Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
12/16.2YRLSB-2
Relator: EZAGÜY MARTINS
Descritores: PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
CITAÇÃO EDITAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/07/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: REVISÃO DE SENTENÇA
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Não são observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes, em processo onde proferida foi a sentença revidenda, se o ali Requerido – tendo sido inicialmente dado como residente na morada da residência da Requerente, quando de facto ali já não residia, sendo nessa circunstância lavrada certidão negativa referindo que pela Requerente foi informado que aquele tinha entretanto regressado a Portugal – veio a ser citado editalmente, a requerimento da Requerente, que necessariamente sabia a morada dos familiares do Requerido na cidade onde por último residiu com aquele em Portugal e que por aquele era contactada telefonicamente com frequência – sem que hajam sido efetuadas diligências tendo em vista a localização do paradeiro do Requerido, em ordem à sua citação por carta rogatória.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juizes, do Tribunal da Relação de Lisboa.


Relatório:


I–MI, residente na Rua …, Brasil, veio intentar a presente ação declarativa, nos termos dos art.ºs 978º e seguintes do Código de Processo Civil, contra CA, residente na Rua… Vila Franca de Xira, requerendo fosse revista e confirmada a sentença proferida, em 15-01-2015, pelo Poder Judiciário do Estado de Mato Grosso do Sul, Campo Grande, 4ª Vara de Família Digital, que decretou o divórcio entre os aqui Requerente e Requerido, atribuindo à Requerente a guarda das filhas menores do dissolvido casal, MA e CA, mais condenando o Requerido a entregar à Requerente uma pensão de alimentos a favor das menores, no valor de 50% do salário mínimo mensal em vigor no Brasil, na proporção de 25% para cada filha.
Alegando, em suma, que a sobredita sentença transitou em julgado, e os demais factos conducentes à procedência do pedido formulado.
Juntou, na sequência de despacho nesse sentido, certidão da sentença revidenda, e do assento do seu casamento com o Requerido.

Citado aquele, deduziu o mesmo oposição, alegando nunca ter sido citado no âmbito dos autos em que proferida foi a sentença revidenda, e por isso que a Requerente na ação respetiva indicou falsamente o Requerido como residindo na própria morada da Requerente.

E sendo certo que nos mesmos autos, e mais adiante, no relatório social junto, o Requerido já é dado como residente noutro país.

A Requerente foi citada em 18 de Outubro de 2014, em ação de divórcio sem consentimento de um dos cônjuges, intentada pelo ora Requerido na Comarca de Lisboa Norte, Instância Central, 3ª Secção de Família e Menores – J1, tendo o mandatário constituído por aquela junto procuração em 03-11-2014.

Sendo assim indevido o recurso à citação edital, que teve lugar no âmbito do processo intentado pela Requerente, no Brasil.

Com prejuízo do direito do Requerido ao contraditório e do princípio da igualdade das partes.

Por outro lado, toda a organização familiar se centrou, sempre, em Vila Franca de Xira, até que, em Setembro de 2013 a família se deslocou ao Brasil, por sugestão da Requente.

E, nessa data, sem que nada o fizesse prever, foi escorraçado de casa pela sua mulher e respetiva família, vendo-se forçado, passados alguns dias, a regressar a Portugal sozinho.

Devendo pois ser a lei portuguesa a dirimir o conflito.

Finalmente, a sentença revidenda, ao atribuir a guarda exclusiva das menores à progenitora, colide com o atual paradigma no âmbito da regulação das responsabilidades parentais, que, como regra, cabe de forma igualitária a ambos os progenitores apenas excecionalmente podendo ser tal exercício atribuído em exclusivo a um daqueles, com fundamento em factos que demonstrem a total impossibilidade ou incapacidade do outro progenitor para esse exercício.

Fundamentação que se não lobriga na sentença revidenda.

Conclui com a improcedência da ação, por não provada, não sendo assim revista e confirmada a sentença em causa.

Houve “resposta” da Requerente, sustentando a regularidade da citação edital daquele efetivada no processo do tribunal brasileiro, recusando que o reconhecimento da sentença revidenda possa conduzir a um resultado manifestamente incompatível com os princípios de ordem pública internacional do Estado Português, ou colidir com o direito interno nacional, alegando ainda no sentido de a vida familiar do dissolvido casal se encontrar em mais estreita conexão com o lugar da residência da Requerente, no Brasil.

Concluindo como no requerimento inicial.

Por despacho de 2016-05-18, foi determinada a junção pela Requerente e pelo Requerido de documentação vária.

Facultado o processo, para alegações, apresentaram-nas a Requerente, o Requerido e o M.º P.º.

A primeira, pretendendo mostrarem-se reunidos os requisitos para que seja confirmada a sentença objeto da presente acção; o Requerido e o M.º P.º pugnando pela não confirmação da sentença revidenda.

II-Substituídos que foram os vistos pela extração e entrega às Exm.ªs Senhoras Desembargadoras Adjuntas, de cópias das peças relevantes, nos quadros do artigo 657º, n.º 4, ex vi do artigo 982º, n.º 2, ambos do Código de Processo Civil, cumpre decidir.

O Tribunal é o competente, o processo o próprio, as partes têm personalidade e capacidade judiciárias, e assiste-lhes legitimidade, inexistindo nulidades, exceções ou questões prévias de que importe conhecer.
*

Sendo questão proposta à resolução deste Tribunal, a de saber se estão verificados os requisitos de revisão e confirmação da sentença em questão.

Sem embargo de cumprir, nesta sede decisória, fixar o valor da causa, cfr. art.º 306º, n.º 2, do mesmo Código de Processo Civil
Ora, tendo a ação sido interposta em 2015-12-11 – cfr. folhas 2 – terá de lhe ser atribuído o valor equivalente à alçada da Relação, e mais € 0,01, vd. art.º 303º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
Resultando assim o valor de € 30.000,01 para a ação.
***

Com interesse está provado que:

1)Requerente e Requerido casaram civilmente um com o outro em 02 de Julho de 2004, na Conservatória do Registo Civil de Vila Franca de Xira, conforme documento junto a folhas 29-31, que aqui se dá por reproduzido.

2)Por sentença de 15 de Janeiro de 2015, proferida pelo Poder Judiciário do Estado de Mato Grosso do Sul, Campo Grande, 4ª Vara de Família Digital, Brasil, foi decidido:
“a)Decretar o divórcio de MI e CA com fundamento no artigo 226, § 6° da Constituição Federal, devendo a requerente voltar a usar o nome de solteira, qual seja MI;
b)Estabelecer a guarda das infantes MA e CA à sua genitora MI, ficando reservado ao requerido o direito de visitas às filhas;
c)Condenar o requerido CA a prestar alimentos em favor de suas filhas MA e CA, mensalmente, com vencimento no dia 10 de cada mês, no valor equivalente a 50% (cinquenta por cento) do salário mínimo, o que nesta data perfaz a quantia de R$ 394,00 (trezentos e noventa e quatro reais), na proporção de 25% (vinte e cinco por cento) para cada filha. Saliente-se que os alimentos deverão ser pagos diretamente à representante legal da infante, mediante depósito em conta de titularidade da mesma.
d)Afastar pela ausência de provas de propriedade de bens passíveis de partilha o pedido de partilha de bens ínsito na exordial;”, conforme documento de folhas 32-39, que aqui se dá por reproduzido.

3)Tendo tal sentença transitado em julgado, conforme certidão de folhas 2.

4)A petição inicial da ação onde foi proferida aquela revidenda sentença, e que instaurada foi pela ora Requerente, deu entrada em 2013-10-25, conforme citado documento de folhas 32-39 (maxime folhas 34).

5)Na referida ação, a ali Requerente – também aqui Requerente – indicou o ali – como aqui – Requerido, como “CA (…) residente e domiciliado à Rua (…), Campo Grande/MS”, conforme documento de folhas 133-139, que aqui se dá por reproduzido.

6)Por despacho 2013-10-25, nos mesmos autos proferido, foi ordenada a citação da ali “parte requerida” – aqui Requerido – “com observância das formalidades legais (art. 285 do C.P.C.)”, conforme doc. de folhas 140, que aqui se dá por reproduzido.

7)Vindo a ser lavrada, em 2013-11-25, certidão negativa da citação, pelo “analista judiciário” respetivo, na circunstância de ter diligenciado “ao endereço ali constante e, lá sendo, DEIXEI DE CITAR a pessoa de CA uma vez que fui informada pela Sra. MI de que o mesmo foi para Portugal sem dia certo para retorno à esta Capital. O referido é verdade.”, conforme documento de folhas 146, que aqui se dá por reproduzido.

8)Na sequência do que veio a ter lugar, a requerimento da Requerente, a citação edital do Requerido, que não interveio no processo, no prazo assinalado nos éditos, terminado em 06 de Maio de 2014, conforme folhas 32, 149 e 150, que aqui se dão por reproduzidas.

9)Sendo-lhe nomeado curador especial, na pessoa do Defensor Público, que apresentou contestação por negação geral, conforme certidão de folhas 32.

10)Em Relatório Social elaborado pelos serviços brasileiros respetivos, no âmbito do referido processo de divórcio e datado de 26-11-2013, consignou-se:
-“Revela Senhora MI que em busca de salvar o casamento mudou-se para a cidade de Vila Franca, mais distante de Lisboa, onde residem os familiares dele tentando maior aproximação e vincular a família. Porém, não adiantou, ele cada vez mais (…)”.
-“Conta Senhora MI que o Senhor CA resolveu voltar à Portugal no final do mês de outubro/2013 e as filhas permaneceram no Brasil sob seus cuidados. Que o Senhor CA telefona frequentemente, aterrorizando com ameaças de "tomar­lhe as filhas.", conforme doc. de folhas 141-144, que aqui se dá por reproduzido.

11)Em Relatório psicológico elaborado pelos serviços brasileiros respetivos, no âmbito do referido processo de divórcio, e datado de 27-11-2013, consignou-se que:
-“Relata que o relacionamento se desgastou paulatinamente e após senhor CA perdeu o emprego naquele país, resolveram voltar ao Brasil, onde os conflitos se avolumaram e decidiram por fim na relação, com o retorno de senhor CA para Portugal há um mês.”.

12)O Requerido intentou ação de divórcio contra a Requerente, correndo o processo respetivo na Comarca de Lisboa Norte – V. F. Xira – Instância Central – 3ª Secção de Família e Menores – J1, com o n.º de processo….

13)No âmbito desse processo foi a ora Requerente citada por carta registada com A/R, com certificação CITIUS de 24-09-2014, conforme documento de folhas 89, que aqui se dá por reproduzido.
14)Tendo aquela outorgado procuração a advogado, para a patrocinar naquele processo, em 31-10-2014, conforme documento junto a folhas 93, que aqui se dá por reproduzido.
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Vejamos.

1.-A revisão a que a sentença estrangeira, ou ato equiparado, está sujeita para que se veja conferida eficácia na ordem jurídica interna portuguesa, é, em regra, uma revisão formal ou delibação, que assim se não traduz num reexame de mérito, apenas envolvendo uma verificação de regularidade formal ou extrínseca, da sentença revidenda. Vd. Professor Ferrer Correia, in Lições de Direito Internacional Privado – Aditamentos, Universidade de Coimbra, 1973, págs. 96-97.
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Nos termos do disposto no art.º 980º do Código de Processo Civil, são requisitos da revisão:
-ausência de dúvidas sobre a autenticidade do documento de que conste a sentença ou sobre a sua inteligibilidade (alínea a).
-trânsito em julgado (alínea b).
-proveniência de tribunal estrangeiro cuja competência não tenha sido provocada com fraude à lei e que não verse sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais portugueses (alínea c).
-que não possa invocar-se exceção de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afeta a tribunal português, salvo se foi o tribunal estrangeiro que preveniu a jurisdição (alínea d).
-citação do Réu nos termos da lei do país do tribunal de origem e observação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes (alínea e).
-que a sentença não contenha decisão cujo reconhecimento conduza a um resultado manifestamente incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado Português (alínea f).

Por sua vez o artigo 984º do mesmo Código, impõe ao tribunal o conhecimento oficioso da verificação dos requisitos a que se referem as alíneas a) e f), devendo, no entanto ser negada, também oficiosamente, a confirmação, quando pelo exame do processo ou por conhecimento derivado do exercício das suas funções, apure que falta algum dos requisitos exigidos nas demais alíneas do art.º 980º.

2.-Não oferece dúvida que o documento que constitui folhas 32-39, incorporante do ato a rever se assume como documento autêntico, com a força probatória que lhe reconhece o art.º 365º do Código Civil.

Estando documentado o trânsito em julgado da decisão revidenda.

Sendo, por outro lado, que tal ato da autoridade estrangeira que dissolveu o casamento, não conduziu a resultado incompatível com os princípios da ordem pública internacional do estado Português, concebida aquela como uma exceção ou limite à aplicação da lei (estrangeira) normalmente competente, à qual obsta na medida em que implique como resultado, o surgir de uma situação manifestamente intolerada pelas conceções ético-jurídicas reinantes na coletividade, ou lesiva de interesses fundamentais do Estado. Vd. Auctor cit. in Lições de Direito Internacional Privado, págs. 559-561.

Não estamos, como é manifesto, perante uma tal exceção ou reserva à aplicação, in casu, do direito brasileiro, e certo que o divórcio, e designadamente sem o consentimento do outro cônjuge, está também contemplado entre nós.

E também não ofende aqueles princípios da ordem pública internacional do Estado Português a circunstância de na sentença revidenda se haver estabelecido a guarda das filhas “à sua genitora MI, ficando reservado ao requerido o direito de visitas às filhas.”.

Com efeito, prevê-se no artigo 1906º do Código Civil, que:
“1.As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho são exercidas em comum por ambos os progenitores nos termos que vigoravam na constância do matrimónio, salvo nos casos de urgência manifesta, em que qualquer dos progenitores pode agir sozinho, devendo prestar informações ao outro logo que possível.
2.Quando o exercício em comum das responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho for julgado contrário aos interesses deste, deve o tribunal, através de decisão fundamentada, determinar que essas responsabilidades sejam exercidas por um dos progenitores.
(…).”.

Ora, desde logo, temos assim que também a lei portuguesa prevê a atribuição do exercício das responsabilidades parentais, na situação contemplada, a um dos progenitores.
E referindo-se aquela à fundamentação da sentença que, fugindo ao paradigma do exercício em comum das responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho, atribua aquele a um dos progenitores, está a incluir em disposição integrada em compêndio substantivo, uma norma de natureza processual.
O que subtrai a – de todo não concedida – oposição de lei, ao dito domínio substantivo.

Depois, ponto é que a sentença revidenda se mostra, nessa parte, fundamentada:
“Por fim, no tocante a guarda das menores de idade MA e CA, ambas filhas das partes, verifico que a guarda provisória daquelas foi concedida em favor da autora (págs. 58/59).
Anoto ainda que nos estudos psicossociais realizados no presente feito, se constatou que MA e CA estão bem aparadas na companhia materna, constando ainda que o requerido, genitor das infantes, encontra-se residindo em outro país (págs. 32/35 e 39/40).
Deste modo, tenho que a guarda deverá mantida à genitora, mesmo porque, é com ela que as infantes convivem desde a separação do casal. Ressalto que, deve ser assegurado ao requerido o direito de visitar suas filhas, o qual deverá ser exercido de forma livre, como pleiteado na exordial (pág. 4, item 6).”.

Ponderando, assim, a circunstância de as menores terem permanecido a viver com a mãe, no Brasil revelando os estudos psicossociais que aquelas estão bem integradas na companhia materna, constando ainda que o requerido, pai “das infantes, encontra-se residindo em outro país.”.

Não cabendo em processo de revisão de sentença apreciar da bondade de tal fundamentação, como visto já.

Como mais refere Ferrer Correia – in Lições de Direito Internacional Privado – Aditamentos, Universidade de Coimbra, 1973, págs. 50-51 – “Com efeito, já o dissemos, o reconhecimento de uma sentença não se baseia numa presunção de justiça da decisão. Não é porque acreditemos que acção foi bem decidida que aderimos à sentença. Não está isso em causa, senão o princípio da estabilidade das relações da vida jurídica internacional. O objectivo em vista é simplesmente evitar que decisões diferentes e divergentes recaiam sobre a mesma situação jurídica: (…)

Em rigor, a revisão de mérito seria excluída pela noção de reconhecimento de uma sentença. Reconhecer uma sentença é atribuir-lhe os efeitos que lhe são próprios, é aceitar as suas decisões - e não, certamente, decidir de novo o litígio. De qualquer forma, aquela revisão está em contradição nítida com os objectivos visados pelo princípio do reconhecimento das sentenças estrangeiras.

Ê esta a razão decisiva contra o sistema da revisão material.”.

Refira-se ainda, e por último quanto a este ponto, que ainda quando a lei portuguesa não ressalvasse a assinalada exceção ao princípio do exercício em comum do poder paternal quanto a questões de particular importância – coisa diversa, aquele último, da guarda singular, que subsiste na atribuição do “exercício das responsabilidades parentais relativas aos atos da vida corrente do filho (…) ao progenitor com quem ele reside habitualmente”, cfr. artigo 1906º, n.º 3, do Código Civil – só muito esforçadamente se poderia pretender equacionar o intolerável da solução acolhida na sentença revidenda, pelas conceções ético-jurídicas reinantes na coletividade portuguesa.

Afinal de contas, até 30-11-2008 – data em que entrou em vigor a lei n.º 61/2008, de 30-10-2008, a regra, em caso de divórcio, e na ausência de acordo, era a de a guarda do menor “caber a qualquer dos pais”, sendo o poder paternal exercido pelo progenitor a quem o filho fosse confiado, cfr. artigos 1905º e 1906º, do Código Civil, na redação anterior à introduzida pela sobredita Lei.

Verificados estando pois os requisitos das alíneas a) e f).

No que respeita ao requisito da alínea d), nada resultando do exame do processo, no sentido de a competência do tribunal brasileiro haver sido provocada em fraude à lei, também apenas, e desde logo, caberá assinalar que, face ao disposto no art.º 63º, do Código de Processo Civil, não versa a decisão em causa sobre matéria da competência exclusiva dos tribunais portugueses.

Também não decorrendo do exame do processo – nem sendo conhecida do tribunal – a ocorrência de situação de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afeta a tribunal português...

Certo quanto a este ponto que a ação de divórcio intentada pelo Requerido em Portugal, o foi depois de instaurada pela Requerente a ação de divórcio no Brasil, não tendo sido ainda proferida, na ação a correr termos em Portugal, decisão transitada em julgado, aquando do trânsito em julgado da sentença do Tribunal Brasileiro.

Sendo que como ensina Ferrer Correia, no domínio do Código de Processo Civil de 1961, mas com plena atualidade – in Lições de Direito Internacional Privado – Aditamentos, Universidade de Coimbra, 1973, págs. 61, 62 – “O exequatur não será recusado senão quando o tribunal local tiver prevenido a jurisdição~ isto é, tiver sido demandado em primeiro lugar. Solução esta, como está bem de ver muito mais propícia ao reconhecimento das sentenças estrangeiras (…) do que a anterior.”.

3.-Da citação do Requerido no processo do tribunal brasileiro.

3.1.-No domínio do Código de Processo Civil brasileiro, vigente aquando da tramitação do processo que culminou com o decretamento do divórcio da Requerente e do Requerido divórcio respetivo – aprovado pela Lei n.º 5869, de 11-01-1973, que viria a ser revogada pela Lei n.º 13105/2015 (Lei Ordinária), de 16-03-2015 – dispunha-se, em matéria de citação, e no que aqui pode interessar:

Art. 221.A citação far-se-á:
I-pelo correio;
II-por oficial de justiça;
III-por edital.

Art. 222.A citação pelo correio só é admissível quando o réu for comerciante ou industrial, domiciliado no Brasil.

Art. 223.Requerida a citação pelo correio, o escrivão ou chefe da secretaria porá a cópia da petição inicial, despachada pelo juiz, dentro de sobrescrito com timbre impresso do juízo ou tribunal, bem como do cartório, indicando expressamente que visa a intimar o destinatário.
§ 1º A carta será registrada, com aviso da recepção, a fim de ser junto aos autos.
§ 2º O carteiro fará a entrega da carta registrada ao destinatário, exigindo-lhe que assine o recibo.

Art. 224.Faz-se a citação por meio de oficial de justiça, não dispondo a lei de outro modo.

Art. 225.O mandado, que o oficial de justiça tiver de cumprir, deverá conter:
I-os nomes do autor e do réu, bem como os respectivos domicílios ou residências;
II-o fim da citação, com todas as especificações constantes da petição inicial;
III-a cominação, se houver;
IV-o dia, hora e lugar do comparecimento;
V-a cópia do despacho:
VI-o prazo para defesa;
VII-a assinatura do escrivão e a declaração de que o subscreve por ordem do juiz.
Parágrafo único. O mandado poderá ser em breve relatório, quando o autor entregar em cartório, com a petição inicial, tantas cópias desta quantos forem os réus; caso em que as cópias depois de conferidas com o original, farão parte integrante do mandado.

Art. 231.Far-se-á a citação por edital:
I-quando desconhecido ou incerto o réu;
II-quando ignorado, incerto ou inacessível o lugar em que se encontrar;
III-nos casos expressos em lei.
§ 1º Considera-se inacessível, para efeito de citação por edital, o país que recusar o cumprimento de carta rogatória.
§ 2º No caso de ser inacessível o lugar em que se encontrar o réu, a notícia de sua citação será divulgada também pelo rádio, se na comarca houver emissora de radiodifusão.

Art. 232.São requisitos da citação por edital:
I-a afirmação do autor, ou a certidão do oficial, quanto às circunstâncias previstas nos números I e II do artigo antecedente;
II-a afixação do edital, na sede do juízo, certificada pelo escrivão;
III-a publicação do edital no prazo máximo de quinze (15) dias, uma vez no órgão oficial e pelo menos duas vezes em jornal local, onde houver;
IV-a determinação, pelo juiz, do prazo, que variará entre vinte (20) e sessenta (60) dias, correndo da data da primeira publicação.
Parágrafo único. Juntar-se-á aos autos um exemplar de cada publicação, bem como do anúncio, de que trata o número II deste artigo.

Art. 233.A parte que requerer a citação por edital, alegando dolosamente os requisitos do art. 231, I e lI, incorrerá em multa de cinco (5) vezes o salário-­mínimo vigente na sede do juízo.
Parágrafo único. A multa reverterá em benefício do citando.
Art. 247. As citações e as intimações serão nulas, quando feitas sem observância das prescrições legais.

3.2.-Perante esta regulamentação da citação edital, e no confronto da factualidade dada por assente, não é possível concluir que hajam sido preteridas as formalidades legalmente prescritas na lei do tribunal brasileiro.

Sendo no entanto de retirar do mesmo conjunto normativo que se a parte requerer a citação por edital, invocando de má-fé o desconhecimento do paradeiro do Réu, a citação edital nessa circunstância efetuada é “nula”.
Nulidade absolutamente equiparável à falta de citação cominada na lei de processo portuguesa para o emprego indevido da citação edital, cfr. artigo 188º, n.º 1, alínea c), do novo Código de Processo Civil português.

Pois bem.

A Requerente pretendeu, no artigo 5º da sua contestação, nos presentes autos, que “quando instaurou a acção em causa no Tribunal do Estado de Mato Grosso do Sul indicou a última morada conhecida do Requerido, que era a residência onde o mesmo viveu com a Requerente no Brasil, anteriormente à separação do casal.”.

Não é verdade!

O que a Requerente fez em tal ação, e como é facto assente, foi indicar o ali Requerido como residente e domiciliado à Rua (…), Campo Grande/MS”, ou seja, na própria residência da ali Requerente…quando o mesmo já ali não residia – sem qualquer referência a tal morada como sendo a da última residência conhecida do Requerido – e onde, aquando da diligência para citação pessoal do Requerido – ordenada na mesma data da entrada da petição inicial – foi prestada a informação… pela Sra. MI de que aquele foi para Portugal sem dia certo para retorno “à esta Capital”

E tendo aquele regressado a Portugal, ponto é que a Requerente tinha vivido com o mesmo no nosso País, e por último, em Vila Franca de Xira, por ali residirem os familiares do requerido, que telefona frequentemente à Requerente…

Valendo isto por dizer que se a Requerente não sabia a morada do Requerido em Portugal, pelo menos – e assim sabedora da residência desses tais familiares daquele, para além de contactar telefonicamente com o Requerido, que certamente preferiria ser citado na sua própria pessoa do que editalmente… – podia levar aos autos respetivos elementos que – quando não viabilizassem, por si sós, a expedição de carta rogatória para citação do Requerido – permitiriam a realização de diligências tendo em vista a recolha de informações que possibilitassem tal desiderato.

O que não fez…

Desenhando-se assim todo um percurso dirigido à citação edital do Requerido, sem esgotamento de diligências possíveis, desde logo por parte da Requerente, em ordem ao apuramento da residência em Portugal do Requerido…

…Que, na circunstância, se viu efetivamente privado do exercício do direito de defesa efetiva – postulado, como o da igualdade das partes, do direito a um processo equitativo, consagrado no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa, vd. Jorge Miranda e Rui Medeiros, in “Constituição Portuguesa Anotada”, Tomo I, Coimbra Editora, 2005, págs. 192-194 – na sua vertente do princípio do contraditório – ibidem, e José Lebre de Freitas, in “Introdução ao Processo Civil”, 3ª ed., Coimbra Editora, 2013, págs. 123-139 – no processo do tribunal brasileiro.
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Em suma, no circunstancialismo em que veio a ser ordenada a citação edital do requerido, e não se entendendo ter-se empregue indevidamente aquela, sempre será de concluir não terem sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes.

Falecendo pois o requisito necessário para a confirmação da sentença revidenda, previsto no artigo 980º, alínea c), 2ª parte, do Código de Processo Civil.

III–Nestes termos, acordam em julgar a ação improcedente, indeferindo a requerida confirmação e revisão de sentença estrangeira.

Custas pela Requerente, que decaiu.
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Lisboa, 2016-12-07


(Ezagüy Martins)
(Maria José Mouro)
(Maria Teresa Albuquerque)