Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
545/06.9TBMTJ.L1-7
Relator: DINA MONTEIRO
Descritores: CONTRATO DE AGÊNCIA
CONTRATO DE DISTRIBUIÇÃO COMERCIAL
DENÚNCIA DE CONTRATO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/18/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I. No contrato de concessão comercial, também designado como de distribuição, estamos perante um contrato atípico a que se aplica, face à similitude dos seus campos de actuação, as regras próprias que regem o contrato de Agência, previstas no Decreto-Lei n.º 178/86, de 03 de Julho, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 118/93, de 13 de Abril, possibilidade que decorre do próprio preâmbulo deste último diploma.
II. O dever de revenda dos produtos do produtor, que impendia sobre a distribuidora, constituía o núcleo central do contrato de distribuição uma vez que era com essa operação que esta última obtinha a sua contrapartida económica – a diferença entre o preço por que a distribuidora comprava os produtos à produtora e os vendia a terceiros, traduzido na percentagem pré-estabelcida que, no caso, foi inicialmente fixada em 15% e que, posteriormente, em finais de 2001, foi aumentada para 17%.
III. Perante o quadro traçado de débitos em atraso e de falta de confiança na 1.ª A. quanto aos pagamentos futuros, sempre seria de considerar como lícita a recusa da Ré em fornecer mais produtos à 1.ª A., sem prévio acautelamento do respectivo, conforme decorre linearmente do disposto no artigo 4.º, n.º 3, alíneas e) e f) do Decreto-Lei n.º 370/93, de 29 de Outubro, sem que tal medida pudesse ser entendida como uma denúncia do contrato.
( Sumário da Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I. RELATÓRIO

“D” , Lda e “C” ---, intentaram acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra “A”, SL, pedindo a condenação desta a pagar à primeira A. a quantia de € 132.141,44 e, à segunda A., a quantia de € 50.000,00 a título de danos morais, com juros legais desde a citação.

A primeira A. englobou naquele pedido os pedidos parcelares de € 15.747,30 relativos a comissões em dívida, € 28 544.14 a título de indemnização de clientela, € 9.000,00 de indemnização pelo dano causado pela sua rescisão do arrendamento de armazém, traduzido na perda do trespasse, € 2.000,00 concernente a prejuízos resultantes da venda de duas carrinhas que foi obrigada a realizar, € 1.050,00 a título de reembolso da quantia que a 1.ª A. adiantou a um seu vendedor e € 75.000,00 por dano resultante de conduta ilegal que conduziu ao encerramento da própria empresa.
Cada uma das AA. fundou a sua pretensão nos seguintes termos: a primeira A. no incumprimento pela Ré de um contrato de agência celebrado em Março de 2000, por via do qual a primeira distribuía em Portugal os artigos de decoração desta última. A segunda A., na existência de danos não patrimoniais, decorrentes da cessação culposa do contrato por parte da Ré e que lhe determinaram sequelas a nível emocional, que identifica.

Citada, a Ré contestou invocando a incapacidade judiciária da primeira A. em virtude da sua dissolução, impugnou os factos articulados por ambas as AA., concluindo pela improcedência da acção. Em reconvenção, pediu a condenação da primeira A. a pagar-lhe € 15.019,09 correspondentes a produtos fornecidos e não pagos e nos juros vencidos no valor de € 1.726,84 bem como nos vincendos.

As AA., na réplica, responderam que a dissolução da primeira A. não afectava a sua capacidade judiciária, reafirmaram a ilicitude da actuação da Ré e negaram a dívida por ela invocada.

A Ré, em articulado seguinte, alegou não ter produzido afirmações confessórias e que se assim fossem entendidas, teria a A. de aceitar outros factos limitadores da confissão e a inadmissibilidade parcial da réplica, tendo a A. respondido ser aquele articulado inadmissível.

Após os articulados foi admitido o pedido reconvencional e, no despacho saneador, foram declarados não escritos os artigos 9° a 28° da réplica e mandados desentranhar os dois articulados seguintes, um apresentado pela Ré e o outro pela A., e julgada improcedente a excepção da incapacidade judiciária invocada.

Procedeu-se à realização de Audiência de Discussão e Julgamento tendo sido proferida sentença que julgou improcedente a pretensão da A. “C” ---, dela absolvendo a Ré; julgou improcedente a reconvenção deduzida pela Ré, dela absolvendo a A. “D” ---, Lda; julgou parcialmente procedente a acção deduzida pela A. “D”, Lda contra a Ré, condenando esta última a pagar àquela a quantia de € 29.603,70 acrescida de juros desde a citação, às taxas aplicáveis aos créditos da titularidade das empresas comerciais e que ali foram discriminados.

Inconformada com o assim decidido, a Ré interpôs recurso de Apelação, no âmbito do qual formulou as seguintes conclusões:

1. Ter incorrido em incorrecto julgamento da matéria de facto, que levou o douto Tribunal a quo a considerar ter havido denúncia do contrato existente entre as partes por parte da Apelante, tendo daí retirado a existência de uma obrigação de indemnizar a Apelante, por falta de aviso prévio, nos termos do disposto nos art.°s 280 e 29° do Decreto-Lei n.° 178/86, de 3 de Julho, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.° 118/93, de 13 de Abril (adiante "Regime Legal do Contrato de Agência”).

2. Ter violado o princípio do dispositivo insito no n.° 1 do art.° 3° e n.° 2 do art.° 264° do CPC, na medida em que a Apelada não deduz qualquer pedido relativo a indemnização fundada em falta de aviso prévio de alegada denúncia do contrato dos autos.
3. Ter incorrido em incorrecto julgamento da matéria de facto que levou o douto Tribunal a quo a considerar existir fundamento para indemnização de clientela após ter concluído que a Apelada não fez prova dos requisitos cumulativos previstos nas alíneas a), b) e c) do n.° 1 do art.° 33° do Regime Legal do Contrato de Agência, violando assim essa norma e a do art.° 34° do mesmo regime legal, tendo utilizado valores de volume de vendas que a Apelada não logrou provar e que o douto Tribunal a quo deu como não provados na resposta à base instrutória.
4. Ter incorrido em incorrecto julgamento da matéria de facto no sentido de que, ainda que hipoteticamente estivessem reunidos os requisitos cumulativos previstos nas alíneas do n.° 1 do art.° 33° do Regime Legal do Contrato de Agência — que não estão — sempre teria de ser aplicado n.° 3 do art.° 33° do mesmo diploma e, em face dos factos dados como provados quanto ao fundamento lícito para uma eventual cessação do contrato dos autos pela Apelante, deveria ser considerado não ser possível atribuir uma indemnização de clientela à Apelada na medida em que a cessação lhe é imputável, tendo assim sido violada esta última norma.
5. Ter incorrido em incorrecto julgamento da matéria de facto que levou o douto Tribunal a quo a absolver a Apelada do pedido reconvencional.
No mais, fundamenta-se igualmente o presente recurso nas seguintes nulidades da sentença que se deixam expressamente invocadas e arguidas para os devidos e legais efeitos.
6. Nulidade da sentença, nos termos do disposto nas alíneas c) e e) do n.° 1 do art.° 668° do CPC, uma vez que, salvo melhor entendimento, tendo o douto Tribunal a quo se pronunciado sobre uma indemnização fundada em falta de aviso prévio de alegada denúncia do contrato dos autos, conheceu de uma questão de que não podia ter tomado conhecimento e, mais, condenou a Apelante em objecto diverso do pedido, violando também assim o n.° 2 do art.° 660°, parte final, e n.° 1 do art.º 661º ambos do CPC.
7. Nulidade da sentença decorrente de, salvo melhor opinião, em oposição entre os fundamentos e a decisão, o que constitui, nos termos do disposto na alínea c) do n.° 1 do art.° 668° do CPC, também uma nulidade da sentença, pelo facto de o douto Tribunal a quo considerar existir fundamento para indemnização de clientela após ter concluído que a Apelada não fez prova dos requisitos cumulativos previstos nas alíneas a), b) e c do n.° 1 do art.° 33° do Regime Legal do Contrato de Agência.
Conclui, assim, pela revogação da sentença recorrida proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância e pela sua substituição por outra que a absolva da indemnização por inobservância de pré-aviso de denúncia de contrato a que é aplicável o Regime Legal do Contrato de Agência em que foi condenada, assim como a absolva da indemnização de clientela em que também foi condenada.
Inconformadas, também as AA. apelaram do assim decidido, interpondo recurso subordinado, no âmbito do qual formularam as seguintes conclusões:

1. A abrupta ruptura das negociações e imediata denúncia do contrato pela Ré viola os art.ºs 29.º do DL 178/86 e 334.º do Código Civil, o que justifica que a Ré indemnize a primeira Autora no montante solicitado de € 75.000,00.

Decidindo em contrário a douta sentença recorrida violou essas disposições legais.

2. Pelas mesmas razões deve a Ré indemnizar a primeira Autora pelos gastos que esta teve com o seu comissionista de € 1.050,00.

3. Ainda pelas mesmas razões deve a Ré indemnizar a Autora por € 9.000,00 do valor do trespasse que esta deixou de receber, uma vez que foram as negociações com a Ré que determinaram que a Autora rescindisse o arrendamento do armazém que tinha celebrado.

4. Deveria ainda a douta sentença ter condenado a Ré a indemnizar a segunda Autora em 50.000,00 a título de danos morais e na sua saúde física causados pela sua atitude.

Efectivamente, sendo a segunda Autora única sócia-Gerente da primeira Autora, Sociedade Unipessoal, deve ser incluída no círculo de protecção do contrato, pelo que não pode a Ré deixar de responder pelos danos que sabia que iria causar.

Cada uma das Apelantes contra-alegou, sustentando as posições explanadas nos respectivos recursos.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.



II. FACTOS PROVADOS:

1.A Ré é uma empresa que se dedica ao comércio de artigos de decoração por catálogo, exportando-os, e a primeira Autora dedica-se ao comércio e distribuição de artigos de decoração, e a segunda Autora é a gerente e sócia única da última.

2. Representantes da Autora Pec---, Lda e da Ré declararam, por escrito, no dia 29 de Março de 2000, acordarem: "Que “A” distribuirá sus productos en Fortugal a través de la empresa “D”. Este acuerdo no time ningum validez legal, sólo a titulo de recordatório del compromisso verbal. CONDICIONES: “D” passará pedidos de sus clientes en Portugal, a “A”. FACTURACION/PRONTO PAGO v DESCUENTO 15% sobre precios de catálogo. PAGO POR FACTURA PRO-FORMA: “A” enviará por fax uma FACTURA PRO-FORMA. “D” enviará transferência bancária A través del BANCO... ESPANHOL / B.... Imediatamente recibido el pago, “A” cargará la mercancia. ENVIO A PORTES PAGADOS: “A” expedirá la mercancia A PORTES PAGADOS hasta el domicílio de “D”. Los pedidos se irán acumulando hasta que el volumen sea mavor de 1 m3 (camión completo). INCIDENCIAS POR TRANSPORTE: Ele transportista contratado por “A”, se hace responsable de Ios desperfectos detectados a la descarga en “D”, concediendo 24 h. Para su revisió (ver instrucciones en el Albaran). Qualquer desperfecto posterior será responsabilidade de “D” (compensado com el descuento dei 15%) "

3. No dia 5 de Maio de 2000, o representante da Ré subscreveu o seguinte documento escrito: "A todos nuestros clientes En Portugal, “D”, NUESTRO ÚNICO AGENTE EN PORTUGAL, por la presente descamas informar a nuestros clientes en PORTUGAL, que el anterior agente, Sr. M--- ya no neva nuestra representación, apesar de contar ilicitamente com nuestros catálogos. Nuestro nuevo agente en Fortugal es: “D”, C---, “C”. Rogamos tomem nota, para evitar lamentáveis confusiones".

4. A primeira Autora beneficiava do desconto de 15% sobre os preços de catálogo, e, em Novembro de 2001, a primeira Autora e a Ré acordaram que a comissão/desconto que a primeira Autora beneficiaria seria de 1 7%.

5. A Ré, no âmbito do exercício da sua actividade comercial, foi sempre contactada por diversos clientes portugueses, interessados na aquisição dos seus produtos, a que os vendia.
6. A partir de certa altura a primeira Autora passou a ter dívidas para com a ré e foram prestadas garantias bancárias que a esta exigiu.

7. A primeira Autora começou a atrasar-se nos pagamentos das mercadorias adquiridas à Ré, pelo que esta solicitou àquela três garantias bancárias, no valor global de € 50.000,00 garantias essas que se tornaram insuficientes face ao montante da dívida da primeira em relação à última.

8. E deste modo, foi pela Ré proposto à primeira Autora o aumento do valor das garantias bancárias, proposta que foi sendo sempre recusada, facto que levou a Ré a contratar junto da Companhia de Seguros ..., uma apólice de seguro de risco, no valor de € 15.000,00 em 9 de Setembro de 2004, valor que se revelou insuficiente, porque em 2 de Março de 2005 a dívida da primeira Autora à Ré ascendia ao montante de € 65.090, 09.

9. A Autora “C” --- e o representante da Ré, Andres ---n, tiveram uma reunião no escritório da primeira Autora, em Portugal, no dia 24 de Janeiro de 2005, e a autora “D”, Lda propôs à Ré a alteração do valor da comissão para 25% e a regularização da dívida de € 65 000 em 36 meses.

10. Em 26 de Janeiro de 2005, a ré, via e-mail, aceitou elevar a comissão para 22%, referindo que essas condições constariam de um novo acordo a celebrar com a primeira autora.

11. A primeira Autora deixou de comercializar produtos de outras empresas e vendeu duas carrinhas que possuía e rescindiu o contrato de arrendamento de um armazém, e o valor do trespasse deste armazém era de € 9.000,00.

12. Em 31 de Janeiro de 2005, a Ré remeteu à Autora uma minuta de acordo, denominado "contrato de agência", no âmbito do qual aceitava fixar a comissão em 25% em função da exclusividade de venda de produtos da Ré, na esperança de solucionar o endividamento da primeira Autora para consigo.

13. Essa minuta não chegou a ser formalizada, pois as negociações entre as partes prosseguiram, as quais não chegaram a acordo.

14. Em 24 de Fevereiro de 2005, as Autoras receberam um telefonema de uma funcionária da ré que lhes comunicou que o aumento da comissão não era aceite e que estavam frustradas as negociações.

15. Elizabeth ---, em fax de resposta a pedido de João --- -Departamento Comercial, informou-o de que o seu agente em Portugal era José ---.

16. A ruptura da relação comercial com a Ré afectou a reputação comercial da primeira Autora, e ocorreu a dissolução da sua empresa.

17. Por fax datado de 11 de Abril de 2005, que a autora “D”, Lda remeteu à Ré, constante de folhas 45 a 48, aquela exigiu a esta uma indemnização pelos prejuízos que sofreu pelo rompimento do acordo existente, pedido esse reiterado em 30 de Junho de 2005, através de carta registada com aviso de recepção remetida pelos advogados da primeira Autora à Ré.

18. A primeira Autora adiantou ao seu comissionista a quantia de € 1.050,00.

19. Devido à actuação da Ré, a segunda Autora sofreu depressão mental que a obrigou a sucessivas baixas médicas e tratamento psiquiátrico.

20. A Ré accionou ainda as garantias bancárias, no valor de € 50.000,00 em 4 de Maio de 2005, que tinha exigido à primeira Autora, mas não accionou a apólice de seguro de risco porque as Autoras declararam ¡unto da Companhia de Seguros ... que eram agentes comerciais da Ré, o que esta desmentiu.

21. Face à divergência entre as partes, a Companhia de Seguros em causa recusou-se a pagar o capital seguro, no montante de € 15.000,00, à Ré.

22. O volume de vendas realizadas pela autora “D”, Lda em Portugal de produtos da Ré foi, em 2000: 93.080,54 €, em 2001: 148.650,78 €, em 2002: 161.975,23 €, em 2003: 155.077,21 €, e, em 2004, 151.236,60 €, e, durante o ano de 2005, a Ré não efectuou vendas à primeira Autora.


III. FUNDAMENTAÇÃO

Os dois recursos de Apelação interpostos, o primeiro a título principal e o segundo, a título subordinado, serão analisados autonomamente, muito embora, por vezes, as matérias suscitadas em ambos convirjam, o que será considerado nas respectivas apreciações.

No primeiro dos recursos, interposto pela Ré, discute-se essencialmente a condenação de que a mesma foi objecto, quer no que se reporta à indemnização com base na ausência de pré-aviso para a denúncia do contrato celebrado entre as partes, quer quanto à indemnização de clientela, decorrente da cessação desse mesmo contrato.

No essencial, a Ré defende que o contrato celebrado entre as partes mantém-se em vigor e, como tal, não são devidas as indemnizações em que foi condenada.

A solução para a questão colocada deve passar pela análise dos contratos em causa nos autos e pelas suas qualificações jurídicas para daí se poderem retirar as conclusões respectivas.

O primeiro contrato celebrado entre as partes, em 29 de Março de 2000, é um contrato de concessão comercial, também designado como de distribuição, a que se aplicam as regras do contrato de agência.

Estamos perante um contrato atípico a que se aplica, face à similitude dos seus campos de actuação, as regras próprias que regem o contrato de Agência, previstas no Decreto-Lei n.º 178/86, de 03 de Julho, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 118/93, de 13 de Abril, possibilidade que decorre do próprio preâmbulo deste último diploma.

Com efeito, estamos perante um contrato em que expressamente a Ré/Apelante “A”, S.L., acorda com a 1.ª A., e também Apelante, “D”, Lda: “Que “A” distribuirá os seus produtos em Portugal através da empresa “D”” (…) ““A” facturará à “D” com um desconto de 15% sobre os preços de catálogo”.

Este contrato, que regulava as relações comerciais entre o produtor (“A”) e o distribuidor (“D”), vigorou por mais de cinco anos, ininterruptamente, podendo, assim, concluir-se pela sua natureza duradoura e estável, uma vez que não decorreu da sua aplicação qualquer conflito entre as partes. O conflito que veio, efectivamente, a ocorrer, fundou-se no incumprimento relativo ao pagamento devido da 1.ª A. para com a Ré, ou seja, num factor externo ao próprio contrato.

Por outro lado, o dever de revenda dos produtos da “A”, que impendia sobre a “D”, constituía o núcleo central deste contrato de distribuição uma vez que era com essa operação que esta última obtinha a sua contrapartida económica – a diferença entre o preço por que a “D” comprava os produtos à “A” e os vendia a terceiros, traduzido na percentagem pré-estabelcida que, no caso, foi inicialmente fixada em 15% e que, posteriormente, em finais de 2001, foi aumentada para 17%.

Aliás, por ser essa a estrutura do contrato celebrado é que a 1.ª A. “D” começou a atrasar os pagamentos devidos à “A”.

O facto de constar neste contrato que “Este acordo não tem nenhuma validade legal, só a título de recordação do compromisso verbal”, não altera esta qualificação jurídica do contrato.

Definido este primeiro ponto, respeitante à qualificação do contrato, importa analisar se o mesmo foi ou não denunciado, conforme foi afirmado na sentença sob recurso ou se, contrariamente e como defendido pela Apelante “A”, ainda se mantém em vigor.

Encontra-se assente, e sem discussão entre as partes, que em princípios de 2005 realiza-se uma reunião entre os representantes da 1.ª A. e da Ré, com vista a regularizar o débito então existente da primeira para com a segunda, oriundo da vigência do contrato de distribuição celebrado em 2000.

Entre as medidas discutidas entre as partes, com vista a ultrapassar este impasse, encontrava-se a celebração de um novo contrato, designado como de agência, em que deveria constar prazos e montantes para a liquidação da dívida existente, então referida como sendo de € 65.090,09 bem como alteração dos valores de comissão sobre os preços de catálogo.

Por razões que o Tribunal não apurou, no que se refere à culpa pela não celebração deste novo contrato, o certo é que romperam-se as negociações.

Com efeito, em relação à ruptura destas negociações apenas temos os factos constantes dos Pontos 10, 12, 13 e 14 dos Factos Provados, que se passam a transcrever:

“10. Em 26 de Janeiro de 2005, a ré, via e-mail, aceitou elevar a comissão para 22%, referindo que essas condições constariam de um novo acordo a celebrar com a primeira autora.

12. Em 31 de Janeiro de 2005, a Ré remeteu à Autora uma minuta de acordo, denominado "contrato de agência", no âmbito do qual aceitava fixar a comissão em 25% em função da exclusividade de venda de produtos da Ré, na esperança de solucionar o endividamento da primeira Autora para consigo.

13. Essa minuta não chegou a ser formalizada, pois as negociações entre as partes prosseguiram, as quais não chegaram a acordo.

14. Em 24 de Fevereiro de 2005, as Autoras receberam um telefonema de uma funcionária da ré que lhes comunicou que o aumento da comissão não era aceite e que estavam frustradas as negociações”.
Desta matéria nada se extrai em relação à culpa de quaisquer das partes quanto à não celebração do contrato de agência. Trata-se de processos preliminares com vista à efectivação de um contrato definitivo que, a partir de determinado momento, não obtiveram êxito.

Todos os argumentos apresentados pelas AA., relativamente a comportamentos culposos assumidos pela Ré, durante essas negociações, foram objecto de resposta negativa por parte do Tribunal de 1.ª Instância, facto que é omitido nas alegações apresentadas por aquelas AA. Nesse sentido, basta verificar que os quesitos 15.º, 19.ª e 21.º a 29.º tiveram resposta negativa, e que das respostas restritivas aos quesitos 16.º, 17.º, 18.º e 33.º não se pode retirar qualquer comportamento culposo imputável à Ré, prova esta que não foi objecto de pedido de reapreciação e que, como tal, se tem como correctamente apreciada.

Assim, contrariamente ao afirmado pela 1.ª A., o contrato inicialmente celebrado, em 2000, manteve-se em vigor.

Com efeito, o que a Ré afirmou à 1.ª A., também por fax de 02 de Março de 2005, é que manteria o fornecimento dos produtos encomendados se, em acto contínuo, fosse satisfeito o respectivo pagamento [na expressão do próprio fax “(…) estamos dispostos a continuar a vender-lhe os nossos produtos com as mesmas condições que temos vindo a praticar até à presente data, sempre que tenhamos o pagamento assegurado”]. Esta afirmação não contém, em si mesma, qualquer denúncia do contrato nem do seu teor se pode extrair a conclusão sustentada pela 1.ª A. Trata-se, apenas, de assegurar o pagamento dos produtos fornecidos numa altura em que a 1.ª A. tinha já uma elevada dívida para com a Ré, e que não conseguia liquidar, apesar da existência de garantias que, naquele momento, já não cobriam o valor daquela mesma dívida.
Acautelar pagamentos devidos não pode constituir o exercício de um acto abusivo mas antes, uma forma sensata de assegurar a vida da própria empresa, no caso, da Ré, sob pena de esta seguir os mesmos caminhos da 1.ª A. e, assim, ficar sem solvibilidade.

Estamos perante relações comerciais de empresas e não perante um quadro de “ajuda” solidária. As regras estão há muito definidas e a exigência de pagamento relativo a produtos fornecidos é algo que não pode ser objecto de discussão, sob pena de desvirtuarmos a natureza dos contratos comerciais. Aliás, perante o quadro traçado de débitos em atraso e de falta de confiança na 1.ª A. quanto aos pagamentos futuros, sempre seria de considerar como lícita a recusa da Ré em fornecer mais produtos à 1.ª A., sem prévio acautelamento do respectivo pagamento [Pontos 6, 7 e 8 dos Factos Provados], conforme decorre linearmente do disposto no artigo 4.º, n.º 3, alíneas e) e f) do Decreto-Lei n.º 370/93, de 29 de Outubro, sem que tal medida pudesse ser entendida como uma denúncia do contrato.

Também o facto de a Ré ter indicado um outro Agente, em Portugal, para a venda dos seus produtos, não nos pode levar à conclusão de que ao contrato de distribuição celebrado entre as partes, em 2000, foi posto termo.

Primeiro, porque não consta no contrato de distribuição que a 1.ª A. tivesse exclusividade na distribuição dos produtos da Ré. Depois, a declaração emitida pela Ré, em 14 de Março de 2005 - fax que constitui o Ponto 15 dos Factos Provados – apenas refere que o seu agente comercial em Portugal é a pessoa ali indicada. Esta declaração, proferida quando as negociações com a 1.ª A., para a celebração do contrato de agência já se tinham frustrado (24 de Fevereiro de 2005) e sem a referência de que se tratava do seu único agente para o efeito, não podem ser consideradas como de cessação do primeiro contrato.

Com efeito, se a 1.ª A. não procedia ao pagamento das quantias que se encontravam em dívida, não fazia mais encomendas (que pressupunham o pagamento de tal encomenda) que mais poderia fazer a Ré para proceder à venda dos seus produtos em Portugal? Não lhe era exigível esperar indefinidamente pela mudança de situação económica da 1.ª A.

Atente-se, ainda, que o fax em referência é distinto daquele que foi enviado pela Ré, em 05 de Maio de 2000, quando iniciou o contrato de distribuição com a 1.ª A. e que consta de fls. 28 dos autos. Nesse fax a Ré refere expressamente que o seu único agente em Portugal é a “D” e que o anterior agente, ali identificado, já não a representa mais. Fax esse em que culmina referindo que aquele anterior agente tem, ilicitamente em seu poder, os catálogos da “A”.

Perante este quadro sempre teríamos de concluir que o primeiro contrato mantém-se em vigor e só não está a ser executado por a 1.ª A. não ter possibilidades económicas, quer para fazer encomendas, quer para liquidar as importâncias ainda em dívida para com a Ré.

Extrapolar desta realidade, a que a Ré é alheia, para a de imputação a esta mesma Ré de responsabilidade pela denúncia do contrato vigente é, salvo o devido respeito, esquecer o conteúdo do contrato celebrado em 2000, bem como a matéria de facto dada como provada em julgamento.

Concluindo, estamos perante dois contratos distintos: um contrato de distribuição, ainda em vigor, e um outro, de agência, que não chegou a ser celebrado sendo que, em relação a este último, não há que retirar quaisquer ilações jurídicas em relação às partes nele envolvidas.

Perante esta afirmação sempre teremos de concluir que não há lugar às indemnizações arbitradas pelo Tribunal de 1.ª Instância à 1.ª A. e que são aqui objecto de recurso por parte da Ré.

Esta afirmação torna, desde logo, inútil, a discussão quanto à questão suscitada pela Ré de o Senhor Juiz de 1.ª Instância ter condenado para além do pedido, no que se reporta à fixação de uma indemnização pela denúncia do contrato sem pré-aviso, prevista nos artigos 28.º e 29.º do citado Decreto-Lei 178/86, indemnização esta que, no seu entender, não foi formulada na petição inicial apresentada pelas AA.

Bem como inútil se torna a apreciação da questão ligada à indemnização de clientela, prevista no artigo 33.º do mesmo diploma acima citado. Saber se os requisitos cumulativos ali enunciados estão ou não verificados, numa situação que pressupõe o término do contrato é matéria que não se coaduna com a afirmação de que esse mesmo contrato se mantém em vigor, posição que entendemos ser a existente, conforme acima já deixamos expresso.

No que se reporta à absolvição da 1.ª A. do pedido reconvencional contra si deduzido pela Ré, importa ter presente a matéria de facto dada como provada pelo Tribunal de 1.ª Instância e que consta das respostas dadas aos quesitos 7.º, 8.º, 12.º, 20.º, 47.º a 52.º e 68.º a 71.º da Base Instrutória, a que corresponde os Pontos 6 a 9, 20 e 21 dos Factos dados como Provados, que se passam a transcrever:

“6. A partir de certa altura a primeira Autora passou a ter dívidas para com a ré e foram prestadas garantias bancárias que a esta exigiu.

7. A primeira Autora começou a atrasar-se nos pagamentos das mercadorias adquiridas à Ré, pelo que esta solicitou àquela três garantias bancárias, no valor global de € 50.000,00 garantias essas que se tornaram insuficientes face ao montante da dívida da primeira em relação à última.

8. E deste modo, foi pela Ré proposto à primeira Autora o aumento do valor das garantias bancárias, proposta que foi sendo sempre recusada, facto que levou a Ré a contratar junto da Companhia de Seguros ---., uma apólice de seguro de risco, no valor de € 15.000,00 em 9 de Setembro de 2004, valor que se revelou insuficiente, porque em 2 de Março de 2005 a dívida da primeira Autora à Ré ascendia ao montante de € 65.090, 09.

9. A Autora “C” --- e o representante da Ré, Andres ---, tiveram uma reunião no escritório da primeira Autora, em Portugal, no dia 24 de Janeiro de 2005, e a autora “D”, Lda propôs à Ré a alteração do valor da comissão para 25% e a regularização da dívida de € 65 000 em 36 meses.

20. A Ré accionou ainda as garantias bancárias, no valor de € 50.000,00 em 4 de Maio de 2005, que tinha exigido à primeira Autora, mas não accionou a apólice de seguro de risco porque as Autoras declararam ¡unto da Companhia de Seguros --- que eram agentes comerciais da Ré, o que esta desmentiu.

21. Face à divergência entre as partes, a Companhia de Seguros em causa recusou-se a pagar o capital seguro, no montante de € 15.000,00, à Ré”.

Da análise desta matéria resulta que, com os atrasos no pagamento das quantias peticionadas pela Ré, na execução do contrato entre ambas celebrado, em 02 de Março de 2005, a dívida da 1.ª A. à Ré ascendia já a € 65.090,09.

Deste montante apenas foi satisfeita a quantia de € 50.000,00 através do accionamento das três garantias prestadas, montante este que se revelou insuficiente para garantir o pagamento da totalidade das quantias em dívida.

Ora, nem o facto de terem existido reuniões entre as partes no ano de 2005, com vista a ultrapassar essa situação de incumprimento ou mesmo a existência de uma Apólice de seguro contratada pela Ré com a ... pode alterar esta realidade.

Sendo certo que era à 1.ª A. que incumbia o ónus da prova respeitante ao pagamento desta quantia, ónus esse que não satisfez, cumpre determinar a condenação da mesma no pagamento da quantia em dívida, no caso, de € 15.019,09 montante esse a que deve acrescer os juros de mora à taxa legal devidos desde a data de vencimento de cada uma das facturas respectivas e até integral pagamento.

Relativamente ao recurso subordinado, apresentado pela AA. contra a Ré, o mesmo baseou-se, no que se refere à 1.ª A., na sua discordância quanto ao indeferimento da sua pretensão de condenação da Ré nas importâncias de € 75.000,00 a título de quebra ilegal do contrato, € 1.050,00 pela indemnização por pagamento antecipado ao comissionista e de € 9.000,00 pela perda de trespasse. No que se reporta à 2.ª A., o seu descontentamento reporta-se ao indeferimento da sua pretensão de condenação da Ré no pagamento de uma indemnização por danos morais por si peticionados.

A análise deste recurso, no que se reporta aos pedidos da 1.ª A., cai desde logo por base uma vez que se considerou, como já se deixou expresso, que não houve qualquer denúncia do contrato de distribuição celebrado entre a A. e a Ré. Assim, sendo, todas estas importâncias peticionadas com base nessa denúncia têm, necessariamente, de improceder. Acresce que, ainda que outro entendimento da questão se tivesse, a verdade é que também não ficou provado qualquer nexo de causalidade entre as importâncias peticionadas e a própria cessação do contrato (que no nosso entender não existiu), conforme foi entendimento do Sr. Juiz de 1.ª Instância pelo que, sempre seriam de indeferir os pedidos formulados.

No que se reporta à indemnização por danos morais, peticionados pela 2.ª A., causados pela invocada cessação do contrato, não se trata de discutir juridicamente se há ou não lugar à indemnização de terceiros abrangidos pelo círculo de protecção dos contratos. Essa é uma questão que não se coloca no quadro fáctico descrito.

Com efeito, o contrato manteve-se válido e se não ocorreram mais operações comerciais entre as partes, como já acima ficou expresso, foi por falta de liquidez da própria A., facto a que a Ré é alheia.

Assim, sempre teria de ser julgado como improcedente este pedido de indemnização por danos morais formulado pela 2.ª A. contra a Ré, conforme foi também a decisão proferida pelo Sr. Juiz de 1.ª Instância, que se corrobora.

Impõe-se, assim, a alteração da sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância, com total improcedência do pedido formulado pelas AA. contra a Ré, e total procedência do pedido reconvencional formulado pela Ré contra a 1.ª A.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, julga-se procedente a Apelação apresentada pela Ré contra a 1.ª A. e improcedente a Apelação apresentada pelas AA., alterando-se a decisão nos termos acima descritos, ou seja, absolvendo-se a Ré dos pedidos formulados pelas AA. e condenando-se a 1.ª A. no pedido reconvencional deduzido pela Ré.

Custas pelas AA.

Lisboa, 18 de Janeiro de 2011

Dina Maria Monteiro
Luís Espírito Santo
José Gouveia Barros