Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3698/09.0TBVFX.L1-6
Relator: MARIA DE DEUS CORREIA
Descritores: CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA
ALTERAÇÕES AO CONTRATO
SUBSTABELECIMENTO A TERCEIRO
BOA-FÉ NA UTILIZAÇÃO DO SUBSTABELECIMENTO
CELEBRAÇÃO DE NEGÓCIOS CONSIGO PRÓPRIO
ABUSO DE DIREITO E BOA-FÉ
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/08/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE / REVOGADA
Sumário: I. Os Autores estão vinculados pelo contrato-promessa de compra e venda que celebraram. Porém, por força do substabelecimento no Réu, dos poderes que lhe foram conferidos através da procuração assinada pelos Autores, o Réu pode livremente dispor do prédio em causa, designadamente vendendo-o a terceiro de boa-fé. Mas antes disso, o Réu utilizou o referido substabelecimento para outorgar negócio consigo próprio que consistiu num aditamento ao contrato promessa de compra e venda, que introduz a possibilidade de a escritura de compra e venda ser outorgada até 31 de Dezembro de 2020, ou seja, cerca de 11 anos depois de formulada a “adenda”.

II. Desta forma, o Réu consegue que os Autores nada possam fazer para exigir o cumprimento do contrato promessa, beneficiando de uma margem de tempo muito grande que lhe permita conseguir um comprador de boa-fé, impedindo a impugnação do negócio que com o Réu venha a realizar.

III. Perante todo este circunstancialismo resulta, na verdade, que a referida procuração e substabelecimento, possibilitando a realização de negócio consigo mesmo, permitem que o Réu cause grave prejuízo aos Autores, na medida em que lhes pode impor, unilateralmente, condições contratuais a que os Autores ficam vinculados, sem possibilidade de negociação.

IV. No caso concreto, permitir que o Réu use o substabelecimento que tem em seu poder, de modo a frustrar dessa forma os interesses dos Autores, seria impor-lhes uma lesão de tal modo intolerável que afectaria gravemente os limites impostos pelos princípios da boa-fé.

V. Assim, é abusivo e, portanto, ilegítimo, nos termos do disposto no art.º 334.º do Código Civil o exercício do direito do Réu de utilizar o substabelecimento em causa.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 6.ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa:


I-RELATÓRIO


A. M. R. da S. C. T. G. intentou ação declarativa, sob forma de processo comum, contra: Novarea – Obras Públicas e Privadas, Lda. e A. J. M. dos S., todos melhor identificados nos autos, pedindo a anulação da procuração outorgada pela A. e pelo seu marido no Segundo Cartório Notarial de Almada declarando-se a nulidade da transmissão do prédio para o Réu A. S. e o cancelamento do registo ou, em alternativa, deve proceder a impugnação pauliana, anulando-se de igual modo a referida transmissão.
Alega, para tanto, que emitiu, conjuntamente com o seu marido, uma procuração irrevogável a favor da R. Novarea, mas apenas com a intenção de permitir ao sócio gerente da mesma, o Sr. A. S., obter um empréstimo bancário, a fim de lhes pagar o remanescente do preço de um prédio que prometeu comprar-lhes e assim celebrarem a escritura de compra e venda.
No entanto, veio mais tarde a verificar que o prédio se encontrava registado em nome do Réu A. S., e que a transferência de propriedade foi feita com base no substabelecimento feito pela R. Novarea no Réu A. S., o qual foi precedido de um contrato promessa de compra e venda do prédio, celebrado entre os RR..
Ao outorgar a procuração que está na base da transmissão do prédio para o Réu A. S., a A. e o seu marido atuaram em erro, sendo tal negócio jurídico anulável, nos termos do art. 247º do CC.
Para além do mais, o Sr. A. S., na qualidade de representante legal da R. Novarea, agiu de forma dolosa, determinando dessa forma a vontade da A. e do seu marido, motivo pelo qual a procuração deve ser anulada, nos termos dos arts. 253º e 254º do CC.
O que terá como consequência a declaração de nulidade da transmissão do prédio entre os RR. Novarea e A. S., com o consequente cancelamento do registo, voltando o prédio ora em crise a integrar o património da A. e do seu marido.
Mas ainda que assim se não entenda, a verdade é que a R. Novarea devia à A. e ao seu marido € 337.306,06, correspondente ao remanescente do preço do prédio, acordado no contrato promessa, dívida essa que é anterior à transmissão do prédio pela R. Novarea ao Réu A. S.. Sem a anulação da venda do prédio, a A. e o seu marido não terão outra possibilidade de obter a satisfação do seu crédito, pois o gerente da R. Novarea desapareceu e esta não possui outros bens que possam responder pela dívida.
Os RR. agiram de má fé, pois basta olhar para o preço de venda do prédio acordado entre a R. Novarea e o Réu A. S. no contrato promessa, para se concluir que se tratou de um negócio simulado, na medida em que o prédio vale muito mais do que o preço pelo qual foi vendido.
Estão, assim, reunidos todos os requisitos para que proceda a impugnação pauliana, o que em alternativa requer.

Pessoal e regularmente citado, veio o Réu A. S. contestar, invocando a exceção dilatória da sua ilegitimidade e a exceção dilatória da ilegitimidade da A., em virtude de não se mostrarem acompanhados pelos respetivos cônjuges nesta demanda. Mais invocou a exceção dilatória da incompetência territorial do tribunal, e contestou ainda por impugnação, concluindo pela sua absolvição do pedido. Alega para tanto que desconhecia os termos do contrato promessa celebrado pela A. e pelo seu marido com a R. Novarea, sustentando que na sua boa - fé pretendeu simplesmente adquirir o prédio.
Alega, por fim, que quanto ao contrato promessa por si assinado, investido dos poderes que lhe foram atribuídos pelo dito substabelecimento, celebrou o contrato promessa consigo mesmo, mas nunca chegou a celebrar o contrato definitivo, pelo que não pode afirmar-se que a propriedade do prédio se transferiu para a sua esfera jurídica.

Entretanto, foi conhecida nos autos a declaração de insolvência da R. Novarea, tendo sido junta aos mesmos certidão da respetiva sentença, com nota de trânsito em julgado (fls. 72 e segs.).
Nesta sequência foi declarada extinta a instância, quanto à R. Novarea, por impossibilidade superveniente da lide, determinando-se que os autos prosseguissem
quanto ao Réu A. S. (fls. 85).Esta sentença foi notificada às partes, dela não tendo sido interposto recurso.

A A. respondeu à contestação, pugnando pela improcedência de todas as exceções invocadas pelo Réu A. S. e pedindo a sua condenação como litigante de má - fé, no pagamento de multa e indemnização, com fundamento em que o Réu A. S. sabia quem era o verdadeiro dono do prédio, bem como os valores em causa na transação.
O Réu A. S. respondeu ao pedido da A. de condenação como litigante de má - fé, pugnando pela sua improcedência.

Foi proferido despacho de convite à A. para suprir as exceções dilatórias da ilegitimidade ativa e passiva, requerendo a intervenção principal do seu cônjuge e do
cônjuge do Réu A. S., respetivamente J. M. G. e H. M. A. R. dos S., o que a A. fez, tendo sido ordenada a citação dos cônjuges referidos. Nesta sequência, Helena Santos veio declarar fazer seus os articulados já apresentados nos autos pelo Réu A. S., e J. G. nada veio declarar.

De seguida foi declarada a incompetência territorial do Tribunal da Comarca de Vila Franca de Xira e ordenada a remessa dos autos para o Tribunal da Comarca do Seixal.

Proferiu-se depois despacho saneador e procedeu-se à fixação do objeto do litígio e dos temas da prova, sem reclamações.

Produziu-se prova pericial, destinada a apurar o valor de mercado do prédio em discussão nos autos, nos anos de 2000 e 2009.


Decorridos todos os trâmites legais, foi realizado o julgamento e proferida sentença que julgou a acção improcedente e absolveu os Réus do pedido.


Inconformados com a decisão, os Autores interpuseram recurso de apelação, formulando, no essencial, as seguintes conclusões:

Da matéria de facto incorrectamente julgada:

O ponto 29.º da matéria de facto dada como provada deveria ter a seguinte redacção:

“O preço de trinta e cinco mil euros declarado pelos réus no contrato aludido em 25, corresponde ao preço efectivamente pago pelo segundo réu e recebido pela primeira ré, como contrapartida da venda do prédio em apreço nos presentes autos.”

O ponto 31.º dos factos provados deveria ter a seguinte redacção:

Quando demonstrou interesse na aquisição do prédio, o réu A. S., acompanhado pelo Sr. A. S., bem como pelo Sr. A. R. O., dirigiram-se aos serviços competentes da Câmara Municipal de Vila Franca de Xira, a fim de obter informação sobre o andamento do projecto de construção ali existente.

A redacção do ponto 32.º dos factos provados, atenta a prova produzida deveria ser a seguinte:

Na conversa havida entre o Sr. A. S. e o Réu A. S. foi referido, de forma peremptória que o preço acordado com o Autor e que este teria de receber pela venda do prédio era de cento e sete mil e quinhentos euros tendo o segundo réu ficado planamente esclarecido quanto a essa questão.

Deveria ainda acrescentar-se aos factos provados, tendo em conta a prova pericial de fls. 200 a 218, os seguintes pontos:
a) De acordo com a avaliação efectuada pelo método do rendimento, o valor do prédio em apreço nestes autos, o valor do prédio era o seguinte:

Ano de 2000 : € 478.150,00
Ano de 2009
Outubro - € 421.000,00
Dezembro - €298.850,00

b)Face à prova testemunhal produzida e à luz das regras da experiência comum, ambos os réus sabiam o preço real do imóvel quando outorgaram o contrato promessa de compra e venda pelo preço de € 35.000,00 (trinta a cinco mil euros)


Do Direito aplicável

Das normas violadas

Ao admitir as declarações de parte do segundo réu, já depois do mandatário do autor ter produzido as suas alegações orais, conforme consta da acta de audiência de julgamento datada de 12 de Janeiro de 2016, a fls. 271 e segs dos presentes autos, o Tribunal a quo violou o n.º1 do art.º 466.º do CPC.

DA INCORRECTA APLICAÇÃO DO DIREITO:
Da anulação da procuração irrevogável

Ao sufragar o entendimento de que a declaração de insolvência da primeira Ré e a extinção da instância em relação a esta inviabiliza a apreciação da declaração de anulabilidade da procuração irrevogável, todo o raciocínio jurídico subsequente ficou irremediavelmente viciado.

Tal conclusão, além de viciar todo o raciocínio subsequente, é desprovida de sentido, uma vez que estando em causa os efeitos que se produziram ou poderiam produzir com a utilização da procuração irrevogável, estes não teriam qualquer efeito na esfera jurídica da primeira Ré, a qual, destituída de personalidade jurídica por efeito da sentença que declarou a sua insolvência, não poderá, a partir dessa data, ser parte outorgante de qualquer espécie de contrato.

Mas os efeitos produzidos antes da declaração de insolvência, nomeadamente antes da propositura da presente acção, produziram efeitos entre as partes quanto às quais prosseguiram os autos, esses efeitos devem ser sindicados e constituir objecto de uma decisão judicial

E desse modo, uma correcta aplicação do direito levaria à apreciação e à declaração de anulabilidade da procuração irrevogável, com fundamento na conduta dolosa da primeira Ré que foi causa directa da violação da vontade dos autores, tudo conforme os artigos 247.º, 253.º e 254.º do Código Civil, conforme constava do pedido inicial.

Da fraude à lei e do abuso de direito:

A verdadeira natureza do pedido inicial, consiste na destruição dos efeitos jurídicos últimos causados pela conduta dos RR, qual seja a de impedir a transmissão do prédio dos Autores, através de um meio obtido de forma fraudulenta, situação que é consequência directa do raciocínio jurídico da M.ª Juíza do Tribunal a quo, vertido na sentença de que se recorre, sem que daí tenha extraído as devidas consequências.

A actuação dolosa que agora é colocada em crise, é comum aos dois réus, na justa medida em que a ré Novarea obteve um instrumento das mãos dos autores que permitiu todo o enredo subsequente, aproveitando-se da sua relação de amizade com o autor marido para os induzir em erro, convencendo-os de que o único fim a que se destinava tal instrumento, era possibilitar a obtenção de um crédito que permitisse pagar-lhes o resto do preço acordado.

O segundo réu porque sabia exactamente o valor do prédio e o preço acordado entre a primeira Ré e o Autor marido, tinha plena consciência que ao outorgar o contrato promessa de compra e venda com a primeira ré, pelo preço de € 35.000,00, recebendo em simultâneo um substabelecimento que lhe permitia fazer negócio consigo mesmo, defraudava a possibilidade dos autores virem a ser ressarcidos do valor de € 337.500,00 que ainda lhes faltava receber.

E ao efectuar essa aquisição nos termos descritos, segundo as regras da experiência comum, ou estava conluiado com o representante legal da primeira ré para prejudicar os autores e ora recorrentes, ou, apercebendo-se da situação de fragilidade e dependência da primeira ré, perante uma declaração emitente de insolvência, agiu com o propósito consciente de se aproveitar da situação, com prejuízo dos ora recorrentes e dos credores da primeira ré (tendo em conta que segundo o próprio e as testemunhas por si arroladas adquiriu o escritório da primeira ré e, pelo menos mais um terreno.

Agiu, pois, pelo menos o segundo réu, com consciência que a sua actuação criava um prejuízo sério aos autores e ora recorrentes em contravenção com o disposto no art.º 227.º do C.C.

E não satisfeito, utilizou o supra referido substabelecimento para outorgar negócio consigo próprio, que consistiu num aditamento ao contrato promessa de compra e venda outorgado com a primeira ré, constante de fls. 15 dos autos recorridos, que introduz a possibilidade do contrato definitivo, qual seja a escritura pública, poder ser outorgada até 31 de Dezembro de 2020, ou seja, 11 anos depois da data em que foi outorgada essa adenda.

Desta forma, o segundo réu consegue que a propriedade não se transmita até conseguir um comprador de boa-fé, impedindo a impugnação do negócio que com ele venha a realizar.

Abusando do seu direito, que apesar de formalmente lícito, visa atingir um objectivo condenado pela ordem jurídica no seu conjunto, a actuação do segundo réu colide com as mais elementares regras da boa-fé e, no mínimo, com os bons costumes, devendo ser declarada a nulidade do substabelecimento e todos os negócios jurídicos subsequentes, nos termos do art.º 280.º do C.Civil, a qual pode ser arguida em qualquer momento, por qualquer interessado e é de conhecimento oficioso.

Nestes termos, deverá ser apreciada a validade da procuração outorgada pelos autores a favor da primeira ré, concluindo-se pela declaração de anulabilidade da mesma e fazendo cessar todos os efeitos por ela produzidos, em virtude da conduta dolosa da primeira ré, ter determinado o erro dos autores no momento da sua outorga, tudo nos termos dos artigos 247.º, 253.º e 254.º todos do Código Civil; ou em alternativa, deverá ser declarada a nulidade da procuração e/ou do substabelecimento outorgado a favor do segundo réu, uma vez que se verifica uma situação de fraude à lei e flagrante abuso de direito, cuja sanção é a cessação de todos os efeitos jurídicos resultantes do uso abusivo desse direito, nulidade que pode ser arguida todo o tempo e é de conhecimento oficioso.

Os Recorridos apresentaram contra alegações pugnando pela confirmação da sentença recorrida.


Cumpre apreciar e decidir:

II - OS FACTOS

Na 1.ª instância foram dados como provados os seguintes factos:


1.Os AA. tiveram problemas de ordem financeira.
2. Por tal facto, decidiram colocar à venda o prédio misto denominado Casal dos Vinagres, com a área de 19.028,8 m2, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Vila Franca de Xira, sob a ficha n.º …, e inscrito na matriz cadastral rústica sob o artigo …, da secção B, da freguesia de Vila Franca de Xira.
3. Foi assim que conheceram o Sr. A. S., o qual contatou o A. através de um amigo deste, o Sr. R., manifestando interesse na aquisição do prédio.
4. Nessa sequência, e com o objetivo de apurar o valor do referido prédio, que os AA. pretendiam vender pelo preço de 110.000.000$00 (cento e dez milhões de escudos), o Sr. A. S. dirigiu-se com o A. ao Departamento de Habitação e Urbanismo da Câmara Municipal de Vila Franca de Xira, a fim de se informar das possibilidades de construção, tendo sido requerida tal informação.
5. Na sequência da informação posteriormente recebida, o Sr. A. S. acordou com o A. a compra do prédio pelo preço de 107.500.000$00 (cento e sete milhões e quinhentos mil escudos).
6. Todas estas negociações foram acompanhadas pelo já referido Sr. R.
7. Nessa sequência, com início em 2000 e até meados de 2001, o Sr. A. S. entregou por três vezes ao A., respetivamente, as importâncias de 3.000.000$00 (três milhões de escudos), 3.000.000$00 (três milhões de escudos) e 5.000.000$00 (cinco milhões de escudos).
8. O A. comunicou ao Sr. A. S., desde o início, que a propriedade estava onerada com uma hipoteca e que não tinha outro meio que não fosse a venda para cumprir com essa obrigação.
9. O Sr. A. S. entretanto criara fortes laços de amizade com o A..
10. O Sr. S., no segundo semestre de 2003, abordou o A., dizendo-lhe que a sua situação financeira se estava a agravar.
11. Assim, iria pedir um crédito bancário e celebrariam já a escritura de compra e venda do prédio prometido.
12. Passado algum tempo, o Sr. A. S. informou o A. que o crédito havia sido recusado.
13. Mas que lhe haviam dito particularmente que seria tudo mais fácil se o prédio fosse já propriedade da Novarea.
14. Foi mandado fazer um projeto de construção no Gabinete do Técnico Projetista Rui Manuel Martins.
15. O A. prontificou-se para emitir, juntamente com a A., uma procuração no interesse do procurador, designada de irrevogável, na medida em que o Sr. A. S. os havia informado que dessa forma conseguiria o empréstimo e poderiam celebrar, logo em seguida, a escritura de compra e venda, pagando ele a importância em falta para completar o preço acordado.
16. Foi nessa sequência que, no dia 23 de setembro de 2003, os AA. compareceram no Segundo Cartório Notarial de Almada, juntamente com o Sr. A. S. emitiram a seu favor a procuração (fls. 19 a 21).
17. Foi sempre na certeza de que a procuração em causa seria utilizada para obter um empréstimo que permitisse pagar o montante em falta aos AA., celebrando a escritura de compra e venda, que estes se prestaram a emitir a referida procuração.
18. Apesar de denotar algumas dificuldades, entre o dia 30 de junho de 2005 e o dia 21 de julho de 2007, o Sr. A. S. procedeu ao pagamento das dívidas dos AA. relacionadas com o prédio, despendendo para o efeito o montante de € 144.044,17
(cento e quarenta e quatro mil, quarenta e quatro euros e dezassete cêntimos).
19. Os AA. não tiveram mais notícias do Sr. A. S..
20. Sendo certo que o A. tentou diversas vezes contatá-lo, sem sucesso.
21. Tendo inclusive perguntado ao filho se o pai estava de boa saúde, manifestando preocupação por este nunca mais ter aparecido nem nada ter dito.
22. Ao que este lhe respondeu que nada sabia do pai, porque este havia desaparecido.
23. A aquisição do prédio aludido em 2., por compra, foi inscrita em nome do Réu A. S., no dia 1 de junho de 2009, pela Ap. 742 (fls. 26 a 28).
24. A inscrição aludida em 23. foi efetuada com base no substabelecimento feito pela R. Novarea, no Réu A. S., dos poderes que lhe foram conferidos através da procuração que os AA. assinaram no Cartório Notarial de Almada (fls. 23 a 25 e 29 a 31).
25. O substabelecimento foi precedido de um acordo escrito denominado “contrato promessa de compra e venda”, assinado pelo Sr. A. S. na qualidade de gerente da R. Novarea, estando esta na qualidade de procuradora dos AA., e pelo Réu A. S., no qual foi respetivamente prometido vender e comprar, pelo preço de € 35.000,00 (trinta e cinco mil euros), o prédio aludido em 2. (fls. 32 a 37).
26. O gerente da R. Novarea desapareceu.
27. O A. e o Sr. R. foram procurá-lo a um posto de abastecimento de combustíveis que a R. Novarea explorava em Fernão Ferro.
28. Os RR. sabiam que o preço declarado no contrato aludido em 25. não correspondia ao preço de mercado, valendo o prédio muito mais.
29. Por vontade dos RR., o preço que estes declararam no contrato aludido em 25. não corresponde ao acordo que alcançaram acerca do preço.
30. A R. Novarea não possui outros bens que possam responder pelo pagamento do remanescente do preço fixado no contrato promessa celebrado com os AA..
31. Quando demonstrou interesse na aquisição do prédio, o Réu A. S., acompanhado pelo Sr. A. S., bem como por uma terceira pessoa, dirigiram-se aos serviços competentes da Câmara Municipal de Vila Franca de Xira, a fim de obter a
informação sobre o andamento do projeto de construção ali existente.
32. Na conversa havida entre o Sr. A. S. e o Réu A. S. foram referidos os valores de uma eventual transação.
33. O Réu A. S. tomou conhecimento da intenção de alienação do prédio através do Sr. M. B. e do Sr. C. T., que lhe apresentaram o Sr. A. S..
34. O Réu A. S., após contatar com o Sr. A. S., acordou com este a elaboração do substabelecimento aludido em 24..
35. Está inscrita a aquisição, por compra, a favor dos AA., do prédio aludido em 2., pela Ap. 19, de 22.12.1982 (fls. 26 a 28).
36. A Câmara Municipal de Vila Franca de Xira informou o A., através de ofício datado de 15.12.2000, que “o terreno em título [Casal dos Vinagres – Vila Franca de Xira], na revisão do Plano Diretor Municipal em curso foi integrado em área de expansão urbana” (fls. 12).
37. Em 21.06.2001, o A. e a R. Novarea assinaram um escrito intitulado “Contrato de Promessa de Compra e Venda”, no qual aquele prometeu vender a esta, que prometeu comprar, o prédio aludido em 2., livre de quaisquer ónus, encargos e responsabilidades, pelo preço de € 536.208,00, tendo sido pago, a título de sinal, € 14.963,94, € 14.963,94 e € 24.939,89 (fls. 13 a 14).
38. Foi consignado no contrato que a venda seria efetuada à R. Novarea ou a quem esta indicasse, autorizando desde logo o A. que tal indicação fosse efetuada (fls. 13 a 14).
39. Mais foi consignado que a escritura seria celebrada, após aprovação do alvará de loteamento para 26 lotes, pela Câmara Municipal de Vila Franca de Xira, ficando o A. incumbido de notificar, para esse efeito, a R. Novarea, por carta registada com aviso de receção, com pelo menos 15 dias de antecedência do dia, hora e local da respetiva celebração (fls. 13 a 14).
40. Consta da procuração aludida em 16., intitulada “Procuração Irrevogável”, que os AA. “constituem sua bastante procuradora a sociedade comercial por quotas sob a firma «Novarea – Obras Públicas e Privadas, Lda.» (…) à qual conferem os poderes necessários com os de substabelecer para prometer vender, vender, alugar a quem entender pelo preço e condições que entender convenientes um prédio misto denominado Casal dos Vinagres (…)
Confere ainda poderes à sociedade mandatária para relativamente ao imóvel anteriormente identificado outorgar e assinar contratos de promessa e escrituras notariais que se mostrem necessárias, bem como eventuais rectificações, podendo ainda representar os proprietários junto de quaisquer repartições públicas ou administrativas, pagar impostos ou contribuições, reclamar dos indevidos ou excessivos, recebendo títulos de anulação e as correspondentes importâncias; representar os proprietários junto da Câmara Municipal de Vila Franca de Xira, para obtenção de alvarás de licenciamento, confere ainda os poderes para o representar em juízo usando de todos os poderes gerais forenses em direito permitidos os quais deverão substabelecer em advogado ou procurador habilitado. Mais lhe confere poderes para na Conservatória do Registo Predial, requerer quaisquer actos de registo, averbamentos ou cancelamentos, para nas Repartições de Finanças, assinar quaisquer documentos, inscrições, alterações, anulações, isenções e reclamações de colectas e, bem assim, para nos referidos organismos e ainda junto de qualquer outra Conservatória, Repartição Pública e Câmara Municipal.

São dados à sociedade mandatária poderes para hipotecar, desipotecar pelo valor que entender bem como obter os distrates de hipoteca actuais sobre o BPN – Banco Português de negócios ou futuras, para assinar quaisquer outros documentos que se tornem necessários para a realização dos actos acima indicados, praticar, requerer e assinar tudo o que se relacionar ou for necessário para qualquer fim.

A sociedade mandatária poderá celebrar negócio consigo mesma (…) ficando dispensada de prestar contas aos mandantes pelo exercício e cumprimento deste mandato.

A presente procuração é também passada no interesse da sociedade mandatária e de terceiros, e por conseguinte irrevogável e não caduca por morte, interdição ou inabilitação dos mandantes” (fls. 19 a 21).

41. A inscrição aludida em 23. é provisória por natureza, nos termos do art. 92º, nº 1, al. g) e nº 4 do CRPre (fls. 26 a 28).
42. A inscrição aludida em 23., para além do substabelecimento referido em 24., também teve por base o contrato promessa celebrado entre os AA. e o Réu A. S. e o aditamento ao contrato promessa aludido em 46., tendo sido consignado no respetivo requerimento que a causa da aquisição foi uma promessa de venda, pelo preço de € 35.000,00 (fls. 29 a 31).
43. O substabelecimento aludido em 24. data de 14.01.2008 (fls. 23 a 25).
44. Consta do substabelecimento aludido em 24. que foi arquivada a declaração para liquidação do Imposto Municipal Sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, e respetivo comprovativo de cobrança do imposto devido (fls. 23 a 25).
45. O contrato aludido em 25. foi celebrado em 14.01.2008 (fls. 32 a 37).
46. No contrato aludido em 25. foi consignado o pagamento de € 34.500,00 no acto da sua assinatura, a título de sinal e princípio de pagamento do preço, do qual foi dada quitação, e o pagamento dos remanescentes € 500,00 na data da celebração da escritura pública de compra e venda, tendo sido aí fixado, para o efeito, o prazo de 90 dias a contar da data da assinatura do contrato promessa (fls. 32 a 37).
47. Em escrito datado de 27.05.2009 e assinado pelo Réu A. S., intitulado ”Aditamento ao Contrato Promessa de Compra e Venda”, o Réu A. S., por si e na qualidade de procurador substabelecido da R. Novarea, declarou aditar ao contrato promessa a seguinte cláusula: “A escritura pública de compra e venda será outorgada, em qualquer Cartório Notarial, até o dia 31 de dezembro de 2020, data em que se presume estarem emitidos e reunidos todos os documentos necessários à realização de tal acto público”.

Foram considerados “não provados”, os seguintes factos:

1.Os AA., na sequência de alguns problemas de ordem financeira, tiveram de recorrer ao crédito bancário.
2. Para tanto, negociaram com o BPN uma conta corrente caucionada, no montante de 30.000.000$00 (trinta milhões de escudos), tendo dado como garantia hipotecária o prédio aludido em 2. dos Factos Provados.
3. Porque o montante do crédito referido supra foi inferior ao que havia sido solicitado, os AA. apenas conseguiram liquidar dívidas que possuíam à data, ficando privados do remanescente com que pretendiam incrementar o negócio do A..
4. Por tal facto, os problemas com que se debatiam persistiram, apenas tendo ganho um adiamento, uma vez que conseguiram um prazo de carência de quatro anos.
5.Apalavrado o negócio, o A. quis celebrar um contrato promessa de venda com o sr. A. S., mas este invocando falta de tempo para se deslocar ao escritório do Advogado em horário de expediente, foi dizendo que formalizariam o negócio em qualquer momento, que o A. estivesse descansado que isso não seria obstáculo a fazer-lhe adiantamentos por conta do sinal sempre que fosse necessário, até porque já tinha recolhido informações e sabia que estava a lidar com gente séria.
6. Por essa altura, o Sr. A. S., que se deslocava com alguma frequência a Vila Franca de Xira, normalmente ao final do dia, começou a dizer ao A. que provavelmente só lhe interessaria efetuar a escritura quando conseguisse obter a aprovação do projeto de construção para o referido prédio.
7. O A. alertou-o para o tempo que isso poderia demorar, atento o facto constante de 8.
dos Factos Provados.
8. O Sr. A. S., uma vez mais, disse-lhe que não se preocupasse, porque chegando a altura, caso a escritura não estivesse feita, ele lá estaria, como sempre, até porque já tinham criado uma grande amizade e o mais certo seria o negócio evoluir para outra via, como por exemplo, serem os dois a construir em sociedade quando o projeto fosse aprovado.
9. O A., que se encontrava grato pela ajuda que tinha recebido do Sr. A. S., disse-lhe que desde que se assegurasse o cumprimento das suas obrigações, estaria disponível para o que mais conviesse a este último.
10. De todos estes factos, a A. foi sempre sendo informada pelo A. e sempre lhe manifestou a sua concordância, uma vez que ambos estavam extraordinariamente sensibilizados com a disponibilidade e provas de consideração e estima manifestadas pelo Sr. António Silva.
11. Por seu turno, o A. sempre insistiu com o Sr. A. S. para que celebrassem o contrato promessa de compra e venda, o qual poderia ser modificado em qualquer momento, se o negócio evoluísse para a construção conjunta, para que o Sr. A. S. ficasse com uma salvaguarda das importâncias que havia adiantado, uma vez que os únicos comprovativos que possuía, eram pedaços de papel com as referidas importâncias escritas, assinados pelo A. e, ainda assim, por insistência deste.
12. Nessa sequência, já no início de 2002, o Sr. A. S. apareceu com o contrato promessa de compra e venda, figurando nele como promitente comprador a R. Novarea,
da qual aquele era sócio gerente.
13. Contrato que, segundo o Sr. A. S., se encontrava pronto há muito tempo, mas que este não via necessidade de o celebrar, na medida em que, como sempre disse, estava a lidar com pessoas de bem e que a palavra valia mais do que qualquer contrato.
14. E só o fazia nesta data por insistência do A..
15. Antes de assinar o contrato, o A. questionou o Sr. A. S. acerca de dois pontos:
a) Os valores nele inscritos estavam traduzidos em euros, moeda que só tinha entrado em circulação em janeiro de 2002, sendo que a data nele inscrita era a de 21 de junho de 2001;
b) A questão da hipoteca, que havia sido objeto de conversa, por diversas vezes, não se
encontrava ali contemplada.
16. Ao que o Sr. A. S. respondeu que o contrato em questão para ele não valia nada, que a palavra é que contava e que, inclusive, já tinha dito que se a alteração ao PDM e a consequente aprovação do projeto não ocorressem antes do vencimento do contrato de conta corrente, ele assumiria a questão, de acordo com o que sempre haviam
conversado, encarregando-se do pagamento e do distrate da hipoteca.
17. E que se o A. não tivesse confiança, por ele não valia a pena assinarem o contrato ou, em alternativa, teria de esperar que ele tivesse tempo para voltar a passar no escritório do Advogado, a fim de alterar o texto do mesmo.
18. Perante as provas de confiança que o Sr. A. S. havia depositado no A., este sentiu-se constrangido a assinar o referido contrato, até porque o Sr. R. estava quase sempre presente e testemunhara os compromissos assumidos entre ambos por diversas vezes.
19. A partir de finais do ano de 2002, princípios de 2003, o Sr. A. S. começou a queixar-se que vários clientes não pagavam as obras, outros não honravam a palavra nos
negócios, mesmo com documentos escritos, o que lhe estava a causar um enorme transtorno, já que as dívidas que tinham para com ele ascendiam a mais de duas centenas de milhares de contos. 20. Pediu por isso ao A. que o ajudasse na realização de alguns negócios, donde se destaca a venda de um prédio para exploração de areal, sito no Poceirão.
21. O A. acompanhou todas as tentativas de negócio do referido prédio, em que também
participou o já referido Sr. R., apesar de tudo, sem êxito.
22. O Sr. A. S. disse ao A. que a sua situação se estava a agravar porque ninguém lhe pagava, e que por tal facto necessitava de realizar liquidez.
23. O Sr. A. S. informou o A. que através dos bancos com que trabalhava,
conseguiria certamente um crédito superior ao valor que se propusera pagar pelo prédio.
24. O A. respondeu-lhe que o que ele decidisse, nesta matéria, teria a sua aprovação.
25. Durante uns tempos, o Sr. A. S. foi informando o A., primeiro, que já havia submetido o pedido de crédito ao Banco, depois que estava em análise na direção de crédito.
26. O Sr. A. S. disse ao A. que no balcão do BPI lhe disseram que, de acordo com os critérios de concessão de crédito do Banco, a transferência da hipoteca e o reforço da mesma seriam automaticamente aprovados, bastando, para tanto, entregar uma cópia do projeto de construção.
27. O A. mandou fazer o projeto de construção, acompanhado do Sr. A. S..
28. O empréstimo nunca mais foi aprovado.
29. E o Sr. A. S. foi dando conta, ao longo do tempo, das várias tentativas e dos sucessivos insucessos.
30. No entanto, quase todos os dias falava com o A., dizendo-lhe para não se preocupar,
uma vez que, apesar de não ser o que mais lhe convinha, tinha dado a palavra e, como tal, não falharia com o pagamento da hipoteca quando chegasse o momento.
31. O Sr. A. S. procedeu ao pagamento do crédito e ao distrate da hipoteca que onerava o prédio objeto da promessa de compra e venda.
32. Continuando a encontrar-se regularmente com o A. e com o Sr. R., com quem falava sobre as várias hipóteses relativas ao negócio do prédio, uma vez que a hipoteca já se encontrava totalmente liquidada.
33. Queixando-se regularmente que as coisas não andavam bem, uma vez que as pessoas cada vez eram mais incumpridoras e que a sua empresa tinha cada vez mais crédito mal parado.
34. O A. chegou a propor-lhe que vendessem o prédio a outra pessoa, se fosse a melhor
solução, o que sempre foi recusado pelo Sr. A. S., que afirmava que aquele era um grande negócio, ainda que demorasse.
35. Assim continuaram até ao final de 2008, data em que o A. teve de ser sujeito a uma
intervenção cirúrgica.
36. Não tendo este e o Sr. A. S., por esse motivo, trocado os habituais votos de festas, sendo certo, no entanto, que o Sr. A. S. deixou uma mensagem ao A. na caixa postal do seu telemóvel.
37. O A. telefonou ao filho do Sr. A. S..
38. Como entretanto soube por um seu primo de nome J. C., residente na Ilhade S. Tomé, que o Sr. A. S. o havia contatado para lhe propor um negócio, o A. ficou descansado e atribuiu o desconhecimento do seu paradeiro por parte do filho a um eventual "desaguisado" entre ambos, coisa que nos últimos tempos era frequente.
39. Não deixando no entanto de estranhar o facto deste nunca mais o ter contatado.
40. No final do mês de junho, quando o referido primo do A. veio a Portugal passar
férias, deslocaram-se os dois ao prédio objeto da promessa, sendo que os caseiros se lhe
dirigiram dizendo que pensavam que a quinta já não lhe pertencia, porque tinham aparecido lá uns senhores comportando-se como se fossem eles os proprietários.
41. O A. dirigiu-se à Conservatória do Registo Predial de Vila Franca de Xira para obter
a informação sobre o facto aludido em 23. dos Factos Provados.
42. O Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas foi liquidado e pago tendo por base o valor de € 35.000,00.
43. O contrato promessa aludido em 25. foi feito com o único intuito de enganar os AA..
44. O posto aludido em 27. dos Factos Provados é da AGIP e estava encerrado.
45. Já após ter constatado o facto aludido em 23. dos Factos Provados, o A., sempre acompanhado do Sr. R., procurou saber a situação da R. Novarea junto da Cooperativa da PSP, para quem esta estava a realizar várias obras, tendo sido informado que as obras haviam sido abandonadas a meio, e já estavam adjudicadas a outra entidade.
46. A terceira pessoa aludida em 30. dos Factos Provados é R. M. M..
47. Tendo sido discutida a questão de uma parceria para realização das obras, em alternativa à venda do prédio.
48. Durante a negociação informal com o Réu A. S., o Sr. A. S. disse-lhe que não obstante ser possuidor da procuração, nada se concretizaria sem a concordância do A..
49. Foi referido um valor de transação mínimo de € 600.000,00.


III-O DIREITO

Tendo em conta as conclusões de recurso que delimitam o respectivo âmbito de cognição deste Tribunal as questões que importa apreciar são as seguintes:

1-Reapreciação da decisão sobre a matéria de facto

2-Anulabilidade da procuração por erro

3- Fraude à lei e abuso de direito.


1-Os Apelantes impugnam a decisão relativamente ao ponto 29.º dos factos provados, com o seguinte teor:

por vontade dos RR., o preço que estes declararam no contrato aludido em 25, não corresponde ao acordo que alcançaram acerca do preço.”

E pretendem que seja dado como provado o seguinte:

O preço de trinta e cinco mil euros declarado pelos réus no contrato aludido em 25, corresponde ao preço efectivamente pago pelo segundo réu e recebido pela primeira ré, como contrapartida da venda do prédio nos presentes autos”.

Vejamos a motivação do Tribunal a quo para assim ter decidido:

Relativamente à circunstância do preço do prédio constante do contrato promessa celebrado entre os AA. (representados pela R. Novarea) e o Réu A. S. não corresponder ao preço de mercado, o Tribunal atendeu à perícia realizada nos autos, da qual resultou que o valor presumível de mercado do prédio era, em outubro de 2009, de € 421.10,00, valor radicalmente distinto dos € 35.000,00 acordados naquele contrato promessa, celebrado em 2008.
Quanto à má- fé do Sr. A. S. e do Réu A. S. no que concerne ao preço constante do contrato promessa, o Tribunal ponderou que existe uma grande diferença entre os preços consignados nos dois contratos promessa, sendo também acentuada a distância do valor inscrito no segundo contrato promessa face ao presumível valor de mercado do prédio. Acresce que o Réu A. S. declarou, quando ouvido em audiência, que o preço acordado foi de € 200.000,00, e as testemunhas M. B. e C. T., que acompanharam a realização deste negócio pelo Réu A. S., asseveraram ao Tribunal que o Réu A. S. é um homem de negócios muito experiente e de grande sucesso, que é muito rigoroso na avaliação dos negócios, pelo que seguramente uma pessoa com este perfil não deixaria de indagar o valor real de um imóvel antes de decidir comprá-lo.

Refira-se ainda que a testemunha A. R. O. descreveu uma deslocação à Câmara Municipal de Vila Franca de Xira, para indagar a situação do prédio, na companhia do Sr. A. S. e de um interessado na compra do terreno, tendo no fim da reunião com o Sr. Arquiteto R., da Secção de Urbanismo, aquele interessado dito ao Sr. A. S. que, com a procuração que este tinha, iria renegociar o preço com o A., pois estava ali um bom negócio, ao que o Sr. A. S. retorquiu que o preço seria o combinado com o A., ou seja, esc.: 107.500$00. Pese embora o Réu A. S. tenha negado esta deslocação e a conversa referida, o Tribunal considerou genuíno o depoimento da testemunha A. R. O., atentos os pormenores fornecidos pela testemunha quanto à situação descrita e o facto de não ter qualquer interesse pessoal no negócio.

Em face de todo o exposto e à luz das regras da experiência comum impõe-se, pois, concluir que ambos os RR. sabiam o preço real do imóvel quando fizeram o contrato promessa, tendo nele declarado um preço inferior àquele valor real e ao preço efetivamente acordado entre si.”

Em contrapartida, os Apelantes não indicam meios de prova que, de forma inequívoca, ponham em causa a convicção do Tribunal a quo.
Na verdade, a divergência quanto ao decidido pelo tribunal a quo, relativamente á fixação da matéria de facto só assume relevância neste Tribunal da Relação se ficar demonstrada, pelos meios de prova indicados pelo Recorrente, a ocorrência de um erro na apreciação da prova ou do valor probatório dos meios apresentados, sendo necessário ainda que tais elementos se revelem inequívocos no sentido pretendido pelo Recorrente. Ora nada disso sucede no caso em apreço.

Com efeito, como sublinha o Tribunal a quo, à luz das regras de experiência comum e tratando-se de empresários experientes, tal como resulta também dos depoimentos prestados em audiência, não se afigura verosímil que o negócio de um imóvel que valia em 2009, € 421.10,00, conforme perícia realizada nos autos, fosse vendido por € 35.000,00, tal como consta do contrato promessa. Este facto é dado como provado com fundamento principalmente em presunções judiciais o que é legítimo face ao disposto no art.º349.º do Código Civil.
Por sua vez, não existe prova nos autos, nem os Apelantes a indicam, que permita concluir no sentido pretendido, ou seja, que “o preço de trinta e cinco mil euros (…) corresponde ao preço efectivamente pago pelo segundo réu e recebido pela primeira ré(…)”.
Mantém-se, por conseguinte, o decidido pela 1.ª instância, quanto ao ponto em apreço.

Quanto ao ponto 31.º da matéria de facto, tem o seguinte teor:

Quando demonstrou interesse na aquisição do prédio, o Réu A. S., acompanhado pelo Sr. A. S., bem como por uma terceira pessoa, dirigiram-se aos serviços competentes da Câmara Municipal de Vila Franca de Xira, a fim de obter a informação sobre o andamento do projeto de construção ali existente”.

Pretendem os Apelantes o referido ponto tenha a seguinte redacção:

Quando demonstrou interesse na aquisição do prédio, o réu A. S., acompanhado pelo Sr. A. S., bem como pelo Sr. A. R. O., dirigiram-se aos serviços competentes da Câmara Municipal de Vila Franca de Xira, a fim de obter informação sobre o andamento do projecto de construção ali existente”.

Como se verifica, a alteração pretendida diz respeito apenas à identificação da pessoa que acompanhou o Réu e o Sr A. S. na deslocação à Câmara Municipal de Vila Franca de Xira.
Na verdade do depoimento da testemunha A. R. O., podemos concluir, sem dúvida, que era a testemunha quem acompanhou o sr. A. S. e o Apelante à Câmara Municipal de Vila Franca de Xira, pelo que poderá concretizar-se a redacção do ponto da matéria de facto no sentido pretendido.
Procede nesta parte o recurso passando o ponto 31.º da matéria de facto a ter a seguinte redacção:

Quando demonstrou interesse na aquisição do prédio, o réu A. S., acompanhado pelo Sr. A. S., bem como pelo Sr. A. R. O., dirigiram-se aos serviços competentes da Câmara Municipal de Vila Franca de Xira, a fim de obter informação sobre o andamento do projecto de construção ali existente.”

Quanto ao ponto 32.º da matéria de facto assente, pretendem os Apelantes que tenha a seguinte redacção:

Na conversa havida entre o Sr. A. S. e o Réu A. S. foi referido, de forma peremptória que o preço acordado com o Autor e que este teria de receber pela venda do prédio era de cento e sete mil e quinhentos euros tendo o segundo réu ficado plenamente esclarecido quanto a essa questão.”

Foi dado como provados que:
na conversa havida entre o Sr. A. S. e o Réu A. S. foram referidos os valores de uma eventual transacção”.

Ora, enquanto que o ponto 32.º da matéria provada se refere aos valores de uma eventual transacção entre o sr A. S. e o Réu A. S., a alteração pretendida diz respeito ao negócio entre o sr. S. e o ora Apelante J. M. G.. Ou seja, trata-se de matéria diferente, pelo que não tem cabimento proceder à alteração pretendida.

Pretendem ainda os Apelantes que o Tribunal acrescente aos factos provados, tendo em conta a prova pericial de fls. 200 a 218, os seguintes pontos:

a)De acordo com a avaliação efectuada pelo método do rendimento, o valor do prédio em apreço nestes autos, o valor do prédio era o seguinte:

Ano de 2000 : € 478.150,00
Ano de 2009
Outubro - € 421.000,00
Dezembro - €298.850,00

b)Face à prova testemunhal produzida e à luz das regras da experiência comum, ambos os réus sabiam o preço real do imóvel quando outorgaram o contrato promessa de compra e venda pelo preço de € 35.000,00 (trinta a cinco mil euros).

Quanto á alínea a), e perante o relatório pericial constante dos autos, a fls. 200-2018, cremos que se impõe proceder ao aditamento pretendido, pois que é de todo o interesse para a apreciação da causa, saber qual o valor real do prédio em discussão.

Assim, determina-se o aditamento do seguinte facto à matéria provada que passará a ter o n.º 50, com o seguinte teor:

De acordo com a avaliação efectuada pelo método do rendimento, o valor do prédio em apreço nestes autos, era o seguinte:

Ano de 2000 : € 478.150,00
Ano de 2009
Outubro - € 421.000,00
Dezembro - €298.850,00”

Quanto à alínea b) proposta pelos Apelantes, consideramos não ser de aditar, dado que se trata de um juízo conclusivo e não de um facto.
Juízo conclusivo que de resto foi formulado pelo Tribunal a quo, como consta da motivação, nos seguintes termos:
“Em face de todo o exposto e à luz das regras da experiência comum impõe-se, pois, concluir que ambos os RR. sabiam o preço real do imóvel quando fizeram o contrato promessa, tendo nele declarado um preço inferior àquele valor real e ao preço
efetivamente acordado entre si.”


2-Importa agora apreciar a questão do pedido de anulação da procuração irrevogável outorgada entre os Autores e Novarea – Obras Públicas e Privadas, Lda, junta a fls. 19-21, mencionada no ponto 40.º dos factos provados. Os Autores/Apelantes invocaram que actuaram em erro, sendo o negócio jurídico anulável, nos termos do art.º 247.º do Código Civil.
Vejamos o que a tal respeito decidiu o tribunal recorrido:

“(…) atenta a circunstância de ter sido declarada a extinção da instância relativamente à R. Novarea, e de ter sido em conformidade determinado o prosseguimento da ação apenas quanto ao R. Alberto Santos, está o Tribunal impedido de apreciar o pedido de anulação da procuração irrevogável, uma vez que este pedido respeita tão somente à R. Novarea.
Não ignoramos, todavia, que estes são dois dos pontos que constam do objeto do litígio fixado nos autos, mas a verdade é que não pode o despacho de fixação do objeto do litígio ultrapassar o caso julgado formal produzido por uma sentença de extinção da instância quanto a um dos RR. (art. 620º, nº 1 do CPC), até porque o trânsito em julgado daquela sentença ocorreu antes da data da fixação do objeto do litígio (art. 625º, nº 2 do CPC).”

Cremos que nenhuma censura merece a decisão da primeira instância, a este respeito. Nada nos parece pertinente acrescentar, senão reafirmar aquilo que se nos afigura evidente: o Tribunal está impedido de apreciar um pedido de anulação de um negócio celebrado entre duas partes, sendo certo que um dos intervenientes nesse negócio não é parte no processo.
Ainda assim, sempre diremos que não nos parece que esteja configurada, nos autos, uma situação de erro, nos termos do art.º 247.º do Código Civil. Na verdade, da factualidade apurada, não resulta que tenha ocorrido uma divergência entre a vontade declarada do Apelante e a sua vontade real. Ou seja, o Apelante nunca referiu que não quisesse outorgar a procuração nos termos em que a outorgou. O que sucedeu, é que, alegadamente, o representante legal da Novarea, Lda – Sr. A. S. – terá feito uma utilização abusiva da procuração que tinha em seu poder. Cremos ser esta a qualificação jurídica adequada para, no respectivo âmbito, ser apreciada a pretensão dos Apelantes.
Improcedem, pois, as conclusões de recurso formuladas sobre a matéria relacionada com o pedido de anulação por erro da procuração irrevogável em apreço.

3-Sob a epígrafe “da fraude à lei e do abuso de direito”, concluem os Apelantes:

“A verdadeira natureza do pedido inicial, consiste na destruição dos efeitos jurídicos últimos causados pela conduta dos RR, qual seja a de impedir a transmissão do prédio dos Autores, através de um meio obtido de forma fraudulenta, situação que é consequência directa do raciocínio jurídico da M.ª Juíza do Tribunal a quo (…)”.

Portanto o que os Apelantes pretendem neste processo é “impedir a transmissão do prédio dos Autores, através de um meio obtido de forma fraudulenta (…)”.

Importa analisar se estaremos perante uma situação de fraude à lei e de abuso de direito por parte do Réu A. J. dos S..

Vejamos qual foi o raciocínio da sentença recorrida que os Apelantes põem em causa nas suas conclusões de recurso:

“Importa, então, analisar se devem ser declarados nulos o contrato promessa de compra e venda celebrado entre os AA. e o Réu A. S. e o substabelecimento emitido pela R. Novarea a favor do Réu A. S..
Anotamos apenas que apesar dos AA. se referirem recorrentemente, na petição inicial, à “transferência de propriedade” e à “transmissão do prédio”, fazem-no sempre a propósito dos referidos contrato promessa e substabelecimento, nunca aludindo à celebração de um contrato de compra e venda, pelo que o Tribunal, independentemente das qualificações jurídicas efetuadas pelos AA., atenderá à materialidade dos factos trazidos por estes a juízo para avaliar os pedidos formulados nos autos. Com efeito, jura novit curia (art. 5º, nº 3 do CPC).
Nos termos do art. 410º, nº 1 do CC, contrato-promessa é a convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato.
Na formulação de Antunes Varela (Das Obrigações em Geral, vol. I, 9ª ed., Coimbra, 1996, pág. 317), contrato-promessa é a “convenção pela qual ambas as partes, ou apenas uma delas, se obrigam, dentro de certo prazo ou verificados certos pressupostos, a celebrar determinado contrato”.
Assim, cada uma das partes vincula-se a emitir a declaração negocial tendente à conclusão do contrato, podendo a outra parte exigir tal comportamento, nos casos em que a promessa é bilateral, pelo que o contrato-promessa configura um pactum de contrahendo (Galvão Telles, Direito das Obrigações, 7ª ed., pág. 102).
Por outro lado, compra e venda é o contrato pelo qual se transmite a propriedade de uma coisa, ou de outro direito, mediante um preço (art. 874º do CC).
No plano da validade formal deste contrato, estabelece-se no art. 410º, nº 1 do CC que ao contrato promessa são aplicáveis as disposições relativas ao contrato prometido, isto é, quanto ao regime do contrato-promessa (requisitos e efeitos) vigora o princípio da equiparação. Exceptuam-se, contudo, as normas relativas à forma, pelo que relativamente a este aspecto a regra é a da liberdade, conforme preceituado no art. 219º do CC. Mas quando se trate de promessa referente à celebração de contrato para o qual a lei exija documento, quer autêntico, quer particular, só vale se constar de documento assinado pela parte que se vincula ou por ambas, consoante o contrato-promessa seja unilateral ou bilateral (art. 410º, nº 2 do CC). A inobservância das exigências previstas nos nºs 2 e 3 do art. 410º do CC determina a nulidade do contrato (art. 220º do CC), porquanto se trata de formalidades ad substantiam.
Na presente situação o objeto do contrato prometido é um prédio misto, que constitui um bem imóvel (arts. 202º, nº 1, 203º e 204º, nºs 1, al. a) e 2 do CC), pelo que deve tal contrato ser celebrado por escritura pública (art. 875º do CC). Conclui-se, deste modo, que o respetivo contrato-promessa deve ser celebrado por escrito.
Ora, da matéria de facto provada resulta que efetivamente as partes reduziram a escrito o contrato-promessa que celebraram, e assinaram o mesmo, pelo que o contrato promessa é formalmente válido.”

E continua a sentença recorrida:

“Por outro lado, quem interveio no negócio foi o Sr. A. S., na qualidade de gerente da R. Novarea, usando a procuração irrevogável emitida a favor desta pelos AA..
Nos termos do art. 262º, nº 1 do CC, “diz-se procuração o acto pelo qual alguém atribui a outrem, voluntariamente, poderes representativos”.
Assim, o negócio celebrado pelo representante, em nome do representado, produz os seus efeitos na esfera jurídica deste (art. 258º do CC), pelo que, no caso em apreço, os efeitos do contrato promessa celebrado pela R. Novarea produzem-se na esfera jurídica dos AA..
Não obstante, à exceção dos elementos em que tenha sido decisiva a vontade do representado, é na pessoa do representante que deve verificar-se, para efeitos de nulidade ou anulabilidade da declaração, a falta ou vício da vontade, bem como o conhecimento ou ignorância dos factos que podem influir nos efeitos do negócio (art. 259º, nº 1 do CC).
Relativamente ao substabelecimento, configura este a substituição do procurador, não envolvendo, todavia, a exclusão do procurador primitivo, salvo declaração em contrário (art. 264º, nºs 1 e 2 do CC), que no caso em apreço não foi feita, como decorre da matéria de facto provada.

Sustentam então os AA. que o contrato promessa de compra e venda e o substabelecimento devem ser declarados nulos, como consequência da anulação da procuração irrevogável.
Porém, como foi já acima assinalado, está vedado ao Tribunal apreciar a questão da anulação da procuração irrevogável, pelo que sendo esta a única causa de pedir do presente pedido, deve a decisão do mesmo julgar-se prejudicada.
Mas ainda que assim não fosse, a eventual anulação da procuração irrevogável não teria como consequência a nulidade do contrato promessa.
Com efeito, a anulação da procuração irrevogável implicaria que a R. Novarea tivesse agido sem poderes, tornando o contrato promessa ineficaz relativamente aos AA. (art. 268º, nº 1 do CC).”

Efectivamente, da leitura da argumentação da sentença recorrida, resulta como formalmente correcto o enquadramento jurídico relativamente ao contrato-promessa, ao contrato de compra e venda de imóveis ou ao funcionamento da outorga de procurações.
Contudo, importa sublinhar que as figuras e institutos jurídicos existentes no ordenamento jurídico destinam-se a regular as situações concretas e a resolver os litígios surgidos no desenvolvimento das relações económicas e jurídicas das pessoas.
O direito positivo define-se como “um sistema de normas jurídicas que, em determinado momento histórico, enforma e regula efectivamente a vida de um povo”. GIORGIO DEL VECCHIO, Lições de Filosofia do Direito, Colecção Studium, 5.ª edição, p.404.
Por conseguinte, na análise e aplicação dessas normas, impõe-se avaliar as consequências que dessa mesma aplicação resultará para a esfera jurídica dos intervenientes, de molde a testar se da mesma resultou a regulação do litígio com a consequente pacificação social, ou se esse objectivo se frustrou, perdido no vazio da mera enunciação de princípios abstractos.
Focando-nos, assim, no caso concreto, temos como assente que os Autores, ora Apelantes, na sequência de problemas de ordem financeira, decidiram colocar à venda o prédio misto de que tratam os autos Vide pontos 1 e 2 dos factos provados.. Os Autores queriam efectivamente vender o imóvel de forma a fazer face a tais problemas financeiros, com o valor obtido através dessa venda. E o preço acordado para essa venda, com o sr. António Silva – representante legal da Novarea, Lda era de 107.500.000$00, ou seja, €536 208,00. E nesses termos celebraram contrato promessa de compra e venda Vide ponto37.º dos factos provados..
Foi nessa sequência, com vista a facilitar a atribuição de crédito à Novarea, lda, para proceder ao pagamento do preço, que foi outorgada a procuração irrevogável. Posteriormente, como espelhado na factualidade apurada, foram celebrados os negócios jurídicos, com o Réu A. J. M. dos S. que culminaram no registo da aquisição a favor deste, conforme ponto 23.º da matéria de facto.
Perante a factualidade descrita, a situação é a seguinte: Os Autores celebraram um contrato promessa de compra e venda relativamente a um imóvel de que são proprietários, que nunca foi cumprido, nem poderá vir a ser face à declaração de insolvência, relativamente á promitente compradora. Contudo, o imóvel não saiu da esfera jurídica dos Autores, dado que não foi realizado o negócio prometido, ou seja, a compra e venda. Entretanto, com base na procuração irrevogável referida, a Novarea celebrou um contrato promessa de compra e venda do mesmo imóvel, com o Réu A. S..
Nos termos do art.º258.º do Código Civil “ o negócio jurídico realizado pelo representante em nome do representado, nos limites dos poderes que lhe competem, produz os seus efeitos na esfera jurídica deste último.”
Ou seja, os Autores estão vinculados pelo contrato promessa de compra e venda, a favor do Réu A. dos S.. Porém, por força do substabelecimento no Réu A. S., dos poderes que lhe foram conferidos através da procuração assinada pelos Autores, o Réu pode livremente dispor do prédio em causa, designadamente vendendo-o a terceiro de boa-fé. Mas antes disso, em 27-05-2009, Vide ponto 47.º da matéria de facto. o Réu utilizou o referido substabelecimento para outorgar negócio consigo próprio que consistiu num aditamento ao contrato promessa de compra e venda, aludido no ponto 25.º da matéria de facto, e que introduz a possibilidade de a escritura de compra e venda ser outorgada até 31 de Dezembro de 2020, ou seja, cerca de 11 anos depois de formulada a “adenda”.

Ou seja, na verdade, tal como concluem os Apelantes, desta forma, o Réu consegue que os Autores nada possam fazer para exigir o cumprimento do contrato promessa, beneficiando de uma margem de tempo muito grande que lhe permita conseguir um comprador de boa-fé, impedindo a impugnação do negócio que com o Réu venha a realizar.
Perante todo este circunstancialismo resulta, na verdade, que a referida procuração e substabelecimento possibilitando a realização de negócio consigo mesmo, permitem que o Réu cause grave prejuízo aos Autores, na medida em lhes pode impor unilateralmente condições contratuais a que os Autores ficam vinculados, sem possibilidade de negociação.
Nos termos do disposto no art.º 334.º do Código Civil: “ é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa - fé, pelos bons costumes ou pelo fim social e económico desse direito.”

Ora, no caso concreto, permitir que o Réu use o substabelecimento que tem em seu poder, de modo a frustrar dessa forma os interesses dos Autores, seria impor-lhes uma lesão de tal modo intolerável que afectaria gravemente os limites impostos pelos princípios da boa-fé.

Assim, teremos de considerar abusivo e, portanto, ilegítimo, nos termos do disposto no art.º 334.º do Código Civil, o exercício do direito do Réu de utilizar o substabelecimento em causa.
Em conformidade, terá de ser considerado ineficaz em relação aos Autores o “aditamento ao contrato promessa de compra e venda” a qua alude o ponto 47.º dos factos provados.
Por consequência terá de ser igualmente anulada a inscrição do prédio no registo em nome do Réu, com base no referido substabelecimento, tal como consta dos pontos 23.º e 24.º dos factos provados.
Em suma, procedem parcialmente as conclusões dos Apelantes, considerando-se ilegítimo o uso do substabelecimento por parte do Réu.

IV-DECISÃO

Em face do exposto, acordamos neste Tribunal da Relação de Lisboa em julgar procedente o recurso e, por consequência, revogando a decisão recorrida, julgar procedente o pedido de cancelamento do registo da aquisição do identificado imóvel a favor do Réu A. J. M. dos S..

Custas pelos Apelados.

Lisboa, 08 de Março de 2018

Maria de Deus Correia

Nuno Sampaio

Maria Teresa Pardal