito na Praceta António ..., n.º 6, foram ou não provocados pela adulteração do olho de boi da fracção correspondente ao 2º C, propriedade da aqui proponente, bem como aferir a responsabilidade no pagamento dos prejuízos causados.
3.Neste sentido, e após apreciação de toda a prova produzida, o tribunal a quo entendeu e bem, que o A. logrou provar que os danos que os elevadores apresentam, foram provocados pela adulteração do olho de boi, a qual provocou uma imensa inundação nas partes comuns do prédio, nomeadamente nos elevadores existentes, logo assistiria à aqui A. e recorrida o direito de exigir os custos com a respectiva reparação à aqui Apelante, proprietária da fracção em causa, Sem prescindir,
4.Importa aqui aferir, a verdadeira responsabilidade da aqui Apelante, I... S.A..
5.Aquela é proprietária da fracção autónoma correspondente ao 2º C, do prédio urbano sito ...
6.Em 10/05/2011, ocorreu uma inundação nas partes comuns do prédio supra identificado, inundação que foi presenciada por diversos condóminos bem como pela porteira do prédio.
7.A supra citada inundação, que se provou ter sido causada pela adulteração do olho de boi respeitante à fracção da aqui recorrente, provou avultados danos nos elevadores do edifício.
8.Para que melhor se compreenda o caso em apreço, importa definir olho de boi;
9.O olho de boi traduz-se numa válvula que regula o fornecimento da água à fracção a que respeita;
10.Segundo a EPAL:“A responsabilidade pela reparação das canalizações domiciliárias e das torneiras de segurança e de escada (válvula tipo olho de boi) é da responsabilidade do proprietário/inquilino, sendo da sua competência a conservação e manutenção das mesmas” (cfr www.epal.pt)
11.Para que não restem quaisquer dúvidas, o que está aqui em causa são os chamados ramais de derivação para cada fracção, e note-se que são elementos privativos que pertencem em propriedade ao respectivo proprietário.
12.O troço que vai do olho de boi ao contador da fracção propriedade da aqui Apelante, apenas serve em exclusivo esta fracção.
13.Pelo que, perante o exposto, dúvidas não há relativamente à propriedade do olho de boi e responsabilidade pelos danos causados pelo mesmo.
14.A responsabilidade da aqui Apelante pelos danos causados nos elevadores, afere-se igualmente pelo disposto no artigo 1424 n.º 3 do C.C que estipula que “As despesas relativas aos diversos lanços de escada ou às partes comuns do prédio que sirvam exclusivamente algum dos condóminos ficam a cargo dos que delas se servem.”
15.Nesse sentido ainda o artigo 1305º do C.C que nos estabelece o conteúdo do Direito de Propriedade, determinando-se a responsabilidade da aqui recorrente ao abrigo dos deveres que recaem sobre os proprietários.
16.O Douto Tribunal a quo, e muito bem, refere contudo que os três RR. são responsáveis perante o aqui Apelado, mas com responsabilidades distintas.
17.É certo que o 3º Réu assumiu a responsabilidade na adulteração do olho de boi, mas tal facto, por si só, não exonera pura e simplesmente a aqui recorrente da sua responsabilidade nos danos causados.
18.Ainda nesse sentido, vejamos o artigo 493.º do C.C: “Quem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar, e bem assim quem tiver assumido o encargo de vigilância de quaisquer animais, responde pelos danos que a coisa ou os animais causarem, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa.”
19.É certo que se encontra aqui vertida uma presunção de culpa, mas também é certo que ficou claramente provado pelo A. aqui recorrido que as águas que inundaram e danificaram os elevadores, provieram do ramal da fracção propriedade da aqui Apelante.
20.Mostrando-se assim preenchido o ónus da prova previsto no artigo 342º do C.C.
21.Sem prescindir, a função da presunção da culpa tem como pressuposto o dever de vigilância da coisa por parte de quem tem o dever de vigiar;
22.Ora, salvo Douta e melhor opinião, no caso em apreço, cabia à aqui recorrente, alegar e provar que nenhuma culpa houve da sua parte para afastar a supra mencionada presunção, o que claramente não aconteceu.
23.Aliás, se dúvidas existissem quanto à responsabilidade da aqui recorrente, as mesmas seriam facilmente dissipadas pelo simples facto de que, aquando a ocorrência do sinistro, o aqui Apelado contactou a Apelante Investelar, informando-a do sucedido,
24.E de imediato a aqui Apelante contactou a Companhia de Seguros para participação do sinistro.
25.Assumindo tacitamente a responsabilidade pelos danos resultantes da inundação.
26.O que nos leva a questionar, se a aqui recorrente está tão convicta e segura da sua exclusão de responsabilidade, porquê que accionou o seguro? Porquê que não questionou desde o início essa responsabilidade?
27.Para concluir, no que diz respeito à responsabilidade da aqui Recorrente, enquanto proprietária da fracção em causa, deverá a mesma ser responsabilizada pelo pagamento dos custos inerentes ao arranjo dos elevadores.

28.No que concerne aos danos cumpre dizer o seguinte:
29.Ficou provado que, em virtude da inundação ocorrida provocada pela adulteração do olho de boi, a quantidade de água que escorreu pelas escadas e entrou no poço dos elevadores, foi imensa.
30.Tanta que foi necessária a intervenção imediata das autoridades policiais, bombeiros e SMAS de Oeiras e Amadora.
31.Bem como os técnicos da empresa responsável pela manutenção dos elevadores, a Otis, os quais verificaram a existência de danos em ambos os elevadores.
32.Pelo que, não é verdade quando a aqui Apelante diz : “não tendo sido alegado ou sequer provado, que danos concretos foram provocados nos elevadores em consequência da inundação.”
33.Até porque se encontram nos autos cópia dos orçamentos apresentados pela Otis para arranjo dos elevadores, e nesses mesmos orçamentos encontram-se mencionados todos os trabalhos necessários bem como as reparações a serem efectuadas.
34.Aliás, as testemunhas ouvidas em sede de audiência de discussão e julgamento, todas elas consideradas pelo Tribunal a quo isentas e demonstradoras do conhecimento sobre os factos, afirmaram sem sombra de dúvidas que ambos os elevadores ficaram, em consequência da inundação ocorrida, totalmente inundados.
35.Tendo inclusive a testemunha M..., porteira no edifício em questão, afirmado que a água entrou nos poços dos elevadores, deixando ambos de funcionar.
36.Alega ainda a aqui Apelante que “nenhuma das testemunhas identificou os concretos danos sofridos pelos elevadores em consequência da inundação, tendo-se limitado a referir que foram apresentados dois orçamentos”.
37.Cumpre salientar que não tinham que o fazer, não são técnicos especializados pelo que não lhes é exigível ter conhecimento técnico e pormenorizado dos danos apresentados nos elevadores.
38.Para tal, foram chamados ao local os técnicos da O..., empresa responsável pela manutenção e reparação dos elevadores.
39.E não se alegue que os elevadores foram simplesmente desligados como quer deixar transparecer a aqui Apelante, de facto os mesmos foram desligados para evitar que se verificassem danos ainda maiores.
40.Note-se ainda que a reparação era de carácter urgente, uma vez que se trata de um prédio composto por 13 andares.
41.No que respeita ao nexo de causalidade.
42.Nexo de causalidade, também chamado de nexo causal ou relação de causalidade, é o elo que existe entre a conduta e o resultado, é a relação de causa e efeito, existente entre a acção ou omissão do agente e a modificação produzida no mundo exterior.
43.Em qualquer das modalidades da responsabilidade civil, tem que haver ligação causal entre o facto e o dano para que exista obrigação de indemnização pelo prejuízo causado.
44.Ora no caso em apreço, existe claramente nexo de causalidade entre o facto e o dano.
45.Ou seja, foi em consequência da inundação ocorrida pela adulteração do olho de boi da fracção propriedade da aqui recorrente, que se verificaram os danos apresentados nos elevadores.
46.Aliás, o Douto Tribunal a quo, considerou e bem como facto assente o Tema de Prova n.º 4: “ Como causa directa e necessária da inundação supra identificada, os dois elevadores do prédio sito no Autor, inundaram as caixas/poços dos mesmos, os quais tiveram de ser de imediato desligados, e a reparação dos mesmos importou em € 10.055,25, com IVA, quantia paga pelo Autor à O...”
47.Face ao exposto, a Douta Sentença aqui em crise, não se encontra ferida de qualquer nulidade, tratando-se de uma vã e triste tentativa da recorrente de se furtar às suas responsabilidades enquanto proprietária da fracção que causou a inundação.
48.É obrigação da aqui Apelante, pagar ao aqui Apelado a quantia de € 10.055,25, acrescida de juros legais calculados desde a citação até efectivo e integral pagamento.
49.Exercendo posteriormente, se assim o entender, o Direito de Regresso relativamente aos restantes RR., nos termos do artigo 524º do C.C.
50.Por todo o exposto, a douta sentença recorrida não violou nenhum preceito legal.
51.Pelo contrário, é inteiramente justa e acertada, devendo, por isso, ser mantida.
***

Vejamos:

Sendo proprietária da fracção a que corresponde o 2.º C do prédio urbano sito ..., a apelante pôde, porque tal lhe foi e é permitido pelo art.º 1305.º do CC, celebrar com a 2.ª ré, T..., um contrato de arrendamento, assim assumindo a obrigação de lhe proporcionar o gozo de tal imóvel, com carácter temporário e mediante retribuição.

A propósito do art.º 1071.º, ensina Menezes Leitão[1] que «os arrendatários estão sujeitos às limitações impostas aos proprietários de coisas imóveis, tanto nas relações de vizinhança como nas relações entre arrendatários de partes de uma mesma coisa. Assim, as limitações constantes dos artigos 1346.º e ss., relativas às relações de vizinhança entre proprietários de imóveis terão que ser respeitadas pelo arrendatário. Da mesma forma, aplicam-se aos arrendatários de fracções autónomas, as limitações ao exercício dos direitos dos condóminos na propriedade horizontal, a que se refere o art.º 1422.º.

Em caso de incumprimento desta obrigação, o senhorio tem naturalmente direito de indemnização pelos danos causados, prevendo actualmente ainda o art.º 1083.º, n.º 2 a), que constitui fundamento de resolução a violação reiterada e grave de regras de higiene, de sossego, de boa vizinhança ou de normas constantes do regulamento do condomínio.

Cabe, porém, perguntar se os outros proprietários ou condóminos poderão igualmente reagir contra o arrendatário pelos danos causados pelo desrespeito das limitações impostas aos proprietários que o afectem ou terão que demandar o senhorio. A nosso ver, existe nessa situação uma pluralidade de responsáveis pelo dano, resultando a responsabilidade do arrendatário da actuação em desrespeito dos limites à propriedade imobiliária (art.º 483.º), e a responsabilidade do senhorio da omissão em não impedir essa actividade do arrendatário que se encontra a causar danos a terceiros (art.º 486.º), quando o poderia fazer através da resolução do contrato. Consequentemente, ambos respondem pelos danos causados a terceiro (art.º 490.º), sendo essa responsabilidade solidária e sendo o direito de regresso realizado na medida das respectivas culpas (art.º 497.º)».

Muito embora se tenha apoiado noutros preceitos, a tese seguida pela 1.ª instância identifica-se com a tese defendida por Menezes Leitão e conduz a um desfecho semelhante: a condenação solidária de todos os réus.

Com efeito, ao invocar o art.º 1424.º, n.º 3 do CC, a 1.ª instância aponta à apelante uma conduta omissiva.

Todavia, como fazem notar Pires de Lima e Antunes Varela em anotação ao art.º 486.º do CC[2] «Para que haja lugar a indemnização, exige-se que haja obrigação de agir, de praticar o acto omitido. E é necessário também, nos termos do art.º 563.º, que haja entre a omissão e o dano um nexo de causalidade: deve tratar-se de um dano que provavelmente se não teria verificado, se não fosse a omissão». 

Neste caso, nem se alcança qual foi a conduta omissiva da apelante, nem se vê de que forma a resolução do contrato de arrendamento (que é a proposta do Prof. Menezes Leitão, naturalmente para caso de contornos diversos) poderia ter impedido o dano.

Uma outra passagem da mesma obra do Prof. Menezes Leitão clarificará melhor a decisão que se vai tomar, mais adiante, de absolvição da apelante.

Naquela dita passagem, Menezes Leitão debruça-se sobre um dos elementos do contrato de arrendamento e, detendo-se no art.º 1031.º al. b) do CC, explica: «ao senhorio é atribuída (…) uma obrigação de conteúdo positivo de assegurar o gozo da coisa ao arrendatário (…). No entanto, o facto de ser uma obrigação de conteúdo positivo não implica naturalmente que o senhorio esteja continuadamente a assegurar o gozo da coisa ao arrendatário, uma vez que, tendo a coisa lhe sido entregue, e estando ele consequentemente na sua posse, torna-se desnecessária qualquer intervenção do senhorio para assegurar esse gozo, bastando normalmente a sua abstenção em praticar actos que o impeçam ou diminuam (cfr. art.º 1037.º, n.º 1), a não ser em casos excepcionais, como na hipótese de haver necessidade de fazer reparações na coisa locada (cfr. art.º 1036.º). A lei é, aliás, expressa no sentido de que o senhorio não tem obrigação de assegurar o gozo da coisa contra actos de terceiro (art.º 1037.º, n.º 1, in fine), cabendo antes ao arrendatário o uso das acções possessórias para a sua tutela (art.º 1037.º, n.º 2)».

Aquela mesma doutrina se tem de aplicar a este caso: o senhorio não só não responde perante a arrendatária, como também não responde perante o condomínio pois, tendo sido um acto isolado dum terceiro a desencadear a inundação, não só a resolução do contrato de arrendamento seria inidóneo a impedir a produção do resultado lesivo por parte do terceiro, como não é expectável que o senhorio monte guarda ao olho de boi.

Os outros dois réus foram condenados, e bem. Quanto à apelante, não vemos qualquer acto que ela pudesse praticar e que fosse susceptível de evitar o dano.

Face ao exposto, acordam os Juízes da secção cível em conceder provimento à apelação e, consequentemente, em revogar a parte da sentença que condena I... S.A., que agora vai absolvida do pedido.
Custas do recurso a cargo da apelada porque ficou vencida. 


Lisboa, 17/12/2015


Maria Alexandrina Branquinho
António Valente
Ilídio Sacarrão Martins


[1]Arrendamento Urbano
[2]Código Civil Anotado Vol I

Decisão Texto Integral: