Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
960-A/1996-2
Relator: EZAGÜY MARTINS
Descritores: EXECUÇÃO PARA PRESTAÇÃO DE FACTO
SENTENÇA
INTERPRETAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/15/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: I - A interpretação das sentenças, enquanto actos jurídicos que são, deverá obedecer, por força do disposto no artigo 295º do Código Civil, aos critérios estabelecidos para a interpretação dos negócios jurídicos.
II - Embora o objecto da interpretação seja a própria sentença, a verdade é que nessa tarefa interpretativa há que ter em conta outras “circunstâncias”, mesmo posteriores, que funcionam como “meios auxiliares de interpretação”, na medida em que daí se possa retirar “uma conclusão sobre o sentido” que se lhe quis emprestar.
III – As varandas caracterizam-se como construções “salientes da parede”, ou “frequentemente constituindo prolongamento da edificação de que faz parte”. IV - Nenhum sentido faria subtrair à imposta impermeabilização “dos pavimentos dos terraços do primeiro e segundo andares, com remoção do pavimento existente, isolamento de toda a zona de terraços e posterior aplicação do pavimento idêntico ao existente; Impermeabilização geral dos revestimentos das paredes exteriores”, uma “varanda” ao nível do 1º andar, que clara e comprovadamente mais não é do que a continuação da superfície reconhecida pelos Executados como terraço do 1º andar, conformado, no assim questionado segmento, por estreitamento, tipo “corredor”.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Acordam na 2ª Secção (cível) deste Tribunal da Relação

I – B.... requereu execução, de sentença, para prestação de facto, com processo comum, contra C.... e D....
Alega que os executados não iniciaram as obras de reparação a que foram condenados, a realizar na habitação do Exequente, o qual reputa como suficiente para a execução da obra o prazo de 60 dias.
Citados os Executados, que não deduziram oposição, e nomeado perito, informou este da suficiência do referido prazo para a execução dos trabalhos discriminados pelo Exequente.
Tendo Exequente e Executados, no entretanto, acordado o início das obras, que efectivamente teve lugar.
Mas suscitando os Executados, depois disso, a questão da excedência das obras pretendidas pelo Exequente – na parte relativa à impermeabilização de “varandas circundantes” – que não estarão contempladas na sentença exequenda.
E contrapondo o Exequente estar apenas em causa saber se a “portada 2” é ou não parte integrante do terraço, para efeitos de execução da sentença, sendo que os Executados, quanto às demais obras, que não suscitam quaisquer dúvidas, não prosseguiram com elas.
Foi proferido despacho, a folhas 110, interpretando a sentença dada à execução como abrangendo, em matéria de supressão de infiltrações, todas as obras necessárias para o efeito, designadamente “no local a que os executados chamam de varanda”.
E fixando o prazo de 30 dias para os executados concluírem “as obras ordenadas na sentença, sob pena do disposto no art.º 935º do Código de Processo Civil.”.

Inconformados, recorreram os Executados, formulando, nas suas alegações, as seguintes conclusões:
“1ª – A alínea A. do n° 1 da douta sentença proferida no âmbito do processo que com o n° ... correu seus termos pelo ... Juízo Cível do Seixal, condenou os executados, ora recorrentes à "impermeabilização dos pavimentos dos terraços, com remoção do pavimento existente, isolamento de toda a zona de terraços e posterior aplicação de pavimento idêntico ao existente ".
28 – Consta do relatório da sentença que o exequente ora agravado pede entre outras coisas, o seguinte: "Impermeabilização dos pavimentos dos terraços do primeiro e segundo andares, com remoção do pavimento existente, isolamento de toda a zona de terraços e posterior aplicação de pavimento idêntico ao existente".
3° – Verifica-se assim que a condenação é exactamente igual ao pedido formulado pelo exequente, ora, agravado;
4ª – Iniciadas as obras de reparação no âmbito da execução para prestação de facto, as mesmas foram mandadas parar pelo exequente que exigiu que fosse substituído todo o pavimento da varanda, circundante, que fica virada para a Rua ..., retirado o rodapé, picada a parede até altura definida pelo exequente, feito o isolamento, reboco e pintura.
5ª – Comunicado o facto ao Tribunal foi aberta conclusão e a fls 72 é proferido despacho, que, em nosso entender, interpreta de forma errada a sentença condenatória, designadamente quando diz: - "em particular quanto à reparação do terraço sobre a portada 2".
6ª – A sentença condenatória jamais fala em terraço sobre a portada 2, mas apenas em terraços do primeiro e segundo andares.
7ª – E, se o despacho de fls 72 faz uma errada interpretação da alínea A, do n° 1 da sentença condenatória, o auto de diligência feito pelo Sr. Solicitador de Execução, designado como perito no despacho recorrido, é feito à medida das necessidades do exequente, ora recorrido.
8ª – Comungando da interpretação expressa pelo M° Juiz "a quo" no despacho de fls 72, o Sr. Solicitador de Execução, elevado à categoria de perito nesse despacho, ora recorrido, até acrescenta ao conceito de terraço definido no Dicionário Porto Editora 7ª Edição, pág. 1740, o facto de ser "um local onde cai directamente a água das chuvas e a proveniente do telhado".
9ª - Ora, como é evidente, o "terraço sobre a portada 2" referida no despacho de fls 72 e no auto de diligências como "local onde cai directamente a água das chuvas e a proveniente do telhado, é a varanda circundante que fica virada para a Rua .....
10ª – E, essa varanda, agora habilidosamente designada por terraço sobre a portada 2, não consta da sentença condenatória.
11ª — Assim o despacho objecto de recurso viola de forma flagrante o decidido na douta sentença, ordenando a execução de obras que os executados, ora recorrentes, não foram condenados a fazer e vão para além do pedido.”.
Requerem a revogação do despacho recorrido “que amplia o pedido de execução para prestação de facto contido no art° 1° do requerimento executivo e onde ao conceito de terraço se pretende aditar os requisitos de cair directamente águas pluviais e as que provêm do telhado, repondo-se a alínea A do ponto 1 da parte decisória, que condena à impermeabilização dos terraços do primeiro e segundo andares”.
Não houve contra-alegações.

II – Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
Face às conclusões de recurso, que como é sabido, e no seu reporte à fundamentação da decisão recorrida, definem o objecto daquele – vd. art.ºs 684º, n.º 3, 690º, n.º 3, 660º, n.º 2 e 713º, n.º 2, do Cód. Proc. Civil – é questão proposta à resolução deste Tribunal a de saber se na condenação proferida na sentença dada à execução está contemplada a impermeabilização daquilo que os Recorrentes designam de “varanda, circundante, que fica virada para a Rua ....”.
*
Com interesse emerge da acção declarativa respectiva:
1 - Na referida acção o ali A., ora exequente, peticionou a condenação dos ali RR., ora executados, no custeamento das seguintes obras na moradia adquirida à 1ª Ré:
“34°
a) Revisão geral do telhado, de forma a suprimir as infiltrações pluviais, obra orçada em 100.000$00
35°
b) Impermeabilização dos pavimentos dos terraços do primeiro e segundo andares, com remoção do pavimento existente, isolamento de toda a zona dos terraços e posterior aplicação do pavimento idêntico ao existente, obra orçada em 400.000$00;
36°
c) Impermeabilização geral dos revestimentos das paredes exteriores, incluindo a calafetagem das fissuras existentes e pintura, obra orçada em 250.000$00
37°
d) Abertura da vala para isolamento das paredes exteriores da garagem. Impermeabilização das paredes interiores e posterior pintura, obra orçada em 250.000$00
38°
e) Revisão da rede de esgotos das instalações sanitárias localizadas na garagem, com substituição do actual pavimento, obra orçada em 200.000$00
39º
f) Revisão do esgoto das aguas fluviais, junto à porta da entrada da garagem, obra orçada em 20.000$00
40°
g) Reparação do pavimento envolvente da habitação que, por ter abatido deverá ser arrancado, proceder-se à compactação do terreno recolocação do novo pavimento idêntico ao existente, obra orçada em 250.000$00;
41°
h) Reparação do tecto da sala e de um quarto no primeiro andar, isolamento e pintura das paredes do sótão que apresentam repasses em diversas zonas, com posterior pintura, obra orçada em 200.000$00.”.

Sendo proferida sentença condenando os RR:
“I) (…) a procederem às seguintes reparações no prédio urbano, composto de cave, r/c e 1° andar, sito na Urbanização ...., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.° ... da freguesia da Amora, pela apresentação n.° ... de ... de Julho de 1994:
A) Impermeabilização dos pavimentos dos terraços do primeiro e segundo andares, com remoção do pavimento existente, isolamento de toda a zona de terraços e posterior aplicação do pavimento idêntico ao existente;
B) Impermeabilização geral dos revestimentos das paredes exteriores, incluindo a calafetagem das fissuras existentes na pintura;
C) Revisão da rede de esgotos das instalações sanitárias localizadas na garagem com substituição do actual pavimento;
D) Revisão do esgoto das águas fluviais, junto à porta da entrada da garagem;
E) Reparação do pavimento envolvente da habitação que, por ter abatido, deverá ser arrancado;
F) À compactação do terreno e à colocação de novo pavimento idêntico ao existente;
G) Reparação do tecto da sala e de um quarto no primeiro andar, isolamento e pintura das paredes do sótão que apresentam repasses em diversas zonas, com posterior pintura.”.
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Vejamos:
1. Como é jurisprudência pacífica,[1] a interpretação das sentenças, enquanto actos jurídicos que são, deverá obedecer, por força do disposto no artigo 295º do Código Civil, aos critérios estabelecidos para a interpretação dos negócios jurídicos.
Importando assim, nessa tarefa, atender ao sentido com que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do seu contexto, cfr. art.º 236º, n.º 1, do Código Civil.
Deste modo, a correcta análise da parte decisória de uma sentença apela à ponderação dos seus antecedentes lógicos, que a tornam possível e a pressupõem, dada a sua íntima interdependência.
Que, o mesmo é dizer, a interpretação da sentença exige que se tome em consideração não só a parte dispositiva, como também a fundamentação, uma e outra factores básicos da estrutura daquela.
Sendo ainda que, como ensina Vaz Serra,[2] embora o objecto da interpretação seja a própria sentença, a verdade é que nessa tarefa interpretativa há que ter em conta outras “circunstâncias”, mesmo posteriores, que funcionam como “meios auxiliares de interpretação”, na medida em que daí se possa retirar “uma conclusão sobre o sentido” que se lhe quis emprestar.
Isto visto:
2. Como da petição inicial se colhe, o A., ora recorrido, traçou uma situação de generalizada falta ou deficiência de impermeabilização da moradia adquirida à 1ª Ré.
Recorde-se ter aquele peticionado, na acção declarativa, e designadamente, a condenação dos RR. na revisão geral do telhado, impermeabilização dos pavimentos dos terraços do primeiro e segundo andares, com remoção do pavimento existente, isolamento de toda a zona dos terraços, impermeabilização geral dos revestimentos das paredes exteriores, incluindo a calafetagem das fissuras existentes e pintura, abertura da vala para isolamento das paredes exteriores da garagem. Impermeabilização das paredes interiores e posterior pintura.
Sendo a proferida condenação – para além do mais e no que agora interessa – na “Impermeabilização dos pavimentos dos terraços do primeiro e segundo andares, com remoção do pavimento existente, isolamento de toda a zona de terraços e posterior aplicação do pavimento idêntico ao existente; Impermeabilização geral dos revestimentos das paredes exteriores, incluindo a calafetagem das fissuras existentes na pintura”.
Por outro lado, como significados de “terraço”, dá-nos o “Dicionário Houaiss – da Língua Portuguesa”,[3] a “cobertura plana de um edifício”, a “varanda”, o “balcão amplo e descoberto” e a “obra de alvenaria em forma de galeria descoberta.”.
E, de “varanda”, a “galeria ou compartimento aberto geralmente protegido por uma cobertura e frequentemente constituindo prolongamento da edificação de que faz parte”, “alpendre”, “terraço”.[4]

Assim se vendo como os conceitos, ao menos nesse plano da linguagem corrente, não técnica, são confundíveis ou, melhor, sobreponíveis.
O art.º 75º do R.G.E.U. – Decreto-Lei n.º 38382, de 7 de Agosto de 1951 – dá-nos uma possível abordagem ao conceito de varandas, ao dispor que: “Sempre que nas fachadas sobre logradouros ou pátios haja varandas, alpendres ou quaisquer outras construções, salientes das paredes susceptíveis de prejudicar as condições de iluminação ou ventilação, as distâncias ou dimensões mínimas fixadas no artigo 73.º serão contadas a partir dos limites extremos dessas construções.”.
E tal normativo converge, no que respeita à caracterização da varanda como construção “saliente da parede”, com a que é feita no referido Dicionário, como “frequentemente constituindo prolongamento da edificação de que faz parte”.
Embora, neste último, se não defina como regra, mas apenas como habitual, a projecção da varanda para além das paredes do prédio.
Assim, o carácter geral claramente presente na determinada impermeabilização do exterior da moradia, e a sobreponibilidade dos conceitos de varanda e terraço, logo apontam para que a impermeabilização daquilo que os Executados designam por “varanda circundante da moradia” esteja contemplada na sentença dada à execução, quando esta se refere à “Impermeabilização dos pavimentos dos terraços do primeiro e segundo andares.” e ao “isolamento de toda a zona de terraços.”.
Mas, para além disso, e agrade ou não aos Executados, ponto é que na informação do Sr. agente de execução, a folhas 79, se informa em termos consonantes com aquilo que resulta das reproduções fotográficas juntas pelo Exequente a folhas 65 e 66, e que os Executados não impugnaram de forma válida, oportunamente.
Tratando-se, assim, a dita “varanda”, do prolongamento, em estreitamento, pela parte da frente da moradia, do terraço existente ao nível do 1º andar, na parte lateral da moradia.
Sendo os próprios Executados a referir, nas suas alegações, a existência de dois terraços, “um ao nível do 1º andar e outro ao nível do 2º andar”.
Não fazendo sentido, para os efeitos em causa, distinguir de um terraço no 1º andar, uma “varanda” nesse mesmo andar que, como das sobreditas fotografias também se alcança, prolonga – posto que sem solução de continuidade e igualmente a descoberto – o “concedido” terraço do 1º andar.
Igualmente não resultando, daquelas fotografias, que a tal “varanda”, prolongue a construção, ou se projecte para além das paredes do prédio, em profundidade acrescida relativamente ao limite exterior do “terraço”…
Reiterando, dir-se-á que nenhum sentido faria subtrair à imposta impermeabilização “dos pavimentos dos terraços do primeiro e segundo andares, com remoção do pavimento existente, isolamento de toda a zona de terraços e posterior aplicação do pavimento idêntico ao existente; Impermeabilização geral dos revestimentos das paredes exteriores”, uma “varanda” ao nível do 1º andar, que clara e comprovadamente mais não é do que a continuação da superfície reconhecida pelos Executados como terraço do 1º andar, conformado, no assim questionado segmento, por estreitamento, tipo “corredor”.
Improcedem pois as conclusões dos Recorrentes.
III – Nestes termos, acordam em negar provimento ao agravo, confirmando o despacho recorrido.
Custas pelos recorrentes, que decaíram totalmente.
Lisboa, 2009-10-15
(Ezagüy Martins)
(Maria José Mouro)
(Neto Neves)

[1] Assim, nos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 28/1/1997, in CJSTJ, ano V, tomo I, página 83, e de 05-12-2002, proc. 02B3349, in www.dgsi.pt/jstj.nsf.           
[2] (cfr. Vaz Serra, Ver. de Leg. e de Jurisp., Ano 110º, pág. 42).
[3] Tomo XVII, temas e debates, 2005, pág. 7735.
[4] Tomo XVIII, temas e debates, 2005, pág. 8085.