Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1301/13.3TJLSB.L1-2
Relator: EZAGÜY MARTINS
Descritores: OBRIGAÇÃO PECUNIÁRIA
PRESCRIÇÃO
OBRIGAÇÃO NATURAL
BANCO DE PORTUGAL
COMUNICAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/24/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDNTE
Sumário: I–O espírito da lei, ao reconhecer os deveres de ordem moral ou social que estão na base das obrigações naturais, é o de manter a espontaneidade do cumprimento, com a qual se deve considerar incompatível qualquer forma de coercibilidade jurídica, ainda que instituída pelo próprio devedor.
II–A dívida prescrita, uma vez invocada a prescrição, de obrigação civil transforma-se em obrigação natural.
III–É ilícita a participação ao Centro de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal, de situação de incumprimento de obrigação natural.
IV–Se uma instituição de crédito após debitar em conta de cliente uma importância relativa a reclamados juros, lança novamente a crédito tal importância, nessa mesma conta e nessa mesma data, está assumir que tais juros – que o cliente alegou estarem prescritos – não são exigíveis.
V–Sobre as instituições de crédito recai um particular dever de cuidado e exigência de competência.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial: Acordam os Juizes, do Tribunal da Relação de Lisboa.


Relatório:


I–JM intentou ação declarativa, com processo comum sob a forma sumária, contra a C, S. A., pedindo:
a)A condenação da Ré a reconhecer que o Autor nada lhe deve, e por isso mesmo, simulou os movimentos posteriores a 2008, tendo mantido ativas comunicações ao Banco de Portugal que deveriam ter sido prontamente canceladas.
b)A condenação da Ré a pagar ao A., a título de danos não patrimoniais, a quantia de € 15000,00 ao Autor, acrescidos de juros de mora desde o fim da regularização do último débito, acrescidos de 4% nos termos do art. 829ºA 4 C.C.
c)Que seja oficiado “ao Banco de Portugal no sentido do cumprimento de todas as obrigações que à R. competia” (sic).

Alegando, para tanto e em suma, que:
Sendo titular da conta D.O./conta ordenado, que identifica, na CSA, no balcão do.., em Lisboa, liquidou integralmente, em 08-06-2001, a dívida que aquela apresentava, no montante de 1.448.549$00/€7225,33, mediante o depósito em conta de € 1.456.000,00.
Tendo pago igualmente, em 18-03-2008, outras duas dívidas perante a CSA, relativas a outros dois empréstimos, um de débito do cartão de crédito e outro proveniente do crédito à habitação.
Constatando porém que se mantinha a comunicação ao Banco de Portugal, feita pela CSA, por incumprimento no valor de
€ 1850,00.
Vindo a verificar, junto da Ré, que tal valor coincidia com a soma de alguns meses de juros não cobrados pela CSA, anteriores a 2001, não contabilizados nem considerados no extrato de conta do A. e que jamais lhe foram solicitados, estando há muito prescritos.
Apesar das muitas insistências do A. no sentido de nova comunicação ao Banco de Portugal para cancelamento da informação aí existente, relativamente ao A., a Ré nada fez até à data.
Vindo o A. a verificar que na conta já referida – entretanto saldada – havia a Caixa forjado, em 20-06-2013, uma dívida do A., de juros, e um crédito de € 1953,04, para pagar esses mesmos juros, deixando de novo a conta a €0,00.
Em consequência do comportamento da Ré, mantendo o A. como devedor em 20-06-2013, durante os últimos 5 anos, vê este, com mágoa, ferida a sua credibilidade pública e o seu bom nome, para além de não poder ter cartões de crédito ou cheques ou mesmo contrair um qualquer empréstimo, e da vergonha de constar da listagem do Banco de Portugal.
Computando em quantia não inferior a € 15.000,00, acrescida de juros de mora desde 2008, data da regularização do seu último débito, a compensação pelos danos não patrimoniais sofridos, para além do “acréscimo resultante da norma imperativa constante do artº 829ºA, 4, C.C.

Contestou a Ré, alegando que:
O debitado montante de € 1953,04, corresponde a € 1850,35 de juros moratórios cuja cobrança não foi possível efetuar anteriormente, por inexistência de saldo disponível para o efeito, mais € 74,02, a título de imposto de selo, e ainda € 28,67, por conta do imposto de selo sobre o saldo médio devedor.
Ou seja o valor de € 1.456,00 transferido pelo A. não permitia satisfazer todos os valores por si devidos à Ré, por conta da utilização da conta ordenado.
Deduzindo, quanto ao mais, impugnação, e assim, designadamente, no tocante ao pagamento das dívidas por conta do cartão de crédito e do crédito habitação, que apenas teria ocorrido em 18-03-2010, e no concernente à inclusão do A. na Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal, que se teria mantido apenas por reporte aos “mencionados € 1850,35 de juros moratórios, bem como quanto aos alegados danos morais.
Invocando ainda o reconhecimento pelo A. da daquela dívida de juros e, a não ser assim, a sua manutenção como “obrigação natural”, pelo que não haveria qualquer razão para o A. deixar de se encontrar incluído na sobredita “Central de Responsabilidades…”.

Remata com a improcedência da ação.

Houve “resposta” do A., concluindo como na petição inicial.

O processo seguiu seus termos, com tabelar saneamento, indicação do objeto do litígio e enunciação dos temas de prova.

Vindo, realizada que foi a audiência final, a ser proferida sentença com o seguinte dispositivo:
“Tudo visto e ponderado, julgo parcialmente procedente a presente acção e, em consequência, condeno a ré “C S. A.” a pagar ao autor JM a quantia de € 8.000,00, acrescida dos juros calculados nos termos do artigo 829º-A, n.º 4, do Código Civil, desde o trânsito em julgado da presente sentença até efectivo e integral pagamento.”.

Inconformada, recorreu a Ré, formulando, nas suas alegações, as seguintes “aperfeiçoadas” conclusões:

“1.No caso concreto encontram-se em questão os valores devidos pelo Autor à CGD no montante global de € 1953,04, correspondendo € 1850,00 aos juros por ultrapassagem do LDN contratado, relativos aos meses de Novembro e Dezembro de 1999, aos meses de Janeiro, Fevereiro, Março, Maio, Julho e Dezembro de 2000, e aos meses de Janeiro a Maio de 2001, e, ainda, € 74,02, a título de imposto de selo, bem como, € 28,67, a título de imposto de selo sobre o saldo médio devedor.
2.O tribunal a quo deu como como provado que, entre Julho de 2002 e Janeiro e 2005, a conta titulada pelo Autor encontrava-se provisionada, pelo menos com o valor de € 2500,00, e que este valor era suficiente para proceder à cobrança dos valores acima referidos.
3.Refere ainda o tribunal a quo que as testemunhas arroladas pela CSA não lograram explicar porque é que, existindo durante o período antecedentemente referido, saldo suficiente na conta titulada pelo Autor, o valor devido por este devido não foi cobrado pela CSA.
4.Não pode Recorrente concordar com este entendimento, porquanto e, em particular no que que diz respeito à testemunha Liliana S..., quando questionada sobre esta a matéria, corroborou exatamente aquilo que, a propósito desta questão, a CSA já havia explicado na sua Contestação, ou seja, que o sistema informático da CSA deixou de emitir o alerta para que a rotina passasse e cobrasse os valores em dívida,
5.E que tal resultou da circunstância de a dita conta ter mantido saldo negativo ou insuficiente para o efeito e de assim ter permanecido, em relação aos valores devidos, em alguns meses, por mais de um ano.
6.Não se pode afirmar que o Autor desconhecia a sua dívida quanto aos ditos juros moratórias, pois que a consulta, que o próprio Autor comprova que fazia aos movimentos da sua conta permite verificar que, nos meses em que não foi possível o débito dos juros moratórias, já mencionados acima, o Autor havia ultrapassado o limite de descoberto negociado e não possuía saldo suficiente para que os mesmos pudessem ser debitados e que, portanto, tinham, necessariamente, que se manter ou permanecer em dívida tais juros.
7.Revelando, ainda, tal consulta que, mesmo durante o período em que a conta dos autos apresentou saldo positivo para o efeito, os dito juros não foram debitados, e que, portanto, permaneciam em dívida,
8.o que, mediante a consulta da sua conta através da caderneta que tinha em seu poder para o efeito, o Autor não podia desconhecer.
9.O que de um homem médio se esperaria era que, ao verificar os movimentos espelhados na sua caderneta e bem assim que os ditos juros não haviam sido objeto de cobrança, procurasse, junto da CSA, saber porque razão é que tal não havia ocorrido.
10.É ao Autor que, no momento em que é devido o pagamento, isto é, nos meses já acima referidos, cabia ter a sua conta devidamente provisionada para a sua liquidação atempada.
11.Pelo menos desde 15.10.2012, o Autor, ora Recorrido, ficou a saber que era devedor à CSA de tal valor, o que significa que poderia tê-la cumprido, como obrigação natural em que a mesma se transformou, ou seja, de forma espontânea.
12.O cumprimento de uma obrigação natural não se torna forçoso pelo facto de o devedor permanecer inscrito na CRC em resultado do não ter liquidado a sua dívida.
13.As obrigações prescritas consubstanciam verdadeiras obrigações naturais (artigo 304º nº 2 do CC).
14.A formulação legal, constante do artigo 402º do Código Civil, refere que é obrigação natural a que “… se funda num mero dever de ordem moral ou social, cujo cumprimento não é judicialmente exigível mas corresponde a um dever de justiça".
15.A solução consagrada no Direito português vigente, relativamente às obrigações naturais tem por princípio o Direito Romano, no âmbito do qual, embora se caracterizassem por não permitirem ao seu beneficiário dirigir-se ao magistrado e desencadear contra o devedor o procedimento executivo tendente à sua cobrança coerciva, eram, sem sombra de dúvida, verdadeiras obrigações.
16.Este regime das obrigações naturais resulta, genericamente, do determinado pelo artigo 404º do CC, disposição esta que é muito mais ampla do que a maioria das normas vigentes nesta matéria noutras legislações, que se limitam a cominar a não repetibilidade das prestações espontaneamente efetuadas, com reflexos já conhecidos, sobre a própria natureza das obrigações naturais.
17.O artigo refere expressamente que as obrigações naturais estão sujeitas ao regime das obrigações civis, isto é, ao regime geral das obrigações, equiparando-as assim a estas, com uma única excecão: a exclusão de tudo quanto se relacione com a realização coativa da prestação.
18.Ou seja, apenas diferem das demais obrigações civis, na medida em que o credor não pode recorrer aos meios judiciais, tendo em vista a sua cobrança.
19.E permanecendo como obrigação jurídica, correspondendo a um dever de justiça, que carece unicamente da característica da coercibilidade, não pode pois a CSA deixar de a comunicar à CRC!
20.Nos termos do disposto nos Cadernos do Banco de Portugal, referentes à Central de Responsabilidades de Crédito, mais concretamente no Caderno n.º 5, a CRC tem como principal, objetivo apoiar as entidades participantes na avaliação do risco de concessão de crédito,
21.Não tendo por função coagir ou exigir o cumprimento de obrigações!
22.As obrigações naturais são, por tudo isto, autênticas obrigações perfeitas, apenas diferentes das restantes por o seu regime não permitir a execução.
23.O supra referido Caderno, menciona expressamente que o elenco que do mesmo consta, em relação ao que são responsabilidades efetivas, não é taxativo, dizendo especificadamente que "constituem exemplos de responsabilidades efetivas... (sublinhado nosso).
24.Uma dívida, embora de juros moratórios, que se encontra diretamente relacionada com crédito concedido por uma instituição bancária, sempre terá que se considerar uma responsabilidade efetiva enquanto não se mostrar liquidada.
25.Permanecendo a obrigação jurídica, ainda que se entendesse que prescrita, a dívida não pode deixar de ser comunicada à CRC.
26.A única coisa que se mostraria vedada ao credor, in casu, à CSA, seria a faculdade de poder exigir judicialmente o seu cumprimento.
27.Os efeitos adversos que a comunicação de uma dívida à CRC possa ter para o devedor, no caso concreto o Autor, ora Recorrido, não são de todo imputáveis à Recorrente, que se encontra legalmente obrigada a comunicar todos os créditos concedidos, indicando qual é o seu estado.
28.Ainda que no caso sub judice estivéssemos perante uma obrigação prescrita, como obrigação natural em que se teria transformado e, portanto, autêntica obrigação, perfeita e apenas diferente das demais por o seu regime não permitir a sua exigibilidade judicial, não poderia a CGD deixar de comunicá-Ia à CRC, por a tal continuar legalmente obrigada.
29.Caso não o fizesse, isso sim, ficaria sujeita à respetiva responsabilidade, designadamente contraordenacional - cfr. Artigo 9º do Decreto-lei nº 204/2008 de 14 de Outubro.
30.As obrigações ainda que prescritas, enquanto obrigações não extintas, constam das demonstrações financeiras dos bancos e, portanto, também na perspetiva do sistema financeiro continuam a existir.
31.Por todo o exposto, a Sentença recorrida não fez nem uma correta análise da prova produzida, nem uma exata interpretação dos factos, nem uma conforme subsunção dos mesmos às normas legais aplicáveis, devendo, por isso, ser integralmente substituída por outra, que absolva a Recorrida dos pedidos formulados pelos Autor, ora Recorrido.” (grifado nosso).

Contra-alegou o Recorrido, pugnando pela manutenção do julgado.

Por despacho do relator, a folhas 259-265, e depois de cumprido o disposto no artigo 655º, n.º 1, do Código de Processo Civil, foi julgado findo o recurso “na parte em que (apenas) se esboça a impugnação da decisão da 1ª instância quanto à matéria de facto”.

Não sendo tal despacho objeto de reclamação.

II-Corridos os determinados vistos, cumpre decidir.

Face às conclusões de recurso, que como é sabido, e no seu reporte à fundamentação da decisão recorrida, definem o objeto daquele – vd. art.ºs 635º, n.º 3, 639º, n.º 3, 608º, n.º 2 e 663º, n.º 2, do novo Código de Processo Civil – é questão proposta à resolução deste Tribunal, a de saber se perante o débito do A. relativo a juros, se impunha à Ré que, verificada a prescrição daqueles, retirasse o nome do A. da Central de Responsabilidades de crédito.
***

Considerou-se assente, na 1ª instância, sem impugnação a propósito, e nada impondo diversamente, a factualidade seguinte:

“1º-O autor é o primeiro titular da conta à ordem n.º…, constituída em 01/10/1987, na “C S. A.”, balcão …em Lisboa, sendo o cliente n.º….
2º-A partir de 30/01/1997, a conta identificada em 1º passou a ser designada “conta ordenado”, permitindo ao autor a “utilização a descoberto” até ao limite de 200.000$00 ao mês.
3º-Pela utilização do limite de descoberto negociado, referido em 2º, autor e ré acordaram que seriam devidos juros sobre o montante utilizado (Juros LDN), calculados à taxa nominal de 14,375%.
4º-Acordaram ainda autor e ré que, em caso de utilização de montantes acima do limite de descoberto negociado, seriam devidos igualmente juros (Juros Dev.), calculados à taxa nominal de 19,32%.
5º-A conta identificada em 1º previa ainda o pagamento de juros moratórios, a que acresciam o imposto de selo, e o imposto de selo sobre o saldo médio devedor.
6º-No dia 07/06/2001, a conta identificada em 1º apresentava um saldo negativo de 1.448.549$80.
7º-No montante referido em 6º encontravam-se contabilizados o capital utilizado a descoberto, os juros LDN e os juros DEV, com excepção dos juros moratórios e dos impostos de selo referidos em 5º.
8º-Ao tempo o vencimento do autor era de 170.444$00.
9º-Pelo facto descrito em 6º, o autor constava como devedor na Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal.
10º-No dia 08/06/2001, o autor depositou na conta identificada em 1º a quantia de 1.456.000$00, passando a conta a apresentar um saldo positivo de 7.450$20 (€ 37,16).
11º-No dia 22/06/2001, a conta identificada em 1º passou a apresentar um saldo de 0$00.
12º-No dia 01/12/2001, a conta foi convertida para a moeda Euro.
13º-No período compreendido entre 11/07/2002 e 24/01/2005, a conta identificada em 1º esteve provisionada com saldo positivo, que variou entre € 2.500,00 e 2.511,28.
14º-No dia 24/01/2005, a conta ficou com um saldo positivo de € 11,38 e nos dias 29/05/2005 e 14/01/2006, a ré cobrou despesas de manutenção, tendo a conta ficado então com o saldo de € 0,00.
15º-No período compreendido entre 15/01/2006 e 19/06/2013, a conta identificada em 1º não registou quaisquer movimentos, a débito ou a crédito.

16º-Em 20/06/2013, a ré debitou na conta identificada em 1º, sob a designação “JURDEV” e “ISSMD” as seguintes quantias, no valor global de € 1.953,04:
16.1.-€ 1.850,00, a título de juros dos meses de Novembro e Dezembro de 1999, dos meses de Janeiro, Fevereiro, Março, Maio, Julho e Dezembro de 2000, e dos meses de Janeiro a Maio de 2001.
16.2.-€ 74,02, a título de imposto de selo.
16.3. € 28,67, a título de imposto de selo sobre o saldo médio devedor.

17º-Na mesma data (20/06/2013), a ré que creditou na conta identificada em 1º a quantia de € 1.953,04, ficando esta com o saldo de € 0,00.
18º-As quantias referidas em 16º não se encontravam contabilizadas no saldo identificado em 6º.
19º-Pelo menos até Outubro/ Novembro de 2012, a ré não solicitou ao autor o pagamento da quantia referida em 16º.
20º-No dia 15/10/2012, o autor teve conhecimento que o seu nome constava como devedor junto da Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal, por falta de pagamento à ré da quantia de € 1.850,00.
21º-Em data não concretamente apurada de finais de Outubro/Novembro de 2012, a ré informou o autor que a quantia referida em 20º se reportava aos juros referidos em 16.1., sendo ainda devidas as quantias referidas em 16.2. e 16.3., tudo no valor global de € 1.953,04.
22º-A comunicação junto do Banco de Portugal referida em 20º manteve-se até data não concretamente apurada, mas não posterior a Dezembro de 2013.
23º-Entre 15/10/2012 e 27/06/2013, o autor solicitou por diversas vezes à ré que retirasse a comunicação ao Banco de Portugal, sem sucesso.
24º-No período referido em 22º, a ré solicitou ao autor o pagamento da quantia referida em 16º.
25º-O autor não pagou tal quantia, tendo esta sido creditada pela ré no dia 20/06/2013.
26º-O autor sentiu vergonha, revolta e cansaço ao ter conhecimento dos factos descritos em 20º, 21º, 22º, 23º e 24º, 25, 2ª parte.
27º-Com os factos descritos em 20º, 21º, 22º, 23º e 24º, 25, 2ª parte o autor sentiu-se ofendido no seu nome e imagem.
28º-Por força do facto descrito em 22º, o autor não logrou obter nesse período de tempo cartão de crédito e cheques.
29º-A impossibilidade de obter um cartão de crédito causou ao autor embaraço sempre que lho pediam nos hotéis onde se deslocava, quer em Portugal, quer no estrangeiro.
30º-Tendo de pedir aos familiares e à companheira que o acompanhavam que pagassem, acertando depois as contas.
31º-Com o que sentiu vergonha e humilhação.
32º-No dia 18/03/2010, o autor liquidou junto da ré, no âmbito do processo executivo n.º 21/2000, que correu termos 14ª Vara – 1ª secção de Lisboa, as dívidas que tinha relacionadas com um cartão de crédito e um crédito à habitação.”.

Mais se tendo julgado que “Com interesse para a boa decisão da causa não resultou provado que:
a)A ré não tenha logrado receber a quantia referida em 16º até 20/06/2013, por falta de saldo positivo na conta identificada em 1º.
b)Por impossibilidade de cobrança da quantia referida em 16º, a ré tenha mantido a comunicação à Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal até 20/06/2013.
c)A partir de 18/03/2010 a comunicação à Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal se mantivesse relativamente às dívidas mencionadas em 6º e em 32º.
d) A comunicação referida em 20º se tenha mantido até 20/06/2013.
e) Por força do facto descrito em 22º o autor não tenha logrado obter um empréstimo junto do banco BPI para aquisição de um veículo automóvel.
f) Antes da data indicada em 21º o autor soubesse que a quantia referida em 16º se encontrava por pagar.”.
*

Vejamos.

1.Considerou-se na sentença recorrida que:

“Da prova produzida em julgamento resultou demonstrado que, pelo menos de 15/10/2012 a Dezembro de 2013, o nome do autor manteve-se na Central de Responsabilidades de Crédito, enquanto devedor à ré da quantia de 1.850,00.
Tal quantia, conforme resultou provado, dizia respeito a juros dos meses de Novembro e Dezembro de 1999, Janeiro, Fevereiro, Março, Maio, Julho e Dezembro de 2000 e Janeiro a Maio de 2001.
Tendo em conta o período em referência e o disposto no artigo 310º, alínea g), do Código Civil, é forçoso concluir que, em 15/10/2012, tais juros encontravam-se prescritos.
(…)
Não obstante, é entendimento da ré que a obrigação de pagamento dos juros se mantém, enquanto obrigação natural, e que por isso estava obrigada a manter o nome do autor na Central de Responsabilidades de Crédito, nos termos do artigo 402º e 404º do Código Civil.
(…)
Sendo natural, a obrigação está sujeita ao regime das obrigações civis em tudo o que não se relacione com a realização coactiva da prestação, salvas as disposições especiais da lei.
No caso concreto a obrigação de pagamento dos juros em discussão deixou de ser judicialmente exigível, em virtude da sua prescrição. Transformou-se, assim, numa obrigação natural.
Acontece que o autor desconhecia a existência dessa obrigação, já que a ré não a comunicou, cobrou ou exigiu, fosse de que forma fosse.
Daí que não só os ditames da boa-fé, como também o disposto no artigo 404º do Código Civil, impunham que a ré retirasse o nome do autor da Central de Responsabilidades de Crédito, logo que se verificou a prescrição dos créditos.
Com efeito, se a obrigação é natural só será cumprida se o devedor a prestar espontaneamente, livre de toda a coacção (artigo 403º).
In casu, o autor teria de cumprir a prestação para que a ré retirasse o seu nome da Central de Responsabilidades de Crédito.
Ora, a Central foi criada com o objectivo, entre outros, de reunir informação necessária à avaliação dos riscos envolvidos na aceitação de empréstimos bancários como garantia no âmbito de operações de política monetária e de crédito (artigo 1º do DL n.º 204/2008, de 14 de Outubro, publicado no DR, 1ª série, n.º 199, de 14 de Outubro de 2008).
 A manutenção como devedor na listagem desta Central impede este, como é sabido, face à conjuntura económico-financeira, nacional e internacional, de obter crédito, cartão de crédito, livro de cheques, etc.
Assim, o cumprimento de uma prestação natural tornar-se-ia forçosa, a fim de o devedor poder retomar a sua vida económico-social, o que contraria o disposto no artigo 404º do Código Civil. Na verdade, a obrigação natural fica sujeita ao regime das obrigações civis, apenas no que não se relacione com a realização coactiva da prestação.
Cumpre ainda referir que, ao contrário do que defende a ré em sede de alegações finais, nem o DL n.º 204/2008, de 14710, nem o seu regulamento, impunham à ré a manutenção do nome do autor na lista da Central de Responsabilidades de Crédito.
(…)
E também não integra o conceito de saldo decorrente de qualquer uma das operações de crédito previstas no n.º 2 do artigo 3º.
Por conseguinte, assiste razão ao autor quando alega que a ré deveria ter retirado o seu nome junto da Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal.”.

Contrapondo a Recorrente, e como visto, que:

“As obrigações naturais são, por tudo isto, autênticas obrigações perfeitas, apenas diferentes das restantes por o seu regime não permitir a execução.
(…)
Uma dívida, embora de juros moratórios, que se encontra diretamente relacionada com crédito concedido por uma instituição bancária, sempre terá que se considerar uma responsabilidade efetiva enquanto não se mostrar liquidada.
Permanecendo a obrigação jurídica, ainda que se entendesse que prescrita, a dívida não pode deixar de ser comunicada à CRC.
A única coisa que se mostraria vedada ao credor, in casu, à CSA, seria a faculdade de poder exigir judicialmente o seu cumprimento.
Os efeitos adversos que a comunicação de uma dívida à CRC possa ter para o devedor, no caso concreto o Autor, ora Recorrido, não são de todo imputáveis à Recorrente, que se encontra legalmente obrigada a comunicar todos os créditos concedidos, indicando qual é o seu estado.
Ainda que no caso sub judice estivéssemos perante uma obrigação prescrita, como obrigação natural em que se teria transformado e, portanto, autêntica obrigação, perfeita e apenas diferente das demais por o seu regime não permitir a sua exigibilidade judicial, não poderia a CSA deixar de comunicá-Ia à CRC, por a tal continuar legalmente obrigada.
Caso não o fizesse, isso sim, ficaria sujeita à respetiva responsabilidade, designadamente contraordenacional - cfr. Artigo 9º do Decreto-lei nº 204/2008 de 14 de Outubro.
As obrigações ainda que prescritas, enquanto obrigações não extintas, constam das demonstrações financeiras dos bancos e, portanto, também na perspetiva do sistema financeiro continuam a existir.”.

2.-A transformação da obrigação de juros prescrita em obrigação natural, emerge do disposto no artigo 304º, do Código Civil, normativo nos termos do qual:
“1.Completada a prescrição, tem o beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito.
2.Não pode, contudo, ser repetida a prestação realizada espontaneamente em cumprimento de uma obrigação prescrita, ainda quando feita com ignorância da prescrição; este regime é aplicável a quaisquer formas de satisfação do direito prescrito, bem como ao seu reconhecimento ou à prestação de garantias.
3.(…)”.

Sendo a noção de tal sorte de obrigação dada pelo artigo 402º do Código Civil, disposição nos termos da qual “A obrigação diz-se natural, quando fundada num mero dever de ordem moral ou social, cujo cumprimento não é judicialmente exigível, mas corresponde a um dever de justiça”.

A propósito referindo Luís A. Carvalho Fernandes que “o facto de a prestação não poder ser coactivamente realizada não retira ao cumprimento espontâneo da obrigação natural relevância jurídica, pois o credor goza da soluti retentio e, consequentemente, o devedor não tem a faculdade de repetir o indevido. É o regime consagrado no art. 403.° do C.Civ.

Por outro lado, e salvo nos aspectos ligados à não realização coactiva da prestação, a lei civil manda aplicar, como regra, às obrigações naturais o regime das obrigações civis (cfr. art. 404.° do mesmo Código).”.

Menezes Cordeiro[1] considera que “A dívida prescrita, uma vez invocada a prescrição (304.°/2), é natural. Antes dessa invocação, a obrigação é civil; recorde-se que o direito de invocar a prescrição é potestativo e pode, inclusive, ser exercido pelos credores do devedor (305.°/1). Todavia, considerar que o pagamento de uma dívida prescrita corresponde a um dever "moral ou social" ou "de justiça" é muito duvidoso: ao fim de vinte anos, o sentir social dirá que é justo não pagar, ao abrigo da prescrição. De todo o modo, é inquestionável, aqui, a presença de uma obrigação natural: resulta da lei.”.

Enunciando como noção legal do artigo 402º: “há obrigação natural sempre que uma obrigação jurídica (dever de justiça) seja privada de exigibilidade judicial (cumprimento não é judicialmente exigível), sem prejuízo da sua idoneidade (dever moral ou social).

A "exigibilidade judicial" não está na disponibilidade das partes (ou da parte): daí a tipicidade de obrigações naturais.”.

Sustentando aquele autor a “juricidade das obrigações naturais”.

Almeida e Costa[2] – igualmente assinalando que enquanto a prescrição “não for invocada nos termos do artigo 303º do Código Civil, a dívida existe como civil. Tratar-se-á, porém, de uma obrigação natural depois de invocar com êxito a prescrição” – adere, ao que designa de orientação clássica – entre nós sustentada por Manuel de Andrade – “que vê nas obrigações naturais verdadeiras obrigações jurídicas, embora imperfeitas ou de juridicidade reduzida. Há entre o credor e o devedor naturais um vínculo jurídico anterior ao cumprimento e nesse vínculo se apoia a irrepetibilidade da prestação. No conceito de obrigação cabem, para estes autores, não só as obrigações civis ou perfeitas, em que a garantia consiste na coercibilidade do vínculo, mas também as obrigações naturais ou imperfeitas cuja garantia se reconduz à possibilidade de o credor conservar o que lhe foi entregue a título de pagamento: no primeiro caso o credor pode exigir a prestação, enquanto, no segundo caso, pode apenas pretendê-la.”.

Com a sua habitual clareza, Antunes Varela[3] refere como “um dos casos típicos de dever de justiça (…) o da dívida prescrita depois de invocada a prescrição.”.

Esclarecendo que “A dívida extingue-se como vínculo jurídico, uma vez decorrido o prazo prescricional e invocada pelo devedor a prescrição. Porém, se o devedor cumprir espontaneamente, a prestação corresponde ainda a um dever de justiça, visto que a extinção do vínculo jurídico se dá por motivos de certeza das relações e de segurança do comércio jurídico, que não afectam, no plano da justiça, a posição anterior dos interessados.” (grifado nosso).

Tendo-se, pelo que respeita ao princípio da equiparação das obrigações naturais às obrigações civis, que também no plano dos modos de extinção da obrigação, diferentes do cumprimento, se exige, em vários pontos, um regime diferente.

Assim sendo que a obrigação natural não poderá ser oposta por meio de compensação a uma obrigação civil.

Pois como refere o mesmo Autor,[4] “de contrario, o credor natural teria forçado o cumprimento da obrigação, ao arrepio da letra e do espírito dos artigos 402.° e 404.°, que apenas reconhecem valor ao cumprimento espontâneo.” (grifado nosso).

E, a propósito da novação: “deve ter-se por excluída. (…). O espírito da lei, ao reconhecer os deveres de ordem moral ou social que estão na base das obrigações naturais, é o de manter a espontaneidade do cumprimento, com a qual se deve considerar incompatível qualquer forma de coercibilidade jurídica, ainda que instituída pelo próprio devedor. Até ao momento da realização da prestação, a pureza do vínculo exige que o devedor conserve a plena liberdade de cumprir ou deixar de cumprir, sem embargo de a satisfação espontânea do interesse do credor poder efectuar-se naquele momento por diversas formas (cumprimento, dação em cumprimento, compensação por parte do devedor natural, consignação em depósito) ” (idem quanto ao grifado).

Concluindo aquele Mestre que não há necessidade de converter esses deveres morais ou sociais “que são o substracto das obrigações naturais”, “em figuras do mundo do direito para explicar a sua relevância jurídica”, sendo “a melhor forma de as representar conceitualmente, numa síntese que exprima com inteira fidelidade a sua autêntica natureza, será a de concebê-las como deveres morais ou sociais juridicamente relevantes”.

Na jurisprudência, veja-se, entre outros, o Acórdão da Relação de Coimbra, de 10-12-2013,[5] em cujo sumário ler-se pode:

“IV. A obrigação de juros, num primeiro momento - antes da sua constituição - depende da obrigação pecuniária principal, podendo, uma vez constituído, autonomizar-se, nos casos previstos na lei. (…) V. Por isso, o artigo 310º, al. d) do Código Civil contém uma das imposições legais que consagra a autonomia da obrigação de juros em relação à obrigação principal, no que toca aos prazos de prescrição que estabelece para uma e outra. VI. Ou seja, completada a prescrição, tem o beneficiário, acobertado pela norma do artigo 304º, a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito – esta norma mostra que a prescrição não suprime nem extingue o direito prescrito, o qual se transforma numa obrigação natural.”.

3.-Feito este primeiro viaticum, uma observação se impõe, desde já, no tocante à transformação, in casu, da obrigação civil de pagamento de juros de mora em obrigação natural.
Sendo aquela a de que em parte alguma da sua petição inicial, alegou o A., literalmente, haver invocado anteriormente, a prescrição dos juros assim em causa – relativos aos meses de Novembro e Dezembro de 1999, de Janeiro, Fevereiro, Março, Maio, Julho e Dezembro de 2000, e de Janeiro a Maio de 2001 – perante a Ré.
Não decorrendo uma tal invocação diretamente do conjunto dos factos provados.

Mas sendo que quando a arguição da prescrição de tais juros, feita no artigo 28º da mesma petição inicial, chegou ao conhecimento da Ré, em 02 de Julho de 2013 – cfr. A/R de folhas 32 – ainda persistia a “comunicação” em causa.

Como decorre do provado de que “Entre 15/10/2012 e 27/06/2013, o autor solicitou por diversas vezes à ré que retirasse a comunicação ao Banco de Portugal, sem sucesso.”, mantendo-se a dita “comunicação” “até data não concretamente apurada, mas não posterior a Dezembro de 2013” – vd. n.ºs 22º e 23º dos Factos Provados.

Sabendo-se assim que já depois da invocação da prescrição dos juros em causa ainda se mantinha a dita “comunicação” (vd. também a alínea d) dos factos não provados, e a declaração da CRC, emitida em 09-07-2013, a folhas 35).

Acrescendo que não tendo o A. pago a quantia correspondente a tais juros, a Ré, que havia começado por debitar tal quantia, em 20-06-2013, procedeu, na mesma data, ao crédito daquela na conta do A., vd. factos provados 16º e 25º.

O que é compatível com a arguição, pelo ora A., e já então, da prescrição dos correspondentes juros.

Tendo-se tratado assim – e relativamente ao período considerável – da manutenção do nome do A. junto da Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal, por incumprimento de “obrigação natural”.

4.-Nos termos do artigo 1º do Decreto-Lei n.º 204/2008, de 14 de Outubro – diploma que, nos dizeres do relatório respetivo, prossegue os objetivos do Serviço de Centralização de Riscos de Crédito, “consagrado no Decreto -Lei n.º 29/96, de 11 de Abril, dando resposta à necessidade de as instituições de crédito e as sociedades financeiras avaliarem correctamente os riscos das suas operações.”, alargando “o âmbito de utilização da informação transmitida pelas entidades participantes, por forma a permitir a avaliação dos riscos envolvidos na aceitação de empréstimos bancários como garantia das operações e o registo centralizado dessas garantias.” –:

1—A Central de Responsabilidades de Crédito (CRC), assegurada pelo Banco de Portugal, nos termos da sua Lei Orgânica, aprovada pela Lei n.º 5/98, de 31 de Janeiro, tem por objecto:
a)Centralizar as responsabilidades efectivas ou potenciais de crédito concedido por entidades sujeitas à supervisão do Banco de Portugal ou por quaisquer outras entidades que, sob qualquer forma, concedam crédito ou realizem operações análogas;
b)Divulgar a informação centralizada às entidades participantes;
c) Reunir informação necessária à avaliação dos riscos envolvidos na aceitação de empréstimos bancários como garantia no âmbito de operações de política monetária e de crédito intradiário.

2—A Central de Responsabilidades de Crédito abrange a informação recebida relativa a responsabilidades efectivas ou potenciais decorrentes de operações de crédito, sob qualquer forma ou modalidade, de que sejam beneficiárias pessoas singulares ou colectivas, residentes ou não residentes em território nacional.
3—(…)”.

Dispondo-se, no artigo 2º, que:
“1—As entidades participantes são as entidades sujeitas à supervisão do Banco de Portugal que concedam crédito, sucursais de instituições de crédito com sede no estrangeiro e actividade em Portugal e outras entidades designadas pelo Banco de Portugal que, de algum modo, exerçam funções de crédito ou actividade com este directamente relacionada.
2—As entidades participantes figuram na lista publicada no sítio do Banco de Portugal na Internet.
3—Compete ao Banco de Portugal estabelecer as normas regulamentares e procedimentos que tiver por convenientes para o bom funcionamento da Central de Responsabilidades de Crédito e divulgá -los pelas entidades participantes.
4—A informação divulgada pelo Banco de Portugal, constante da Central de Responsabilidades de Crédito, é da responsabilidade das entidades que a tenham transmitido, cabendo exclusivamente a estas proceder à sua alteração ou rectificação, por sua iniciativa ou a solicitação dos seus clientes, sempre que ocorram erros ou omissões.
5—(…)” (o grifado é nosso).

No artigo 3º, prevê-se que:
“1–As entidades participantes ficam obrigadas a fornecer ao Banco de Portugal, nos termos da regulamentação aprovada, todos os elementos de informação respeitantes a responsabilidades efectivas ou potenciais decorrentes de operações de crédito concedido em Portugal, referidos no número seguinte, e, quando requeridos pelo Banco de Portugal, todos os elementos de informação relativos a responsabilidades efectivas ou potenciais decorrentes de operações de crédito concedido no estrangeiro pelas suas sucursais no exterior.
2–Cada entidade participante fica obrigada a comunicar ao Banco de Portugal os saldos, em fim de cada mês, das responsabilidades decorrentes das seguintes operações de crédito concedido em Portugal, a residentes ou não agências e sucursais, incluindo as instaladas nas zonas francas da Madeira e da ilha de Santa Maria:
a)Operações activas com pessoas singulares ou colectivas, a comunicar em nome do beneficiário directo do crédito e garantias prestadas e recebidas, em nome do potencial devedor, residentes em território nacional, pelas suas sedes, filiais (…) ”.

Por sua vez, e no que aqui agora pode interessar, rege o artigo 6º - do mesmo Diploma – que:
“1—As entidades participantes podem requerer ao Banco de Portugal que lhes seja dado conhecimento da informação registada na Central de Responsabilidades de Crédito relativa às pessoas singulares ou colectivas que lhes hajam solicitado crédito.
2—O resultado da consulta efectuada nos termos do número anterior deve ser comunicado ao consumidor, de forma clara e perceptível, designadamente quando dê origem à recusa na concessão do crédito.
3—São condições de legitimidade do pedido de informação ser a entidade requerente credora actual da pessoa singular ou colectiva em causa, ou, não sendo credora, ter desta recebido pedido de concessão de crédito.
4—O Banco de Portugal regulamenta as condições de legitimidade e fixa condições complementares, garantindo nomeadamente o acesso à informação registada na Central de Responsabilidades de Crédito em termos compatíveis com o horário de funcionamento das entidades participantes.” (o grifado é nosso).

Finalmente, com vista a regulamentar a Central de Responsabilidades de Crédito, a Instrução nº 21/2008 do Banco de Portugal, veio determinar que:

“1.
Objeto.
As entidades participantes são obrigadas a comunicar ao Banco de Portugal a informação relativa a responsabilidades efetivas ou potenciais decorrentes de operações de crédito, sob qualquer forma ou modalidade, de que sejam beneficiárias pessoas singulares ou coletivas, residentes ou não residentes em território nacional, competindo ao Banco de Portugal efetuar a centralização e divulgação dessa informação.
 (…)

4.Dever de informação aos devedores.
a)As entidades participantes deverão, antes da celebração do contrato de crédito, informar o devedor sobre os factos suscetíveis de gerar comunicações à Central de Responsabilidades de Crédito, o que poderá ser feito no próprio contrato de crédito ou em documento anexo ao mesmo.
b)As entidades participantes deverão, igualmente, informar os devedores do início da comunicação dos mesmos em situação de incumprimento, o que poderá ser feito através da inclusão de uma mensagem no extrato da conta de depósitos à ordem ou da conta do cartão de crédito do devedor dando conhecimento dessa situação.
c)No caso dos garantes (fiadores ou avalistas) que sejam chamados a substituir os devedores principais no pagamento do crédito, a entidade participante deverá informá-los dessa situação e apenas deverá comunicá-los na situação de incumprimento se o pagamento do crédito não tiver sido efetuado dentro do prazo estabelecido para esse efeito” (idem quanto ao grifado).

Acresce que aos comunicados “saldos” deverão ser associados vários elementos de caracterização, v.g., a “Situação do crédito − caracteriza o saldo quanto ao seu carácter efectivo ou potencial e quanto ao grau de cumprimento do pagamento do crédito”; e a “Classe de crédito vencido − caracteriza um saldo que se apresente na situação de vencido quanto ao período de tempo que decorreu desde o início dessa situação.”, cfr. n.º 5.2., alíneas b) e f), do citado Regulamento.

Perante esta teia normativa, não vemos como é possível, em plena boa-fé, sustentar que a informação registada na Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal – enviada pelas entidades “participantes” – para lá de prover ao acautelamento de riscos de crédito das correspondentes instituições de crédito, não visa – sob uma literalidade menos direta – exercer pressão sobre o devedor para cumprir.

Pressão que não é pequena, quando se sabe que as instituições de crédito irão determinar-se quanto à concessão daquele – sob as mais variadas formas – ao particular, também e primordialmente, em função do que constar a respeito do potencial cliente, na sobredita Central.

Descobrindo-se pois o “devedor” e na prática, incluído numa verdadeira “lista negra”, que lhe coarta em absoluto – ademais nesta era de arquivo informático de dados – quaisquer pretensões de financiamento junto das entidades para o efeito vocacionadas.
O que, consubstanciando um quadro de mediada coerção, claramente se não casa com a manutenção no referido registo, de situações de incumprimento…de obrigações naturais, quanto às quais, como referido já, na linha do ensinamento de Antunes Varela, “O espírito da lei, ao reconhecer os deveres de ordem moral ou social que estão na base das obrigações naturais, é o de manter a espontaneidade do cumprimento, com a qual se deve considerar incompatível qualquer forma de coercibilidade jurídica, ainda que instituída pelo próprio devedor.”.

A esta ordem de considerações acresce uma outra, qual seja a de que a ré não provou ter informado o suposto devedor do início da comunicação do mesmo em situação de incumprimento, como estava obrigada a fazer.

Assim lhe coartando a possibilidade de – quando fosse caso disso – proceder ao pagamento em falta, desse modo obstando à manutenção da “comunicação” à CRC do BP.

Para além de que com a reposição do quantitativo relativo a tais juros, em 20-06-2013, assumiu a Ré, pelo menos, e a partir da data daquela, a inexigibilidade do pagamento dos ditos.

Sendo, por outro lado, que não se tendo provado que antes da data referida no n.º 21º dos factos provados “o autor soubesse que a quantia” relativa aos juros em causa “se encontrava por pagar”, igualmente provado não resultou que a Ré não tivesse “logrado receber a quantia referida em 16º até 20-06-2013, por falta de saldo positivo na conta identificada” no facto provado n.º 1º.
Estando, pelo contrário, assente que “Pelo menos até Outubro/Novembro de 2012, a ré não solicitou ao autor o pagamento da quantia” relativa aos tais juros. 

Resultando pois arredado, na conjugação destas diversas vertentes de abordagem – que o recorte fáctico impõe – o equacionar de situação de incumprimento culposo – ainda que presuntivo, ex vi do artigo 799º, n.º 1, do Código Civil – de obrigação civil, por parte do A., no que aos juros em causa respeita, que legitimasse a participação a propósito feita pela Ré ao CRC do BP.

Tendo a CSA, por via de tal participação, praticado um ato ilícito e claramente culposo.

Certo a propósito que, como refere Menezes Cordeiro,[6] a concretização do critério legal do artigo 487º, n.º 2, do Código Civil, “faz-se inserindo o bom pai de família na específica área de interesse e de competências técnicas em que se coloque o devedor. Quem se dirija a um (…) banqueiro”, esperará encontrar “um banqueiro competente, dispondo dos apetrechos que é de esperar em tais circunstâncias”, e designadamente no plano da assessoria jurídica, acrescentaremos nós.   

E, como se julgou no Acórdão desta Relação de 19-05-2011,[7] “I - O facto de os bancos serem obrigados a remeter mensalmente e por via informática ao Banco de Portugal todos os créditos e a respectiva situação devidamente codificada não irresponsabiliza aqueles pelas comunicações efectuadas. II - O automatismo dessa comunicação e as consequências que dela nascem para o cliente impõem um reforço do cuidado e da diligência por forma a evitar o erro e as suas consequências. III - As angústias e transtornos causados pela indevida inclusão de um nome na base de dados de incumpridores, transmitida e comunicada ao Banco de Portugal, atingem o património moral dessa pessoa, devendo merecer a tutela do direito e, pela sua gravidade, ser indemnizados, nos termos previstos pelo art. 496.º do CPC.” (grifado nosso).
*

Improcedem, destarte, as conclusões da Recorrente.

III–Nestes termos, acordam em julgar a apelação improcedente, confirmando a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente, que decaiu totalmente.
***


Lisboa, 2016-11-24 



(Ezagüy Martins)
(Maria José Mouro)
(Maria Teresa Albuquerque)



[1]In “Tratado de Direito Civil Português”, II, Direito da Obrigações, Tomo I, 2009, Almedina, págs. 583, 588 e 591.
[2]In “Direito das Obrigações”, 9ª Ed., Almedina, 2001, pág. 174.
[3]In “Das Obrigações em Geral”, Vol. I, 10ª Ed., 2003, pág. 725.
[4]Idem, págs. 734-736.
[5]Proc. 229191/11.0YIPRT.C1, Relator: JOSÉ AVELINO GONÇALVES, in www.dgsi.pt/jtrc.nsf.
[6]In “Tratado de direito civil português”, II, tomo I, 2009, Almedina, pág. 453.
[7]Proc. 3003/04.2TVLSB.L1.S2, Relator: PIRES DA ROSA, in www.dgsi.pt/jtrl.nsf.       

Decisão Texto Integral: