Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
745/14.8TVLSB.L1-2
Relator: ONDINA CARMO ALVES
Descritores: ARRENDAMENTO
CADUCIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/19/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: (art.º 663º nº 7 do CPC)

1. Nos termos conjugados dos artigos 59.º n.º 1, 26.º n.º 1 e 27.º do NRAU, aprovado pela Lei nº 6/2006, de 27 de Fevereiro, a todos os contratos de arrendamento para habitação celebrados antes da entrada em vigor do NRAU - contratos de arrendamento para habitação celebrados antes da entrada em vigor do Regime do Arrendamento Urbano (RAU), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15.10 e aqueles que foram celebrados durante a vigência do RAU - aplica-se, em matéria de transmissão por morte, o disposto no artigo 57.º do NRAU.

2. A privação do uso de um bem é susceptível de constituir, por si, dano patrimonial, visto que se traduz na lesão do direito real de propriedade assente na exclusão de uma das faculdades que é lícito ao proprietário gozar, de acordo com o preceituado no artigo 1305º do Código Civil, i.e., o uso e fruição da coisa.

3. E, a supressão da faculdade do proprietário extrair do bem todas as suas utilidades constitui, juridicamente, um dano que tem uma expressão pecuniária e que, como tal, deverá ser passível de reparação

4. Sendo invocada como causa de pedir a caducidade do contrato de arrendamento, por morte do arrendatário, deverá ser através da acção de reivindicação que o autor, na qualidade de proprietário do imóvel, poderá exigir de terceiro, a restituição do mesmo.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral:
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA


I. RELATÓRIO

MARTINS, residente em ……, intentou, em 09 de Maio de 2014, contra ANDRÉ …., residente em ……, acção declarativa, sob a forma de processo comum, através da qual pede:
a) se declare que é o legítimo proprietário do rés-do-chão direito do prédio sito na Rua Silva ……, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º 1513/199…;
b) se condene o réu a reconhecer aquele direito de propriedade e a restituir-lhe o andar livre e desocupado;
c) se condene o réu a pagar-lhe € 300,00 mensais desde o mês de Abril de 2012 até à data da restituição, a título de indemnização pela ocupação indevida.

Fundamentou o autor, no essencial, esta sua pretensão na circunstância de ser proprietário do identificado imóvel, que foi dado de arrendamento a Costa …, pai do réu, o qual faleceu, caducando, por esse facto, o arrendamento, recusando-se o réu a restituir-lhe o imóvel.

Citado, o réu apresentou contestação, em 09 de Maio de 2014, arguindo a excepção de ineptidão da petição inicial por falta de causa de pedir. Invocou ainda que sempre viveu no local arrendado, em economia comum com a mãe e que o arrendamento se lhe transmitiu. Nega que o autor tivesse tido prejuízo, pelo que invoca o abuso de direito e a litigância de má-fé, por parte do autor.

O autor respondeu à contestação, nomeadamente ao pedido de litigância de má-fé deduzido pelo réu, invocando que à data do falecimento do inquilino a lei aplicável não previa a possibilidade de o arrendamento se transmitir a descendente nas condições invocadas pelo réu.

Foi realizada a audiência prévia, tendo sido elaborado despacho saneador, no qual se conheceu da invocada excepção de ineptidão da petição inicial por falta de causa de pedir, no que foi desatendida. Foi fixado o objecto do processo, deram-se como assentes os factos não controvertidos com relevo para a decisão e elaboraram-se os temas da prova.

Foi levada a efeito a audiência final, após o que o Tribunal a quo proferiu decisão, constando do Dispositivo da Sentença, o seguinte:

Pelo exposto, decide-se julgar a presente acção parcialmente procedente por parcialmente provada:
- declarando-se que o A. é o legítimo proprietário do rés-do-chão direito do prédio sito na Rua ……., descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º 1513/199….;
- condenando-se o R. a reconhecer aquele direito de propriedade e a restituir-lhe o imóvel;
- condenando-se o R. a pagar ao A. € 300, 00 mensais desde Dezembro de 2012 inclusive até à entrega efectiva do imóvel, liquidando-se desde já a quantia devida em € 8 400, 00 e
- absolvendo-se o R. do pagamento da quantia de € 300, 00 mensais entre Abril de 2012 e Novembro de 2012.
Custas por A. e R. na proporção do decaimento, que se fixam em 1/10 para o A. e em 9/10 para o R. (art.º 527.º/1/2 do C.P.C.).
Notifique e registe.

Inconformado com o assim decidido, o réu interpôs recurso de apelação, relativamente à sentença prolatada.

São as seguintes as CONCLUSÕES da recorrente:

i. Desde 17 de Maio de 2012 o A. conhecia o facto de que o primitivo arrendatário tinha falecido e que era o R., que no locado vivia com a mãe, que pretendia continuar o arrendamento.
ii. O R. continuou a receber as rendas do R. até Novembro de 2012, inclusive, bem sabendo que era este a paga-las, apesar de passar os recibos em nome do falecido Costa.
iii. O facto do senhorio saber que o primitivo arrendatário pai do R. tinha falecido, que o R. queria que se lhe transmitisse o arrendamento e ter continuado a receber dele as rendas e a emitir recibos, se bem que em nome do pai do A., configura uma situação de reconhecimento do R. como inquilino.
iv. Ao receber rendas do R. e emitir recibos, o A. reconhece que o contrato de arrendamento sobreviveu ao primitivo arrendatário e aceita a sua transmissão para o filho deste, aqui R.
v. De resto, o R. está nas condições do previsto no artigo 1106º, 1, al. b), na redacção em vigor à data da morte do seu pai.
vi. O contrato de arrendamento em causa é de 1986, e o art. 57º da Lei nº. 6/2006, de 27 de Maio, não é aplicável tendo em atenção o previsto no artigo 59º, 3 da referida Lei. Com efeito, nada impede que as cláusulas respeitantes à transmissão do arrendamento sejam convencionadas pelas partes acrescentando outros beneficiários além dos previstos no regime legal, mantendo embora a ordem de preferência de transmissários neles contida e protegendo as classes aí previstas.
vii. Por outro lado, não pode haver lugar à condenação no pagamento de uma indemnização, pois não estão reunidos todos os requisitos da responsabilidade civil. Acresce que não tendo o A. invocado o enriquecimento sem causa, nem mencionado que existiu falta de pagamento das rendas, não podia a “juiz a quo” condenar o R. por motivo cimento torna o R. arrendatário. Tal situação torna a sentença nula nos termos do art. 615º, 1, al) b), c) e d) do C.P.C.
viii. De facto não houve prejuízo apurado, nem julgou provado que as rendas a partir de Novembro de 2012 não foram pagas.
ix. Para que haja lugar a responsabilidade civil tem de haver prejuízo, e aqui não se invoca qualquer prejuízo para o A., sendo que a sentença declara não se apurou que o Senhorio tivesse intenção de ceder o andar a terceiros (p. 5 da sentença, penúltimo paragrafo).
x. Não havendo prejuízo apurado, mas apenas o valor locativo do imóvel, não poderá haver lugar à condenação no pagamento de uma indemnização, pois não estão reunidos todos os requisitos da responsabilidade civil.
xi. Não tendo o A. invocado o enriquecimento sem causa, nem mencionado que existiu falta de pagamento das rendas, não podia a “juiz a quo” condenar o R. por motivo diferente do pedido. Toma assim conhecimento de questões de que não podia tomar conhecimento, sendo nula a sentença nos termos do art. 615º, 1, al.) in fine.
xii. Assim, deve cair a condenação do R. a pagar o valor indemnizatório.
xiii. A caducidade do arrendamento após a morte do arrendatário não opera ipso iure, mas deverá ser comunicada, considerando-se renovado o arrendamento se o pretendente a transmissário for tratado como tal, nomeadamente recebendo as rendas por si apresentadas e passando recibos.
xiv. Ora, não tendo o Inquilino entregue o locado findo o período a que se refere o artigo 1053º do C.C., o procedimento a que o senhorio deve deitar mão é a acção de despejo, e não a acção de reivindicação (Edgar A. M. Valente, Procedimento Especial de Despejo, Coimbra Editora, 2015, p. 30-31).

xv. Assim, tendo havido caducidade do contrato no entender do A., este usou um meio processual impróprio ao vir com uma acção comum.
xvi. O uso de meio processual impróprio conduz à absolvição da instância.

Pede, por isso, o apelante, que o recurso seja julgado procedente, e revogada a decisão recorrida, substituída por outra onde se reconheça o réu, como arrendatário, na decorrência de idêntico reconhecimento pelo autor, ou então, sendo o réu absolvido da instância por uso de meio processual inadequado, e em todos os casos não sendo o réu condenado a pagar ao autor qualquer quantia, uma vez que a falta de pagamento (base do prejuízo e do instituto da responsabilidade civil) não foi dada como provada, e o enriquecimento sem causa não foi alegado pelo R. nem os seus pressupostos não foram dados como provados.

O réu apresentou contra-alegações, em 09 de Junho de 2015, e não obstante não haja apresentado conclusões, propugnou que seja negado provimento ao recurso, confirmando-se, na íntegra, a sentença apelada.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II. ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO

Importa ter em consideração que, de acordo com o disposto no artigo 635º, nº 4 do Novo Código de Processo Civil, é pelas conclusões da alegação do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Assim, e face ao teor das conclusões formuladas, a solução a alcançar pressupõe a análise das seguintes questões:

i) DA NULIDADE DA SENTENÇA AO ABRIGO DO DISPOSTO NA ALÍNEA D) DO N.º 1 DO ARTIGO 615.º DO CPC;

ii) DA VERIFICAÇÃO DE ERRO DE JULGAMENTO NA SUBSUNÇÃO JURÍDICA ADUZIDA, TENDO EM CONSIDERAÇÃO OS FACTOS APURADOS.
O que implica a análise:

a) Da caducidade do celebrado contrato de arrendamento e se tem o réu direito a manter-se no andar locado por se lhe ter transmitido a posição de arrendatário;
b) Do reconhecimento pelo autor, do réu, na qualidade de arrendatário;
c) Da indemnização por danos decorrentes da não restituição do imóvel, atenta a caducidade do contrato de arrendamento, por morte do arrendatário;

iii) DO USO DE MEIO PROCESSUAL IMPRÓPRIO, POR SER UMA ACÇÃO DE DESPEJO A ACÇÃO QUE O AUTOR DEVERIA TER INTERPOSTO.

III . FUNDAMENTAÇÃO

A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Foi dado como provado na sentença recorrida, o seguinte:
1. O direito de propriedade do prédio sito na Rua Silva ……, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º 1513/199…, mostra-se inscrito a favor do A., por aquisição com fundamento em partilha da herança, compra e sucessão testamentária registada pelas ap. 42 de 7-11-1994, 26 de 11-1-1999 e 43 de 15-3-1999 (doc. de fls. 10 a 12).
2. Em 18-7-1986, o A. e os demais antepossuidores do imóvel cederam temporariamente e mediante contrapartida monetária, a Costa, para habitação, o r/c, lado direito, daquele (doc. de fls. 13 e 14).
3. O R. nasceu em 5-10-1989 (doc. de fls. 18).
4. O R. é filho de Costa (doc. de fls. 18).
5. O R. procedeu a recenseamento eleitoral em 10-6-2008, indicando como residência a Rua Silva….., em Lisboa (doc. de fls. 20).
6. Costa faleceu em 17-4-2012 (doc. de fls. 15).
7. A Associação Lisbonense de Proprietários, enquanto procuradora do A., recebeu a quantia de € 261, 00 referente ao imóvel da Rua Silva …., emitindo, em 18-4-2012, recibo de pagamento a favor de Costa, conforme doc. de fls. 41.
8. O R. remeteu à Associação Lisbonense de Proprietários o escrito de que se mostra junta cópia a fls. 16, datado de 17-5-2012, em que, assinaladamente, se lê:
Conforme informação verbal e certidão de óbito entregue nessa Associação no passado dia 24-4-2012, venho informar formalmente que o arrendamento acima referido não caducou por morte de Costa, mas transmitiu-se a meu favor, nos termos do art. 1106.º, n.º 1 al. b) do Código Civil.
Com efeito, o arrendamento referido era para habitação, o inquilino falecido (doc. 1) era meu pai (doc. 2) e o signatário transmissário residia com ele há mais de 10 anos.
Estão assim reunidas todas as condições para ocorrer a transmissão, o que se pretende.
A renda a pagar será de € 261, 00, solicitando que os recibos passem a ser emitidos em meu nome.
9. Por incumbência do A., “Gestão Imóveis” remeteu ao R. o escrito de que se mostra junta cópia a fls. 21, datado de 28-5-2012, em que, assinaladamente, se lê:
Cumpre-nos esclarecer que o Regime do Arrendamento Urbano prevê um regime excepcional quanto à transmissão do arrendamento, impondo-se a entrega do andar livre e devoluto até ao mês de Outubro de 2012.
10. A Associação Lisbonense de Proprietários recebeu mensalmente a quantia de € 261, 00 referente ao imóvel da Rua Silva …., emitindo, por referência a Maio, Junho, Julho, Setembro, Outubro e Novembro de 2012 recibos de pagamento a favor de Costa, conforme docs. de fls. 42 a 48.
11. O R. viveu com o pai no imóvel cedido pelo A. mais de 10 anos.
12. O imóvel é uma casa com quatro divisões, com uma área privativa inscrita na caderneta predial de 46 m2, nas imediações do Centro Comercial …., servido por transportes.
13. O imóvel poderia ser cedido por quantia mensal de cerca de € 300, 00 mensais.


B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO


i) DA NULIDADE DA SENTENÇA AO ABRIGO DO DISPOSTO NO N.º 1 DO ARTIGO 615.º DO CPC.

Qualquer acto jurisdicional, nomeadamente uma sentença ou mesmo um despacho, pode atentar contra as regras próprias da sua elaboração e estruturação ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra do qual é decretado e, então, torna-se passível de nulidade, nos termos do artigo 615º, nº 1 do novo Código de Processo Civil.

A este respeito, estipula-se no apontado normativo, sob a epígrafe de “Causas de nulidade da sentença”, aplicável aos despachos ex vi do artigo 613º nº 3 do mesmo diploma que:
“1 - É nula a sentença:
a) Quando não contenha a assinatura do juiz;
b) Quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
d) Quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) Quando condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.....”

O recorrente visa imputar à sentença a nulidade decorrente da alínea d) do citado normativo, a qual se reconduz a um vício de conteúdo, na enumeração de J. CASTRO MENDES, Direito Processual Civil, III, 1980, 302 a 306, ou seja, vício que enferma a própria decisão judicial em si, nos fundamentos, na decisão, ou nos raciocínios lógicos que os ligam.



A nulidade prevista na alínea d) do nº 1 do artigo 615º, nº 1 do CPC terá de ser aferida tendo em consideração o disposto no artigo 608.º, n.º 2 do CPC.

Não pode, na verdade, o Tribunal conhecer senão das questões suscitadas pelas partes, excepto se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento de outras, pelo que a referida nulidade tem de resultar da violação do referido dever.

As questões a que alude a alínea em apreciação, como bem esclarece A. VARELA, RLJ, Ano 122.º, pág. 112, embora reportado ao anterior regime processual civil, mas que nesta parte se mantém inalterável são “(...) todas as pretensões processuais formuladas pelas partes que requerem decisão do juiz, bem como os pressupostos processuais de ordem geral e os pressupostos específicos de qualquer acto (processual) especial, quando realmente debatidos entre as partes …”.

Esclarece M. TEIXEIRA DE SOUSA, Estudos sobre o novo Processo Civil”, Lex, 1997, 220 e 221, que está em causa “o corolário do princípio da disponibilidade objectiva (art. 264.º, n.º 1 e 664.º 2.ª parte) o que significa que o tribunal deve examinar toda a matéria de facto alegada pelas partes e analisar todos os pedidos formulados por elas, com excepção apenas das matérias ou pedidos que forem juridicamente irrelevantes ou cuja apreciação se tornar inútil pelo enquadramento jurídico escolhido ou pela resposta fornecida a outras questões “.

Como escreve ALBERTO DOS REIS, CPC Anotado, Vol. V, 143, a propósito da omissão de pronúncia, “são, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte”.

E, refere ainda ALBERTO DOS REIS, ob. cit., 54, a propósito do que deverá entender-se por “questões suscitadas pelas partes”, que “para caracterizar e delimitar, com todo o rigor, as questões postas pelas partes, não são suficientes as conclusões que elas tenham formulado nos articulados; é necessário atender também aos fundamentos em que elas assentam. Por outras palavras: além dos pedidos propriamente ditos, há que ter em conta a causa de pedir. Na verdade, assim como uma acção só se identifica pelos seus três elementos essenciais (sujeitos, objecto e causa de pedir), ..., também as questões suscitadas pelas partes só ficam devidamente individualizadas quando se souber não só quem põe a questão (sujeitos) e qual o objecto dela (pedido), senão também qual o fundamento ou razão do pedido apresentado (causa de pedir)”.

E, refere ainda ALBERTO DOS REIS que: “uma coisa é tomar em consideração determinado facto, outra conhecer de questão de facto de que não podia tomar conhecimento; o facto material é um elemento para a solução da questão, mas não é a própria questão”.

Salienta-se, por outro lado, no Ac. do STJ de 06.05.04 (Pº 04B1409), acessível na Internet, no sítio
www.dgsi.pt, a propósito da omissão de pronúncia, que “(...) terá o julgador que identificar, caso a caso, quais as questões que lhe foram postas e que deverá decidir. (....) E se, eventualmente, o juiz, ao decidir das questões suscitadas, tem por assentes factos controvertidos ou vice-versa, qualifica juridicamente mal uma determinada questão, aplica uma lei inapropriada ou interpreta mal a lei que devia aplicar, haverá erro de julgamento, mas não nulidade por omissão de pronúncia ”.

No caso em apreciação, invoca o apelante que a sentença padece da nulidade prevista na aludida alínea d) do citado normativo, visto entender que o Tribunal a quo conheceu do pedido de indemnização (pela ocupação indevida) por motivo diferente do peticionado (com base no enriquecimento sem causa) que não podia conhecer.

Ora, na sentença recorrida, o tribunal a quo, tendo em consideração os factos que entendeu terem sido alegados e que considerou provados, discorrendo sobre o pedido e a causa de pedir formulados na petição inicial, efectuou a subsunção jurídica, aplicando o direito que julgou adequado e entendeu pertinente ao caso em apreciação, em conformidade com o disposto no nº 3 do artigo 5º do CPC, no qual se dispõe que o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito.

De resto, e como já se decidiu no Ac. STJ de 22.01.2013 (Pº 3313/09.2TBOER.L1.S1), acessível em www.dgsi.pt, “(…) Se se entender não haver lugar à aplicação do regime da responsabilidade civil (arts. 483.º e segs. do CC) por não existir, em concreto, um dano reparável inerente à privação do uso, justifica-se o apelo ao instituto do enriquecimento sem causa. Nada impede que na falta do dano reparável se ordene a restituição do enriquecimento verificado, considerando, por um lado, que isso não envolve infracção do disposto no artigo 664.º do CPC (…).

O aludido vício de conteúdo a que se refere o artigo 615º, n.º 1, alínea d) do Código do Processo Civil, não se verifica, por conseguinte, na sentença recorrida, pelo que improcede o que, relativamente ao qualificado vício da sentença, consta das conclusões da alegação do apelante.

Situação diversa da nulidade da sentença é a de saber se houve erro de julgamento, pois como se refere no Ac. do STJ de 21.05.2009 (Pº 692-A/2001.S1), acessível no supra citado sítio da Internet Se a questão é abordada mas existe uma divergência entre o afirmado e a verdade jurídica ou fáctica, há erro de julgamento, não “errore in procedendo”.

Importa, então, apurar se há errore in judicando ou erro judicial, o que implica a análise das demais concretas questões suscitadas no recurso.


ii) DA VERIFICAÇÃO DE ERRO DE JULGAMENTO NA SUBSUNÇÃO JURÍDICA ADUZIDA, TENDO EM CONSIDERAÇÃO OS FACTOS APURADOS.


a) DA CADUCIDADE DO CELEBRADO CONTRATO DE ARRENDAMENTO E A EVENTUAL TRANSMISSÃO DA POSIÇÃO DE ARRENDATÁRIO


O artigo 1111.º do Código Civil, com a redacção introduzida pelo artigo 27.º do Decreto-Lei n.º 293/77, de 20.7, previa que o arrendamento não caducaria por morte do arrendatário, transmitindo-se para o cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens ou de facto ou a parentes ou afins em linha recta que com ele vivessem, pelo menos, há um ano.

Porém, no caso em apreciação, o arrendatário, pai do réu, faleceu em 17.04.2012 (Nºs 4 e 6 da Fundamentação de Facto).

Nessa altura já vigorava o Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27.02, dela constando normas de direito transitório, tendo em vista os contratos celebrados anteriormente à entrada em vigor do NRAU.

E, nos termos conjugados dos artigos 59.º n.º 1, 26.º n.º 1 e 27.º do NRAU, a todos os contratos de arrendamento para habitação celebrados antes da entrada em vigor do NRAU - contratos de arrendamento para habitação celebrados antes da entrada em vigor do Regime do Arrendamento Urbano (RAU), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15.10 e aqueles que foram celebrados durante a vigência do RAU - aplica-se, em matéria de transmissão por morte no arrendamento para habitação, o disposto no art.º 57.º do NRAU.

O citado normativo, aqui aplicável, apenas admite a transmissão do arrendamento para os descendentes do anterior arrendatário em relação a filho ou enteado com menos de um ano de idade ou que convivesse com o arrendatário há mais de um ano e fosse menor de idade ou, tendo idade inferior a 26 anos, frequentasse o 11.º ou 12.º ano de escolaridade ou estabelecimento de ensino médio ou superior (alínea d) do n.º 1 do art.º 57.º), ou sendo maior de idade, fosse portador de deficiência com grau comprovado de incapacidade superior a 60%.

De resto, a problemática da constitucionalidade do artigo 57.º do NRAU foi já apreciada pelo Tribunal Constitucional, em diversos arestos, que concluíram pela sua constitucionalidade, como sucedeu, exemplificativamente, com o Acórdão n.º 581/11, de 29.11.2011, que reafirmou a jurisprudência dos anteriores Acórdãos n.ºs 385/2010, 346/2011, 196/2010, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt, esclarecendo que a norma transitória do artigo 57.º, n.º 1, alíneas d) e e) do NRAU, é aplicável, quer enquanto norma aplicável aos contratos habitacionais celebrados antes da vigência do RAU, quer enquanto norma aplicável aos contratos habitacionais celebrados na vigência do RAU, por força do disposto nos artigos 27.º e 28.º e 26.º, n.º 2, da Lei n.º 6/2006, de 27.02.

No caso em apreciação não resultou apurado que o réu preenchesse qualquer dos supra enunciados requisitos, pelo que face ao direito ordinário aplicável, o referido contrato de arrendamento caducou em 17.04.2012, por morte do arrendatário, como decorre da alínea d) do artigo 1051.º do Código Civil, tal como foi decidido – e bem – na sentença recorrida, pelo que improcede o que, a este propósito, consta da alegação de recurso do apelante (CONCLUSÃO v. e vi.).


b) DO RECONHECIEMNTO, PELO AUTOR, DO RÉU COMO ARRENDATÁRIO

Insurge-se igualmente o recorrente contra a sentença recorrida, por entender que se deverá considerar que o mesmo foi reconhecido como inquilino.

Como é sabido, o consentimento do senhorio com relação a uma alteração da posição de arrendatário implica a realização de uma conduta activa de concordância anterior, contemporânea ou posterior a essa alteração.

É, portanto, necessário, não só que o senhorio tenha conhecimento dessa alteração da posição de arrendatário, mas que aceite o novo arrendatário, como tal, apontando-se, como exemplo revelador do reconhecimento, o facto de o senhorio receber, em nome daquele, as respectivas rendas.

O reconhecimento que é, no fundo, a manifestação do consentimento pode ser feito por palavras, por escrito ou por factos donde ele se deduza necessariamente, conforme decorre dos artigos 217º e 218º, ambos do Código Civil.

O simples conhecimento que determinada pessoa habita no arrendado, substituindo-se ao arrendatário, não satisfaz só por si, as condições de reconhecimento, podendo apenas significar uma mera tolerância, não equivalendo necessariamente à aceitação daquele como arrendatário. Implica, em suma, que do comportamento do locador se conclua inequivocamente ter havido reconhecimento em termos definitivos e totais.

Sucede que dos factos dados como provados, inexiste qualquer comportamento do autor, na qualidade de locador, do qual se possa deduza necessariamente, conforme decorre dos citados artigos 217º e 218º do Código Civil, a aceitação do réu, enquanto arrendatário, já que apenas se provou que a procuradora do autor recebeu a quantia de € 261,00, tendo emitido recibo, em 17.04.2012, em nome do pai do autor, numa altura em que este já havia falecido, sendo certo que, mesmo esta circunstância terá ocorrido em momento anterior à comunicação, por parte do réu, do falecimento de seu pai, o então arrendatário, tendo o autor continuado a receber igual quantia, mantendo a emissão de recibos, por referência a Maio, Junho, Julho, Setembro, Outubro e Novembro de 2012, sempre em nome do arrendatário, pai do réu – v. Nºs 6 a 8 e 10 da Fundamentação de Facto.

Importa, contudo, ter em consideração o que decorre do artigo 1053.º do Código Civil que, sob a epígrafe de “Despejo do prédio”, estatui: Em qualquer dos casos de caducidade previstos nas alíneas b) e seguintes do artigo 1051.º, a restituição do prédio, tratando-se de arrendamento, só pode ser exigida passados seis meses sobre a verificação do facto que determina a caducidade ou, sendo o arrendamento rural, no fim do ano agrícola em curso no termo do referido prazo.

Tal significa que, tendo o arrendatário – pai do réu – falecido em 17.04.2012, teria o réu direito a permanecer no arrendado durante os seis meses subsequentes, já que a restituição do imóvel apenas poderia ser exigida pelo senhorio, como foi, a partir de Outubro de 2012.

Assim, e não se tendo provado que o réu haja sido reconhecido enquanto arrendatário, por parte do autor, na qualidade de senhorio, no sentido de admitir que o arrendamento se havia transmitido ao réu, improcede, também nesta parte, a alegação de recurso do apelante (CONCLUSÕES i. a iv).


c) DA INDEMNIZAÇÃO POR DANOS PATRIMONIAIS DECORRENTES DA NÃO RESTITUIÇÃO DO IMÓVEL ATENTA A CADUCIDADE DO CONTRATO DE ARRENDAMENTO, POR MORTE DO ARRENDATÁRIO


Insurge-se o apelante contra o valor indemnizatório de € 300,00, por mês, desde Dezembro de 2012, inclusive, até à entrega efectiva do imóvel, que foi fixado na sentença recorrida.

Vejamos.

Ficou provado que o arrendamento celebrado com o pai do réu/apelante havia caducado, face ao falecimento deste, tendo o réu ali permanecido, por período superior a seis mesEs, ao cabo e ao resto, sem título legítimo.

Assim, sempre se teria de se entender como um acto ilícito a sua ocupação, pelo que haveria que fazer apelo às regras da responsabilidade civil extracontratual, afastando-se a aplicação do artigo 1045.º do Código Civil que, sob a epígrafe “Indemnização pelo atraso na restituição da coisa”, estipula que: 1- Se a coisa locada não for restituída, por qualquer causa, logo que finde o contrato, o locatário é obrigado, a título de indemnização, a pagar até ao momento da restituição a renda ou aluguer que as partes tenham estipulado, excepto se houver fundamento para consignar em depósito a coisa devida.; 2 - Logo, porém, que o locatário se constitua em mora, a indemnização é elevada ao dobro”.

Com efeito, ultrapassado o período de seis meses estipulados no artigo 1053º do Código Civil, deixou o réu/apelante, a partir desse momento, e como acima ficou dito, de ter qualquer título de ocupação do imóvel em causa, violando, de forma ilícita, o direito real de propriedade sobre o mesmo. E, esta violação é adequada a provocar danos, verificados que estejam os demais pressupostos da responsabilidade civil por facto ilícito, acarretando a sua ressarcibilidade.

É que, conforme resulta do nº 1 do artigo 483.º do Código Civil “aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.

De acordo com o preceituado nos artigos 562º, 564º e 566º, todos do Código Civil, visa-se, reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”, aí se compreendendo, “não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão”, sendo a indemnização “fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor”, tendo “como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos”, devendo o tribunal “julgar equitativamente dentro dos limites que tiver por provados, se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos.

Ao manter ilicitamente a ocupação do imóvel pertencente ao autor, apesar de ter sido interpelado para proceder à sua entrega, face à caducidade do contrato de arrendamento celebrado com o arrendatário, pai do réu, por força do falecimento daquele, frustrou o réu/apelante, o direito do autor de fruir o aludido bem, dele retirando as vantagens e benefícios inerentes, nomeadamente, as rendas advenientes da sua colocação no mercado de arrendamento.

Invoca o apelante que se não provou a verificação de prejuízos, já que se não havia apurado que o senhorio tivesse intenção de ceder o andar a terceiros, pelo que não estão reunidos todos os requisitos da responsabilidade civil, não podendo haver lugar à condenação no pagamento da fixada indemnização.


Coloca o apelante desta forma em causa a demonstração da ocorrência de danos.

Esta questão pressupõe a ponderação sobre a reparabilidade do dano da privação do uso, cuja solução não tem sido unívoca, quer na doutrina, quer na jurisprudência, com maior incidência a propósito da responsabilidade civil automóvel. Os mesmos argumentos e valores podem ser aduzidos às situações decorrentes da violação do direito de propriedade e derivadas da prática de facto ilícito, sendo certo que a sentença apelada abordou, de forma adequada, tal problemática.

Na verdade, a clivagem jurisprudencial de que a sentença recorrida aludiu, não se limita à qualificação da natureza do dano de privação do uso, como dano não patrimonial ou patrimonial, posto que mesmo quando se aceita a sua natureza patrimonial, existe dissensão.

É que, para uma corrente de opinião, basta, para que seja reparável, a demonstração do não uso do bem atingido, já que a indemnização é quase co-natural a essa mesma privação, defendendo-se que a simples privação do uso é causa adequada de uma modificação negativa na relação entre o lesado e o seu património que pode servir de base à determinação da indemnização, constituindo ainda a opção pelo não uso uma manifestação dos poderes do proprietário, também afectado pela privação do uso – v. a propósito ANTÓNIO S. ABRANTES GERALDES, Temas da Responsabilidade Civil – Indemnização do dano da privação do uso, 2.ª Edição, Almedina.

Também para LUÍS M. T. DE MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, Volume I, 4.ª Edição, 317 “o simples uso constitui uma vantagem susceptível de avaliação pecuniária, pelo que a sua privação constitui naturalmente um dano”.

Considerou-se, designadamente, no acórdão do STJ de 12.01.2010 (Pº 314/06.6TBCSC.S1), acessível em www.dgsi.pt, que: “O proprietário privado por terceiro do uso de uma coisa tem, por esse simples facto e independentemente da prova cabal da perda de rendimentos que com ela obteria, direito a ser indemnizado por essa privação, indemnização essa a suportar por quem leva a cabo a privação em causa. A privação do uso (…) constitui um dano indemnizável, por se tratar de uma ofensa ao direito de propriedade e caber ao proprietário optar livremente entre utilizá-lo ou não, porquanto a livre disponibilidade do bem é inerente àquele direito constitucionalmente consagrado (art. 62.º da CRP) – Cfr. em idêntico sentido Acs. STJ de 28.05.2009 (Pº 160/09.5YFLSB), de 28.09.2011 (Pº 2511/07.8TACSC.L2.S1) e de 06.05.2008 (Pº 08A1279), todos acessíveis no identificado sítio da Internet, bem como o Ac. STJ de 08.05.2013, citado na sentença recorrida.

Para outra corrente, é insuficiente essa demonstração, sendo ainda necessária a prova de um autónomo ou específico dano patrimonial.

Como se defendeu no Acórdão do STJ de 18.11.2008 (Pº 08B2732), no mesmo sítio da internet que: “A mera privação do uso de um imóvel, decorrente de ocupação ilícita, por ofensiva do direito de propriedade do reivindicante (artº 1305º nº1 do CC), não confere a este, sem mais, direito a indemnização em «quantum» correspondente ao do apurado valor locativo daquele, ou outro, mesmo apelando às regras da equidade, ao autor, antes, sopesados os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual que pretende efectivar e o exarado nos artºs 342º nº1, 483º nº1, 487º, 562º a 564º e 566º, todos do CC, cumprindo alegar e provar facticidade donde ressaltem danos consectários da mora na restituição da coisa sua pertença – v. em sentido semelhante Ac. de 16.03.2011 (Pº 3922/07.2TBVCT.G1.S1) e Ac.de 03.05.2011 (Pº 2618/08.6TBOVR.P1), todos acessíveis em www.dgsi.pt.

Como se defendeu no Ac. RL de 11.10.2012 (Pº 3525/09.TBCSC.L1-2), igualmente relatado pela ora relatora, a privação do uso de um bem é susceptível de constituir, por si, dano patrimonial, visto que se traduz na lesão do direito real de propriedade correspondente, assente na exclusão de uma das faculdades que é lícito ao proprietário gozar, de acordo com o preceituado no artigo 1305º do Código Civil, i.e., o uso e fruição da coisa.

A supressão dessa faculdade, impedindo o proprietário de extrair do bem todas as suas utilidades constitui, juridicamente, um dano que tem uma expressão pecuniária e que, como tal, deverá ser passível de reparação – v. a título meramente exemplificativo, Acs. R.L. de 12.10.2006 (Pº 6600/2006-6), de 16.12.2010 (Pº 714/04.6TBABT.E1), de 15.12.2011 (Pº 1470/09.4TCNT-L1-8) e de 06.12.2012 (Pº 813/09.8TVLSB.L1-6). Acs. R. P. de 13.10.2009 (Pº 3570/05.3TBVNG.P1), de 25.02.2013 (Pº 1091/05.3TBMCN.P2) e de 16.01.2014 (Pº 1046/08.6TBVLG.P1), bem como Ac. R.G. de 05.03.2014 (Pº 883/14.7TBVCT.G1), todos em www.dgsi.pt.

Refere-se, justamente no Ac. STJ de 22.01.2013 (Pº 3313/09.2TBOER.L1.S1): É inquestionável que, enquanto a posse intitulada subsistir, os direitos plenos de uso, fruição e disposição de que o proprietário goza, nos termos do art° 1305° CC, ficam fortemente limitados, não podendo ser exercidos na sua plenitude; e estando demonstrado que os réus tinham plena consciência de que o gozo dos imóveis tinha um determinado valor (tanto assim que, celebrando os contratos de arrendamento, se dispuseram a pagar uma renda), afigura-se justo e razoável quantificar o correspondente dano da privação do uso no valor locativo dos imóveis que o autor logrou provar. Se a lei expressamente reconhece ao senhorio o direito a indemnização pelo atraso na restituição da coisa, findo o contrato, mesmo que em concreto nenhum dano se comprove – art.º 1045° CC - indemnização essa que tem por base o valor da renda estipulada, nenhuma razão se vislumbra para que num caso essencialmente análogo como é o presente não se proceda de igual modo; efectivamente o “atraso na restituição da coisa” é aqui a “ocupação ilícita”, conduta cuja antijuridicidade se apresenta tão ou mais evidente do que naquela disposição legal.

No caso vertente, provado ficou que o imóvel é uma casa com quatro divisões, com uma área privativa inscrita na caderneta predial de 46 m2, nas imediações do Centro Comercial das Amoreiras, servido por transportes e que o mesmo poderia ser cedido por quantia mensal de cerca de € 300,00 – v. Nºs 12 e 13 da Fundamentação de Facto.

Mais se provou que o réu/apelante, a partir do mês de Novembro de 2012 deixou de ter título que legitimasse a sua permanência no imóvel pertencente ao autor, assim o impedindo de extrair do bem todas as suas utilidades, nomeadamente de o poder arrendar pelo montante de € 300,00 mensal, entendendo-se, por isso, ser esse o valor que o réu/apelante deverá ressarcir o autor, desde Dezembro de 2012 e enquanto durar a ocupação ilícita do imóvel, tendo sido liquidado, na sentença recorrida, e até àquele momento – e bem – o valor indemnizatório de € 8.400,00.

Aliás, ainda que se considerasse que seria inaplicável o regime da responsabilidade civil, por inexistência, em concreto, de um dano reparável inerente à privação do uso – o que se não entende – ainda assim se justificaria o apelo ao instituto do enriquecimento sem causa, na esteira dos Acórdãos do STJ de 23.03.1999, de 26.05.2009, referidos no supra citado Acórdão do STJ de 22.01.2013, bem como no Ac. de 03.10.2013 (Pº 1261/07.0TBOLHE.E1.S1), entendimento que o Tribunal a quo sufragou.

Improcede, pois, o que em adverso consta da alegação de recurso do apelante.

d) DA INDEMNIZAÇÃO POR DANOS DECORRENTES DA NÃO RESTITUIÇÃO DO IMÓVEL, A TENTA A CADUCIDADE DO CONTRATO DE ARRENDAMENTO, POR MORTE DO ARRENDATÁRIO;

Vem o réu/apelante, apenas nas suas alegações de recurso, invocar ter o autor usado um meio processual impróprio, por entender que deveria ter sido proposta uma acção de despejo e não uma acção de reivindicação, mais alegando que tal conduziria à absolvição da instância.

É consabido que o recurso jurisdicional visa modificar a decisão proferida e não criar soluções sobre matéria nova, estando vedado aos tribunais superiores apreciar questões não colocadas nas instâncias inferiores.

Como é jurisprudência pacífica, os recursos visam o reexame, por parte do tribunal superior, de questões precedentemente resolvidas pelo tribunal
a quo, e não a pronúncia sobre questões novas.

Às partes não é, portanto, lícito suscitar questões que não hajam sido objecto da decisão recorrida, não podendo o tribunal de recurso pronunciar-se sobre questões ali não decididas, excepto nas situações em que a lei expressamente determine o contrário, ou naquelas em que a matéria em causa seja de conhecimento oficioso.


A questão apenas agora suscitada pelo apelante, consistente no erro da forma de processo não foi invocada, como cumpriria, na contestação, sendo que, por força do princípio da preclusão, todos os meios de defesa não invocados nesta, ficam prejudicados, não podendo ser alegados mais tarde.


Ademais, essa nulidade só poderá ser arguida até à contestação ou neste articulado, podendo o tribunal dela conhecer no despacho saneador, ou não o havendo, até à sentença final, se antes não tiver sido já apreciada, conforme decorre dos artigos 196º, n. 1 e 200º, n. 1, ambos do Código de Processo Civil.

E, não tendo a questão do uso de meio processual impróprio sido alvo de apreciação pelo Tribunal a quo, sempre consubstanciaria uma questão nova.

Porém, como a nulidade decorrente da verificação de erro na forma de processo é de conhecimento oficioso, conforme preceitua o disposto no artigo 196º do C.P.C. e, não obstante o que decorre do preceituado no nº 2 do citado artigo 200º e de tal arguição de nulidade apenas ter sido suscitada no recurso de apelação, dela este Tribunal da Relação irá conhecer.

O erro na forma de processo, contemplado no artigo 193.º do Código de Processo Civil, consiste em ter o autor usado de uma forma processual inadequada para fazer valer a sua pretensão – v.
RODRIGUES BASTOS, Notas ao Código de Processo Civil, I, 3.ª ed., 261.

O acerto ou o erro na forma de processo, que é de conhecimento oficioso, conforme resulta do artigo 196º do CPC, afere-se pela pretensão jurídica expressa, isto é, pelo pedido formulado na acção.


Há erro na forma do processo quando o autor, para fazer valer a sua pretensão, usa uma forma de processo inadequada. Será, pois, em função do pedido formulado que se aquilata do acerto ou do erro na forma de processo escolhida pelo autor. Isto é, o critério de aferição da propriedade ou impropriedade da forma de processo reside em apurar se o pedido formulado se harmoniza com o fim para que foi estabelecida a forma processual empregue pelo autor.


E, como é entendimento jurisprudencial, só haverá erro na forma do processo quando o autor para fazer valer a sua pretensão, usa de uma forma de processo inadequada, independentemente das razões de procedência ou improcedência da acção – v. Acs. STJ de 15.02.1990, BMJ 394, 426 e de 30.06.1988, (Pº 076394), acessível na Internet, no sítio
www.dgsi.pt.


No caso vertente, o pedido principal formulado na petição inicial consistia no reconhecimento do direito de propriedade do autor sobre o imóvel identificado e a condenação do réu a restituir o imóvel livre e desocupado.


Como observava JORGE ALBERTO ARAGÃO SEIA, Arrendamento Urbano Anotado e Comentado, 240, ainda no âmbito da legislação pretérita (RAU),“(…) face à redacção do nº 2 do art. 55º, sempre que os ocupantes do arrendado sejam pessoas alheias a este e ao arrendatário, não havendo transmissão do arrendamento por morte, nos termos do art. 85º, ou direito a novo arrendamento, ao abrigo do art. 90º, a acção própria para reaver o arrendado será a de reivindicação prevista no art. 1311º do C.C.”

Ora, adiantando o autor que o réu não tem título que legitime a ocupação do imóvel de que é proprietário e cuja entrega peticiona, está, ele mesmo, a admitir que a causa de pedir não está consubstanciada num contrato de arrendamento que suporta o pedido que formulou.

Não estando alegado na petição inicial que o réu seja sujeito de uma qualquer relação jurídica consubstanciada no contrato de arrendamento que se extinguiu por caducidade, por morte do arrendatário, nunca faria sentido o recurso à acção de despejo, porquanto o que está em causa é a violação do direito de propriedade e não do arrendamento, o que implica que a causa de pedir é consentânea com a acção de reivindicação, sem prejuízo de nesta o réu poder excepcionar com a recusa legítima da restituição que lhe é pedida.

Assim sendo, forçoso é concluir que inexiste qualquer erro da forma de processo e muito menos que tal implicasse a absolvição da instância ou mesmo a anulação de qualquer acto processual, o que acarreta, igualmente nessa parte, a improcedência da apelação.

Destarte, soçobra, in totum, a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.

O apelante será responsável pelas custas respectivas nos termos do artigo 527º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, sem prejuízo do apoio judiciário que lhe foi concedido (fls. 55).

***

IV. DECISÃO


Pelo exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente o recurso, mantendo-se a decisão recorrida.

Condena-se o apelante no pagamento das custas respectivas.

Lisboa, 19 de Novembro de 2015


Ondina Carmo Alves - Relatora

Olindo dos Santos Geraldes

Lúcia Sousa