Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
439/11.6TTLRS.L1-4
Relator: MARIA JOÃO ROMBA
Descritores: PATROCÍNIO JUDICIÁRIO
PRESCRIÇÃO
INTERRUPÇÃO DO PRAZO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/07/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: I - Para os casos em que o A. careça de apoio judiciário na modalidade de patrocínio, a acção considera-se proposta na data em que for apresentado o pedido de nomeação de patrono.
II - Sendo o prazo definido na lei para a conclusão do procedimento administrativo, de 30 dias (art. 25º), a falta de citação ou notificação do R. nos cinco dias subsequentes à data em que, por ficção legal, é de considerar proposta a acção (e consequentemente requerida a citação) não poderá considerar-se imputável ao requerente e, por conseguinte, deve ter-se por interrompida a prescrição decorridos os cinco dias sobre a data de requerimento de protecção jurídica na modalidade de patrocínio.
III - Tendo a A. alegado ter sido despedida em 31/5/2009, o prazo de prescrição de um ano que se havia iniciado no dia 1/6/2009 interrompeu-se no dia 12/10/2009, 5º dia subsequente à apresentação à Segurança Social de apoio judiciário na modalidade de patrocínio.
IV - Esta interrupção tem efeito instantâneo e não duradouro e inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do acto interruptivo.
V - Sendo o efeito interruptivo instantâneo e tendo operado em 12/10/2009, começou em 13/10/2009 a correr o novo prazo, o qual, por não ter entretanto ocorrido novo evento interruptivo nem suspensivo, se consumou no dia 13/10/2010.
VI - Deste modo, quando a presente acção foi instaurada – 15/4/2011 – já se encontravam extintos por prescrição os créditos invocadas.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Acordam do Tribunal da Relação de Lisboa:



I-Relatório:



AA interpôs, em 15/4/2011, com pedido de citação urgente, a presente acção de processo comum contra BB, Ldª alegando, em síntese, ter sido ilicitamente despedida em 31/5/2009 e pedindo a declaração de tal ilicitude e a condenação da R. a pagar-lhe diversos créditos laborais. Alegou ainda ter pedido apoio judiciário na modalidade de patrocínio em Setembro de 2009. A patrona nomeada pediu prorrogação do prazo para a propositura da acção, propositura que teve lugar em 7/9/2010 e mereceu indeferimento liminar em 14/10/2010. Apresentou nova petição, invocando o disposto pelo art. 476º do CPC, a qual foi mandada desentranhar, por se ter entendido ter havido alteração do pedido e causa de pedir. Interposto recurso desse despacho, foi o mesmo confirmado pela Relação, tendo sido notificada deste acórdão em 25/2/2011.

Considerando instaurada a acção na data do requerimento de nomeação de patrono, em Setembro de 2009 – quatro meses após o despedimento - e interrompido nessa data o prazo de prescrição, tal interrupção terminou com a notificação do despacho de indeferimento, em 14/10/2010. Por à data da propositura desta nova acção não terem decorrido dois meses sobre a data da notificação do acórdão da Relação, entende estar em tempo, embora próximo do prazo prescricional.

Na contestação a R. excepcionou a prescrição.

No despacho saneador foi julgada procedente a excepção de prescrição dos créditos peticionados e a R. absolvida dos pedidos.

A A. não conformada, interpôs recurso, cujas alegações terminam com as seguintes conclusões:
(…)

A recorrida não contra alegou.

Subidos os autos, o M.P. junto deste tribunal emitiu parecer favorável à procedência do recurso, face ao preceituado pelo nº 3 do art. 327º do CC.

O objecto do recurso consiste na reapreciação da prescrição dos créditos peticionados.

A decisão recorrida considerou assente a seguinte factualidade:

1. A Autora alega que em 31.05.2009, foi despedida pela Ré.

2. A Autora requereu em 7 de Outubro de 2009, benefício de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, nomeação e pagamento da compensação de patrono.

3. A A. intentou a 7 de Setembro de 2010, a Acção n.º 868/10.2TTLRS contra a ora Ré, peticionando que seja declarado resolvido por justa causa o contrato de trabalho celebrado entre a A. e a Ré a 25 de Junho de 2007, sendo a Ré condenada numa indemnização no valor de € 20.453,20, acrescida de juros de mora, invocando como causa de pedir a falta culposa do pagamento pontual da retribuição, bem como créditos salariais.

4. Por despacho judicial proferido a 14-09-2010, fls. 33 a 37 dos autos da Acção n.º 868/10.2TTLRS, foi indeferida liminarmente a petição inicial, por manifestamente improcedente.

5. Por despacho judicial proferido a 11.10.2010, foi determinado o desentranhamento de nova petição inicial proposta ao abrigo do disposto no art. 476.º do CPC.

6. A presente acção deu entrada na secretaria judicial em 15 de Abril de 2011, peticionando a A. que seja declarada a nulidade do despedimento, por ilícito, e consequente indemnização em substituição da reintegração, bem como todas as prestações pecuniárias vincendas até à data do trânsito em julgado da sentença. Peticiona, ainda a Autora, o vencimento do mês de Maio de 2009, férias e subsídio de férias vencidos em 1 de Janeiro de 2009 e 1 de Janeiro de 2010, subsídio de Natal referente ao ano de 2009, vencimento correspondente aos trinta dias que antecederam a data da propositura da acção, vencimentos dos meses de Setembro, Outubro, Novembro e Dezembro de 2009 e de Janeiro a Agosto de 2010, crédito de horas de formação, tudo acrescido de juros legais devidos.
           
            Apreciação:

Por poder eventualmente relevar para a apreciação do recurso, adita-se à matéria de facto o seguinte ponto:

7- Interposto recurso do despacho referido em 5, foi o mesmo confirmado por acórdão de 23/2/2011, notificado por cartas expedidas em 25/2/2011 (considerando-se, pois, recebidas a 28/2/2011).
           
A Srª Juíza considerou interrompido o prazo prescricional na data da apresentação na segurança social do requerimento de patrocínio judiciário (7/10/2009), referindo que tal prazo voltaria a correr (reiniciando-se), com o trânsito em julgado do despacho que indeferiu liminarmente a petição relativa à 1ª acção, ou seja em 27/9/2010 (visto a decisão ser de 14/9/2010, a que somou três dias de correio e dez para interposição de recurso). Mas acabou por concluir que a A. não pode beneficiar da interrupção da prescrição pelo decurso da acção proposta sob o nº 868/10.2TTLRS, porque o nº 2 do art. 327º dispõe que quando se verifique a desistência ou absolvição da instância ou seja considerada deserta, o novo prazo prescricional começa a correr logo após o acto interruptivo. Porque aquela acção mereceu despacho de indeferimento liminar e consequente absolvição da R. da instância, por manifesta improcedência da acção, o novo prazo começou a correr logo após o  acto interruptivo, ou seja, em 8/10/2009, encontrando-se decorrido à data da propositura desta acção.

A recorrente entende padecer esta apreciação e a decisão de erro, por não ter tomado em conta que o acórdão da Relação se considera notificado em 28/2/2011 (atenta a respectiva expedição em 25/2) e consequentemente, por aplicação do disposto pelo art. 327º nº 3 do CC – decurso de menos de dois meses entre este facto e a propositura – é de considerar não esgotado o prazo prescricional.

Vejamos quem tem razão.

É sabido que a prescrição dos créditos laborais se rege por um regime especial (previsto actualmente no art. 337º do CT) que se traduz na redução do respectivo prazo – um ano – mas, em contrapartida, só se inicia a respectiva contagem no dia imediato à cessação do contrato, o que se explica pelas mesmas razões que justificam a existência de um Direito do Trabalho autónomo do Direito Civil: o reconhecimento da existência de um desequilíbrio real na relação, já que se trata de uma verdadeira relação de poder, em que uma das partes é detentora do poder de direcção e autoridade sobre a outra, que se encontra numa situação de subordinação jurídica. É por reconhecer que essa efectiva desigualdade real pode inibir o trabalhador de reclamar os seus direitos na vigência da relação que se estabeleceu este regime especial. Mas no demais aplicam-se as regras de direito civil.

Nos termos do art. 323º nºs 1 e 2 do CC a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, mas, se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se por interrompida logo que decorram os cinco dias.

Para os casos em que o A. careça de apoio judiciário na modalidade de patrocínio, sendo certo que tal benefício tem de ser formulado previamente perante a autoridade administrativa competente (cfr. art. 20º da L. 34/2004, de 29/7), dispõe o art. 33º nº 4 deste diploma que a acção se considera proposta na data em que for apresentado o pedido de nomeação de patrono.

Ora, sendo o prazo definido na lei para a conclusão deste procedimento administrativo, de 30 dias (art. 25º), é bom de ver que a falta de citação ou notificação do R. nos cinco dias subsequentes à data em que, por ficção legal, é de considerar proposta a acção (e consequentemente requerida a citação) não poderá considerar-se imputável ao requerente[1] e, por conseguinte, deve ter-se por interrompida a prescrição decorridos os cinco dias sobre a data de requerimento de protecção jurídica na modalidade de patrocínio.

Assim, tendo a A. alegado ter sido despedida em 31/5/2009, o prazo de prescrição de um ano que se havia iniciado no dia 1/6/2009 interrompeu-se no dia 12/10/2009,  5º dia subsequente à apresentação à Segurança Social de apoio judiciário na modalidade de patrocínio.

A interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do acto interruptivo. É o que dispõe o art. 326º do CC.

Por sua vez o art. 327º  estabelece:

“1- Se a interrupção resultar de citação, notificação ou acto equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo.
2- Quando, porém, se verifique a desistência ou a absolvição da instância, ou esta seja considerada deserta, ou fique sem efeito o compromisso arbitral, o novo prazo prescricional começa a correr logo após o acto interruptivo.
3- Se, por motivo processual não imputável ao titular do direito, o réu for absolvido da instância ou ficar sem efeito o compromisso arbitral, e o prazo de prescrição tiver entretanto terminado ou terminar nos dois meses imediatos ao trânsito em julgado da decisão ou da verificação do facto que torna ineficaz o compromisso, não se considera completada a prescrição antes de findarem estes dois meses.”.

A Srª Juíza considerou que a situação dos autos se integra na hipótese prevista no nº 2 que constitui um desvio à regra definida no nº 1. Pretende a recorrente (que é acompanhada pelo M.P. junto deste tribunal), que é antes aplicável a hipótese do nº 3.

Em nosso entender, rigorosamente a situação não se enquadra no nº 2 nem no nº 3, uma vez que não houve desistência nem absolvição da instância, nem esta foi julgada deserta, tampouco ficou sem efeito qualquer compromisso arbitral. O que houve foi antes um indeferimento liminar por manifesta improcedência.

Admitindo porém que possa eventualmente considerar-se extensivo ao indeferimento liminar por manifesta improcedência o que está estabelecido nas normas em causa para as situações de absolvição da instância - uma vez que o próprio art. 234º-A do CPC (na versão então vigente) prevê a aplicação do disposto no art. 476º, permitindo a apresentação de nova petição que corrija os vícios da 1ª, à semelhança do que se encontrava estabelecido no art. 289º para os casos se absolvição da instância (embora os prazos sejam diversos) - haveria que apreciar se tal decisão era ou não imputável à A. para poder ajuizar se era aplicável o disposto no nº 2 ou no nº 3. Não se mostra que isso tivesse sido feito, quer no despacho recorrido, quer nas alegações da recorrente.

Como se vê do despacho de indeferimento liminar proferido no processo 868/10.2TTLRS a petição apresentava múltiplas deficiências e contradições (formulava pedido compatível com  invocada resolução com justa causa do contrato de trabalho, sem todavia alegar sequer que o tivesse feito em conformidade com o formalismo imposto pela lei, ao mesmo tempo que alegava também ter sido despedida antes da data em que alegadamente teria resolvido o contrato…). Tais vícios, em princípio, serão da responsabilidade da mandatária, pois ainda que seja de admitir que a própria A. estivesse baralhada e confusa e quisesse “atirar barro à parede”[2], aquela, enquanto técnica do direito, teria de ponderar devidamente em face dos elementos de facto que a A. lhe transmitia e o seu conhecimento do direito aplicável, os termos em que devia formular a petição. Na medida em que se tratava de patrona oficiosa, nomeada pela AO e não por escolha da própria A., afigura-se-nos que os vícios da petição que determinaram o indeferimento liminar não poderão considerar-se imputáveis à A. (titular do direito invocado) e, a ser assim, seria então aplicável o nº 3 e não o nº 2.

Entendemos, porém, que nem um, nem outro são aplicáveis, por o caso não se enquadrar na previsão da referida norma. Com efeito o primeiro pressuposto para a aplicação do disposto por qualquer dos nºs do art. 327º é que a interrupção resulte de citação, notificação ou acto equiparado ou de compromisso arbitral.  O nº 4 do art. 323º explicita o que se entende por acto equiparado à citação ou notificação como sendo “qualquer outro meio judicial pelo qual se dê conhecimento do acto àquele contra quem o direito pode ser exercido”. Ora, a causa interruptiva da prescrição que operou no caso e que consiste no decurso de cinco dias sobre a apresentação à Segurança Social de requerimento de protecção jurídica na modalidade de patrocínio não é um acto equiparável à citação ou notificação ou a compromisso arbitral, uma vez que através dela a R. não tomou efectivo conhecimento do direito e da intenção que contra ela a A. pretendia exercer.

E assim sendo, a interrupção da instância operada por força da apresentação do requerimento de nomeação de patrono oficioso teve efeito instantâneo e não duradouro, como é o previsto no art. 327º nº 1. Neste sentido decidiu o ac.  deste tribunal proferido em 16/1/2002 no processo 9240/4/01 (cujo sumário se encontra disponível no sítio do IGFEJ).

Sendo o efeito interruptivo instantâneo e tendo operado em 12/10/2009, começou em 13/10/2009 a correr o novo prazo, o qual, por não ter entretanto ocorrido novo evento interruptivo nem suspensivo, se consumou no dia 13/10/2010.

Deste modo, quando a presente acção foi instaurada – 15/4/2011 – já se encontravam extintos por prescrição os créditos invocadas.
É, pois, de manter a decisão recorrida, improcedendo o recurso.

Decisão:

Pelo exposto, se acorda em julgar improcedente o recurso, confirmando a decisão recorrida, embora com diferente fundamento.
Custas pela recorrente.


Lisboa, 7 de Outubro de 2015


Maria João Romba
Paula Sá Fernandes
Filomena Manso


[1]O entendimento contrário redundaria em que as partes economicamente carenciadas que necessitam de apoio judiciário na modalidade de patrocínio para proporem acções veriam significativamente encurtado o prazo de prescrição, relativamente à generalidade dos cidadãos, o que não nos parece aceitável.
[2] Segundo se refere na contestação apresentada nestes autos, a A. estava casada com o sócio gerente da R., encontrando-se então em processo de divórcio).
Decisão Texto Integral: