Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | FOLQUE DE MAGALHÃES | ||
Descritores: | DIREITO AO BOM NOME ADVOGADO RESPONSABILIDADE CIVIL | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 06/24/2008 | ||
Votação: | MAIORIA COM * VOT VENC | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA A DECISÃO | ||
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Sumário: | I - Dizer-se que alguém (advogado) facturou menos em anos subsequentes do que em anos pretéritos não constitui motivo de humilhação, não é algo degradante, tanto mais quanto se sabe que as profissões liberais são por natureza de valores e procuras instáveis, dependendo de causas que escapam um pouco ao controle dos respectivos profissionais. II - Não existe violação do direito ao bom nome, reputação e prestígio profissional de Advogado, pelo simples facto de passar a facturar menos. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa: 1. RELATÓRIO: 1.1. Das partes: 1.1.1. Autora: 1º - Dr. J 1.1.2. Ré: 1º - B, LDA. 2º - Dr. A. 1.2. Acção e processo: Acção declarativa com processo ordinário. 1.3. Objecto da apelação: 1. A sentença de fls. 886 a 917, pela qual a acção foi julgada improcedente. 1.4. Enunciado sucinto das questões a decidir: 1. Da alteração da matéria de facto. 2. Da qualificação do trabalho do A. 3. Da violação do disposto no nº 8 do artigo 11º do Código de Ética e Deontologia Profissional dos Revisores Oficiais de Contas, pela utilização de interpretações vagas e infundadas, sendo obrigados a fundamentar o seu juízo em termos objectivos e técnicos, o que não fizeram. 4. Da violação do direito ao bom nome, reputação e prestígio profissional do A. 5. Do sentido de humilhação do A. ao tomar conhecimento do relatório. 2. SANEAMENTO: Foram colhidos os vistos. Não se vislumbram obstáculos ao conhecimento do mérito do recurso, pelo que cumpre apreciar e decidir. 3. FUNDAMENTOS: 3.1. De facto: Factos que o Tribunal recorrido considerou provados: Os constantes de fls. 888 a 909, para os quais se remete. * 3.2. De direito:1. Da alteração da matéria de facto. 2. A começar o seu recurso, pretende o Recorrente ver alterada a resposta dada aos quesitos 14º, 17º e 34º da Base Instrutória, os quais foram dados como não provados, mas, em seu entender, devem ser dados como provados, ou, caso se entenda que a formulação dos 14º e 17º é conclusiva, deve ser respondido: Provado o que consta do relatório referido em W) da matéria de facto assente. 3. Funda o seu pedido nos depoimentos das testemunhas…. 4. Importa ver se lhe assiste razão. 5. Compulsando a Base Instrutória, vê-se que aqueles quesitos têm a seguinte redacção: 14º- Os RR. actuaram com falta de imparcialidade e isenção na elaboração do relatório, não tendo, em qualquer altura, dado conhecimento ou consultado o A. quanto ao mesmo? 17º- Os RR., para além de quantificarem esses dados (dados relativos à forma como o A. exerce a sua profissão de Advogado - quesito 16º), igualmente os qualificaram? 34º- A imagem do A. foi também denegrida perante colegas, funcionários, amigos, clientes e magistrados, os quais, de uma forma directa ou indirecta, tiveram conhecimento do conteúdo do relatório em análise? 6. Compulsando, por sua vez, a peça processual em que se deu resposta aos quesitos (fls. 802), verifica-se que o Tribunal recorrido respondeu “Não provado” a cada um desses quesitos. 7. O teor dos depoimentos aduzidos pelo Recorrente impõe uma resposta diferente, nomeadamente, a de “Provado”? É o que se passa a analisar. 8. Quanto ao quesito 14º, importa atentar no facto de o mesmo conter duas partes, perfeitamente cindíveis, as quais mereceriam ter sido objecto de dois quesitos autónomos, quais sejam: os RR. actuaram com falta de imparcialidade e isenção na elaboração do relatório?; os RR. não deram, em qualquer altura, conhecimento ou consultaram o A. quanto ao relatório? 9. A primeira parte do quesito contém matéria conclusiva, implicando a sua resposta a formulação de um juízo de valor quanto aos aspectos da imparcialidade e isenção do relatório face ao A. A resposta a tal questão deverá resultar da alegação e prova de factos materiais que permitam deles se concluir como se quesitou. 10. Por isso, independentemente, do que se referiu, os depoimentos das testemunhas indicadas mais não são do que manifestações da opinião das mesmas relativamente ao relatório. Elas não afirmaram qualquer dado objectivo, nem o podiam fazer sob pena de fugirem à questão que lhes era colocada. 11. Assim, o Dr. C, perante a pergunta “opinou essa sociedade, fazendo juízos de valor”, respondeu “sim, eu tive a oportunidade de constatar isso”. E, a seguir, perante a pergunta “Nesse relatório é feito um juízo de valor (…) em termos desprimorosos (…), respondeu “essa sociedade profissional emitiu um parecer (…) que é desfavorável para o Dr. Alves Pereira”. 12. Do depoimento do Dr. A não resulta que tenha respondido directamente à questão da imparcialidade e isenção do relatório. 13. Não se vê, por tudo o exposto que deva ser alterada a resposta dada à primeira parte do quesito 14º. 14. Quanto à segunda parte – onde se pergunta se os RR. não deram conhecimento ou consultaram o A. quanto à elaboração do relatório – não houve resposta das testemunhas indicadas a esta matéria. 15. Assim sendo, não há fundamento para alterar a resposta dada à segunda parte do quesito 14º. 16. Quanto ao quesito 17º, onde se pergunta se os RR. qualificaram os dados relativos à forma como o A. exerce a sua profissão de Advogado, há que o considerar também como conclusivo. Neste particular o que releva é o relatório, o que é que nele se contém, o que é que nele se diz. Afirmar-se o que nele se contém como sendo qualificativo ou não é produzir um juízo de valor que só ao Tribunal cabe emitir. 17. Por isso, o depoimento das testemunhas aludidas cinge-se à emissão de uma opinião, a qual nem por ser emanada de tão ilustres advogados ganha outros foros, isto é, não se converte num juízo de facto. 18. Assim, também aqui não se vê motivo para alterar a resposta dada ao quesito 17º. 19. Quanto ao quesito 34º, há que começar por recordar a sua redacção: A imagem do A. foi também denegrida perante colegas, funcionários, amigos, clientes e magistrados, os quais, de uma forma directa ou indirecta, tiveram conhecimento do conteúdo do relatório em análise? 20. A este respeito resulta provado que o relatório em causa foi junto ao processo arbitral nº 2002.07 (facto AO). Assim sendo, muito naturalmente foi conhecido o conteúdo do relatório pelos respectivos intervenientes processuais. (…) 21. Dos elementos de prova referidos resulta que o relatório foi dado a conhecer às duas testemunhas referidas pelo próprio A. e que muito provavelmente será do conhecimento dos intervenientes do processo arbitral. 22. Quanto à parte do quesito em que se pergunta se a imagem do A. foi denegrida, tal constitui um juízo de valor que importa expurgar desta peça processual, especialmente vocacionada à fixação de factos concretos. 23. Impõe-se, assim, alterar a resposta dada ao quesito 34º, a qual passa a ser a seguinte: Provado apenas que tiveram conhecimento do conteúdo do relatório os intervenientes no processo arbitral nº 2002.07, bem como advogados colegas do A., sem se saber quem lhes deu a conhecer a existência do relatório, além das testemunhas Drºs. C e P, estes por o A. lhes ter dado a conhecer. 24. Julga-se, deste modo, parcialmente procedente a posição do Recorrente quanto a esta questão. 25. Factos Provados: Assim sendo, este Tribunal da Relação dá como provados os factos constantes de fls. 888 a 909, mais o resultante da resposta agora dada ao quesito 34º, acima referido. 26. Da qualificação do trabalho do A. 27. Alega o Recorrente que os Recorridos, além de quantificarem o trabalho profissional desenvolvido pelo Recorrente, enquanto advogado, também o avaliaram, sendo certo que apenas a Ordem de Advogados tem competência para o fazer. Invocam o art. 1º do Regulamento nº 1/2001 da Ordem dos Advogados. 28. A este respeito há que dizer o seguinte: o quesito em que se perguntava se os RR. qualificaram o trabalho do A. – o quesito 17º - foi dado como não provado e considerado conclusivo. 29. Por isso, a afirmação em sede de conclusões das alegações de recurso do Recorrente de que os RR. qualificaram o trabalho do A. irreleva. 30. Mas, independentemente, deste aspecto formal, há que dizer que não se deu essa qualificação na perspectiva que o A. pretende ver declarada. 31. É que cumpre desde já dizer que importa distinguir dois aspectos aparentemente confundíveis relativamente à actividade dos RR. 32. A actividade do A. enquanto advogado é susceptível de ser analisada sob dois prismas completamente diferentes: um, relativo à sua competência profissional e ao conteúdo do exercício dessa actividade profissional; outro, relativo à quantificação do trabalho profissional como advogado por si desenvolvido. 33. Apenas, sob este último prisma os RR. elaboraram o relatório em causa (facto W). E fizeram-no, na dupla perspectiva temporal e relacional, ou seja, apuraram a quantidade de trabalho como advogado que o A. produziu durante cada um dos anos civis de 2000 (este apenas no período de dez meses), 2001, 2002 e 2003. Além disso, considerando o mesmo período temporal, compararam a quantidade do trabalho produzido pelo A. com o total do trabalho produzido pela Sociedade de Advogados que o A. integrava, bem como com a produção de cada um dos advogados que trabalhavam na mesma sociedade. 34. Essa determinação quantitativa expressou-se em montantes facturados e em horas de trabalho, estas apenas relativas aos anos de 2002 e 2003, por o respectivo programa informático só se reportar àqueles anos. 35. A única qualificação, se assim se pode dizer, que consta do relatório diz respeito apenas à relação dos dados obtidos entre si, nomeadamente, quando se diz que houve um decréscimo de produtividade ao longo dos anos, e quando se diz que uma das Advogadas colaboradoras com o grupo liderado pelo A. produziu mais do que o próprio A., no ano de 2003. 36. Mas, esta qualificação, no fundo, resume-se a comparar os vários dados obtidos do estudo feito, sem com isso se estar a emitir qualquer juízo de valor. 37. Ora, a apreciação quantitativa do trabalho realizado por um advogado seja em valor remuneratório dessa actividade seja em número de horas de trabalhado, o que, aliás, pode não ser e não é seguramente, sempre directamente proporcional, não está vedado a quem quer que seja efectuar, nem é vedado pelo Estatuto da Ordem dos Advogados, nem constitui matéria da exclusiva competência daquela ordem, pois não se prende com os laudos relativos aos honorários nem quanto à qualidade do desempenho do advogado enquanto tal. 38. Não tem por isso aplicação nem as disposições daquele Estatuto nem do Regulamento nº 1/2001 da mesma Ordem. 39. O que tudo significa, por outro lado, que a conduta dos RR. não pode ser considerada como ilícita, enquanto não viola qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios (art. 483 nº 1 do C.Cv.). 40. Improcede a posição do Recorrente neste particular. 41. Da violação do disposto no nº 8 do artigo 11º do Código de Ética e Deontologia Profissional dos Revisores Oficiais de Contas, pela utilização de interpretações vagas e infundadas, sendo obrigados a fundamentar o seu juízo em termos objectivos e técnicos, o que não fizeram. 42. A alegação do Recorrente de que os RR. não observaram a disposição supra referida do C. de Ética não corresponde à realidade, sendo certo que aquele não indicou uma única passagem do relatório onde tal comportamento estivesse espelhado. 43. Pelo contrário, o que resulta do relatório é que os RR. obtiveram a informação que trabalharam de suportes informativos ou de dados fornecidos pela própria Sociedade de Advogados que encomendou o relatório. Por outro lado, houve o cuidado de indicar a metodologia e os fins pretendidos, sem que se vislumbre qualquer vaguidade ou falta de fundamento no que se conclui do relatório. 44. Improcede a posição do Recorrente, neste particular. 45. Da violação do direito ao bom nome, reputação e prestígio profissional do A. 46. Afirma o Recorrente que o teor do relatório produzido pelos RR. pôs em causa o bom nome, reputação e prestígio profissional do A. Mas, crê-se que não lhe assiste razão. 47. Antes do mais, porque, como já se disse acima, o relatório não aborda a competência profissional do A., sendo certo que o bom nome, reputação e prestígio advêm desse facto. Em parte alguma do relatório se diz que o A. exerceu a sua actividade como advogado por modo mais ou menos competente, sendo mais ou menos sabedor, tendo ganho ou perdido mais acções, tendo levado mais ou menos dinheiro a título de honorários, ou qualquer uma outra afirmação deste jaez. 48. Por outro lado, o mero apuramento da quantidade de trabalho produzido reduzido à sua expressão monetária, mesmo que o resultado apurado seja no sentido de haver um decréscimo dessa expressão monetária, não constitui violação do bom nome, reputação ou prestígio profissional. Quer apenas dizer isso mesmo, ou seja, que houve diminuição dessa expressão monetária. Mas não se diz porque é que isso aconteceu, nem que o A. tenha trabalhado menos nos anos posteriores do que nos anteriores, ou que o tenha feito voluntariamente. Há apenas a verificação de um facto objectivo quantificável que não se prende com a qualidade profissional do A. enquanto advogado. 49. Quanto à responsabilidade pela divulgação do teor do relatório, seja ou não de conteúdo ofensivo ao bom nome do A., o que ficou provado é que essa divulgação não resultou de acto dos RR., mas antes da Sociedade de Advogados, todavia, restrita à sua utilização em sede do processo arbitral instaurado pelo ora A. contra o Dr. P, e que as testemunhas Drºs. (…) tiveram conhecimento do relatório pelo próprio A. 50. Razão porque não pode ser assacada qualquer responsabilidade aos RR. pelo conhecimento do teor do relatório, e, não sendo conhecido, não poderia produzir ofensa do bom nome do A. 51. Improcede este aspecto da posição do Recorrente. 52. Do sentido de humilhação do A. ao tomar conhecimento do relatório. 53. Diz o A. que se sentiu humilhado ao tomar conhecimento do relatório. Será que tal facto justifica o sentimento de humilhação de que o A. padeceu? Crê-se que não. 54. Mais uma vez, como acima se disse, importa ter presente que o relatório não se refere minimamente à qualidade do trabalho produzido pelo A. enquanto advogado, nem às suas capacidades como profissional liberal do ramo da advocacia. Também não qualifica a redução do trabalho apresentado nem aduz causas a esse facto. 55. Por isso, a serem verdade os números apresentados pelo relatório, os quais diga-se não foram postos em causa pelo A., o mais que poderiam justificar seria um sentimento de pena, caso essa redução de facturação se devesse a causas incontroláveis pelo A., como certamente serão, pois não está em causa a honestidade do A. quanto ao angariamento de clientes. Pena que importa distinguir por completo da humilhação. Dizer-se que alguém facturou menos em anos subsequentes do que em anos pretéritos não constitui motivo de humilhação, não é algo degradante, tanto mais quanto se sabe que as profissões liberais são por natureza de valores e procuras instáveis, dependendo de causas que escapam um pouco ao controle dos respectivos profissionais. 56. Lembre-se que também não foram apontadas causas para essa diminuição de facturação, não se disse, como parece resultar de alguns depoimentos, que a diminuição da facturação deve-se ao facto de o A. não querer trabalhar ou não trabalhar tanto quanto o fazia em anos anteriores, para viver à sombra do trabalho dos restantes colegas da Sociedade de Advogados. 57. Não há, por isso, motivo para humilhação, nem razão para ver o bom nome, reputação e prestígio do A. postos em causa. 58. Julga-se, assim, improcedente a posição do A. quanto a esta questão. 59. Considerando os factos dados como provados e tudo o que acima se disse, não se vislumbra ilicitude na conduta dos RR. nem a produção de qualquer dano de ordem não patrimonial na esfera jurídica do A. 4 DECISÃO: 1. Por tudo o exposto, nega-se provimento à apelação, e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida. 2. Custas pela parte Recorrente (art. 446º nº 2 CPC). Lisboa, 24 de Junho de 2008 (Eduardo Folque de Sousa Magalhães) 1º Adjunto (Maria Alexandrina de Almeida Branquinho Ferreira) 2º Adjunto (Eurico José Marques dos Reis) - vencido já que produzi uma valoração distinta dos depoimentos dos (...), logo a alteração das respostas e consequentemente a atribuição de uma indemnização ao apelante. |