Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
38130/11.0YYLSB-A.L1-6
Relator: CARLOS M. G. DE MELO MARINHO
Descritores: PRAZO DE PRESCRIÇÃO
PRESCRIÇÃO DE CRÉDITOS
SENTENÇA CONDENATÓRIA
TELECOMUNICAÇÕES
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/14/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1. Transitada em julgado sentença que reconheça crédito emergente de contrato de prestação de serviço de telecomunicações móveis, deve considerar-se que a ulterior execução da aludida decisão judicial não tem que ocorrer no prazo de seis meses, sob pena de prescrição;
2. Quando, no n.º 1 do art. 10.º da Lei n.º 23/96, de 26 de Julho, se faz menção ao «direito ao recebimento do preço do serviço prestado» está-se a referir o direito não reconhecido por sentença já que, proferida esta, transmuta-se a realidade e o direito não se encontra já perante a indefinição da opção pela tutela judicial, antes se mostra brandido e reconhecido.
3. O longo prazo de prescrição aplicável (de vinte anos, face ao disposto no art. 309.º do Código Civil) atende, manifestamente, à segurança e à «vis» reforçada do meio de afirmação do direito, ao desaparecimento das finalidades que sustentavam a atribuição de um curto prazo prescricional, particularmente da de proteger o utente do serviço ou consumidor da inércia e consequente indefinição emergente da inação temporalmente dilatada ao nível da reclamação do Direito.
4. A partir da sentença, este mesmo utente sabe que o prestador de serviço está interessado em fazer valer o seu direito, tendo materializado essa vontade em juízo, e está também ciente de que o mesmo só recorrerá à execução se o devedor condenado for tão relapso que não honre por iniciativa própria a obrigação judicialmente reconhecida e não cumpra, como lhe impõe a própria Constituição da República, a ordem de pagamento dada pelo Tribunal.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 6.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. RELATÓRIO
AHBV BO, executada em autos de execução para pagamento de quantia certa em que é exequente T – …, S.A., deduziu oposição à aludida execução pedindo, a final, que fosse a mesma julgada extinta.
Alegou, para o efeito, que:
«A exequente peticionou, em Acção Especial de Cumprimento de Obrigações Pecuniárias», («o pagamento de?») «diversas facturas de serviços de telecomunicações móveis, no valor total de € 20.562,46, acrescidos de juros de mora até integral pagamento»; em 15/03/2010, foi proferida Sentença (título executivo que serve de base à presente execução, cujo traslado foi junto com o requerimento executivo), «condenando a executada a pagar as respectivas facturas de serviços de telecomunicações móveis prestados, no valor de € 21.764,71, acrescidos de juros vincendos até integral pagamento; esta Sentença transitou em julgado em 27/04/2010; a exequente instaura a execução para pagamento daquela quantia em 14/12/2011, portanto, cerca de um ano e oito meses após o respectivo trânsito em julgado»; «dispõe a Lei 23/96, de 26 de Julho, com as alterações decorrentes da Lei 24/2008, de 2 de Junho, no seu artigo 10º/1, que o “direito ao recebimento do preço pelo serviço prestado prescreve no prazo de seis meses após a sua prestação”; veio o STJ, em Acórdão nº 1/2010, publicado em DR, 1ª Série, nº 14, de 21 de Janeiro de 2010, decidir e uniformizar jurisprudência no sentido de “(…)o direito ao pagamento do preço de serviços de telefone móvel prescreve no prazo de seis meses após a sua prestação.”; ora, in casu, e não se pretendendo, aqui, ajuizar da eventual prescrição de algumas facturas aquando da proposição da Injunção, deverá ter-se a prescrição por interrompida na data da propositura da Injunção; volta a correr novo prazo de prescrição com o trânsito em julgado da acção declarativa, ou seja, em 27/04/2010 – cfr. artigos 323º/1 e 327º/1 do Código Civil», «o que equivale a dizer, está a obrigação prescrita desde o dia 27/10/2010; esta prescrição, e perfilhando aqui o douto entendimento plasmado no citado Acórdão do STJ, configura uma prescrição extintiva, pelo que o mero decurso do prazo extingue o direito de exigir judicialmente o pagamento – não ocorre nestes casos a principal razão de ser das prescrições presuntivas (dívidas para cujo pagamento não é habitual a exigência de recibo), mas antes o objectivo de proteger o utente da acumulação de dívidas de fácil contracção; não restando qualquer dúvida quanto à aplicabilidade deste regime às comunicações móveis, cremos estar extinto, desde o dia 27/10/2010, o direito da exequente em exigir judicialmente o preço das respectivas facturas; esta prescrição ocorre em momento posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração; com efeito, sendo um facto extintivo da obrigação, é, nos termos do artigo 814º/1 g) do Código de Processo Civil, fundamento bastante para oposição à presente execução baseada em Sentença; prescrito o Direito de exigir judicialmente o pagamento, deverá a execução ser extinta, absolvendo-se a Executada, ora Oponente, do pedido».
Foi ponderado pelo Tribunal «a quo» se haveria motivo para indeferir liminarmente a oposição por falta de fundamento, nos termos do disposto no art. 817º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Civil, tendo o mesmo concluído afirmativamente e rejeitado «in limine» a aludida oposição .
É desta decisão que vem o presente recurso interposto pela AHBV BO, que alegou e apresentou as seguintes conclusões:
«I – Com a Lei 23/96, de 26 de Julho, com as mais recentes alterações introduzidas, o legislador quis criar um regime mais favorável ao utente de serviços públicos essenciais, afastando, assim, o regime geral das prescrições;
II – Recorrendo a uma interpretação actualista, entende a Recorrente que não é de aplicar à situação em apreço o artigo 311º/1 do Código Civil;
III – Tal eventual aplicação redundaria numa total subversão do espírito do legislador na criação deste regime de excepção;
IV – Neste caso, a conversão de uma prescrição de 6 meses em prescrição ordinária de 20 anos contraria claramente o espírito da Lei 23/96, de 26 de Julho, e abre a porta a situações em que o utente se possa ver confrontado com situações de execução do seu património por dívidas de fornecimentos de serviços essenciais até 20 anos após o respectivo consumo;
V – É, assim, entendimento da Recorrente que o direito ao recebimento do preço por parte da Recorrida prescreveu 6 meses após o trânsito em julgado da Sentença que ora se executa.
Nestes termos, deverá ser concedido provimento ao presente Recurso, e em consequência ser a Sentença recorrida substituída por outra que admita a Oposição ou julgue procedente a excepção invocada naquele articulado, fazendo-se assim a habitual JUSTIÇA!»

Não consta dos autos resposta a estas alegações.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
É a seguinte a questão a avaliar:
· Transitada em julgado sentença que reconheceu crédito emergente de contrato de prestação de serviço de telecomunicações móveis, deve considerar-se que a ulterior execução da aludida decisão judicial tem que ocorrer no prazo de seis meses invocado pela Recorrente, sob pena de prescrição?

II. FUNDAMENTAÇÃO
Fundamentação de facto
Ao abrigo do disposto no n.º 6 do art. 713.º do Código de Processo Civil, remete-se, aqui, no que respeita à matéria de facto, para os termos da decisão da 1.ª instância.
Fundamentação de Direito
Transitada em julgado sentença que reconheceu crédito emergente de contrato de prestação de serviço de telecomunicações móveis, deve considerar-se que a ulterior execução da aludida decisão judicial tem que ocorrer no prazo de seis meses invocado pela Recorrente, sob pena de prescrição?
Até ao reconhecimento do direito por via judicial vigora, relativamente à respectiva prescrição, o prazo legalmente definido relativamente ao específico tipo de crédito em apreço, designadamente nos termos emergentes dos art.s 309.º e 310.º do Código civil. Tal prazo pode também emergir de diploma avulso de específica incidência, como acontece com a Lei n.º 23/96, de 26 de Julho (alterada pela Lei n.º 44/2011, de 22/06, pela Lei n.º 6/2011, de 10/03, pela Lei n.º 24/2008, de 02/06, pela Lei n.º 12/2008, de 26/02, e pela Lei n.º 23/96, de 26/07), que criou, no ordenamento jurídico nacional, alguns mecanismos destinados a proteger o utente de serviços públicos essenciais.
Estatui o artigo 10.º desse diploma legal, no domínio em apreço:
«Prescrição e caducidade
1 - O direito ao recebimento do preço do serviço prestado prescreve no prazo de seis meses após a sua prestação.
2 - Se, por qualquer motivo, incluindo o erro do prestador do serviço, tiver sido paga importância inferior à que corresponde ao consumo efectuado, o direito do prestador ao recebimento da diferença caduca dentro de seis meses após aquele pagamento.
3 - A exigência de pagamento por serviços prestados é comunicada ao utente, por escrito, com uma antecedência mínima de 10 dias úteis relativamente à data-limite fixada para efectuar o pagamento.
4 - O prazo para a propositura da acção ou da injunção pelo prestador de serviços é de seis meses, contados após a prestação do serviço ou do pagamento inicial, consoante os casos.
(...).»
O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 1/2010, proferido no Processo n.º 216/09.4YFLSB, publicado no Diário da República, 1.ª série, n.º 14, de 21 de Janeiro de 2010, invocado nos autos, fixou a seguinte posição jurisprudencial:
«Nos termos do disposto na redacção originária do n.º 1 do artigo 10.º da Lei n.º 23/96, de 26 de Julho, e no n.º 4 do artigo 9.º do Decreto -Lei n.º 381 -A/97, de 30 de Dezembro, o direito ao pagamento do preço de serviços de telefone móvel prescreve no prazo de seis meses após a sua prestação».
O tema sob avaliação nesse aresto centrava-se na possibilidade de o «n.º 1 do artigo 10.º da Lei n.º 23/96 (redacção originária) e o n.º 4 do artigo 9.º do Decreto -Lei n.º 381-A/97» afastarem «para a prestação de serviços de telefone móvel o prazo de cinco anos previsto na alínea g) do artigo 310.º do Código Civil, passando a ser de seis meses o prazo de prescrição dos créditos correspondentes». A ponderação aí realizada emergia de pretensão formulada no seio de acção declarativa de condenação em que se visava a imposição da obrigação de pagamento de valores cuja dívida emergiria da prestação de serviços telefónicos no âmbito da exploração de serviço móvel terrestre de comunicações.
A análise aí realizada não incidia sobre a matéria em apreço nos presentes autos que, recorda-se, se refere à prescrição de direito reconhecido por sentença.
Também o apontado diploma que estabelece o mencionado prazo de prescrição de curtíssima duração não teve incidência sobre este quadro.
Quando, no n.º 1 do artigo 10.º acima transcrito, se faz menção ao «direito ao recebimento do preço do serviço prestado» está-se a referir o Direito não reconhecido por sentença já que, proferida esta, surge uma nova realidade jurídica, nasce o título executivo mais relevante de todos – por emergir do reconhecimento de um Direito pelo órgão de soberania «Tribunais» ou, na expressão de Eurico Lopes-Cardoso, utilizada no seu «Manual da Acção Executiva», Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1987, pág. 17, um título compreendido entre os chamados «decretos judiciais» que motivaram a institucionalização do processo de execução.
Criado este título, transmuta-se a realidade e o direito não se encontra já perante a indefinição da opção pela tutela judicial, antes se mostra brandido e reconhecido.
A este novo «lado do espelho» se reporta o n.º 1 do art. 311.º do Código Civil estatuindo que:
«Artigo 311º
Direitos reconhecidos em sentença ou título executivo
1. O direito para cuja prescrição, bem que só presuntiva, a lei estabelecer um prazo mais curto do que o prazo ordinário fica sujeito a este último, se sobrevier sentença passada em julgado que o reconheça, ou outro título executivo.
(...)»
Este longo prazo de prescrição (de vinte anos, face ao disposto no art. 309.º do Código Civil) atende, manifestamente, à segurança e à «vis» reforçada do meio de afirmação do direito, ao desaparecimento das finalidades que sustentavam a atribuição de um curto prazo prescricional, particularmente da de proteger o utente do serviço ou consumidor da inércia e consequente indefinição emergente da inação temporalmente dilatada ao nível da reclamação do Direito.
A partir da sentença, este mesmo utente sabe que o prestador de serviços está interessado em fazer valer o seu direito, tendo materializado essa vontade em juízo, e está também ciente de que o mesmo só recorrerá à execução se o devedor condenado for tão relapso que não honre por iniciativa própria a obrigação judicialmente reconhecida e não cumpra, como lhe impõe a própria Constituição da República, a ordem de pagamento dada pelo Tribunal – cf. n.º 2 do art. 205.º do Lei Fundamental.
A nova configuração do direito e a cristalização solene do débito e da prestação devida justificam o mais alargado prazo, como emerge, de forma insofismável, do Direito constituído.
Conforme patenteado em PIRES DE LIMA, Fernando Andrade e VARELA, João de Matos Antunes, Código Civil Anotado, Coimbra, Coimbra Editora, 1982, pág. 279, «A sentença, ou outro título executivo, transforma a petição a curto prazo, mesmo que só presuntiva, numa prescrição normal, sujeita ao prazo de vinte anos. É esta a doutrina que já vigorava no antigo direito. Para tanto, é necessário que a sentença já tenha transitado em julgado.» É assim no caso em apreço.
Não há interpretação actualista a realizar, ao contrário, pois, do proposto, desde logo porque actualizar pressupõe identidade ontológica do objecto de progressão na leitura temporal, o que inexiste na presente situação.
São distintas as realidades e distintas são, também, as circunstâncias de enquadramento e regimes, designadamente o da prescrição.
Bem decidiu, consequemente, o Tribunal «a quo».
É negativa a resposta à questão proposta.
SUMÁRIO:
1.
*
III. DECISÃO
Pelo exposto, julgamos a apelação totalmente improcedente e, em consequência, confirmamos a decisão impugnada.
Custas pela Apelante.
*
Lisboa, 14 de Fevereiro de 2013

Carlos M. G. de Melo Marinho (Relator)
Anabela Moreira de Sá Cesariny Calafate (1.ª Adjunta)
Ana de Azeredo Coelho (2.ª Adjunta)