Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1009/13.0TVLSB.L1-8
Relator: ILÍDIO SACARRÃO MARTINS
Descritores: RESTITUIÇÃO DE PRÉDIO ARRENDADO
NEGOCIAÇÕES PRELIMINARES
CULPA IN CONTRAHENDO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/22/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: - O dever de restituição do prédio arrendado no estado em que o inquilino o recebeu (artigo 1043.º, n.º 1 do Código Civil) está associado às deteriorações pela sua utilização e não a quaisquer outras obras, designadamente as efectuadas para adaptação do prédio aos fins a que se destina por virtude do contrato.
- Quanto a estas, o inquilino só terá de as reverter se tal resultar das cláusulas do contrato resultantes da negociação das partes.
- A boa fé consiste, em geral, no comportamento honesto e consciencioso, na lealdade de se conduzir, e tem no caso do artigo 227º do Código Civil, um sentido vincadamente ético, ao contrário do que sucede em muitos outros casos em que o seu significado (ético) se esgota numa situação psicológica muito simples e fácil de definir.
- O nº1 do artigo 227º do Código Civil refere-se, sucessivamente, à observância das regras da boa fé, tanto nos preliminares (fase negociatória) como na formação (fase decisória) do contrato.
- A ruptura das negociações não implica necessariamente a violação das regras da boa fé; por isso não se pode concluir que só pelo facto de ter havido ruptura houve má fé de quem rompeu eventuais negociações. A simples entrada em negociações não pode ser tida como idónea para criar na outra parte uma convicção séria e fundada de conclusão do contrato. Haverá uma simples esperança de que tal suceda.
- Só existe responsabilidade pré contratual quando no decurso das negociações preliminares uma das partes assumiu um comportamento que razoavelmente criou na outra parte a convicção de que o contrato se formaria, assim a predispondo a acções ou omissões que não teria adoptado se não tivesse aquela conclusão como certa.
- Tal confiança na conclusão do contrato deve ser alicerçada em dados concretos e inequívocos, analisados mediante critérios de consciência e senso comum ou prática corrente.
- Os danos ressarcíveis por culpa in contrahendo demonstram que a responsabilidade pré-contratual por ruptura das negociações preparatórias actua nos limites do interesse negativo (dano de confiança), em vez de conexionar-se com o interesse positivo (dano de cumprimento).
(sumário elaborado pelo relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

I - RELATÓRIO

B... SA, intentou acção declarativa de condenação contra Hospital ... pedindo que a mesma seja condenada a pagar-lhe as seguintes quantias: a) € 4.920,00, referente à reparação e montagem de 16 elevadores para automóveis ou a quantia de € 46.125,00, referente á aquisição de 16 elevadores novos; b) € 25.000,00, respeitante à aquisição e montagem de um novo portão e reparação da entrada do edifício; c) € 200,00, relativa à destruição do mobiliário; d) € 6.000,00, referente à quantia despendida para demolição de equipamentos no rés-do-chão; e) € 100.000,00, referente à reposição das condições existentes no rés-do-chão, em data anterior ao arrendamento; f) € 52.767,00, correspondente às rendas não recebidas, desde Abril de 2011 até à data da instauração da acção, relativamente a parte do rés-do-chão; g) € 191.880,00, correspondente às rendas não recebidas, desde Abril de 2011 até à data da instauração da acção, relativamente à cave e h) os juros de mora que se vencerem a partir da data da instauração da acção.

 Alegou, em síntese, que no dia 01-12-2008 celebrou um contrato de arrendamento comercial com a ré, tendo por objecto a cave do prédio sito na Rua Embaixador Teixeira de Sampaio nº 4 em Lisboa. Durante a execução do contrato, a ré propôs à autora que a mesma lhe arrendasse igualmente parte do rés-do-chão do mesmo prédio, não tendo este arrendamento sido reduzido a escrito por motivo imputável à ré. A ré garantiu à autora que o arrendamento da cave, embora outorgado pelo prazo de cinco anos, seria por tempo indeterminado e até que fosse construído o novo Hospital … em Alcântara, o mesmo se passando relativamente à área do rés-do-chão. A ré, assim que tomou posse do locado, desmontou todos os elevadores instalados e procedeu à destruição dos armazéns e arrecadações.

Com vista a conformar a parte do rés-do-chão às exigências da ré, a autora demoliu, por indicação da ré, um centro comercial de lojas e foi forçada a transformar parte do rés-do-chão. Em 8 de Novembro de 2011, a ré denunciou o contrato de arrendamento apenas relativamente à cave, tendo abandonado ambos os arrendados em Abril de 2011.

A ré não entregou os locados à autora no exacto estado em que lhes foram entregues, causando graves prejuízos à autora. Desde que a ré abandonou o locado, a autora não o conseguiu voltar a arrendar, tendo deixado de auferir € 191.880,00 relativamente à cave e € 52.767,00 relativamente ao rés-do-chão.

 

 A ré contestou, pugnando pela improcedência da acção. Referiu que foi a autora que solicitou a ajuda por parte da ré para a retirada das plataformas elevatórias existentes na cave e as reparações e obras de adaptação do locado, efectuadas pela ré, foram-no com o acordo e conhecimento da autora. A ré procedeu à instalação de um portão automático também com o conhecimento e o parecer favorável da autora.

 Em 3 de Dezembro de 2010 teve início a utilização dos lugares do rés do chão, tendo em 13 de Abril de 2011 sido acordado entre a autora e a ré o pagamento mensal de € 1.650 + IVA pela utilização do piso do rés do chão, nunca tendo sido celebrado qualquer contrato de arrendamento escrito, pelo que, a existir um arrendamento por tempo indeterminado, o mesmo seria nulo. A ré nunca garantiu à autora que o arrendamento da cave seria por tempo indeterminado.  Não existe qualquer obrigação por parte da ré de repor, seja na cave, seja no rés-do-chão, a situação existente anteriormente aos contratos em causa.

Foi proferida SENTENÇA que julgou a acção improcedente e absolveu a ré do pedido.

Não se conformando com a sentença, dela recorreu a autora, tendo formulado as seguintes CONCLUSÕES:

1ª - Antes de tudo, deverá fazer-se um enquadramento prévio, de modo a perceber-se cabalmente o espírito com que ambas as partes “partiram para o negócio” e decidiram contratar.

2ª - Vejamos, por banda da recorrente:

3ª - A recorrente era e é proprietária de um edifício, na Rua Embaixador Teixeira Sampaio, em Lisboa, denominado Edifício B..., constituído por três pisos, que, não sendo fracções autónomas, podem ser utilizados de forma independente.

4ª - A cave era constituída por armazéns e arrecadações, tendo, residualmente, algumas plataformas elevatórias para parqueamento de automóveis.

5ª - A recorrente, conforme resulta da certidão do registo comercial junta aos autos, dedica-se e sempre se dedicou à actividade de gestão de empreendimentos imobiliários próprios e/ou alheios, tendo como actividade quase exclusiva a rentabilização de imóveis próprios através do respectivo arrendamento.

6ª - As arrecadações e armazéns que existiam na cave do Edifício B... eram arrendados.

7ª - Os lugares de estacionamento disponíveis na cave eram arrendados aos arrendatários que utilizavam os escritórios e lojas sitos no rés-do-chão e no primeiro andar do Edifício B... e utilizados pela própria recorrente e seus clientes.

8ª - Era este o “estado das coisas” antes do arrendamento.

9ª - Agora no que tange ao recorrido:

10ª - Como é sabido, sendo um facto público e notório, o A... Infante Santo, em Lisboa, está situado numa zona bastante pobre em estacionamento, sendo uma zona altamente povoada e de bastante movimento.

11ª - Como também é sabido, para além do A... Infante Santo ser uma unidade de referência no que tange à saúde privada em Lisboa (sendo, segundo se sabe, das unidades de saúde privadas mais antigas de Lisboa e do país), e, por isso, com enorme movimento de pessoas, automóveis e ambulâncias, também a zona envolvente (a Avenida Infante Santo) é bastante populosa tendo um tecido empresarial e comercial bastante denso.

12ª - Ora, o recorrido tinha e continua a ter um grande constrangimento: o estacionamento.

13ª - O recorrido não dispunha nem dispõe de estacionamento próprio para oferecer aos seus clientes, mas também, aos seus profissionais.

14ª - E, por isso, o recorrido tinha e tem este enorme problema para resolver.

15ª - Por isso, foi o recorrido que tomou a iniciativa de contactar a recorrente, propondo o arrendamento da cave do Edifício B... (que dista cerca de cem metros do A... Infante Santo) para encontrar forma de debelar o problema do estacionamento.

16ª - Ou seja, foi o recorrido que procurou a recorrente propondo o arrendamento da cave do Edifício B... para nele instalar um parque de estacionamento.

17ª - O estacionamento era, aliás, um factor fundamental para a actividade do recorrido, uma vez que as unidades privadas de saúde concorrentes do recorrido ofereciam, na quase totalidade dos casos, quer aos clientes quer aos profissionais, estacionamento.

18ª - E, como também é um facto do conhecimento comum, este problema do estacionamento apenas se solucionaria se o Hospital ... se deslocalizasse.

19ª - E, a deslocalização do Hospital ... era um projecto antigo, sendo um facto público, notório e do conhecimento comum que, no fim do ano de 2008, o grupo económico a que pertence o recorrido chegou a acordo com a Câmara Municipal de Lisboa, com vista a instalar em Alcântara o Hospital ...

20ª - Ou seja, o problema do estacionamento do recorrido apenas se solucionará com a deslocalização para Alcântara.

21ª - O que ainda não sucedeu.

22ª - Portanto, o espírito do recorrido quando no fim do ano de 2011 contratou com a recorrente era este: tinha um grave e premente problema de estacionamento para resolver, bem sabendo que a zona da Avenida Infante Santo não tinha soluções e que apenas com a construção e deslocalização para Alcântara se encontraria solução.

23º - Ou seja, até à construção e instalação do Hospital em Alcântara, continuaria o constrangimento do estacionamento.

24ª - E, não fora a garagem na cave do Edifício B..., propriedade da recorrente, não existia qualquer outra solução.

25ª - Era este o espírito que conformou a vontade negocial das partes.

26ª - Mal andou o tribunal a quo quando não considerou provado que, aquando da negociação do arrendamento da cave, a ré, através do seu administrador Dr. A..., tenha declarado à autora que tal arrendamento seria por prazo indeterminado e até que fosse construído o novo Hospital ... em Alcântara e ainda que tal nunca sucederia antes de um período de sete anos.

27ª - Na verdade, das três pessoas que estiveram nesta reunião, todas são unânimes em confirmar o local da reunião, os presentes e todo o envolvimento existente e o espírito com que as partes se encontraram pela primeira vez e já supra descrito.

28ª - Destas três pessoas, duas confirmam que o Dr. A... declarou o arrendamento por tempo indeterminado e até o Hospital ir para Alcântara. Mas o Dr. A... nega, dizendo que estava convencido que o contrato de arrendamento era de apenas um ano, quando foram os serviços jurídicos do recorrido que elaboraram o contrato com uma duração de cinco anos.

29ª - Tudo visto e ponderado, conjugando tudo o que foi dito e analisando os documentos que estão junto aos autos, teria que se considerar provado o facto a) dos factos não provados.

30ª - Até porque, este facto é fulcral para a sorte da lide.

31ª - Foi este convencimento da recorrente, decorrente das declarações do administrador do recorrido que levou a que a recorrente, equacionasse demolir, a pedido do recorrido, parte do rés-do-chão do Edifício B... para lá parquear mais automóveis por conta do recorrido, decorrido que estava mais de metade do período contratual do arrendamento da cave.

32ª - De qualquer maneira, e, no que respeita ao cerne da questão, importa considerar que, relativamente à cave locada, resultou provado que o recorrido fez, pelo menos, as seguintes obras:

a) Demolições das arrecadações;

b) Arranjo de paredes que apresentavam fissuras;

c) Limpeza a arranjo das instalações sanitárias, incluindo a colocação de 1 sanitário;

d) Adaptação e colocação da escada metálica num novo local e pintura da mesma;

f) Pintura de toda a cave, incluindo a rampa de acesso;

g) Arranjo da grade junto à rampa;

h) Recolocação de algumas chapas metálicas na rampa que corriam o risco de cair;

i) Marcação e pintura do pavimento conforme lugares destinados a estacionamento;

j) Limpezas gerais;

k) Arranjo e adaptação de um troço da rede de água incluindo a colocação

de um contador e de torneiras de serviço para lavagem;

l) Arranjo do Quadro Eléctrico da bomba esgoto que se encontrava solto;

m) Reparação de um tubo de esgoto;

n) Montagem de um novo Quadro Eléctrico geral deste piso conforme normas de segurança incluindo um contador de energia;

o) Execução e beneficiação das redes eléctricas de iluminação normal e de segurança, incluindo tomadas eléctricas;

q) Colocação de novas armaduras de iluminação normal e de segurança estanques incluindo sensores e

r) Colocação de novos extintores de incêndio.

33ª - Mais tendo ficado provado que em momento anterior ao arrendamento, a cave não estava conformada como estacionamento, mas antes, conformada com arrecadações, armazéns e alguns lugares de estacionamento, com recurso a plataformas elevatórias.

34ª - Ficando provado que o recorrido, quando abandonou a cave, abandonou-a no estado e configuração que resultou das obras a que procedeu já no âmbito do arrendamento.

35ª - O que significa que o recorrido não cumpriu o comando inserto no nº1 do artº1043º do Código Civil. Ou seja, o recorrido, enquanto locatário, não restituiu à recorrente, a cave no estado em que a recebeu.

36ª -Ou seja, não manteve a coisa no estado em que a recebeu e não a restituiu no estado em que a recebeu.

37ª - Estava o recorrido obrigado a restituir a cave à recorrente com a mesma estrutura externa e a mesma disposição interna das divisões que este lhe entregou.

38ª - Entendeu, no entanto, o tribunal a quo que o dever de restituição do prédio arrendado no estado em que o inquilino o recebeu está associado às deteriorações pela sua utilização e não a quaisquer outras obras, designadamente as efectuadas para adaptação do prédio aos fins a que se destina por virtude do contrato.

39ª - Mais tendo decidido que o teor da cláusula nona do contrato de arrendamento não é apta a ser entendida como obrigação do inquilino reverter as obras.

40ª - Mas, entende a recorrente que o tribunal a quo andou mal.

41ª - Em primeiro lugar, existe um facto que passou total e completamente ao lado da decisão proferida e que se consubstancia na circunstância da cave objecto do arrendamento já ser um estacionamento.

42ª - Na verdade, conforme resulta dos documentos juntos aos autos, admitidos e não impugnados pelo recorrido, que são uma cópia do projecto de arquitectura (telas finais) aprovado pela Câmara Municipal de Lisboa, parte da cave era e sempre foi um parque de estacionamento e até tinha instaladas plataformas elevatórias.

43ª - Ou seja, quando o recorrido visitou o locado pela primeira vez, percebeu que parte era parque de estacionamento.

44ª - No entanto, conforme resultou provado, decidiu, depois, que, afinal, não estava interessado nas plataformas elevatórias e antes preferia demolir as arrecadações e os armazéns existentes na cave, ocupando, também, esse espaço afectando-o, também, a estacionamento.

45ª - Ou seja, em rigor, não se trata aqui de obras de adaptação do locado aos fins do contrato (estacionamento).

46ª - O que aqui se trata é uma situação mista em que, por um lado o recorrido altera os dezasseis estacionamentos existentes, retirando as plataformas elevatórias e, depois, por outro lado, decide que afinal a parte existente na cave, afecta a estacionamento não é suficiente e decide aumentar o estacionamento demolindo as arrecadações existentes, produzindo mais lugares de estacionamento.

47ª - Ora, aqui não estamos perante obras que deveriam correr por conta do senhorio porque eram essenciais ao fim do contrato, mas sim, obras que o locatário decidiu levar a efeito, melhorando a coisa e beneficiando dessas benfeitorias.

48ª - E, depois, estamos perante obras que acabaram por destruir completamente a configuração interna do locado, tornando-o amplo e desconforme com a compartimentação aprovada pela Câmara Municipal de Lisboa e existente a data anterior ao início do arrendamento.

49ª - Em todo o caso, e, sempre sem prescindir, o que contratualmente ficou previsto (cfr. ponto 8.2 do contrato de arrendamento) foi que quaisquer obras de beneficiação correriam por conta do recorrido.

50ª - Ora, as obras que o recorrido efectuou na cave não foram obras de conservação. Nem ordinária nem extraordinária. Porque, essas, ficaram a caber, em exclusivo à recorrente, conforme contratualmente previsto (cfr. segunda parte do ponto 8.2 do contrato).

51ª - E, se as obras levadas a efeito pelo recorrido não foram de conservação, sendo, antes, de beneficiação, que cabiam em exclusivo ao recorrido, não se pode dizer, em rigor, que essas obras seriam da responsabilidade da recorrente no âmbito daquelas obras que são da responsabilidade do senhorio em cumprimento das alªs) a) e b) do artº1031º do Código Civil.

52ª - Na verdade, a recorrente, como locadora, entregou ao recorrido, como locatário, uma coisa que já era apta a nela se prosseguirem os fins do contrato (estacionamento), assegurando, assim, a recorrente, ao recorrido, o gozo para os fins a que foi contratualmente destinada a coisa.

53ª - O que sucedeu foi que o recorrido locatário decidiu que, para além de alterar a coisa, para melhor servir (e de acordo com o critério exclusivo do recorrido) o fim contratual, se haveria de maximizar o espaço do locado, afectando-o totalmente ao estacionamento.

54ª - Sem embargo dessas obras não terem sido comunicadas por escrito, conforme contratualmente se exigia, nem autorizadas por escrito pela recorrente, como contratualmente também era exigido, o que é certo é que a recorrente teve das mesmas conhecimento.

55ª - E, na verdade, não deixou a recorrente de autorizar que as obras se realizassem.

56ª - Mas isso não significa que a recorrente não tenha transmitido ao recorrido que a realização das obras importava a reposição da situação existente em data anterior ao arrendamento.

57ª - Com efeito, o administrador da recorrente transmitiu ao administrador do recorrido que, cessado o arrendamento, a situação pré-existente ao arrendamento teria que ser reposta.

58ª - Ou seja, dentro da boa-fé que norteou sempre a conduta da recorrente, foi transmitido ao recorrido que quaisquer obras que eventualmente fossem efectuadas no sentido de desfigurar ou transfigurar o locado (leia-se a cave) importaria, sempre, a sua reposição findo o contrato de arrendamento.

59ª - Até porque, o recorrido declarou no ponto 1.2 do contrato de arrendamento que conhecia integralmente a composição, estado, destino e condições da cave.

60ª - Ora, ficando provado que no dia 1 de Dezembro de 2008 a cave era composta por uma área de armazéns, arrecadações e 16 lugares de estacionamento (conforme plantas de arquitectura aprovadas pela Câmara Municipal de Lisboa que se encontram juntas aos autos e cujo teor não foi posto em causa ou sequer impugnado pelo recorrido), naturalmente que era esse o locado e que era apto aos fins do contrato: estacionamento.

61ª - Mas o que é certo é que o recorrido entregou à recorrente um prédio, ou melhor, parte de um prédio, completamente diverso daquele que recebeu de arrendamento.

62ª - Destruiu completamente a disposição interna da cave (violando a alª d) do artº1093º do Código Civil).

63ª - Entregou, findo o arrendamento, à recorrente, um locado completamente diferente daquele que recebeu.

64ª - Deteriorou a cave de tal maneira que lhe retirou a idoneidade própria para o serviço a que se destinava: armazéns, arrecadações e dezasseis lugares de estacionamento.

65ª - E, é por isso que se não entende porque razão é que se não considerou como provados os factos não provados j) e k).

66ª - Muito menos se entende que se diga na decisão que:

67ª - A testemunha J..., que elaborou o orçamento de fls. 135 e ss, declarou que conheceu o rés-do-chão em data anterior à ocupação do mesmo pela R. e efectuou tal orçamento com base nas plantas do imóvel e do que lhe foi referido pela A. relativamente ao estado como se encontraria o rés-do-chão no momento anterior ao arrendamento. Considerando o que consta do documento no que concerne aos trabalhos a realizar, não se pode concluir que os mesmos se tratem de trabalhos destinados a repor o rés-do-chão no estado em que se encontrava antes da ocupação da ré.

68ª - Em primeiro lugar importa dizer que as plantas referidas são as plantas de arquitectura correspondentes às telas finais aprovadas pela Câmara Municipal de Lisboa e juntas aos autos.

69ª - Depois, dizer que essas plantas espelham o estado do rés-do-chão que existia em data anterior à ocupação por parte do recorrido, que, aliás, se encontram bem ilustradas em fotografias juntas aos autos no decorrer do depoimento da testemunha Sara Grilo, que foram admitidas e que não foram impugnadas pelo recorrido.

70ª - E, bastaria uma breve análise do orçamento, cruzando-o com a planta de arquitectura do rés-do-chão aprovada pela Câmara Municipal de Lisboa, para se entender, perfeitamente, que os trabalhos aí elencados correspondem, exactamente à reposição do rés-do-chão na situação pré-existente à ocupação do recorrido.

71ª - Ora, a testemunha J... (e não J,,, como se refere na decisão) A... disse em audiência de julgamento foi que, muito embora não conhecesse o local (ao contrário do que se diz na decisão ora recorrida) em data anterior à ocupação do recorrido, visitou o local e analisou projectos de arquitectura que lhe permitiram realizar o orçamento de reposição do rés-do-chão.

72ª - Não se entende qual a dúvida do Tribunal a quo. Se se deu como provado que a recorrente demoliu uma série de divisórias no rés-do-chão e se as mesmas constam do projecto de arquitectura e se à data em que a testemunha elaborou o orçamento já tinham sido demolidas, não havia outra forma de se efectuar o orçamento senão com recurso a projectos de arquitectura e a fotografias do que existia.

73ª - Mal andou, pois, o Tribunal a quo ao não considerar provados os factos não provados j) e k).

74ª - E pior andou ao considerar que o recorrido não seria responsável pela reposição do rés-do-chão, uma vez que tais obras eram da obrigação do senhorio, na medida em que lhe competia entregar o locado com vista a nele vir a ser exercido o fim a que se destinava o arrendamento.

75ª - Porquanto a recorrente só se predispôs a destruir um centro comercial de lojas e construir um parque de estacionamento porque a isso foi induzido pelo recorrido.

76ª - Não existem dúvidas que o recorrido retirou da entrada do Edifício B... o portão tipo grade de enrolar.

77ª - E, não existem dúvidas que lá montou um portão de alumínio basculante e que o mesmo ficou avariado, aberto e sem funcionar quando o recorrido abandonou a cave e o rés-do-chão.

78ª - E, também, não restaram quaisquer dúvidas que o recorrido, para instalar o tal portão de alumínio basculante, destruiu a entrada do Edifício B..., nomeadamente, o tecto falso metálico onde se recolhia o portão de enrolar.

79ª - Logo, parece que resultam quaisquer dúvidas que o recorrido deveria ter sido chamado a responder pelos prejuízos que causou à recorrente.

80ª - Esses prejuízos estão perfeitamente identificados no orçamento que foi junto aos autos no dia 15/02/2015, de onde se retira, especificamente:

81ª - 1.2 Remoção do teto restante junto à porta de entrada, ficando o espaço em condições de se aplicar novo teto em toda a área e igual, incluindo carga e descarga de produtos sobrantes a vazadouro: € 1.250,00 + IVA

82ª - 1.9 Fornecimento e montagem de grade eléctrica na porta de entrada: € 3.250,00+IVA.

83ª - Ou seja, se é verdade que a recorrente não conseguiu provar que terá que despender a quantia de € 25.000,00 com a aquisição e montagem de um portão de enrolar para a entrada do Edifício B..., para substituir aquele que o recorrido deixou avariado e aberto, conseguiu demonstrar que terá que despender a quantia de € 3.250,00 + IVA num novo portão.

84ª - E, nessa medida, o recorrido deveria ter sido condenado a pagar aquela quantia, ao abrigo do que dispõe o artº 289º do Código Civil, porquanto se mostrou que por sua culpa o Edifício B... ficou desprovido de porta de entrada funcional, de que dispunha em data anterior ao inicio da relação de arrendamento.

85ª - O mesmo se dizendo relativamente à entrada do Edifício B... e pelos mesmos motivos.

86ª - O mesmo se dizendo relativamente às plataformas elevatórias.

87ª - Que estavam em pleno funcionamento aquando do início da relação de arrendamento e que, findo este, ficaram completamente inutilizadas.

88ª - Sem embargo do que resultado relatório da E..., que consta de fls.170 a 205, existe um facto que passou ao lado do julgador a quo: é que a E... não colocou nenhuma das plataformas em funcionamento.

89ª - Portanto, se o relatório da E... refere que as plataformas quando foram desmontadas não foram colocadas em funcionamento e se o legal representante da recorrente e a testemunha S... confirmam que as plataformas em data anterior à relação de arrendamento com o recorrido estavam a funcionar, mal andou o Tribunal a quo quando considerou não provado que d) em consequência da desmontagem e acondicionamento das plataformas elevatórias referidos em 7- dos Factos Provados, as mesmas tenham ficado inutilizadas.

90ª - Mais tendo andado mal quando não considerou provado que e) a montagem e a reparação de cada uma das plataformas elevatórias implique o custo de € 250,00, acrescido de IVA, motivando esta decisão com o argumento de que: …do preço em que poderá importar a montagem das plataformas, sendo que o documento de fls. 133, por si só, também não permite a prova no que a tal concerne.

91ª - Mas, o certo é que foi exactamente este documento fls. 133 que permitiu que se considerasse provado que: 9- A produção das plataformas identificadas em 4- actualmente foi descontinuada e a aquisição de 16 plataformas elevatórias de modelo equivalente aquelas em 2011 importava na quantia de € 37.500,00, acrescida de IVA.

92ª - Ou seja, grave contradição se detecta nesta parte da decisão. Pois, por um lado o documento de fls.133 não se mostra suficiente para demonstrar que a reparação das plataformas importa um custo de € 250,00 + IVA, mas é suficiente para provar que o fabrico das plataformas foi descontinuado e que o custo de equivalentes é de € 37.500,00 + IVA.

93ª - Deveria, pois, considerar-se provado o que se não considerou provado em e) dos factos não provados.

94ª - E, mesmo que assim não fosse, o que não se concede, sempre se teria que considerar que o recorrido incorreu na obrigação de indemnizar a recorrente, atento o regime inserto no artº 227º do Código Civil.

95ª - Deveria, pois, o tribunal a quo ter proferido decisão que condenasse o recorrido.

96ª - Não o fazendo,

97ª - Foram violados os seguintes preceitos legais:

- Do Código Civil: artigos 289º, nº1 do artº 1043º, artº 1031º, alª d) do artº 1093º, artº1289º, artº 798º, artº 562º, artº 563º e artº 227º:

- Do Código de Processo Civil: alª alª d) do nº1 do artº 615º, alª a) e alª b) do nº 2 do artº 616º.

Termina, pedindo que se substitua a douta sentença proferida por outra que condene o recorrido.

A parte contrária contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II - FUNDAMENTAÇÃO

A) Fundamentação de facto

Mostra-se assente a seguinte matéria de facto:

1º - Em 1 de Dezembro de 2008, a autora, na qualidade de senhoria, representada pelo seu administrador J... e a ré, na qualidade de arrendatária e representada pelo administrador A..., outorgaram o documento cuja cópia consta de fls 16 a 21, intitulado “CONTRATO DE ARREND AMENTO COM PRAZO CERTO” e do qual consta:

“(…)

 Considerando que:

 A. A Senhoria e proprietária e legítima possuidora do edifício sito na Rua Embaixador

Teixeira de Sampaio, n° 4, freguesia de Prazeres, concelho de Lisboa, registado na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n" 28306, livro B90, Folhas 00334/Santos e inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Prazeres sob o artigo 1251, com as licenças de utilização n" 186 e 355 emitidas pela Câmara Municipal de Lisboa (adiante designado por "Imóvel");

B. É entre as partes ajustado e reciprocamente aceite o contrato de arrendamento constante das cláusulas seguintes:

1. Objecto

1.1. Pejo presente contrato, a Senhoria dá de arrendamento à Arrendatária, que toma de arrendamento, nos termos e condições estabelecidos no presente contrato, a parcela do Imóvel, designada por cave, com uma área bruta aproximada de 1.000 m2, identificada na planta anexa ao presente contrato (Anexo I), tudo adiante conjuntamente designado por "Parcela",

1.2. A Arrendatária declara conhecer integralmente a composição, estado, destino e condição actuais da Parcela.

2- Fim do Arrendamento

2-1 A Parcela destina-se a estacionamento.

2-2 A Arrendatária não pode afectar a Parcela a fins diversos dos previstos no número anterior sem a prévia autorização escrita da Senhoria.

3- Prazo

3-1 O arrendamento é feito, nos termos do art. o 1095º do Código Civil ex vi do artigo 1110° do Código Civil, pelo prazo de 5 (cinco) anos contados da data da assinatura do presente contrato, sendo automaticamente renovável por períodos, iguais e sucessivos de 3 (três) anos em caso de ausência de denúncia ou oposição.

3-2 As Partes poderão denunciar o contrato ou opor-se à sua renovação nos termos previstos no art.º 1097º e 1098º do Código Civil, por meio de carta registada com aviso de recepção.

4- Renda

4.1 A renda mensal inicial é de € 6.000,00 (seis mil euros).

4.2. Na presente data, a Arrendatária paga à Senhoria o montante de € 12.000,00 (doze mil euros), correspondente à renda de Dezembro e do valor de 1 mês de caução.

4-3. A. renda mensal será anualmente actualizada, na data aniversária do contrato, de acordo com o coeficiente de actualização anual de renda aplicável aos arrendamentos não habitacionais, ou, na ausência de coeficientes legais, de acordo com a mais recente variação do índice de preços ao consumidor (incluindo habitação), calculada pelo instituto Nacional de Estatística e disponível à data aniversaria do contrato.

4-4 A renda será paga até ao oitavo dia do mês anterior a que respeitar, mediante transferência bancária para a conta da Senhoria a indicar por esta, considerando-se o pagamento efectuado na data valor indicada na ordem de transferência.

 (…)

 8. Obras

 8.1. Na Parcela não poderão fazer-se quaisquer obras sem autorização da Senhoria, a qual terá de ser dada por escrito, e às que se fizerem, com esta autorização, não poderão ser levantadas ou demolidas, ficando, desde logo, a pertencer à Parcela, sem que a Arrendatária possa alegar o direito de retenção ou exigir indemnização.

8.2. Todas as obras de beneficiação que vierem a ser realizadas ficam totalmente a cargo da Arrendatária, e as obras de conservação ordinária e extraordinária ficam totalmente a cargo da Senhoria.

 9. Termo do contrato

 Cessado que seja o contrato, seja qual for a causa, a Arrendatária deverá entregar a parcela à senhoria em bom estado de conservação e limpeza, ressalvadas as deteriorações inerentes a uma prudente utilização em conformidade com os fins do contrato, devendo reparar todas as deteriorações verificadas no local que não decorram da sua utilização prudente e normal.

 (…)”.

 2º - Em data não concretamente apurada, mas situada entre Dezembro de 2008 e Janeiro de 2009, teve lugar uma reunião entre o administrador da autora Engº S..., o Dr. A..., à data administrador da ré e M..., funcionário da ré, na qual foi acordado entre autora e ré a retirada das arrecadações existentes na cave e das divisórias de vidro, de modo a permitir a libertação de mais espaço para estacionamento.

3º - Aquando da reunião aludida em 2º foram sugeridos pelo administrador da autora os métodos a implementar para a retirada das arrecadações, das divisórias de vidro e da adaptação, com a mudança de localização, da escada metálica de emergência e dos respectivos acessos.

4º - Em data não concretamente apurada, mas situada entre Janeiro e Fevereiro de 2009, o administrador da ré solicitou à autora que as 16 plataformas elevatórias existentes na cave e destinadas ao estacionamento de automóveis fossem retiradas do local.

5º - A autora acedeu na retirada da cave das plataformas referidas em 4º.

6º- Em virtude da autora não ter procedido à retirada das plataformas referidas em 4º, a ré, com o conhecimento da autora, contratou a empresa E..., SA, para proceder à desmontagem e retirada das plataformas.

7º- A E... SA, procedeu à desmontagem das plataformas e ao acondicionamento das mesmas, tendo elaborado o relatório cuja cópia consta de fls 170 a 205, onde referiu o estado em que se encontrava cada uma das plataformas aquando da desmontagem.

8º - A ré procedeu ao pagamento à E... SA, do preço relativo aos serviços referidos em 7º.

9º - A produção das plataformas identificadas em 4º actualmente foi descontinuada e a aquisição de 16 plataformas elevatórias de modelo equivalente àquelas em 2011 importava na quantia de € 37.500,00, acrescida de IVA.

10º - A ré procedeu à realização na cave, com o conhecimento e consentimento da autora, das seguintes obras:

a) Demolições das arrecadações;

b) Arranjo de paredes que apresentavam fissuras;

c) Limpeza a arranjo das instalações sanitárias, incluindo a colocação de 1 sanitário;

d) Adaptação e colocação da escada metálica num novo local e pintura da mesma;

f) Pintura de toda a cave, incluindo a rampa de acesso;

g) Arranjo da grade junto à rampa;

h) Recolocação de algumas chapas metálicas na rampa que corriam o risco de cair;

i) Marcação e pintura do pavimento, conforme lugares destinados a estacionamento;

j) Limpezas gerais;

k) Arranjo e adaptação de um troço da rede de água incluindo a colocação de um contador e de torneiras de serviço para lavagem;

l) Arranjo do quadro eléctrico da bomba esgoto que se encontrava solto;

m) Reparação de um tubo de esgoto;

n) Montagem de um novo Quadro Eléctrico geral deste piso conforme normas de segurança incluindo um contador de energia;

o) Execução e beneficiação das redes eléctricas de iluminação normal e de segurança, incluindo tomadas eléctricas;

q) Colocação de novas armaduras de iluminação normal e de segurança estanques incluindo sensores e

r) Colocação de novos extintores de incêndio.

11º- A realização dos trabalhos aludidos em 10º importou em montante não concretamente apurado.

12º- O acesso à cave e ao rés do chão do prédio referido em 1º era efectuado por um portão tipo grade de enrolar que depois de ser aberto ficava enrolado e recolhido dentro do tecto falso metálico que existia junto à entrada, sendo o seu funcionamento accionado por uma cartão magnético de proximidade.

13º- Em virtude do portão ter avariado várias vezes, a ré, com o conhecimento da autora, retirou tal portão e colocou o mesmo na cave, junto à escada de emergência e, no lugar onde tal portão de encontrava, colocou um portão automático de alumínio basculante.

14º - Para efeitos da retirada do portão anterior e da instalação do portão referido em 13º, a ré procedeu à retirada das chapas metálicas que faziam parte do tecto falso existente junto à entrada e dentro do qual ficava recolhido aquele portão, tendo ficado, nesta parte, a laje à vista.

15º - O administrador da autora Engº S... assistiu à colocação do portão referido em 13º e aquando de tal colocação não apresentou qualquer reclamação junto da ré.

16º - Para efeitos de acesso ao estacionamento era necessário ser portador de um cartão magnético, tendo sido a autora que procedeu às diligências necessárias para efeitos da emissão dos respectivos cartões.

17º - Em data não concretamente apurada ocorreu a avaria do portão automático colocado pela ré, tendo esta mandado proceder à respectiva reparação.

18º - Por acordo estabelecido entre autora e ré, a partir de 2 de Dezembro de 2010, a ré passou a utilizar parte do rés-do-chão do prédio aludido em 1º para efeitos de aí proceder ao estacionamento de veículos em número não concretamente apurado, mediante o pagamento por parte da mesma à autora da quantia mensal de € 2.000,00, acrescida de IVA.

19º- O acordo referido em 18º não foi reduzido a escrito.

20º - Aquando da cedência por parte da autora à ré da parte do rés-do-chão para os efeitos referidos em 18º, a autora procedeu à demolição das estruturas amovíveis e das divisórias de vidro e tectos metálicos ali existentes, bem como do pavimento de tais divisórias.

21º - Em 7 de Dezembro de 2010, a ré enviou à autora o e-mail cuja cópia consta de fls 25

e 26, do qual consta:

“(…)

 Vimos desta forma transmitir-lhe que a nossa intenção em alugar os lugares do piso do r/c foi para de alguma forma beneficiar os nossos médicos que são coordenadores de serviço, podendo eles usufruírem de um lugar fixo e com possibilidade de autonomamente entrarem e saírem da garagem.

Uma vez que constatada a possibilidade de apenas ser possível estacionarem 10 viaturas sem que possam ficar bloqueados e de já termos recebido algumas observações por parte de alguns médicos, vimos solicitar-lhe que:

- Apenas seja considerado na adenda ao contrato o aluguer por parte do hospital de 10 lugares (aqueles que não são passíveis de ficarem bloqueados) e sem recurso às plataformas (…)”.

22º - Em 18 de Agosto de 2011, a ré enviou à autora o e-mail cuja cópia consta de fls 46, solicitando a realização de uma reunião no dia 25 de Agosto e no dia 19 enviou à mesma o email cuja cópia consta de fls 44, no qual referiu que o tema da reunião era: “a reconversão do parque, total ou parcialmente, para clientes Cuf”.

23º - No dia 19 de Agosto de 2011, a autora enviou à ré o e-mail cuja cópia consta de fls

43, do qual consta:

«(…)

Em qualquer caso e se a “reconversão” é para clientes do Hospital, não vejo que não o possam fazer na cave onde é soberana a vossa decisão se o local continuar a ter a mesma utilização.

No r/c é uma questão de terem um número de lugares que dentro das possibilidades do piso, poderão dispor de cerca de 20 ou de cerca de 30, conforme utilizarem ou não plataformas.

Em qualquer das hipóteses não pretendemos assumir qualquer intervenção nesses espaços que possa exigir a gestão da utilização desses espaços, designadamente qualquer recrutamento para esse fim (…)».

24º - No mesmo dia 19 de Agosto de 2011, a ré enviou à autora o e-mail cuja cópia também consta de fls 43, com o seguinte teor:

“A conversão do parque para utilização dos clientes (e não colaboradores, como existe à data) pressupõe a instalação de todo um sistema de gestão de estacionamento (máquinas de emissão e leitura de bilhetes, máquina de pagamento automática, sinalização), pelo que será de toda a conveniência abordar-se o tema presencialmente, uma vez que teremos que substituir algum equipamento existente.

Por outro lado, a intenção seria fazer-se esta utilização no piso do r/c e cave sem recurso às plataformas, mas julgo então podermos falar sobre o tema na próxima semana (…)”.

25º- A ré enviou à autora a carta registada com aviso de recepção cuja cópia consta de fls 40, datada de 8 de Novembro de 2011, da qual consta:

“(…)

Exmº Senhor

O Hospital ... (…), vem ao abrigo do artigo 1098º do Código Civil, denunciar com um pré-aviso de 120 dias o Contrato de Arrendamento com prazo certo, celebrado entre a B … SA, em 1 de Dezembro de 2008.

Conforme previsto no artigo supra mencionado o presente contrato cessa 120 dias após a recepção desta carta (…)”.

26º- Em 15 de Dezembro de 2011, a ré enviou à autora, via fax, o documento cuja cópia consta de fls 87, do qual consta:

“(…)

Assunto: Desocupação do espaço do R/C do Edifício B... – Rua Embaixador Teixeira de Sampaio, 4

Exmº Senhor,

Para os devidos efeitos, informa-se V. Exa que o Hospital ..., desocupa o espaço do R/C do edifício sito na Rua Embaixador Teixeira Sampaio, 4, em Lisboa, no dia 31 de Dezembro de 2011 (…)”.

27º- A ré restituiu a cave à autora em Março de 2011 e o rés-do-chão em data não concretamente apurada, mas situada entre o final do mês de Dezembro de 2011 e os três primeiros meses de 2012.

28º - Em data não concretamente apurada entre finais de Fevereiro e o mês de Março de

2011, o motor do portão de acesso à cave e rés-do-chão avariou.

29º- A ré enviou à autora um orçamento relativo à reparação do portão e solicitando a comparticipação desta na respectiva reparação.

30º- Em virtude do motor do portão se manter avariado, aquando da restituição por parte da ré à autora da cave do prédio, tal portão encontrava-se aberto.

31º- Desde que a data em que a ré procedeu à restituição à autora da cave e da parte do rés-do-chão do prédio, a autora não voltou a arrendar tal cave, nem o rés-do-chão.

B) Fundamentação de direito

As questões colocadas e que este tribunal deve decidir, nos termos dos artigos 663º nº 2, 608º nº 2, 635º nº 4 e 639º nºs 1 e 2 do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, aplicável por força do seu artigo 5º nº 1, em vigor desde 1 de Setembro de 2013, são as seguintes:

- Impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto;

- A questão de direito.

IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO PROFERIDA SOBRE MATÉRIA DE FACTO

A apelante vem impugnar a decisão sobre a matéria de facto, relativamente aos factos não provados e que ficaram descritos sob as alíneas a), j) e k), f), e) e d).

Analisaremos cada uma dessas alíneas:

Alínea a)

Aquando da negociação do arrendamento da cave, a R., através do seu administrador Dr. A..., tenha declarado à A. que tal arrendamento seria por prazo indeterminado e até que fosse construído o novo A... em Alcântara e ainda que tal nunca sucederia antes de um período de 7 (sete) anos.

Esta alínea, que corresponde ao conteúdo do artigo 7º da petição inicial, obteve, na decisão recorrida, a seguinte fundamentação:

“Não ficou demonstrado que aquando da negociação do arrendamento da cave, a ré tenha declarado à autora que tal arrendamento seria por prazo indeterminado e até que fosse construído o novo A... em Alcântara, uma vez que A... negou absolutamente a factualidade em questão e o depoimento de S... não foi esclarecedor no que a tal concerne. A mesma referiu que se previa uma utilização pela ré do espaço por um prazo superior a 5 anos, mas não esclareceu com base em que elementos é que a autora poderá ter formado tal convicção e muito menos que o legal representante da ré tenha emitido declaração nesse sentido. As declarações do legal representante da autora também não foram esclarecedoras no concerne aos factos em causa.

Sara Margarida Santos Grilo não presenciou quaisquer negociações entre autora e ré relativas ao arrendamento do rés-do-chão e Raquel Maia também não confirmou a declaração por parte da ré que o arrendamento em causa tivesse como prazo contratual pelo menos um período de sete anos e até que tivesse lugar a construção de um novo hospital. Deste modo e não tendo sido juntos documentos que permitam a prova da factualidade em causa, não resultou a mesma demonstrada, bem como não resultou plasmado na alínea c)”.

Vejamos agora os depoimentos que, no entender da recorrente, impunham decisão sobre este ponto da matéria de facto não provada impugnado diversa da recorrida.

Dr. A..., administrador da ré, com domicílio profissional no Conselho de Administração do Hospital de Vila Franca de Xira – Acta de 05-03-2015.

No essencial disse: Eu olho para aquela zona, aquela zona não tem estacionamento público, tem um Hospital que não tem estacionamento, tem milhares de pessoas que circulam ali diariamente só à responsabilidade do Hospital, tem o Ministério dos Negócios Estrangeiros que também movimenta centenas de pessoas, não havendo ali estacionamento rigorosamente nenhum…

Houve sempre a preocupação de não deixar os médicos do Hospital sem estacionamento.

Perguntado pelo mandatário da autora em que circunstâncias é que o problema de estacionamento se iria resolver, disse que dificilmente nas condições actuais daquele Hospital poderia ter ou poderá ter estacionamento para doentes e para os funcionários.

Perguntado sobre se o problema do estacionamento do Hospital só se resolvia se o Hospital mudasse de sítio e se era legítimo dizer isso, respondeu afirmativamente, dizendo que é perfeitamente legítimo dizer isso.

A instâncias do mandatário da ré sobre esta matéria respondeu:

Houve uma preocupação muito grande na durabilidade desse contrato, porque nós poderíamos em qualquer altura e em qualquer momento arranjar alternativa àquela que tínhamos naquele momento. Naturalmente que nós não iríamos nunca prolongar um contrato durante muito tempo quando, naturalmente, nós sabíamos que poderiam haver outras alternativas ali na zona, no sentido de podermos alugar outro espaço. Portanto, naturalmente, que a questão do valor do contrato e o valor da durabilidade.

Advogado da ré: O valor da renda? O valor quer dizer a renda?

Test: Exacto. O valor da renda. O montante e a estabilidade do contrato foi sempre algo que nos preocupou. Naturalmente que eu nunca especifiquei ao Engº G... a durabilidade do que quer que fosse enquanto estivássemos ali, porque nós não sabíamos o que é que ia acontecer à Infante Santo no futuro. Ainda hoje não sabemos. Portanto, naturalmente, não se podia imaginar que o hospital ao fim de 7 ou ao fim de 10 ou ao fim de 15 anos estava ali ou não estava ali. Ainda hoje não se sabe o que é que vai acontecer àquele hospital.

Advogado da ré: Portanto, não tem dúvida nenhuma que nunca garantiu isso de que duraria sete anos?

Test: Não. Não. Não Não. Nem eu sei, nem ninguém sabe, actualmente.

S..., divorciada, empresária, filha do administrador da autora, Engº J... – Acta de 05-03-2015.

Mandatário da recorrente: A S... disse que esteve presente numa negociação, que foi prévia ou foi depois do contrato?

Test: Foi prévia ao contrato.

Mandatário da recorrente: Onde foi essa reunião?

Test: Foi nas instalações da E..., na Rua Embaixador Teixeira de Sampaio, numa sala de reuniões do primeiro andar.

Mandatário da recorrente: E quem é que lá esteve nessa reunião?

Test: Esteve o meu pai e o Dr. A....

Mandatário da recorrente: E o Dr. A... era quem?

Test: Era administrador da Cuf.

Mandatário da recorrente: E estava mais alguém?

Test: Nesse dia não.:

Mandatário da recorrente: Falou-se quanto tempo é que isto ia durar?

Test: Falou-se num contrato de cinco anos mas que a previsão seria bastante superior uma vez que não havia tão depressa outra alternativa, seria uma situação para durar.

Mandatário da recorrente: Ou seja, foi dito pelo Dr. A... que o prazo do contrato seria de cinco anos mas que se previa…

Test: Uma utilização superior até à construção de um Hospital em Alcântara e aí havia estacionamento, mas que não se previa que fosse tão depressa.

Engº J..., empresário, administrador da autora - Acta de 05.03.2015

Legal representante da recorrente:

O meu primeiro contacto formal foi com o Dr. A..., em que há um dia em que aparece para ter uma reunião comigo

Mandatário da recorrente: Dr. A...? Que era quem?

Legal representante da recorrente: Que era o administrador da CUF Sei que o Dr. A... me apareceu para ter uma reunião comigo, se estaria na disposição de lhe alugar os estacionamentos para o Hospital. A situação é urgente, a situação é grave, quanto é que isso pode custar, fomos ver a cave.

Mandatário da recorrente: Quem é que esteve nessa reunião?

Legal representante da recorrente: Sei que estava o Dr. A..., sei que estava a minha filha…

Mandatário da recorrente: E o que é que o Dr. A... lhe disse?

Legal representante da recorrente: O Dr. A... diz-me se eu estava na disposição de alugar os estacionamentos.

Disse-me que isto era para sete anos.

Mandatário da recorrente: Sete anos como?

Legal representante da recorrente. Em Alcântara vais nascer uma sociedade nova, nós vamos fazer lá o nosso Hospital, mas sabemos que isso leva pelo menos sete anos e portanto, isto é para sete anos

Eu nem sabia que o Hospital da CUF ia para Alcântara, eu não sonhei, alguém me teve que dizer que ia para Alcântara, eu não sabia os processos e as estratégias de uma empresa como a CUF

Mandatário da recorrente: Quando recebeu o contrato da CUF e vinha lá um contrato por cinco anos o que é que o Engº pensou?

Legal representante da recorrente: Não me preocupou nada … porque vir lá dois ou três ou cinco, quando eu tinha uma pessoa que me dizia que não há na zona nada e que nós temos que ter estacionamentos, quer para os clientes quer para os médicos … até irmos para Alcântara.

Ora, a testemunha Dr. A... nunca declarou que o arrendamento seria por tempo indeterminado, até porque desconhecia o que se iria passar com o Hospital da Cuf Infante Santo: se continuava no mesmo local ou se iria ser construído o novo Hospital da Cuf em Alcântara.

Os depoimentos acima transcritos não permitem outra resposta que não a que foi dada pela primeira instância, que se encontra correctamente fundamentada.

Alíneas j) e k),

As matérias constantes destas alíneas também foram consideradas não provadas, tendo sido retiradas dos artigos 31º, 55º in fine e 32º da petição inicial e têm a seguinte redacção:

j) para reposição da parte do rés-do-chão no estado em que se encontrava anteriormente à realização pela autora dos trabalhos referidos em 20- dos Factos Provados a autora tenha que despender a quantia de € 100.000,00;

k) tal reposição implique a aplicação de 300,00 m2 de pavimento em granito polido, 300,00 m2v de tecto falso, 6 aparelhos de climatização tipo split, instalação de condutas de insuflação e extracção, instalação de iluminação e tomadas;                                                     

Na respectiva fundamentação da decisão recorrida consta o seguinte:

“A testemunha J..., que elaborou o orçamento de fls 135 e ss, declarou que não conheceu o rés-do-chão em data anterior à ocupação do mesmo pela ré e efectuou tal orçamento com base nas plantas do imóvel e do que lhe foi referido pela autora relativamente ao estado como se encontraria o rés-do-chão no momento anterior ao arrendamento. Considerando o que consta do documento no que concerne aos trabalhos a realizar, não se pode concluir que os mesmos se tratem de trabalhos destinados a repor o rés -do-chão no estado em que se encontrava antes da ocupação pela ré. Afigura-se antes que se tratarão de obras de beneficiação do imóvel, desconhecendo-se, nomeadamente e a título meramente exemplificativo, porque motivo seria necessária a substituição de todo o tecto.

Assim, também não resultou demonstrado o que consta das alíneas j) e k) dos Factos Não Provados, não tendo os depoimentos sido esclarecedores de modo a permitir este tribunal formar a convicção no sentido que os trabalhos aludidos em k) sejam os necessários à colocação do rés-do-chão na situação em que se encontrava anteriormente”.

Vejamos o depoimento de J..., casado, empresário – Acta de 05-03-2015.

No essencial disse que muito embora não conhecesse o local analisou projectos de arquitectura que lhe permitiram realizar o orçamento de reposição do rés-do-chão.

O depoimento não foi convincente e disso nos dá conta de forma acertada a decisão recorrida que se mostra bem fundamentada.

 Por outro lado e como bem observa a apelada nas suas contra-alegações:

“ Já quanto aos factos considerados não provados alínea “j”, diga-se estar correcta a decisão do tribunal “a quo”, pois que apenas existe um orçamento onde existem alguns trabalhos descritos que podem ser, eventualmente, compatíveis com os descritos no ponto 20 dos factos dados como provados, sendo certo que tais trabalhos não perfazem o valor de € 100.000,00.

Esclareça-se que nenhuma prova fez a autora da existência de qualquer centro comercial no rés-do-chão, nem mesmo de qualquer loja em funcionamento mas tão somente de espaços divididos com divisórias, sendo absolutamente megalómana a sistemática referência a um centro comercial em que não havia um único logista.

Quanto aos factos não provados alínea “k”: a recorrente não demonstrou nem provou que o pavimento existente anteriormente ao arrendamento fosse pavimento granito polido, nem que existisse tecto falso, aparelhos de climatização, condutas de insuflação ou extracção nem que com o arrendamento tivesse sido removida a iluminação.

Nem se retira o teor da alínea “k” da análise das plantas.

Saliente-se que a recorrente pretende por em causa as respostas dadas aos factos considerados como não provados sem indicar nem transcrever quaisquer depoimentos que sustentem tal pretensão”.

Nesta conformidade e sem necessidade de maiores considerações mantêm-se as respostas negativas constantes das alíneas “j” e “k”.

Alínea f) 

Alega a recorrente que não concorda com a resposta negativa à matéria constante da alínea f) dos factos que não resultaram provados, face ao que se considerou provado nos nºs 12º, 13º, 14º e 30º da Fundamentação de facto.

Esta alínea, retirada do artigo 23º da petição inicial, tem a seguinte redacção:

“O portão automático colocado pela ré seja de qualidade e características inferiores ao portão de enrolar que equipava o locado e não disponha de capacidade para a entrada e saída de veículos do local”.

Esta alínea está relacionada com a alínea g) que corresponde ao artigo 25º da petição inicial e que tem a seguinte redacção:

“A aquisição e montagem de um novo portão e a reparação da entrada do locado onde foi montado o novo portão importe na quantia de € 25.000,00”.

A decisão recorrida fundamentou a resposta negativa àquelas duas alíneas do seguinte modo:

“M... negou o contante sob a alínea f) dos Facos Não Provados e o depoimento de S... não foi esclarecedor no que à mesma respeita. De igual modo, não resultou provado o que ficou referido sob a alínea g).

Do depoimento da mesma testemunha não resultou em concreto qual o mobiliário que se encontrava à entrada do rés-do-chão aquando da entrega de tal espaço à ré por parte da autora, nem tão pouco o preço ou valor do mesmo”.

Não faz qualquer sentido que a apelante venha alegar (fls 259 vº in fine) que “ só se predispôs a destruir um centro comercial de lojas e construir um parque de estacionamento porque a isso foi induzida pelo requerido”.

Fê-lo no uso do princípio da liberdade contratual, em seu proveito, sabendo desde sempre que a apelada apenas pretendia arrendar um espaço que fosse de estacionamento.

Nada mais esclarecedor e convincente do que a respectiva fundamentação, pelo que se mantêm as respostas negativas às matérias constantes das alíneas f) e g).

Alínea e) 

A matéria constante desta alínea foi considerada não provada e tinha origem no artigo 16º da petição inicial.

Esta alínea tem a seguinte redacção:

“a montagem e a reparação de cada uma das plataformas elevatórias implique o custo de € 250,00, acrescido de IVA”.

Na Fundamentação da decisão recorrida consta o seguinte:

“As testemunhas também não revelaram ter conhecimento do preço em que poderá importar a montagem das plataformas, sendo que o documento de fls 133, por si só, também não permite a prova no que a tal concerne”.

A recorrente discorda da resposta negativa, argumentando que foi exactamente este documento fls. 133 que permitiu que se considerasse provada a matéria de facto constante do nº 9 da A) Fundamentação de facto.  

Ou seja, grave contradição se detecta nesta parte da decisão. Pois, por um lado o documento de fls.133 não se mostra suficiente para demonstrar que a reparação das plataformas importa um custo de € 250,00 + IVA, mas é suficiente para provar que o fabrico das plataformas foi descontinuado e que o custo de equivalentes é de € 37.500,00 + IVA.

Não  tem razão a apelante, pois, para além da fundamentação sucinta e segura, do documento de fls 133 não se extrai que a montagem e o preço de reparação das plataformas fosse € 250,00 mais IVA.

Alínea d)

A matéria desta alínea, retirada do artigo 15º da petição inicial, tem a seguinte redacção:

“em consequência da desmontagem e acondicionamento das plataformas elevatórias referidos em 7- dos Factos Provados, as mesmas tenham ficado inutilizadas”.

Na respectiva Fundamentação consta o seguinte:

“J... e M... negaram que as plataformas elevatórias tinham sido danificadas em virtude da desmontagem e acondicionamento realizados a mando da R. e o depoimento de S... não foi esclarecedor no que a tal concerne”.

A apelante argumenta que tal matéria deve ser considerada como provada, conforme alega na conclusão 89º.

Mas sem razão, face à correcta fundamentação da decisão e ainda pelo facto de, , como bem refere a apelada, a E... não ter colocado nenhuma das plataformas em funcionamento, não significa que aquelas tenham ficado inutilizadas.

Foram estes e apenas estes os concretos pontos de facto que a apelante especificou de forma transparente e que considerou incorrectamente julgados.

Finalmente e apenas na conclusão 97ª refere a apelante que foi violado o disposto nas alíneas b) e d) do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil, sem justificar as apontadas nulidades da sentença, que não existem.

A QUESTÃO DE DIREITO

A sentença está tão bem feita e decidiu com notável acerto, que é muito difícil não seguir as meritórias directrizes jurídicas que ali foram traçadas.

Assim, diremos, que estando em causa um arrendamento para fins não habitacionais, celebrado em Dezembro de 2008, atender-se-á em primeira linha ao disposto no artº 1110º Código Civil, que, sob a epígrafe “Duração, denúncia ou oposição à renovação”preceitua:

“1- As regras relativas à duração, denúncia e oposição à renovação dos contratos de arrendamento para fins não habitacionais são livremente estabelecidas pelas partes, aplicando-se, na falta de estipulação, o disposto quanto ao arrendamento para habitação.

2- “Na falta de estipulação, o contrato considera-se celebrado com prazo certo, pelo período de 10 anos, não podendo o arrendatário denunciá-lo com antecedência inferior a um ano”.

No caso sub judice, foi estabelecido expressamente pelas partes que as mesmas podiam denunciar o contrato ou opor-se à sua renovação nos termos dos artigos 1097º e 1098º do Código Civil, sendo que, no tocante à oposição à renovação pelo arrendatário, rege o disposto no nº 1 do artº 1098º que refere que, «o arrendatário pode impedir a renovação automática mediante comunicação ao senhorio com uma antecedência não inferior a cento e vinte dias do termo do contrato».

A ré enviou à autora a carta registada com aviso de recepção, datada de 8 de Novembro de

2011, declarando a “denúncia” do contrato ao abrigo do artigo 1098º do Código Civil, com um pré-aviso de 120 dias – Cfr cláusula 3.2 e facto provado sob o nº 25.

Efectivamente, em 1 de Dezembro de 2008, as partes celebraram um contrato de arrendamento, tendo por objecto a cave, com a área bruta de 1.000 m2, do prédio sito na Rua Embaixador Teixeira de Sampaio, nº 4, em Lisboa, com destino a estacionamento.

No que ao prazo concerne, estabeleceram as partes que o arrendamento era feito pelo prazo de 5 anos contados da data da assinatura do contrato, renovável automaticamente por períodos, iguais e sucessivos, de 3 anos, “em caso de ausência de denúncia ou oposição”.

Ficou ainda a constar que: “As partes poderão denunciar o contrato ou opor-se à sua renovação nos termos previstos no art.º 1097º e 1098º do Código Civil, por meio de carta registada com aviso de recepção”.

Foi estabelecida a renda mensal de € 6.000,00.

Com a declaração de denúncia da arrendatária à senhoria acima referida, não há dúvida que cessou o contrato de arrendamento relativo à cave.

Quanto ao rés-do-chão, ficou provada a seguinte matéria de facto:

- Por acordo estabelecido entre autora e ré, a partir de 2 de Dezembro de 2010, a ré passou a utilizar parte do rés-do-chão do prédio aludido em 1º para efeitos de aí proceder ao estacionamento de veículos em número não concretamente apurado, mediante o pagamento por parte da mesma à autora da quantia mensal de € 2.000,00, acrescida de IVA - 18º.

- O acordo referido em 18º não foi reduzido a escrito -19º.

- Aquando da cedência por parte da autora à ré da parte do rés-do-chão para os efeitos referidos em 18º, a autora procedeu à demolição das estruturas amovíveis e das divisórias de vidro e tectos metálicos ali existentes, bem como do pavimento de tais divisórias -20º.

Conforme bem refere a douta sentença recorrida, estamos igualmente na presença de um contrato de arrendamento que a lei define no artigo 1022º do Código Civil. Aí se estipula que a locação é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de uma coisa, mediante retribuição. Diz-se arrendamento quando versa sobre coisa imóvel – artº 1023º 1ª parte.

Conforme resulta do artigo 1064º do Código Civil é admissível o arrendamento total ou parcial de prédios urbanos. Este contrato, na classificação a que se refere o artigo 1067º do Código Civil, tinha fim não habitacional, por de um estacionamento de veículos se tratar.

A sujeição à forma escrita dos contratos de arrendamentos que incidem sobre prédios urbanos depende da sua "duração": sê-lo-á se esta for superior a seis meses (artigo 1069º do Código Civil).

No contrato em questão não foi estipulado qualquer prazo. Supre a lei esta omissão no artigo 1110º do Código Civil que remete para o previsto para o arrendamento para habitação.

Ora, no artigo 1094º do Código Civil estipula-se que os contratos podem celebrar-se por prazo certo ou por duração indeterminada e que no silêncio das partes tem-se como celebrado por duração indeterminada.

E continua a douta sentença em acerto de decisão:

“Assim, tendo o contrato uma duração indeterminada, tinha que ser celebrado por escrito, pelo que, por força do disposto no artigo 220º do Código Civil, estamos em presença de um contrato nulo.

Quanto ao efeito derivado do referido vício, estabelece a lei que a declaração de nulidade tem efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a sua restituição em espécie não for possível, o valor correspondente (artigo 289º, nº 1, do Código Civil).

Resulta deste normativo, que a consequência desta nulidade será, pelo menos, o pagamento do equivalente à contrapartida pelo gozo do locado usufruído por aquele que esteve no gozo da coisa, face à impossibilidade de devolver tal gozo.

Não está em causa o pagamento das quantias equivalentes ao período pelo qual a R. se encontrou a usar a parte do rés-do-chão, nem tão pouco a cave.

Começou a mesma por peticionar o pagamento por parte da R. da quantia de € 4.920,00, alegadamente respeitante à reparação e montagem dos 16 elevadores para automóveis, ou, subsidiariamente, a quantia de € 46.125,00, referente à aquisição de 16 elevadores novos.

A R. solicitou à A. que procedesse à retirada das 16 plataformas elevatórias existentes na cave, a A. acedeu em proceder à retirada das mesmas, mas não realizou tal procedimento.

Em virtude desse facto, a R., com o conhecimento da A., contratou uma empresa que realizou a actividade de desmontagem e ao acondicionamento das plataformas.

Não ficou demonstrado que a montagem e a reparação de cada uma das plataformas elevatórias implique o custo de € 250,00, acrescido de IVA, nem tão pouco que em consequência da desmontagem e acondicionamento das plataformas realizados pela empresa contratada pela R., as mesmas tenham ficado inutilizadas.

Considerando o que fica referido, não pode proceder o peticionado pela R. a título principal, nem a título subsidiário.

Peticionou ainda a A. o pagamento por parte da R. da quantia de € 25.000,00, relativa à aquisição e montagem de um novo portão e reparação da entrada do edifício.

O acesso à cave e ao rés do chão do prédio referido em 1- era efectuado por um portão tipo grade de enrolar que depois de ser aberto ficava enrolado e recolhido dentro do tecto falso metálico que existia junto à entrada, sendo o seu funcionamento accionado por uma cartão magnético de proximidade;

Em virtude do portão ter avariado várias vezes, a R., com o conhecimento da A., retirou tal portão e colocou o mesmo na cave, junto à escada de emergência e, no lugar onde tal portão de encontrava, colocou um portão automático de alumínio basculante;

Para efeitos da retirada do portão anterior e da instalação do novo portão, a R. procedeu à retirada das chapas metálicas que faziam parte do tecto falso existente junto à entrada e dentro do qual ficava recolhido aquele portão, tendo ficado, nesta parte, a laje à vista.

O administrador da A. Engº Santos Grilo assistiu à colocação do novo portão e aquando de tal colocação não apresentou qualquer reclamação junto da R.

Diz o artigo 1043.º, n.º 1 do Código Civil que “na falta de convenção, o locatário é obrigado a manter e restituir a coisa no estado em que a recebeu, ressalvadas as deteriorações inerentes a uma prudente utilização, em conformidade com os fins do contrato”.

Daqui emergem duas obrigações distintas para o locatário: a de manter a coisa no estado em que a recebeu e a de restituir a mesma coisa nesse mesmo estado, num e noutro caso “ressalvadas as deteriorações inerentes a uma prudente utilização, em conformidade com os fins do contrato”.

Não é só no momento da restituição que o inquilino deve conservar o prédio arrendado no estado em que o recebeu, “ressalvadas as deteriorações inerentes a uma prudente utilização”, mas a todo o momento, após a entrega que lhe fez o senhorio. Ou seja, o senhorio deve entregar ao inquilino a coisa locada e deve assegurar-lhe o gozo para os fins a que se destina [artigo 1031.º, a) e b) do Código Civil], pelo que é nesse estado que o inquilino recebe o prédio do senhorio; a partir daí o inquilino deve manter a coisa locada no estado em que lhe foi confiada, excepto quanto aos estragos (deteriorações) que não ultrapassem os inerentes a uma prudente utilização, sendo responsável pelos não imputáveis a prudente utilização; só não será responsável se não tiver sido causa deles – nem terceiro a quem ele tenha permitido a utilização (artigo 1044º).

O artigo 1043.º obriga o locatário a manter e, no termo do arrendamento, restituir o prédio no estado em que o recebeu, ressalvadas as deteriorações inerentes a uma prudente utilização, em conformidade com os fins do contrato.

O inquilino é, assim, obrigado, nomeadamente, a restituir o prédio ao senhorio com a mesma estrutura externa e a mesma disposição interna das divisões que este lhe entregou ou consentiu (artigo 1093, al. d) do Código Civil), e a reparar, antes da restituição, as deteriorações que tenha causado, quer as resultantes de uma utilização imprudente do prédio (artigo 1043.º a contrario), quer as pequenas deteriorações necessárias para assegurar o seu conforto e comodidade (artigo 1092.º). Não é obrigado, porém, a reparar as utilizações inerentes a uma prudente utilização nem as resultantes do desgaste do tempo. (Cfr. Pereira Coelho, in Arrendamento, Coimbra, 1977, págs. 153 e 154).

Quer isto dizer que o n.º 1 do artigo 1043.º do Código Civil visa fundamentalmente pôr a cargo do locatário as obras de conservação e reparação determinadas por má ou imprudente utilização da coisa, seja por parte do locatário, seja por parte de todos aqueles que da coisa locada se servem com aquiescência expressa ou tácita do locatário. (Cfr. A. Varela, RLJ, 119, 276.)

A manutenção está, pois, relacionada com as deteriorações provenientes do uso ou do desgaste do tempo, que não atinjam a idoneidade da coisa para o serviço a que se destina.

O artigo 1043.º tem manifestamente em vista as deteriorações provenientes do uso (bom ou mau, prudente ou imprudente) da coisa. (Antunes Varela, Código Civil anotado, 3.ª edição, vol. II, pág.404.)

Pode assim concluir-se que o dever de restituição do prédio arrendado no estado em que o inquilino o recebeu (artigo 1043.º, n.º 1 do Código Civil) está associado às deteriorações pela sua utilização e não a quaisquer outras obras, designadamente as efectuadas para adaptação do prédio aos fins a que se destina por virtude do contrato.

Quanto a estas, o inquilino só terá de as reverter se tal resultar das cláusulas do contrato resultantes da negociação das partes.

Do contrato relativo ao arrendamento da cave consta que:

“Cessado que seja o contrato, seja qual for a causa, a Arrendatária deverá entregar a parcela à senhoria em bom estado de conservação e limpeza, ressalvadas as deteriorações inerentes a uma prudente utilização em conformidade com os fins do contrato, devendo reparar todas as deteriorações verificadas no local que não decorram da sua utilização prudente e normal.” – cfr cláusula 9ª.

Por força da nulidade e como decorre do artigo 289º do C. Civil, poderia a R. responder pela perda ou deterioração da coisa caso tenha procedido com culpa – artigo 1289º do C. Civil.

A ré não pode deixar de ser considerada como detentora ou possuidora de boa fé, tanto mais que a ocupação do rés do chão lhe foi permitida, de forma livre e voluntária pela autora, pagando uma contrapartida pecuniária, como compensação por tal ocupação.

Não tendo ficado demonstrado que o portão automático colocado pela R. seja de qualidade e características inferiores ao portão de enrolar que equipava o locado e não tenha capacidade para a entrada e saída de veículos do local, não pode ser reconhecido à A. o direito à aquisição e montagem de um novo portão.

Acresce que o administrador da A. assistiu à colocação do portão e não apresentou qualquer reclamação, pelo que, ainda que tacitamente, tem que se considerar consentida pela A. a realização da obra em questão.

Por outro lado, também não ficou provado que a aquisição e montagem de um novo portão e a reparação da entrada do locado onde foi montado o aludido portão importe na quantia de € 25.000,00, pelo que, mesmo a entender-se que a A. teria direito à reparação por parte da R. da parte do tecto do rés do chão de onde foram retiradas as chapas metálicas que faziam parte do tecto falso existente junto à entrada e dentro do qual ficava recolhido o anterior portão, não lhe pode ser reconhecido o direito ao pagamento da quantia peticionada, nem de qualquer outra quantia a este título.

Ainda que se aventasse a hipótese da obrigação por parte da recolocação das chapas metálicas no tecto, tal não foi o peticionado pela A. e o tribunal não pode condenar em objecto diverso do pedido – cfr artigo 609º, nº2, do C.P.Civil.

Por força da nulidade do contrato relativo ao rés do chão e não havendo factos que permitam concluir pela culpa da R. na retirada das chapas metálicas que faziam parte do tecto falso, actividade realizada para efeitos da retirada e colocação do novo portão, também não recai sobre a mesma a obrigação de indemnizar.

Do que supra ficou referido, tem que se concluir que à A. também não pode ser reconhecido o direito por parte da R. da quantia alegadamente despendida pela mesma para demolição de equipamentos que existiam no rés-do-chão. Não ficou demonstrado que a A. tenha despendido tal quantia com a demolição das estruturas amovíveis e das divisórias de vidro e tectos metálicos ali existentes, bem como do pavimento de tais divisórias. Por outro lado, tratam-se de obras de adaptação do locado com vista a nele vir a ser exercido o fim a que se destinava o arrendamento. Eram, inclusive, obras da obrigação do senhorio, na medida em que lhe competia entregar o locado apto a nele ser exercida a actividade de estacionamento. Não obstante se estar em presença de um contrato nulo por falta de forma, pela própria natureza das coisas, não pode o contrato nulo deixar de existir com acto realizado, como acontecimento, em termos de a ordem jurídica lhe negar os efeitos jurídicos próprios do tipo de contrato de arrendamento pretendido celebrar (ADRIANO VAZ SERRA, Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 109º, nº 3581, pág. 308).

Tais fundamentos determinam também a improcedência do pedido formulado pela A. relativo ao pagamento da quantia alegadamente correspondente ao que terá que ser despendido para reposição do rés-do-chão no estado em que se encontrava anteriormente ao arrendamento, Acresce que também não se provou que tal reposição importe no montante invocado pela A.

Também não ficou demonstrado que a entrada do rés-do-chão quando foi entregue à R. estivesse dotada de sofás e cadeiras cuja aquisição tinha importado em € 200,00, pelo que é igualmente improcedente este pedido deduzido pela A.

Peticionou também esta o pagamento por parte da R. da quantia de € 52.767,00, correspondente às rendas que teria deixado de receber desde Abril de 2011 até à data da instauração da acção, relativamente a parte do rés-do-chão e da quantia de € 191.880,00, correspondente às rendas não recebidas, desde a mesma data.

A responsabilidade contratual encontra-se genericamente prevista no artigo 798º do C. Civil e assenta em pressupostos idênticos aos da responsabilidade delitual, estabelecendo-se, no entanto, neste tipo de responsabilidade uma presunção de culpa do devedor – artº 799º do mesmo diploma.

O princípio geral da obrigação de indemnização está enunciado no artigo 562º do C.Civil, só existindo tal obrigação relativamente aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão – artº 563º.

O dever de indemnizar compreende os danos emergentes e os lucros cessantes – artº 564º - fixando o artº 566º os parâmetros da indemnização em dinheiro.

Atento o estabelecido no artigo 342º, nº1, do aludido código, compete ao autor a alegação e prova dos factos integradores dos pressupostos da responsabilidade civil contratual: o facto (danoso), a ilicitude (desconformidade entre a conduta devida e o comportamento observado), o prejuízo sofrido pelo credor/lesado e o nexo de causalidade entre o facto e o prejuízo – artsº 406º, nº1, 762º, nº1, 798º e 799º do C.Civil e Antunes Varela, in Das Obrigações em geral, Almedina, Coimbra, 7ª edição, vol. II, pág. 94.

Começa a A. por assentar em responsabilidade contratual, ou seja, há que averiguar se do acordado com a R. emergiram para esta obrigações que foram violadas.

Considerando o que ficou provado, não estão demonstrada qualquer factualidade que permita concluir pela responsabilidade da R. relativamente ao facto do rés-do-chão e da cave não terem voltado a ser arrendados. Não resultou demonstrado, nomeadamente, que a A. tenha deixado de arrendar os mesmos em virtude da R. ter tornado tais espaços impróprios para o fim a que se destinavam.

A A. revogou unilateralmente o contrato de arrendamento relativo à cave, tendo observado o prazo de pré-aviso estabelecido no artigo 1098º, nº1, do C. Civil e quanto à parte do rés-do-chão, estando-se em presença de um contrato nulo, a restituição sempre seria uma consequência da nulidade.

Também não ficou provado que aquando da negociação do arrendamento da cave, a R. tenha declarado à A. que tal arrendamento seria por prazo indeterminado e até que fosse construído o novo A... em Alcântara e ainda que tal nunca sucederia antes de um período de 7 (sete) anos, nem que aquando da negociação para efeitos da cedência por parte da A. à R. da parte do rés-do-chão, a R. tenha feito idêntica declaração.

Deste modo, não ficou provado que nas negociações preliminares a R. tenha assumido perante a A. a obrigação de manutenção dos arrendamentos pelos aludidos períodos, nem, no que à cave concerne, por qualquer outro diferente do que consta do contrato de arrendamento.

Refere expressamente a cláusula 3 sob a epígrafe “Prazo:

3-1 O arrendamento é feito, nos termos do artº 1095º do Código Civil ex vi do artigo 1110° do Código Civil, pelo prazo de 5 (cinco) anos contados da data da assinatura do presente contrato, sendo automaticamente renovável por períodos, iguais e sucessivos de 3 (três) anos em caso de ausência de denúncia ou oposição”.

A interpretação das cláusulas de um contrato terá que obedecer às regras estabelecidas nos arts 236º e ss do CC.

O Código Civil define o tipo de sentido negocial decisivo para a interpretação em termos de uma posição objectivista: “A declaração vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante” – artº 236º, nº1, do C. Civil.

Em regra, “releva o sentido que seria considerado por uma pessoa normalmente diligente, sagaz e experiente em face dos termos da declaração e de todas as circunstâncias situadas dentro do horizonte concreto do declaratário, isto é, em face daquilo que o concreto destinatário da declaração conhecia e daquilo até onde ele podia conhecer.

A prevalência do sentido correspondente à impressão do destinatário é, todavia, objecto, na lei, de uma limitação, (…): para que tal sentido possa relevar torna-se necessário que seja possível a sua imputação ao declarante, isto é, que este pudesse razoavelmente contar com ele (…)” – Mota Pinto, in Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra Editora, 3ª edição actualizada, págs 447/448.

Em caso de dúvida, deve prevalecer, nos contratos onerosos, o sentido “que conduzir ao maior equilíbrio das prestações” – art. 237º.

Nos negócios formais, exige-se que o sentido da declaração tenha “um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso” – art. 238º, nº 1 -, podendo, contudo relevar a vontade das partes, apesar dessa falta de correspondência, se “as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem a essa validade” – nº 2.

Interpretando a cláusula em causa à luz das regras referidas e considerando ainda o restante teor do contrato, nada permite concluir que tenha sido estabelecido prazo de duração diferente daquele que ali ficou plasmado.

Quanto ao arrendamento da parte do rés-do-chão, o contrato é nulo e a restituição sempre seria uma consequência da nulidade.

Da culpa in contrahendo

Argumentou também a A. que, caso se conclua que não existe violação das obrigações nos termos referidos, sempre terá o direito a ser indemnizada por culpa in contrahendo.

A teoria da culpa in contrahendo, esboçada inicialmente para casos de conclusão de contratos inválidos, veio depois a ser ampliada por forma a gerar responsabilidade individual em dois outros grupos de casos: o de não conclusão de contratos após o início de negociações e o da conclusão de um contrato válido e eficaz mas de cujas negociações surgiram danos a indemnizar[1].

 O artigo 227º do Código Civil, sob a epígrafe “culpa na formação dos contratos”, preceitua no seu nº 1 que, quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte.

Antunes Varela ensina que este artigo não se contenta com a proclamação, que poderia ser meramente platónica, do princípio da boa fé na reparação e formação do contrato, consagra ainda a responsabilidade pré-contratual do contraente faltoso[2].

Almeida Costa, a propósito da demarcação das fases fundamentais no caminho percorrido pelos contratantes, ensina que a orientação que predomina define duas, a saber:

     a) Uma fase negociatória, integrada pelos actos preparatórios realizados sem marcada intenção vinculante, desde os primeiros contactos das partes até à formação de uma proposta contratual definitiva;

        b) Uma fase decisória, constituída por duas declarações de vontade vinculativas, quer dizer, a proposta e a aceitação do contrato.

A própria lei traduz esta separação. O nº 1 do artigo 227º do Código Civil refere-se, sucessivamente, à observância das regras da boa fé, tanto nos preliminares (fase negociatória) como na formação (fase decisória) do contrato.[3]

Como escreveu Baptista Machado “com a protecção da confiança não se visa de forma alguma garantir propriamente a confiança ou compromisso (expresso ou implícito), no sentido de efectuar juridicamente esse compromisso, mas apenas resolver um problema de responsabilidade pelos danos que surgem ou surgiram da violação de tal compromisso quando de facto o promissário viesse a sofrer danos com essa violação”. [4]

A ruptura das negociações não implica necessariamente a violação das regras da boa fé; por isso não se pode concluir que só pelo facto de ter havido ruptura houve má fé de quem rompeu eventuais negociações.

A simples entrada em negociações não pode ser tida como idónea para criar na outra parte uma convicção séria e fundada de conclusão do contrato. Haverá uma simples esperança de que tal suceda.

Diferente é a situação quando no decurso das negociações preliminares uma das partes assumiu um comportamento que razoavelmente criou na outra parte a convicção de que o contrato se formaria, assim a predispondo a acções ou omissões que não teria adoptado se não tivesse aquela conclusão como certa.

Tal confiança na conclusão do contrato deve ser alicerçada em dados concretos e inequívocos, analisados mediante critérios de consciência e senso comum ou prática corrente[5].

Também Menezes Cordeiro, depois de salientar que nas negociações se têm, para com a outra parte, deveres de protecção, de informação e de lealdade e de distinguir nesta última categoria os devedores de sigilo, de cuidado e de actuação consequente, atribui a este último o seguinte conteúdo: “ ... não se deve, de modo injustificado e arbitrário, interromper uma negociação em curso, salvo, como é natural, a hipótese de a contraparte, por forma expressa ou por comportamento concludente, ter sido avisada da natureza precária dos preliminares a decorrer”[6].

A obrigação de indemnização por culpa na formação dos contratos, qualquer que seja o facto típico que a justifique e além das suas particularidades, depende da produção de um dano e da existência dos demais elementos constitutivos da responsabilidade civil[7].

E o mesmo autor continua, a págs. 68: “ É bem de ver que um profissional não pode razoavelmente esperar que todos os contactos iniciados com a sua clientela levem a resultados positivos, dado que a condução das negociações faz parte da actividade económica a que se dedica, envolvendo de certo modo um risco, cujas incidências estão previstas e cobertas por “gastos gerais” ... Portanto, a confiança criada aos profissionais pelas negociações mostra-se normalmente mais reduzida; e a existência de um dano ressarcível será frequentes vezes muito difícil de admitir”.

A boa fé consiste, em geral, no comportamento honesto e consciencioso, na lealdade de se conduzir; e tem, no caso do artigo 227º do Código Civil, um sentido vincadamente ético, ao contrário do que sucede em muitos outros casos em que o seu significado (ético) se esgota numa situação psicológica muito simples e fácil de definir[8].

Importa ainda salientar que se distingue, em matéria de obrigação de indemnização, entre o interesse negativo ou da confiança e o interesse positivo ou do cumprimento.

“ Quando se atende ao interesse negativo, é ressarcível o dano resultante de violação da confiança de uma das partes na probidade e lisura do procedimento da outra por ocasião dos preliminares da formação do contrato. Quer dizer, encara-se o prejuízo que o lesado evitaria se não houvesse, sem culpa sua, confiado em que, durante as negociações, o responsável cumpriria os específicos deveres a elas inerentes e derivados do imperativo da boa fé, maxime convencendo-se que a manifestação de vontade deste entraria no mundo jurídico tal como esperava, ou que tinha entrado correcta e validamente.

O interesse positivo, pelo contrário, reconduz-se aos danos que decorrem do não cumprimento do contrato ou do seu cumprimento defeituoso ou tardio. Trata-se da violação das respectivas prestações típicas ou principais, que podem, aliás, ser acompanhadas de deveres secundários ou, inclusivé, laterais.

Entendidos nestes moldes o dano da confiança (in contrahendo) e o dano de cumprimento (in contractu), inculca-se que a responsabilidade pré-contratual por ruptura das negociações preparatórias actua nos limites do interesse negativo, em vez de conexionar-se com o interesse positivo”[9].

Também Galvão Teles ensina que “ a responsabilidade pré-contratual tem por objecto os danos negativos – os danos que o interessado sofreu por ter deixado de ver satisfeito o seu interesse negativo (...). Não são de indemnizar os danos positivos, os decorrentes da violação do contrato, por que este não chegou a nascer ou, pelo menos, a nascer provido de eficácia. Não está em causa a responsabilidade pelo não cumprimento (incluindo o cumprimento defeituoso ou tardio) porque aí viola-se uma obrigação contratual e não pré-contratual”[10].

Cabe agora aplicar estas noções aos factos.

Como muito acertadamente ponderou a douta sentença em recurso e em notável síntese, não estamos, no caso dos autos, perante uma situação que possa ser enquadrada nesta figura. O contrato de arrendamento da cave foi efectivamente celebrado, nada apontando para que a R. tenha tido qualquer comportamento censurável, na fase pré-contratual e mesmo na fase de celebração do contrato.

Por outro lado, quanto à parte do rés-do-chão, também nada permite concluir pela prática por parte da R. de acto censurável, não havendo factos dos quais se possa extrair que a conclusão que a não redução a escrito se tenha ficado a dever a motivo imputável à R.

A existir censura seria por incumprimento do contrato que a mesma celebrou com a A., o que, como se viu, os factos provados também não permitem concluir.

A culpa in contrahendo só se verifica quando uma das partes, maleficamente, oculta um facto que vai provocar uma situação anti-jurídica. À ré não se lhe pode imputar a enquadração desse malefício e, por isso, não é passível da cominação imposta pelo artigo 227º do Código Civil.

Por isso, a acção improcedeu e a apelação não merece melhor sorte.

CONCLUSÕES:

- O dever de restituição do prédio arrendado no estado em que o inquilino o recebeu (artigo 1043.º, n.º 1 do Código Civil) está associado às deteriorações pela sua utilização e não a quaisquer outras obras, designadamente as efectuadas para adaptação do prédio aos fins a que se destina por virtude do contrato.

- Quanto a estas, o inquilino só terá de as reverter se tal resultar das cláusulas do contrato resultantes da negociação das partes.

- Do contrato relativo ao arrendamento da cave consta que:

“Cessado que seja o contrato, seja qual for a causa, a arrendatária deverá entregar a parcela à senhoria em bom estado de conservação e limpeza, ressalvadas as deteriorações inerentes a uma prudente utilização em conformidade com os fins do contrato, devendo reparar todas as deteriorações verificadas no local que não decorram da sua utilização prudente e normal.” – cfr cláusula 9ª.

- A boa fé consiste, em geral, no comportamento honesto e consciencioso, na lealdade de se conduzir, e tem no caso do artigo 227º do Código Civil, um sentido vincadamente ético, ao contrário do que sucede em muitos outros casos em que o seu significado (ético) se esgota numa situação psicológica muito simples e fácil de definir.

- O nº 1 do artigo 227º do Código Civil refere-se, sucessivamente, à observância das regras da boa fé, tanto nos preliminares (fase negociatória) como na formação (fase decisória) do contrato.

- A ruptura das negociações não implica necessariamente a violação das regras da boa fé; por isso não se pode concluir que só pelo facto de ter havido ruptura houve má fé de quem rompeu eventuais negociações. A simples entrada em negociações não pode ser tida como idónea para criar na outra parte uma convicção séria e fundada de conclusão do contrato. Haverá uma simples esperança de que tal suceda.

- Só existe responsabilidade pré contratual quando no decurso das negociações preliminares uma das partes assumiu um comportamento que razoavelmente criou na outra parte a convicção de que o contrato se formaria, assim a predispondo a acções ou omissões que não teria adoptado se não tivesse aquela conclusão como certa.

- Tal confiança na conclusão do contrato deve ser alicerçada em dados concretos e inequívocos, analisados mediante critérios de consciência e senso comum ou prática corrente.

- Os danos ressarcíveis por culpa in contrahendo demonstram que a responsabilidade pré-contratual por ruptura das negociações preparatórias actua nos limites do interesse negativo (dano de confiança), em vez de conexionar-se com o interesse positivo (dano de cumprimento).

III – DECISÃO

Pelo exposto, julga-se improcedente a apelação, confirmando-se a douta sentença em recurso.

Custas pela apelante.

Lisboa, 22/6/2016

Ilídio Sacarrão Martins

Teresa Prazeres Pais

Carla Mendes

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[1]     Almeida e Costa, “ Responsabilidade Civil por Ruptura das Negociações Prepreparatórias de um Contrato”, em anotação ao Ac. do STJ de 5.02.1981, in RLJ Ano 116º, pág. 101.
[2]     Das Obrigações em Geral, 2ª edição, 1973, vol. I, pág. 25, anot. 1.
[3]     Almeida e Costa, “ Responsabilidade Civil pela Ruptura das Negociações Prepreparatórias de um Contrato”, Coimbra Editora, 1984, pág. 49.
[4]     RLJ, Ano 117º, pág. 321.
[5]      Almeida Costa, RLJ Ano 116º, pág. 152.
[6]      Da Boa Fé no Direito Civil, vol. I, pág. 583.
[7]      Almeida e Costa ob cit na anotação 3, pág. 53.
[8]      P.Lima e A. Varela, Código Civil Anotado, 3ª edição, Vol. I pág. 216.
[9]     Almeida e Costa ob cit na anotação 3, pág. 73 e 74. Em sentido contrário, Vaz Serra, in RLJ Ano 110º pág. 276.
[10]    Direito das Obrigações, 1997, Coimbra, pág. 77.