Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
402/11.7TTPDL.L1-4
Relator: JERÓNIMO FREITAS
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
PENSÃO OBRIGATÓRIAMENTE REMÍVEL
ACTUALIZAÇÃO DE PENSÃO
FUNDO DE ACIDENTES DE TRABALHO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/06/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: I- O novo regime jurídico de reparação de acidentes de trabalho, introduzido pela Lei 98/2009, de 4 de Setembro, altera os critérios de remição obrigatória de pensões. Tal alteração traduz-se, face ao regime anterior e relativamente às pensões anuais e vitalícias devidas a sinistrados com incapacidades permanentes parciais inferiores a 30%, no facto de apenas serem obrigatoriamente remidas aquelas cujo valor anual não seja superior a seis vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida, em vigo no dia seguinte à data da alta.
II- No entanto, nos termos do n.º2 do art.º 82.º da referida Lei, ao FAT apenas compete a garantia do pagamento das actualizações anuais e vitalícias devidas a sinistrados com incapacidades permanentes parciais iguais ou superiores a 30%, mantendo-se o que estava estabelecido na anterior Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, no n.º2, do art.º 39.º.
III- Permanece igualmente inalterado o art.º 1.º n.º1, alínea c) e subalínea i), do Decreto-lei n.º 142/99, norma que se harmonizava com o n.º2, do art.º 39.º da Lei n.º 100/97, ao estabelecer que compete ao FAT «Reembolsar as empresas de seguros dos montantes relativos: [i)] Às actualizações das pensões devidas por incapacidade permanente igual ou superior a 30% ou por morte, bem como às actualizações da prestação suplementar por assistência de terceira pessoa, derivadas de acidentes de trabalho ou de acidentes em serviço».
IV- Contudo, essa desarmonização legislativa, é uma questão distinta que se coloca a montante do princípio da actualização anual das pensões anuais e vitalícias devidas por acidente de trabalho, com efeitos a 1 de Janeiro de cada ano, que continua a decorrer inequivocamente da lei, fazendo recair sobre as seguradoras a obrigação de a ela proceder de forma automática e imediata, renovando-se essa obrigação com a publicação do instrumento legal, em regra por via de Portaria, que define a taxa de actualização [art.º 6.º 1 e 8.º 1 do DL 142/99].
V- Com a publicação da Portaria n.º 122/2012, de 3 de Maio, que “ Nos termos do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 142/99, de 30 de abril, com a redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 185/2007, de 10 de maio” procedeu à actualização das pensões devidas por acidente de trabalho (art.º 1.º), a seguradora ficou obrigada a actualizar automática e imediatamente a pensão anual e vitalícia fixada ao sinistrado, “para o valor resultante da aplicação da percentagem de aumento de 3,6 %.” [art.º2.º], com efeitos desde “1 de Janeiro de 2012” [art.º3.º].
VI- Não tendo cabimento, como pretende a seguradora recorrente, fazer depender o cumprimento dessa obrigação a que está vinculada, da prévia intervenção do FAT neste processo, para se pronunciar, querendo, para depois, então, ser “decidida a causa de acordo com o regime legal em vigor e o espírito do sistema, sendo declarado o FAT como responsável pelo reembolso à recorrente das actualizações que forem devidas à presente pensão”.
(Elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

I. RELATÓRIO
I.1 Respeitam os presentes autos à acção emergente de acidente de trabalho, com processo especial, que corre termos no Tribunal do Trabalho de Ponta Delgada, em que é Autor e sinistrado AA, vitima de acidente de trabalho ocorrido em 3 de Março de 2011, quando trabalhava por conta própria como sócio gerente de uma empresa de Serração de madeiras, tendo a responsabilidade infortunística transferida para a R., e responsável, “COMPANHIA DE SEGUROS BB S.A.”.
Na tentativa de conciliação, realizada em 09-01-2012, foi obtido acordo entre o A. e a R. seguradora quanto à caracterização do acidente como de trabalho; o nexo de causalidade entre as lesões e o acidente; a retribuição do sinistrado; a validade do contrato de seguro; a natureza e grau da incapacidade atribuída - IPP de 0,1329 – e a data da alta, em 12-10-2011; e, quanto à pensão anual devida àquele primeiro, no montante de 4.821,43€, com início no dia seguinte ao da alta 13-10-2011.
O acordo foi homologado por sentença judicial.
I.2 Subsequentemente, a 21 de Setembro de 2012, pelo digno Magistrado do Ministério Público foi promovido que se notificasse a seguradora para vir demonstrar ter procedido à actualização da pensão, para o valor 4.995 €., por aplicação do factor 3,6%, previsto na Portaria n.º 112/2012, com efeitos para o ano de 2012, bem assim o respectivo pagamento ao sinistrado.
Pronunciando-se sobre essa promoção, pela Senhora Juíza foi proferido o despacho seguinte:
- «Efectuados os cálculos aritméticos e compulsados os autos, procedo à actualização da pensão do sinistrado, para o seguinte valor anual, conforme preceitua a Portaria n.º 122/2012, de 3 de Maio, aplicável, a saber:
- Ano de 2012 – a partir de 01.01.2012 = 4 995,00€ [(4 821,43€ x 3,6%) +173,57€)].
Pelo exposto procedo à actualização da pensão do sinistrado para o valor supra identificados, mais determinando que a Seguradora proceda ao seu pagamento em conformidade».
I.3 Inconformado com essa decisão, a R. Seguradora apresentou recurso de Apelação, o qual foi devidamente recebido e fixados o modo de subida e efeito adequados.
Com as alegações a recorrente apresentou as respectivas conclusões, as quais têm o teor seguinte:
(…)
Conclui, pugnando pela revogação da decisão recorrida, para ser substituída por outra que determine a notificação do FAT para se pronunciar, querendo, “sendo decidida a causa de acordo com o regime legal em vigor e o espírito do sistema, sendo declarado o FAT como responsável pelo reembolso à recorrente das actualizações que forem devidas à presente pensão”.
I.4 Pelo sinistrado A., com o patrocínio do Ministério Público, foram apresentadas contra-alegações, finalizadas pelas conclusões seguintes:
1) A correcção e clareza da exposição da recorrente permitem superar o não cumprimento material do art.º 690.º 1 , do Cód. Proc. Civil.
2) A confirmação, pelo Juiz, de uma operação material (contas de multiplicar e de somar) feita pelo Ministério Público, mas que competia à seguradora fazer, não está sujeita ao contraditório.
3) Não há disposição ou princípio legal que contrarie os propósitos da lei de procurar manter actualizadas as pensões atribuídas aos sinistrados, cujo valor anual exceda seis salários mínimos nacionais e respeite a IPP inferior a 30%.
4) Não é apropriada, para se negar direitos ao sinistrado, a invocação de lacuna que, a existir, respeita à lei do financiamento das actualizações de pensões por acidente de trabalho, não à definição dos direitos do sinistrado.
5) A existir lacuna, é contra a entidade financiadora que a recorrente terá de invocar, não contra o sinistrado e para lhe negar o cumprimento da lei.
Conclui defendendo a improcedência do recurso.
I.5 Foram colhidos os vistos legais.
I.6 Delimitação do objecto do recurso
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, salvo questões do conhecimento oficioso (artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e 685.º-A e 684.º n.º 3 e artigo 660.º n.º 2 do Código de Processo Civil), as questões colocadas pelo recorrente no recurso são as seguintes:
i) A de saber se há nulidade processual, por violação do disposto nos artigos 3.º e 201.º do CPC, em razão da actualização da pensão ter sido decidida sem que a recorrente tivesse sido chamada a pronunciar-se;
ii) A de saber se o Tribunal a quo, atendendo a que o art.º 82.º n.º2, da nova LAT, não se refere às pensões decorrentes de IPP inferiores a 30%, mas cujo valor anual seja superior a 6 vezes a retribuição mínima mensal garantida, bem assim que o Dl n.º 142/99, de 30 de Abril, não foi alterado para se adequar ao novo regime de pensões não remíveis e, logo, actualizáveis, deveria ter ouvido a recorrente e o FAT, para que este último reconhecesse “(..) o direito da recorrente de ver satisfeito por aquele o encargo com a actualização da pensão devida ao sinistrado”.

II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1 MOTIVAÇÃO DE FACTO
A matéria relevante para apreciação do recurso é a que consta do relatório.
II.2 MOTIVAÇÃO DE DIREITO
II.2.1
(…)
II.2.2 A questão seguinte consiste em saber se o Tribunal a quo, atendendo a que o art.º 82.º n.º2, da nova LAT, não se refere às pensões decorrentes de IPP inferiores a 30%, mas cujo valor anual seja superior a 6 vezes a retribuição mínima mensal garantida, bem assim que o DL n.º 142/99, de 30 de Abril, não foi alterado para se adequar ao novo regime de pensões não remíveis e, logo, actualizáveis, deveria ter ouvido a recorrente e o FAT, para que este último reconhecesse “(..) o direito da recorrente de ver satisfeito por aquele o encargo com a actualização da pensão devida ao sinistrado”.
Como contributo para melhor enquadrar a questão, afigura-se-nos pertinente fazer uma breve incursão a propósito do regime da actualização das pensões devidas por acidente de trabalho – ou por doença profissional.
O regime em causa foi introduzido na nossa ordem jurídica por via do Decreto-Lei n.º 668/75, de 24 de Novembro.
Como nos dá conta o respectivo preâmbulo, ao instituir esse regime, o legislador procurou acudir às consequências resultantes da “(..) flagrante desvalorização da moeda e consequente aumento do custo de vida” , que se verificava “(..) há largos anos, com especial incidência na última década”, sem que alguma vez se tenha procedido a qualquer actualização das pensões por acidente de trabalho ou doença profissional, situação que estava na base das “legítimas reclamações de todos os atingidos, que se viram através dos anos ignorados e abandonados (..)” pela Administração, impondo-se a “(..) correcção de forma progressiva de toda uma situação, por vezes dramática, que afecta algumas dezenas de milhares de pensionistas, alguns deles totalmente incapacitados para o trabalho e que têm vindo a receber pensões de escassas centenas de escudos”.
Invocava-se que “a nacionalização da maioria das companhias de seguros veio criar condições para alterações profundas na gestão do seguro de acidentes de trabalho, que passará a desempenhar a garantia e segurança que a sua função social obriga. (..)”
E, justificava-se, ter-se optado “apenas pela actualização dos casos iguais ou superiores a 30%”, invocando-se as dificuldades financeiras da época, e que seria uma dispersão financeira em flagrante prejuízo dos casos mais graves, caso se contemplassem todos os casos, nomeadamente, as desvalorizações inferiores a 30 % , que de um modo geral não representavam uma “flagrante redução efectiva na capacidade de ganho da vítima”.
Concretizando as opções proclamadas no preâmbulo, o art.º 1.º, vinha dispor que as pensões por acidentes de trabalho e doenças profissionais seriam calculadas com base no salário anual de 48.000$00, caso a retribuição anual fosse inferior a este valor. Ficavam de fora, isto é, não eram actualizáveis as pensões resultantes de incapacidades inferiores a 30% (art.º 2.º).
A actualização, em conformidade com os princípios enunciados naqueles artigos abrangia as “pensões já estabelecidas em tribunal do trabalho”, sendo “automática e imediata” caso a responsabilidade estivesse “a cargo de entidade seguradora”, mas devendo aquela “fazer a correspondente comunicação ao tribunal do trabalho e competindo ao Ministério Público promover eventuais rectificações”. A promoção oficiosa da actualização pelo Ministério Público só tinha lugar quando a responsabilidade não estivesse a cargo de entidade seguradora [art.º 3.º n.ºs 1, 2 e 3]
Como se sabe, o regime de reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho constava então da Lei n.° 2127, de 3 de Agosto de 1965, regulamentada pelo Decreto n.° 360/71, de 21 de Agosto.
Por exclusão de partes, só seriam actualizáveis as pensões que não tivessem sido obrigatória ou facultativamente remidas, segundo as condições estabelecidas pela Base XXXIX da Lei 2127 e art.ºs 64.º, do Decreto-lei 360/71, e desde que respeitassem incapacidades iguais ou superiores inferiores a 30% (art.º 2.º do Decreto-Lei n.º 668/75, de 24 de Novembro).
Entretanto, dado que salário anual referido no art.º 1.º do Decreto-Lei n.º 668/75, de 24 de Novembro, teve por base o valor de doze vezes a remuneração mínima mensal garantida dos trabalhadores por conta de outrem (4.000$00), valor que veio a ser sucessivamente aumentado , foi necessário alterar aquele artigo, actualizando-o em conformidade com os novos valores, o que foi feito pelo Decreto-Lei n.º 456/77, de 2 de Novembro, pelo Decreto-Lei n.º 286/79, de 13 de Agosto, pelo Decreto-Lei n.º 195/80, de 20 de Junho, e pelo Decreto-Lei n.º 39/81, de 7 de Março, de 24 de Novembro. Neste último aquele valor foi indexado ao de doze meses a remuneração mínima mensal legalmente fixada em cada momento para o sector em que o trabalhador exerce a sua actividade, evitando, assim, a necessidade de sucessivas correcções por via legislativa [cfr. Cruz Carvalho, Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, 2.ª Edição, Livraria Petrony, 1983, pp. 300].
Cabe ainda deixar nota da criação, pelo Decreto-Lei n.º 240/79, de 25 de Julho, do Fundo de Actualização de Pensões [FUNDAP], no âmbito da actividade seguradora, com o propósito de assegurar, de forma equitativa, a actualização de pensões devidas por acidente de trabalho, sustentado através de uma percentagem cobrada aos segurados do ramo e pelas próprias seguradoras, através de uma percentagem sobre as reservas matemáticas.
A Lei n.º 2127, de 3 de Agosto de 1969, veio a ser revogada com a entrada em vigor da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro.
Nesta nova LAT, sobre a remição de pensões ocupava-se o art.º 33.º, reportando-se o n.º 1 às pensões de remição obrigatória e o n.º2, às pensões de remição facultativa. Quanto às primeiras, dispunha a norma que “(..) são obrigatoriamente remidas as pensões vitalícias de reduzido montante, nos termos que vierem a ser regulamentados”; e, quanto às segundas, estabelecia-se a possibilidade se remição parcial das pensões vitalícias correspondentes a incapacidade igual ou superior a 30%, “(..) nos termos a regulamentar, desde que a pensão sobrante seja igual ou superior a 50% do valor da remuneração mínima mensal garantida”.
A Lei 100/97, veio a ser regulamentada pelo Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril, ai se proclamando no respectivo preâmbulo, entre outras alterações destinadas a “melhorar o nível das prestações garantidas aos sinistrados”, a “remissão de pensões de valor reduzido, sem prejuízo de fixação de um regime transitório que permitirá progressiva adaptação das empresas de seguros, que assim não se confrontarão com um pedido generalizado de remição, com a inerente instabilidade que lhe estaria associada”
A regulamentação prevista no art.º 33.º da LAT para a remissão de pensões, obrigatória e facultativa, consta do art.º 56.º do regulamento (RLAT), mas para a sua aplicação foi estabelecido um regime transitório -conforme anunciado no preâmbulo – nos termos constantes do art.º 74.º. Porém, a redacção inicial deste art.º 74.º foi alterada pelo art.º 2.º do Decreto-Lei n.º 382-A/99, de 22 de Setembro, diploma que igualmente alterou (art.º 1.º) a entrada em vigor do RLAT, bem como do Decreto-Lei n.º 142/99 (cria o FAT) e Decreto-Lei n.º 159/99, de 11 de Maio (regulamenta o seguro obrigatório de acidentes de trabalho), que passou a ser, para todos eles, a 1 de Janeiro de 2000.
Como se sintetiza no acórdão de 3-03-2010, do Supremo Tribunal de Justiça, nesse novo quadro legal relativo à reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho, “(..) as pensões emergentes de acidente de trabalho continuaram a ser susceptíveis de actualização quer nas situações em que o sinistrado se mostrasse afectado de uma incapacidade permanente – fosse ela parcial com coeficiente de desvalorização igual ou superior a 30%, fosse ela absoluta ou fosse ela absoluta para o trabalho habitual – quer nas situações em que do acidente viesse a resultar a morte do sinistrado e a pensão fosse fixada ao seu ou seus beneficiários, a menos que o valor da pensão correspondente a cada nas enunciadas situações fosse inferior a seis vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida mais elevada à data da fixação da pensão, caso em que, e à semelhança do que sucede com as pensões por incapacidade permanente parcial inferior a 30%, seria obrigatoriamente remível (art. 56.º, da Lei n.º 143/99, de 30 de Abril, que veio a regulamentar a Lei 100/97, de 13 de Setembro).
Tais pensões passaram, no entanto, a ser actualizadas nos mesmos termos em que o fossem as pensões do regime geral da segurança social, atento o disposto no art.º 6.º, do D.L. n.º 142/99, de 30 de Abril.
[Processo n.º 14/05.4TTVIS.C2.S1, Conselheiro Mário Pereira, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj]
A Lei n.º 100/97, estabelecia a criação de um fundo, por lei, dotado de autonomia financeira e administrativa, para garantia e actualização das pensões no âmbito dos acidentes de trabalho (art.º 39.º).
Esse fundo foi criado pelo Decreto-Lei n ° 142/99, de 30 de Abril, sendo designado por Fundo de Acidentes de Trabalho (FAT), e para além de substituir o Fundo de Actualização de Pensões de Acidentes de Trabalho (FUNDAP), assumiu ainda novas competências que lhe eram cometidas pela Lei n.º 100/97.
No que aqui importa, cabe fazer referência ao art.º 1.º n.º1, de onde decorre competir ao Fundo de Acidentes de Trabalho [c)] «Reembolsar as empresas de seguros dos montantes relativos: [i)] Às actualizações das pensões devidas por incapacidade permanente igual ou superior a 30% ou por morte, bem como às actualizações da prestação suplementar por assistência de terceira pessoa, derivadas de acidentes de trabalho ou de acidentes em serviço».
Norma que se articulava coerentemente com o art.º 39.º n.º2, da Lei 100/97, onde se dispõe “São igualmente da responsabilidade do fundo criado no âmbito do disposto no número anterior as actualizações de pensões devidas por incapacidade permanente parcial igual ou superior a 30% ou por morte”.
A obrigatoriedade de actualização de pensões resultava do n.º1, do art.º 6.º deste diploma, que na sua redacção inicial, dispunha: “As pensões de acidentes de trabalho serão anualmente actualizadas nos termos em que o forem as pensões do regime geral da segurança social”. Mais recentemente, através do Decreto-Lei n.º 185/2007, de 10/5, aquela redacção foi alterada, passando a constar que “O valor das pensões de acidentes de trabalho é actualizado anualmente com efeitos a 1 de Janeiro de cada ano, tendo em conta os seguintes indicadores de referência: (..)”.
Releva assinalar que no âmbito da vigência da Lei 100/97, da conjugação das alíneas a) e b), do n.º1 do art.º 59.º, resultava não serem obrigatoriamente remíveis e, logo, que estavam sujeitas a actualização, as pensões devidas por IPPs igual ou superior a 30%, mas desde que o seu valor não fosse superior a seis vezes a remuneração mínima mensal garantida mais elevada à data da fixação da pensão.
Com efeito, se a alínea b) do n.º1 do art.º 59.º, resultava serem obrigatoriamente remidas as pensões devidas por IPP inferior a 30%, é preciso ter presente que logo a alínea a), estabelecia serem obrigatoriamente remíveis as pensões vitalícias (sem indicar qualquer IPP) que não fossem superiores a seis vezes a remuneração mínima mensal garantida mais elevada à data da fixação da pensão.
Com a publicação da Lei n.º 98/ 2009, de 4 de Setembro [regulamenta o regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais], é revogada a Lei 100/97 e o respectivo regulamento (DL 143/99).
Circunscrevendo-nos no âmbito da questão em apreço, deve assinalar-se, desde já, que as condições de remição das pensões anuais e vitalícias devidas a sinistrados vieram a ser alteradas, tornando-se mais restritivas. E, consequentemente, alargou-se o leque de pensões anuais e vitalícias actualizáveis.
Assim, quanto às pensões de remição obrigatória, que é o que aqui interessa, dispõe o n.º1 o seguinte:
-[1] É obrigatoriamente remida a pensão anual vitalícia devida a sinistrado com incapacidade permanente parcial inferior a 30 % e a pensão anual vitalícia devida a beneficiário legal desde que, em qualquer dos casos, o valor da pensão anual não seja superior a seis vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida, em vigor no dia seguinte à data da alta ou da morte”.
Por conseguinte, são duas as condições de verificação cumulativa para que haja lugar a remição obrigatória: i) que a pensão seja devida por IPP inferior a 30%; ii) e, que “o valor da pensão anual não seja superior a seis vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida, em vigor no dia seguinte à data da alta (..)”.
Significando isso, no confronto com o regime anterior, que um menor número de pensões são obrigatoriamente remidas, já que ficam de fora todas aquelas que embora respeitem a IPP iguais ou inferiores a 30%, excedam aquele limite correspondente seis vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida, em vigor no dia seguinte à data da alta.
Em contrapartida, como decorrência lógica, um maior número de pensões anuais e vitalícias passam a ser actualizadas, nomeadamente, as seguintes:
i) Todas aquelas que respeitem a IPP igual ou superior a 30%;
ii) E, todas aquelas que, embora sejam devidas por IPP inferior a 30%, tenham um valor anual superior a seis vezes a o valor da retribuição mínima mensal garantida, em vigor no dia seguinte à data da alta.
Ora, pese embora essa alteração ao regime de remição de pensões, necessariamente com reflexos no regime de actualização de pensões, acontece que o legislador não cuidou de retirar todas as consequências que devia na harmonização das disposições legais relativas a essa matéria.
Com efeito, o art.º 82.º, da Lei 98/2009, com a epígrafe “Garantia e actualização de pensões”, correspondente ao art.º 39.º da revogada Lei 100/97, no seu n.º2, dispõe o seguinte:
[ 2] São igualmente da responsabilidade do Fundo referido no número anterior as actualizações do valor das pensões devidas por incapacidade permanente igual ou superior a 30 % ou por morte e outras responsabilidades nos termos regulamentados em legislação especial.
Esta norma, embora contenha alterações de redacção relativamente à do n.º2, do art.º 39.º, da anterior LATA, acaba por apenas se referir às ”pensões devidas por incapacidade permanente igual ou superior a 30 %” ou por morte”, nesta parte reproduzindo os mesmos precisos termos daquele, quando seria necessário que a referência agora abrangesse também as pensões não obrigatoriamente remíveis correspondentes a incapacidades permanentes parciais inferiores a 30%, dado serem igualmente actualizáveis.
Acresce que também o Decreto-Lei n.º 142/99, de 30 de Abril, não foi alterado para se adequar ao novo regime de pensões actualizáveis, mantendo o art.º 1.º n.º1, al. c) e subalínea i), a redacção acima transcrita, de onde resulta que cabe ao FAT reembolsar as empresas de seguros dos montantes relativos: [i)] “Às actualizações das pensões devidas por incapacidade permanente igual ou superior a 30% ou por morte (..)”.
II.2.3 É esta a base da argumentação da seguradora para sustentar a sua pretensão e, como se viu, incontestável.
Porém, tal não significa que tenha razão.
Em primeiro lugar, e como oportunamente salientou o Ministério Público na resposta ao recurso, há duas questões que são perfeitamente distintas.
Uma respeita à obrigatoriedade de actualização de pensão anual e vitalícia devida ao sinistrado, aferida à luz da lei vigente. A outra, situa-se claramente a montante daquela, respeitando ao alegado problema do reembolso das seguradoras por a previsão da lei vigente não ter a abrangência que devia ter.
Ora, aqui apenas se pode colocar e releva a primeira delas. E, nesse âmbito, não havendo qualquer dúvida quanto à vigência do DL 142/99, já que não foi expressa ou tacitamente revogado, total ou parcelarmente, por qualquer diploma legal, do n.º1 do art.º 6.º n.º1, resulta que “O valor das pensões de acidentes de trabalho é actualizado anualmente com efeitos a 1 de Janeiro de cada ano, tendo em conta os seguintes indicadores de referência: (..)”.
Do mesmo passo, estando igualmente vigente artigo 8.°, resulta ainda que ”A actualização das pensões será automática e imediata caso a responsabilidade esteja a cargo de empresa de seguros (..) devendo ser feita a correspondente comunicação ao tribunal do trabalho e competindo ao Ministério Público promover eventuais rectificações”[n.º1].
Por conseguinte, salvo o devido respeito, continuando inequivocamente a recair sobre a seguradora a obrigação de actualizar as pensões que, face ao regime legal, sejam actualizáveis, essa obrigação legal não pode ser afastada, opondo-se ao sinistrado as dúvidas e receios por da omissão do legislador poder eventualmente vir a “(..) ser imputado à recorrente, empresa de seguros, o encargo com a actualização das pensões em pagamento ainda não abrangidas pela previsão legal de cobertura do FAT (..)” [Conclusão 15.ª].
Nem tão pouco tem cabimento, como pretende a seguradora recorrente, fazer depender o cumprimento da obrigação a que está vinculada, da prévia intervenção do FAT neste processo, para se pronunciar, querendo, para depois , então, ser “decidida a causa de acordo com o regime legal em vigor e o espírito do sistema, sendo declarado o FAT como responsável pelo reembolso à recorrente das actualizações que forem devidas à presente pensão”.
Na verdade, como também argumentou o Ministério Público, se eventualmente essa hipótese de haver risco quanto ao reembolso se viesse a configurar, então o problema teria que ser resolvido num outro plano, envolvendo as seguradoras e o FAT, ou mesmo, acrescentamos nós, o Estado Português, por omissão do dever de legislar harmonizando as legislações a que nos vimos referindo.
Com efeito, esta é uma questão distinta e, como se disse, que se coloca a montante do princípio da actualização anual das pensões anuais e vitalícias devidas por acidente de trabalho, com efeitos a 1 de Janeiro de cada ano, que continua a decorrer inequivocamente da lei, fazendo recair sobre as seguradoras a obrigação de a ela proceder de forma automática e imediata, renovando-se essa obrigação com a publicação do instrumento legal, em regra por via de Portaria, que define a taxa de actualização [art.º 6.º 1 e 8.º 1 do DL 142/99].
No que aqui interessa, com a publicação da Portaria n.º 122/2012, de 3 de Maio, que “ Nos termos do artigo 6.º do Decreto -Lei n.º 142/99, de 30 de abril, com a redação que lhe foi dada pelo Decreto--Lei n.º 185/2007, de 10 de maio” procedeu à actualização das pensões devidas por acidente de trabalho (art.º 1.º), a seguradora ficou obrigada a actualizar automática e imediatamente a pensão anual e vitalícia fixada ao sinistrado, “para o valor resultante da aplicação da percentagem de aumento de 3,6 %.” [art.º2.º], com efeitos desde “1 de Janeiro de 2012” [art.º3.º].
Por conseguinte, é quanto basta para resolver a questão em apreço, não se reconhecendo razão à seguradora.
II.2.4 Não obstante, sempre se dirá que tão pouco se reconhece à seguradora fundamento suficiente para sustentar o alegado receio relativo ao reembolso dos montantes que despender no cumprimento da obrigação de actualizar as pensões que permanecem em pagamento anual, no que respeita às que são devidas por IPP inferior a 30%, mas cujo valor anual é superior a seis vezes a o valor da retribuição mínima mensal garantida, em vigor no dia seguinte à data da alta.
Já se reconheceu que n.º2, do art.º 82.º, da Lei 98/2009, e o art.º 1.º n.º1, alínea c) e subalínea i), do Decreto-lei n.º 142/99, não contemplam expressamente este leque de pensões que, por não serem obrigatoriamente remíveis, serão anualmente actualizáveis.
Contudo, cremos que todos os dados apontam no sentido de apenas se tratar duma lacuna na lei, resultante de um deficiente processo legislativo.
A lei n.º 98/2009, teve na sua origem a proposta da iniciativa do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, consubstanciada no PROJECTO DE LEI N.º 786 /X/4.ª [disponível emwww.parlamento.pt/ActividadeParlamentar], visando regulamentar o artigo 283.º do Código do Trabalho, relativo ao regime de reparação dos acidentes de trabalho e doenças profissionais, incluindo a reabilitação e reintegração profissionais.
Decorre expressamente da referida proposta que “A regulamentação específica que se propõe não visa romper com o regime jurídico estabelecido quer pela Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, regulamentada pelo Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril (..) mas sim proceder a uma sistematização das matérias que o integram, organizando-o de forma mais inteligível e acessível, e corrigir os normativos que se revelaram desajustados na sua aplicação prática, quer do ponto de vista social, quer do ponto de vista constitucional e legal, como é exemplo o caso da remição obrigatória de pensão por incapacidade parcial permanente”.
Nesse projecto, as condições de remição de pensões consta do art.º 74.º, em cujo n.º1, se propunha o seguinte:
[1] É obrigatoriamente remida a pensão anual vitalícia devida a sinistrado com incapacidade permanente parcial inferior a 30%, e a pensão anual vitalícia devida a beneficiário legal, desde que, em qualquer um dos casos, o valor da pensão anual não seja superior a seis vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida, em vigor no dia seguinte à data da alta ou da morte».
E, a matéria relativa à garantia e actualização das pensões encontra-se no art.º 81.º, dessa mesma proposta, tendo o n.º2, o conteúdo seguinte:
[2] São igualmente da responsabilidade do fundo referido no número anterior as actualizações do valor das pensões devidas por incapacidade permanente igual ou superior a 30% ou por morte e outras responsabilidades nos termos regulamentados em legislação especial”.
Como é bom de ver, são esses normativos aí propostos que estão na origem dos artigos 75.º 1 e 82.º n.º2, da Lei n.º 98/2009, onde foram acolhidos sem qualquer alteração de redacção.
Enquadrando-se, assim, como se motivou na proposta de lei, na regulamentação específica do regime de reparação dos acidentes de trabalho e doenças profissionais, perspectivada sem que tivesse em vista “romper com o regime jurídico estabelecido quer pela Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, regulamentada pelo Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril”.
O que vale por dizer, não se vislumbrar qualquer propósito do legislador de alterar o princípio anteriormente consagrado, de acordo com o qual as seguradoras eram reembolsadas pelo FAT dos montantes relativos às actualizações das pensões, abrangendo esse reembolso todas as que por não serem obrigatoriamente remíveis, eram anualmente actualizáveis.
De resto, nem adianta a seguradora um qualquer dado concreto de onde possa resultar que o propósito do legislador é diverso e que, afinal, não se estará perante uma lacuna.
Pelo contrário, o anteprojecto de alteração ao Decreto-Lei n.º 142/99, da iniciativa do Instituto de Seguros de Portugal, e que por esta entidade foi entregue no gabinete do Secretário de Estado do tesouro e das Finanças, bem assim remetido à Associação Portuguesa de Seguradoras, junto ao recurso por iniciativa da recorrente, revela que a lacuna não passou despercebida e que há o propósito de a colmatar por via legislativa.
No preâmbulo desse anteprojecto, reportando-se à Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, lê-se o seguinte:
- «O novo regime jurídico de reparação de acidentes de trabalho altera, entre outros, os critérios de remição obrigatória de pensões. Tal alteração traduz-se, face ao regime anterior e relativamente às pensões anuais e vitalícias devidas a sinistrados com incapacidades permanentes parciais inferiores a 30%, no facto de apenas serem obrigatoriamente remidas aquelas cujo valor anual não seja superior a seis vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida, em vigo no dia seguinte à data da alta.
No entanto, nos termos do n.º2 do art.º 82.º da Lei n.º 09/2009, de 4 de Setembro, ao FAT apenas compete a garantia do pagamento das actualizações anuais e vitalícias devidas a sinistrados com incapacidades permanentes parciais iguais ou superiores a 30%.
Assim sendo, pelo presente Decreto-Lei relativamente às pensões não obrigatoriamente remíveis correspondentes a incapacidades permanentes parciais inferiores a 30%, mas actualizáveis, atribui-se ao FAT a responsabilidade pelo pagamento de tais actualizações».
É certo, como aponta a seguradora, que esse ante projecto remonta a Setembro de 2010 e, logo, que já houve mais do que tempo para resolver o problema ali apontado, mas que por enquanto persiste. Contudo, só por si, tal não pode indiciar que haja um propósito do Governo contrário ao defendido no referido anteprojecto do ISP.
Finalmente, como já se deixo dito, seja qual for a razão subjacente a esta demora na expectável e desejável harmonização dos diplomas em causa, o certo é que essa questão não contende com a regra da actualização obrigatória anual, pela qual está abrangida a pensão anual e vitalícia atribuída ao sinistrado e, logo, não exime a seguradora de cumprir a obrigação que por força da lei sobre ela impende, isto é, de proceder à actualização automática e imediata da pensão.
Assim, reiterando a conclusão extraída no ponto anterior, improcede o recurso, não merecendo qualquer censura a decisão recorrida.
***
Considerando o disposto no art.º 446.º n.º 1 e 2, do CPC, a responsabilidade pelas custas é da recorrente, que atento o decaimento a elas deu causa.

III.DECISÃO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente o recurso, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 6 de Fevereiro de 2013

Jerónimo Freitas
Francisca Mendes
Maria Celina Nóbrega
Decisão Texto Integral: