Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4483/04.1TBCSC.L1-1
Relator: RIJO FERREIRA
Descritores: ARRENDAMENTO PARA COMÉRCIO OU INDÚSTRIA
ACTUALIZAÇÃO DE RENDA
NULIDADE
INDEMNIZAÇÃO
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/25/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA A DECISÃO
Sumário: I- Nos contratos de arrendamento para comércio, indústria ou profissão liberal, celebrados na vigência do DL N.º 330/81, de 4 de Dezembro, é nula a cláusula que preveja a actualização anual da renda, a qual só é possível, pois, através de índices fixados anualmente em Portaria, nos termos do mesmo diploma legal.
II- A indemnização de 50% não corresponde a qualquer direito do senhorio, mas antes ao direito do locatário de fazer caducar o direito á resolução do contrato.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:

I – Relatório

V …, Ld.ª (a quem se associou, por intervenção provocada, J…, que fez seus os articulados da Autora) intentou acção declarativa com processo ordinário contra C …, Ld.ª pedindo se declare a resolução do contrato de arrendamento comercial por elas celebrado por falta de pagamento de rendas e uso diverso do locado e a condenação da Ré a pagar-lhe o montante das rendas vencidas desde JAN1999 até à entrega do locado (acrescidas, as até JUN2003, de indemnização de 50%).
            A Ré contestou invocando que se encontra a depositar as rendas desde SET1997, altura em que a A. se recusou a recebê-la, excepcionou a prescrição, a nulidade da cláusula de actualização de rendas e, em reconvenção pediu indemnização por benfeitorias e a restituição do que a mais depositou. À cautela, e condicionalmente, juntou depósito do valor correspondente às rendas desde JAN1999 acrescido de 50%.
            A final foi proferida sentença que, considerando a existência de um arrendamento comercial, não ocorrer mora do credor, verificar-se a caducidade do direito de resolução por falta de pagamento de rendas, não ocorrer uso diverso do locado, não se verificar a prescrição, ser nula a cláusula de actualização da renda e prejudicada a reconvenção, julgou parcialmente procedente a acção condenando a Ré a pagar à Autora, pelo depósito realizado, a quantia correspondente às rendas de SET1997 até ao presente, à razão de 229,27 € mensais, acrescidas as até JUN2004 de 50%, e a reconvenção parcialmente procedente determinando-se a restituição à Ré do excedente dos depósitos por ela realizados, no mais se absolvendo do pedido.
            Inconformadas, apelaram Autora e Ré concluindo, em síntese: a primeira, por ocorrer uso diverso do locado e não ser nula a cláusula de actualização da renda; a segunda, por ocorrer condenação para além do pedido, erro na decisão de facto, prescrição e abuso de direito.
            Houve contra alegações onde se propugnou pela improcedência das apelações.


II – Questões a Resolver

            Consabidamente, a delimitação objectiva do recurso emerge do teor das conclusões do recorrente, enquanto constituam corolário lógico-jurídico correspectivo da fundamentação expressa na alegação, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio.
            De outra via, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, ius novarum, i.e., a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo.
            Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respectivo objecto, exceptuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras.
            Assim, em face do que se acaba de expor e das conclusões apresentadas, são as seguintes as questões a resolver por este Tribunal:

            - da nulidade da sentença;
            - do erro na decisão de facto;
            - do uso diverso do locado;
            - da nulidade da cláusula de actualização da renda;
            - da prescrição;
            - do abuso de direito.


III – Da Nulidade

            A Autora afirma na petição inicial que a renda foi paga até DEZ1998 (XIII, XIV e XXI da p.i.), facto que foi expressamente aceite pela Ré (1º da contestação), reclamando a condenação no montante das rendas vencidas desde JAN1999.
            Ocorre, porém, que na sentença a Ré foi condenada a pagar o montante das rendas vencidas desde SET1997, condenando ‘ultra vel petitum’ (artº 661º do CPC), dando causa à nulidade prevista no artº 668º, nº 1, al. e) do CPC, que esta Relação, vindo a mostrar-se necessário, sanará nos termos do artº 715º do CPC.


IV – Fundamentos de Facto

            A Ré insurge-se contra as respostas negativas dadas aos pontos 2, 4 e 5 da B.I. alegando que os mesmos devem ser considerados provados em função, o primeiro, dos depoimentos conformes de A… e S… e de presunção judicial (decorrente do pagamento sistemático ao dia 1 de cada mês e do envio de carta registada afirmando a recusa na recepção da renda), os segundos, da confissão e dos respectivos recibos juntos aos autos.
            Concretiza, pois, os pontos da decisão de facto que considera incorrectamente julgados, qual devia ser o sentido correcto da decisão e quais os elementos de prova que a fundamentam, cumprindo, ao contrário do defendido pela Autora, o ónus estabelecido no artº 690º-A do CPC

            Vejamos, então, se lhe assiste razão.

            Perguntava-se no ponto 2 da B.I.:

            «Em 1 de Setembro de 1997 sucedeu que, tendo a Ré ido pagar a renda relativa ao mês de Outubro, a A. recusou recebê-la?»

            A única prova directa sobre tal facto foi o depoimento de A… que referiu ter sido ela mesma que foi proceder á entrega do cheque para pagamento da renda; pormenorizou as circunstâncias em que se apresentou na residência do Sr. F… que lhe entregou o envelope contendo o cheque, que aquele o abriu e, referindo que não era aquela a quantia devida, recusou receber devolvendo-lhe o cheque.
            De tal depoimento não é possível determinar a alegada recusa de recebimento da renda; o que dele resulta é que foi recusado o recebimento da quantia titulada pelo cheque, com a alegação de que não era a devida, não se sabendo qual era o montante do cheque. Falha uma das circunstâncias contidas na pergunta, qual seja de que foi efectivamente oferecido o montante da renda.
            O depoimento de S… limita-se a dizer que nesse dia o seu pai (representante da Ré) chegou casa a dizer que o Sr. F… havia recusado receber a renda; o que em nada esclarece sobre o circunstancialismo dessa recusa.
            Quanto ao padrão comportamental da Ré, não só se não vislumbra como ele seja susceptível de, desacompanhado de qualquer prova indiciária, fundamentar uma presunção judicial da verificação de tal facto. Além de que se não verifica aquele invocado padrão comportamental uma vez que não se pode ter por adquirido que as rendas sempre tenham sido escrupulosamente pagas no dia 1 de cada mês; os recibos passados pelo senhorio de fls 93 a 100 apenas ressalta que quando foram escritos lhe foi aposta a data de primeiro dia do mês a que diziam respeito (de acordo com uma prática comum dos senhorios, que preparam os recibos de renda por referência a esse dia para logo os poderem entregar aos inquilinos quando atempadamente se apresentam a pagar a renda) e dos 84 comprovativos de depósito (fls 101 a 184) apenas 4 (fls 120, 126, 152 e 172) se mostram efectuados no dia 1 do respectivo mês ou anterior.
            Igualmente a carta enviada após o depósito não pode fundar aquela presunção, pois dela que dela, quando muito, apenas era possível deduzir o convencimento do seu subscritor de que houvera recusa de apagamento.
            Ademais, é a própria Ré que, no processo, veio tomar posição que invalida a possibilidade de prova de tal facto quando, logo na contestação, veio expressamente aceitar a confissão da Autora de que as rendas haviam sido pagas até DEZ1988. Assente por acordo expresso das partes que as rendas foram pagas até DEZ1988 não é possível vir a dar-se por provado, por incompatível com aquele facto, que foi recusado o recebimento da renda de OUT1997.
            Temos assim não estar a decisão da matéria de facto quanto a tal questão viciado por erro.

            Perguntava-se nos pontos 4 e 5 da B.I.:

            «De acordo com as cláusulas 6ª a 8ª do contrato de arrendamento o senhorio efectuou em benfeitorias necessárias no montante de 43.500.000$00 = 216.977,00€, relativas a obras de construção civil de recuperação e de melhoramento do arrendado?»

            «Tais benfeitorias não obstante realizadas pelo senhorio, foram pagas pela Ré, ao longo de nove anos, tendo a Ré pago efectivamente a quantia de 55.573.272$00 = 277.866,36 €, de acordo com as referidas cláusulas 6ª a 8ª do contrato – conforme documentos que protesta juntar?»

            É insofismável de que nas cláusulas 6º a 8º do contrato de arrendamento se afirma que o senhorio efectuou em benfeitorias necessárias no montante de 43.500.000$00 = 216.977,00€, relativas a obras de construção civil de recuperação e de melhoramento do arrendado. Tal contrato consta dos autos, não foi alvo de qualquer impugnação, assim como não foi demonstrado nenhum vício das declarações negociais nele contidas.
            Pelo que deve tal factualidade considerar-se provada.
            Quanto aos documentos comprovativos do pagamento não se vislumbra (nem em concreto tal vem indicado pela Ré) que algum tenha sido junto aos autos.
            O certo, porém, é que à alegação desse pagamento no artº 43º da contestação/reconvenção (e inserido no capítulo específico da reconvenção) a Autora não contrapôs qualquer objecção (a única objecção que levantou, mas que não vingou, foi quanto ao que visava tal pagamento – renda e não benfeitorias), pelo que tal pagamento se deve considerar admitido por acordo (artigos 490º, nº 2, e 505º do CPC).
            Devendo o ponto 5 da B.I. ser considerado provado.

            Para além de poder modificar a decisão de facto da 1ª instância esta Relação pode, ainda, atender na resolução das questões que lhe são colocadas, nos termos dos artigos 713º. nº 2, e 659º, nº 3, do CPC, aos factos provados por documento que se mostrem relevantes para o efeito.
            Com a tréplica a Ré juntou documentos, entre os quais a declaração de fls 278, a qual não foi impugnada, pelo que lhe deve ser conferida força probatória, acrescentando-se ao elenco factual.


            Em face do exposto fixa-se a seguinte matéria de facto (assinalando-se a negrito as alterações introduzidas):

Factos Provados

A) - A A. é proprietária do prédio urbano sito na Rua…, 8, da freguesia e concelho de…, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo…, e descrito na Primeira Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º 000…, da dita freguesia (al. A) dos factos assentes);
B) - Por escrito particular, datado de 11 de Maio de 1988, intitulado de “Contrato Promessa de Arrendamento Comercial”, F… e mulher, M…e L…, celebraram o acordo que consta do documento de fls. 19/20 dos autos (al. F) dos factos assentes);
C) - A ré “…, Lda.” é uma sociedade que sucedeu na posição de arrendatária, inicialmente ocupada por L… (al. G) dos factos assentes);
D) - Por carta de 31.1.96, F… informou a Ré que a partir de Fevereiro deveria liquidar a renda a J…, em virtude da doação que a este iria fazer (al. H) dos factos assentes);
E) - Em 21.2.1996 a propriedade do imóvel foi transferida, por doação, para J…, filho daquele F… e mulher (al. B) dos factos assentes);
F) - E em 5.12.96 a propriedade do mesmo foi transferida para a A., por incorporação no capital desta, ou melhor, “realização em espécie da participação de J…, no capital da Sociedade” autora (al. C) dos factos assentes);
G) - Em 26.12.1996, é ainda o mesmo F… que se dirige à Ré a informar que “foi constituída a sociedade…, Lda., com sede em…, na Rua…, Lote…, que passará a ser proprietária do imóvel...” (al. I) dos factos assentes);
H) - A A. foi constituída, tendo como sócios o referido F…, sua mulher M… e o filho de ambos, J… (al. D) dos factos assentes);
I) - Ficaram gerentes F… e J… (al. E) dos factos assentes);
J) - Ficou reservado no contrato a faculdade de elegerem posteriormente o local de pagamento das rendas, que veio a ser fixado na morada dos primitivos senhorios, F… e esposa, e na Rua…, …, em …. E não mais foi alterada (al. J) dos factos assentes);
L) - Após a cessão da posição contratual, a ré continuou a pagar as rendas neste domicílio. Mediante cheque bancário (al. L) dos factos assentes);
M) - Assim ocorreu até ao ano de 1998 (al. M) dos factos assentes);
N) - A última renda paga foi no valor de € 545,30 (equivalente em Esc.: 109.323$00) - (al. N) dos factos assentes);
O) - Assim procedeu a Ré, emitindo os cheques respectivos a favor de J…; Tendo quer o F… quer o J…, perante tais pagamentos, emitido os respectivos recibos em representação da A. (al. O) dos factos assentes);
P) - A R. procedeu aos depósitos das rendas nos termos documentados a fls. 101/184 e 62-A (al. P) dos factos assentes);
Q) - A R. enviou uma carta registada com aviso de recepção, datada de 4 de Setembro de 1997, a J…, Rua…, Lote…, em…., comunicando-lhe o referido depósito (al. Q) dos factos assentes);
R) - A carta foi devolvida ao remetente com dizeres, apostos pelos CTT, de “não atendeu dia 8.9.97 às 12h. 05m. passei aviso” e “Não reclamado” (al. R) dos factos assentes);
S) - Para além disso, a R. informou pessoalmente o sócio gerente F… – (resposta ao quesito 3.º);
T) - A actividade comercial escolhida pelo arrendatário L… foi a exploração de uma unidade hoteleira – residencial (al. S) dos factos assentes);
U) - Este arrendatário, quando cedeu a sua posição à actual R., mantinha a exploração da unidade hoteleira (al. T) dos factos assentes);
V) - Comércio ainda desenvolvido pela R. e que, posteriormente, veio a alterar (al. U) dos factos assentes);
X) - A R. abandonou a exploração da unidade hoteleira, residencial, e passou a explorar uma “casa de repouso” (vulgo Lar de Idosos) - (al. V) dos factos assentes);
Z) - Quando a R. foi pagar a renda a seguir a receber a carta de 26/12/1996, foi dito pelo F… que continuasse a emitir os cheques em nome de J… – (resposta ao quesito 1.º);
AA) - No ano de 1989, a Ré procedeu às seguintes obras:
- construção de 16 novas casas de banho, com paredes de separação, azulejos e mosaicos, canalizações, electricidade, campainhas de emergência, louças, banheiras, chuveiros, torneiras, tomadas eléctricas especiais, suportes de seguranças, etc.;
- demolição e reconstrução de 5 casas de banho já existentes, aplicando os mesmos equipamentos das construídas de raiz;
- construção de uma chaminé para a lareira;
- construção de escada com forro de madeira;
- demolição e reconstrução de paredes de separação entre divisões;
- compra e aplicação de 23 portas e 20 janelas;
- demolição e reconstrução do hall de entrada;
- abertura de portão no muro exterior do edifício;
- construção de caixas para 2 monta cargas entre pisos;
- circuito de telefones;
- reconstrução da rede de águas e esgotos;
- afagamento de chãos;
- polimento de mármores;
- reconstruções diversas;
- tintas e vernizes;
No que despendeu o valor de ESC.9.159.799$00 (€.45.688,88) – (resposta ao quesito 6.º);
BB) - No ano de 1990, a Ré procedeu às seguintes obras:
- continuação das obras de benfeitorias do ano anterior; - reconstrução geral da rede eléctrica;
- aplicação de portas de vidro temperado e armação de suporte;
- circuito de televisão;
- continuação de reconstrução das redes de águas e esgotos;
- continuação de pinturas e envernizamentos;
No que despendeu o valor de ESC.3.776.142$00 (€.18.835,31) – (resposta ao quesito 7.º);
CC) - No ano de 1991 a Ré procedeu às seguintes obras:
- construção de uma lareira;
- obras na rede de electricidade;
- limpeza das chaminés existentes;
- execução de calçada no passeio exterior (exigida pela Câmara M. de ...);
- execução de cozinha;
- reparação e colocação de fechaduras;
- reparações na rede de electricidade;
- reparações nas redes de águas e esgotos;
- colocação de depósito de água;
- pinturas e envernizamentos.
No que despendeu o valor de ESC.1.442.663,50 (€.7.195,97) – (resposta ao quesito 8.º);
DD) - No ano de 1992 a Ré procedeu às seguintes obras:
- demolição e reconstrução do chão da cozinha e corredor;
- reparação de fechaduras;
- obras na rede de electricidade;
- tintas e vernizes.
No que despendeu a quantia de ESC. 1.460.822$00 (€.7.286,54) – (resposta ao quesito 9.º);
EE) - No ano de 1993 a Ré procedeu às seguintes obras:
- reparações na rede de esgotos;
- reparações na rede de electricidade;
- tintas e vernizes.
No que despendeu a quantia de ESC.297.880$00 (€.1.458,81) – (resposta ao quesito 10.º);
FF) - No ano de 1994 a Ré procedeu às seguintes obras:
- reparações e testes na rede de electricidade;
- construção e montagem de duas caixas para monta cargas;
- colocação de soalho flutuante.
No que despendeu a quantia de ESC. 1.086.040$00 (€.5.417,14) – (resposta ao quesito 11.º);
GG) - No ano de 1995 à Ré procedeu às seguintes obras:
- fechaduras e ferragens de portas;
- tintas e vernizes;
- diverso material eléctrico.
No que despendeu da quantia de ESC.208.502$00 (€.1.040,00) – (resposta ao quesito 12.º);
HH) - No ano de 1996 a Ré procedeu às seguintes obras:
- reparação de portões exteriores;
- trabalhos de electrificação em 3 quartos;
- reparação de fechaduras e dobradiças;
- colocação de estores;
- colocação de janelas, portões e vedação de rede;
- colocação de corrimãos;
- reparações eléctricas.
No que despendeu da quantia de ESC. 3.157.096$00 (€.15.747,52) – (resposta ao quesito 13.º);
II) - No ano de 1997 a Ré procedeu às seguintes obras:
- colocação de três sistemas elevatórios entre pisos.
No que despendeu da quantia de ESC.1.102500$00 (€.5.499,24) – (resposta ao quesito 14.º);
JJ) - No ano de 1998 a Ré procedeu às seguintes obras:
- finalização da colocação dos três sistemas elevatórios entre pisos;
- colocação de corrimãos;
- isolamento de tecto;
- reparação de telhado;
- colocação de sistema de ar condicionado;
- tintas e vernizes.
No que despendeu da quantia de ESC.9.566.920$00 (€.47.719,59) – (resposta ao quesito 15.º);
LL) - No ano de 1999 a Ré procedeu às seguintes obras:
- colocação de tectos falsos (exigidos pelos bombeiros);
- colocação de estores;
- reparação de canalizações;
- tintas e vernizes.
No que despendeu da quantia de ESC.1.025.743$00 (€.5.116,38) – (resposta ao quesito 16.º);
MM) - No ano de 2000 a Ré procedeu às seguintes obras:
- colocação de corrimãos;
- reparação na construção.
No que despendeu a quantia de ESC.179.374$00 (€.894,71) – (resposta ao quesito 17.º);
NN) - No ano de 2001 a Ré procedeu às seguintes obras:
- colocação de sistema de detecção de incêndios (exigido por lei);
- colocação de soalho flutuante.
No que despendeu da quantia de ESC.898.700$00 (€.4.482,69) – (resposta ao quesito 18.º);
OO) - No ano de 2003 a Ré procedeu às seguintes obras:
- obras de reparação e manutenção;
- execução de cozinha.
No que despendeu da quantia de ESC. 1.977.766$00 (€.9.865,05) – (resposta ao quesito 19.º);
PP) - Tais obras eram necessárias para a afectação do arrendado aos usos de albergaria, até ao final de 1994, e de casa de repouso (vulgo lar de idosos) a partir de finais de 1994 – (resposta ao quesito 20.º);
QQ) - Tais obras eram ademais necessárias aos respectivos licenciamentos, primeiro por exigência da Direcção Geral do Turismo e por último, por exigência da Delegação Regional da Segurança Social de Lisboa e Vale do Tejo – (resposta ao quesito 21.º);
RR) - Habilitaram o arrendado à afectação aos usos referidos na resposta ao art.º/quesito 20.º da base instrutória – (resposta ao quesito 22.º);
SS) - Não podem ser levantadas sem afectar o uso do imóvel aos fins referidos na resposta ao art.º/quesito 20.º da base instrutória – (resposta ao quesito 23.º).
            TT) De acordo com as cláusulas 6ª a 8ª do contrato de arrendamento o senhorio efectuou em benfeitorias necessárias no montante de 43.500.000$00 = 216.977,00€, relativas a obras de construção civil de recuperação e de melhoramento do arrendado – (alteração da resposta ao quesito 4º).
            UU) Tais benfeitorias não obstante realizadas pelo senhorio, foram pagas pela Ré, ao longo de nove anos, tendo a Ré pago efectivamente a quantia de 55.573.272$00 = 277.866,36 €, de acordo com as referidas cláusulas 6ª a 8ª do contrato – conforme documentos que protesta juntar – (alteração da resposta ao quesito 5º).
            VV) Por documento particular datado de 11ABR1996, J…, enquanto proprietário do imóvel referido em A), autorizou a Ré a transformar a licença de utilização do referido prédio de pensão residencial/albergaria para lar de terceira idade/casa de repouso (aditado pela Relação).


Factos Não Provados:

- Em 1 de Setembro de 1997, sucedeu que, tendo a Ré ido pagar a renda relativa ao mês de Outubro, a A. recusou recebê-la (quesito 2.º);
- [eliminado] (quesito 4.º);
- [eliminado] (quesito 5.º);
- A A. não teve conhecimento nem foi avisada para realizar as obras na calçada do passeio exterior (quesito 24.º);
- A A. não foi intimada e avisada para proceder às reparações: da rede eléctrica, das águas e esgotos, dos portões exteriores, do telhado, do isolamento do tecto, da construção e todas as outras de manutenção (quesito 25.º);
- Os estores, as janelas, portões e corrimões podiam ser restaurados, caso estivessem danificados (quesito 26.º).


V – Fundamentos de Direito

            No que tange ao uso diverso do locado, e para além do que já foi afirmado na sentença (que o contrato atribui ao inquilino a faculdade de usar o locado em qualquer actividade comercial e que não se afigura que haja diferença de uso entre a actividade de albergaria e a de casa de repouso), e que se subscreve, apenas se acrescentarão duas observações:
            - dos factos apurados apenas resulta a cedência da posição do primitivo inquilino para a Ré (a qual, aliás, estava genericamente autorizada no contrato), não se podendo deduzir sem demonstração (como faz a Autora) que essa cedência consistiu num trespasse;
            - o então senhorio consentiu expressamente nessa transformação do uso (roçando a litigância de má-fé o esquecimento por banda Autora desse facto).
            Não errou a sentença recorrida ao considerar não ocorrer fundamento de resolução por uso diverso do locado.

            Se é certo que alguns defendiam, como refere a Autora, a possibilidade de, na vigência do DL 330/81, os contratos de arrendamento para comércio, indústria ou profissão liberal, se estipularem cláusulas de actualização da renda, não cremos que essa tenha sido a posição dominante e, pela nossa parte, entendemos que o teor dos textos legais é suficientemente claro sobre a matéria.
            Desde logo no preâmbulo do DL 330/81 refere que o regime com ele introduzido consiste em tornar possível a actualização anual das rendas, através de índices fixados anualmente em portarias. Ora só se pode tornar possível aquilo que anteriormente não era possível; se já fosse possível determinar contratualmente a actualização anual da renda então não se podia tornar possível aquela possibilidade.
            Os artigos 1º e 2º do mesmo diploma legal têm implícito que a actualização anual através de índices fixados em Portaria é a única forma de actualização.
            Mas muito clara é a declaração do legislador no preâmbulo do DL 257/95 quando afirma que “paralelamente, abre-se caminho à fixação convencional de regimes de actualização de rendas nos contratos com duração efectiva superior a cinco anos e, bem, assim, naqueles em que não houver sido estipulado qualquer prazo”.
            Pelo que entendemos, como na sentença recorrida, pela nulidade da cláusula de actualização anual das rendas.

            Já não acompanhamos tal sentença quando a mesma considera não ocorrer prescrição por apelo ao disposto no artº 304º do CCiv, pois que os depósitos de rendas que a Ré foi efectuando significavam para a mesma o cumprimento de uma obrigação de renda devida à Autora.
            Em nosso modo de ver o artº 304º só tem aplicação no caso de pagamento de dívidas já prescritas, o que não é o caso dos autos, pois que na altura em que os depósitos foram efectuados as correspondentes rendas estavam muito longe de poder ser consideradas prescritas. E, de qualquer forma, tal depósito não constituiu pagamento dessa dívida dado não ter sido considerado liberatório (e até foi ordenada a sua devolução à Ré).
            O que ocorre, com tal depósito é um reconhecimento da dívida com eficácia interruptiva da prescrição (artº 325º do CCiv).
            Interrompida a prescrição o respectivo prazo volta a correr após o facto interruptivo (no caso entre 2 e 4 do mês a que se reporta a renda), sendo que em 20JUN2004 (cinco dias após ter sido intentada a acção) se haverão de considerar prescritas as rendas anteriores a JUN1999 (esta última foi reconhecida por depósito efectuado em 4JUN1999); que no caso, dada a limitação decorrente do pedido da Autora, é o conjunto de rendas entre Janeiro e Junho de 1999.

            A Ré invoca abuso de direito relativamente à condenação no acréscimo de 50% sobre as rendas devidas, argumentando que o mesmo resulta de uma negligência censurável do senhorio ao demorara vários anos para intentar a acção.
            Apreciando tal questão importa desde logo fazer ressaltar que essa indemnização de 50% não corresponde, no caso, a qualquer direito do senhorio; pelo contrário quem com ela está a exercer um direito é a Ré: o direito da Ré de fazer caducar o direito á resolução do contrato.
            Por outro lado não se vislumbra qualquer violação dos princípios da boa-fé na exigência da indemnização de 50% no caso de mora no pagamento da renda, que tem, aliás, uma longa tradição no nosso ordenamento jurídico. E se tal indemnização atinge um montante muito elevado é porque extenso foi o tempo em que a Ré se utilizou do locado sem proceder ao pagamento da respectiva renda; e a inércia do credor, desacompanhada de qualquer actuação – que no caso não se vislumbra – geradora de confiança, não é censurável para além do estabelecido a propósito da prescrição.


            Em face do que vem dito conclui-se que a Ré deve à Autora as rendas (limitadas ao montante de 299,28[1]) de JUL1999 (as até JAN1999 estão prescritas e as anteriores não estão abrangidas nem pelos factos nem pelo pedido) até SET2004, acrescendo um montante correspondente a 50%. Ou seja, 63 meses x 299,28 € = 17.956,80 € x 1,5 = 26.935,20 €.


VI – Decisão

            Termos em que, na improcedência da apelação da Autora e na parcial procedência da apelação da Ré, se decide:

           a) declarar a nulidade da sentença por excesso de pronúncia ao condenar no pagamento de rendas anteriores a JAN1999;
            b) alterar o elenco factual nos termos acima expostos;
            c) condenar a Ré a pagar à Autora a quantia de 26.935,20 € (vinte e seis mil novecentos e trinta e cinco euros e vinte cêntimos), referente a rendas do período de JUL1999 a SSET2004 (estas no montante mensal de 229,28 €)  e legal indemnização de 50%, quantia essa que se encontra depositada na Caixa Geral de Depósitos e que será entregue, nos moldes legais, a tal Autora;
            d) no mais, confirmar a sentença recorrida, embora por referência aos valores fixados na alínea anterior.

            Custas da apelação da Autora pela mesma.
            Custas da apelação da Ré na proporção de 1/3 para a Ré e 2/3 para a Autora.

Lisboa, 25 de Setembro de 2012

Rijo Ferreira
Afonso Henrique
Rui Vouga
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[1] - 60.000 / 200,482 = 299, 27873 = 299,28 €, segundo o método de conversão e arredondamento fixado no Regulamento 1103/97, de 17JUN.