Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
418/11.3TBALQ.L1-7
Relator: DINA MONTEIRO
Descritores: PERDA DO DIREITO AO USO DA DENOMINAÇÃO
PRINCÍPIO DA NOVIDADE
PRINCÍPIO DA EXCLUSIVIDADE
PRAZO DE CADUCIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/18/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I- As firmas e denominações devem ser distintivas e não susceptíveis de confusão ou erro com as registadas ou licenciadas no mesmo âmbito de exclusividade, mesmo quando a lei permita a inclusão de elementos utilizados por outras já registadas, ou com designações de instituições notoriamente conhecidas.
II-A firma da sociedade constituída por denominação particular ou por denominação e nome ou firma de sócio não pode ser idêntica à firma registada de outra sociedade, ou por tal foram semelhante que possa induzir em erro.
III-A preocupação do legislador centrou-se, pois, na não verificação de semelhanças relevantes entre os sinais distintivos das firmas, denominações ou marcas em confronto para que o consumidor médio, num exame imediato, não seja induzido em erro quanto à respectiva titularidade.
IV- Essa aferição, porém, deve ter em consideração o conteúdo global dos vários sinais distintivos, acima referidos, sendo irrelevante a existência de elementos comuns entre eles, sempre que a individualização entre os elementos a comparar continue a ser possível.
V-Tendo a Apelante sede no Continente e a Apelada sede na Ilha da Madeira, a confusão que se pudesse gerar entre os consumidores em relação a cada uma destas sociedades, no sentido de as considerarem apenas uma sociedade, sempre se afiguraria de difícil compreensão. E, ainda que essa confusão se gerasse, a verdade é que a prejudicada sempre seria a sociedade Apelada, circunscrita que se encontra geograficamente a uma menor acessibilidade do público em geral.
VI- Atentas as relações comerciais mantidas entre ambas as sociedades, sempre a ora Apelante teve conhecimento do facto cuja perda agora pretende, pelo que o exercício desse direito neste momento sempre se afigura como um verdadeiro abuso a que o Direito não pode dar guarida, sob pena de procedermos à inversão dos valores que subjazem à sua aplicação, conforme decorre do disposto no artigo 334.º do Código Civil.
VI-A arguição da violação do princípio da novidade está também, enquanto bem patrimonial protegido pelo Direito, sujeita a observância do prazo de caducidade que, neste particular, é de um ano, por recurso ao prazo geral e atenta a ausência de disposição do RNPC ou do Código das Sociedades Comerciais que concretamente preveja um qualquer outro prazo, conforme decorre do disposto no artigo 287.º do Código Civil [prazo que é de caducidade e não de nulidade, uma vez este vício não se encontra enumerado no artigo 44.º do Código das Sociedades Comerciais].
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I. RELATÓRIO

A sociedade M. - … para Automóveis e Camiões, SA, interpôs recurso de impugnação judicial da decisão proferida pelo Sr. Presidente do Instituto de Registos e Notariado, IP, que indeferiu o pedido de declaração de perda do direito ao uso da denominação da sociedade MM. - … …, Lda.

Para o efeito, fundamentou o seu pedido nos seguintes factos:

- É uma sociedade constituída por escritura lavrada no 1.º Cartório Notarial de L… no dia 21.08.19…e registada desde o dia 25.09.19…;
- É titular do logotipo n.º ... "MP M." desde 17.02.19…;
- É titular de três marcas caracterizadas pela expressão "M.", registadas desde o ano de 2003;
- É titular do nome de estabelecimento "M.";
- A actividade da recorrente é a comercialização e importação de peças para automóveis e camiões em todo o território nacional;
- Posteriormente à sua constituição, foi constituída uma sociedade sob a firma "MM. - …, Lda", com sede no F…, registada desde 1987, que tem por objecto a comercialização de peças e acessórios para veículos motorizados;
- Tratam-se de duas sociedades praticamente idênticas, já que a palavra "Madeira" não tem qualquer eficácia distintiva, apenas referenciando uma parte da área onde é exercido o seu comércio;
- A recorrente também desenvolve o seu comércio na Madeira;
- Os consumidores julgam que se trata da mesma sociedade.

Concluiu, assim que, por ter sido violado o artigo 33.º do Decreto-Lei n.º 129/98, de 13 de Maio (princípio da novidade ou do exclusivismo), deve ser declarada a perda do direito ao direito ao uso da firma "MM. - Comércio de … Lda", na sequência do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que indeferiu o pedido de condenação da ora recorrente por alegada concorrência desleal com aquela sociedade "MM. - … .., Lda".

A Sra. Conservadora indeferiu este pedido tendo sido interposto recurso desse despacho. Após ter sido ouvida a sociedade "MM. - …, Lda", foi elaborada uma informação pelo Sr. Conservador Auxiliar que concluiu pelo indeferimento da pretensão da recorrente.

Sobre este parecer recaiu decisão do Sr. Presidente do Instituto de Registos e Notariado, IP, nos seguintes termos: "Concordo", de acordo com os fundamentos constantes naquele parecer.

O ora Apelante/recorrente alegou ainda que é falso que tenha dado autorização para o uso da denominação cuja perda solicitou, razão pela qual conclui que é falso o referido nos pontos 19 e 20 da referida informação/parecer. Sendo "Madeira" uma expressão genérica e sem eficácia distintiva, é "M." que efectivamente fica na ideia do público (fls. 2 a 19).

A única interessada no presente recurso, a sociedade "MM. - …, Lda", notificada do recurso hierárquico interposto pela ora recorrente, pronunciou-se no sentido que fosse proferido despacho de sustentação da decisão proferida pela Sra. Conservadora (fls. 51 a 52).

Anteriormente, já tinha pugnado pelo indeferimento do pedido inicialmente apresentado pela ora recorrente.

Tendo vista nos autos, o Ministério Público emitiu parecer no sentido de improcedência do presente recurso.

Após, o senhor Juiz de 1.ª Instância proferiu decisão que julgou improcedente o recurso de impugnação judicial apresentado pela Requerente, mantendo a decisão proferida pelo senhor Presidente do Instituto de Registos e Notariado, IP.

Inconformada com o assim decidido, a Requente interpôs recurso de Apelação, no âmbito do qual formulou as seguintes conclusões:

1. O juiz "a quo" interpretou erradamente a lei aplicável - artigo 33° do RRNPC (Decreto-Lei n° 129/98, de 13 de Maio e suas alterações posteriores) bem como o artigo 10º n° 3 do Código das Sociedades Comerciais - e até de alguma forma considerou um facto - a possibilidade de confusão - com base no seu critério pessoal sem apurar sequer se era ou não verdadeiro, o que vai ao arrepio da doutrina e jurisprudência pacíficas e até daquilo que resulta de acórdãos já transitados e mesmo do parecer do Professor Doutor NOGUEIRA SERENS junto ao processo.

2. Os critérios de aplicação destas disposições legais há muito que estão firmados sendo de destacar o seguinte: a) Em primeiro lugar, por todos, já que se repetem quase em todos os Acórdãos cita-se o Ac. da Relação de Lisboa de 23-10-2001 (in www.dgsi.pt) muito bem fundamentado que entre outros aspectos conclui "O melhor critério para averiguar da susceptibilidade de confusão ou erro é o de fazer a comparação entre a firma e denominação a constituir e a memória que se possa ter da firma e denominação já constituída" b) Outro aspecto a ter em conta é o facto de estarmos perante a mesma actividade: cita-se por todos o Acórdão da Relação de Lisboa de 28-10-2004 (in www.dgsi.pt): "No juízo de sobre a confundibilidade entre firmas e denominações sociais em cotejo dever-se-á ter em conta não só as actividades concretamente exercidas pela ré, mas também as actividades permitidas e contidas no seu amplo objecto social, definido no contrato de sociedade". c) Em resumo, citando um recente Acórdão do mesmo Tribunal da Relação de Lisboa de 13-07-2010 (in www.dgsi.pt): "Para a lei, na formulação do juízo sobre a não susceptibilidade de confusão entre denominações sociais, deve-se tomar em conta a afinidade ou proximidade das actividades — artigo 33° nos 1, 2 e 5 do DL n° 129/98, de 13 de Maio." d) Finalmente, saliente-se um último aspecto que deve ser considerado de forma diversa do que foi utilizado pelo despacho recorrido: é que o consumidor a ter em conta é o homem médio mas não o "dotado da normal diligência que põe nos seus actos" mas antes “É o consumidor médio, não atento, e não o atento e esclarecido, que a lei visa proteger com a imposição de novidade de firmas e marcas." (Acórdão da Relação de Lisboa de 01-10-1996 in www.dgsi.pt) ou para citar um Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça muito bem fundamentado e até algo paradigmático de 22-01-1997 (in Colectânea de Jurisprudência, Ac. do STJ, I-p. 67 e 68) "O princípio da novidade ou da exclusividade das firmas tem como causa final a não confundibilidade pelo consumidor comum." e mais adiante "isto vale por dizer que, quando se analisa um problema como o vertente, não é tanto a perspectiva do técnico tranquilo no seu gabinete que conta mas, sim, a do consumidor comum no corre-corre dos nossos tempos.."

3. O juiz "a quo", ao aplicar estes critérios, apesar de considerar que " o que resulta da firma recorrente é tão-somente o vocábulo "M." e da sociedade em confronto é o vocábulo "MM.", acabou por considerar que os mesmos não se confundiam, nem eram susceptíveis de confusão pelo público, o que configura uma errada interpretação daqueles normativos.

4. Bem ao contrário do que decidiu o juiz "a quo" a possibilidade de confusão é a nosso ver totalmente evidente, pois caso contrário então teríamos que admitir que era possível coexistir no mercado sociedades com firmas iguais mas onde bastaria acrescentar a localidade para afastar a aplicação do princípio da novidade ou do exclusivismo: poderia então existir a M. P., a M. A., a M. A., e por aí fora... E o mesmo que admitir a EDP P., A EDP M., a EDP A., a EDP A. ou a S. P., A S. A., a S. M., etc como entidades autónomas, de sócios diferentes etc.! Não pode ser!

5. Mais: a susceptibilidade de confusão que é o critério da lei, está neste caso mais do que configurado porque a confusão não é meramente susceptível antes verifica-se como foi dado como provado no acórdão do S.T.J. de 26/11/2009, já transitado, que se junta, e onde ficou provado que a aqui requerida é identificada e associada pelos consumidores apenas pela expressão M. (14. Factos provados) tal como a ora requerente e aí R. (21 e 22 factos provados) (doc. n.º 1).

6. Por fim diga-se que, se o juiz "a quo" tinha dúvidas sobre a confundibilidade, então deveria ter apurado na 1.ª instância, tal matéria: fácil seria apurar essa confundibilidade que qualquer uma das partes envolvidas não contesta: antes reconhece expressamente essa confundibilidade! Não o tendo feito o juiz "a quo" pôs-se a adivinhar se havia e em que condições haveria confundibilidade, o que não pode ser admissível em matéria de facto como essa.

7. Em conclusão, a sentença recorrida não aplicou correctamente os artigos 33° e 60º do RRNPC e 10°, n° 3 do C.S.C.

Conclui, assim, pela revogação da sentença proferida e pela sua substituição por outra que declare a perda da firma da sociedade MM. — Comércio de Peças e Acessórios, Lda, por violação do artigo 33° do RRNPC (Decreto-Lei n° 129/98, de 13 de Maio e suas alterações posteriores).

Não foram apresentadas contra-alegações de recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre proferir decisão.

II. FACTOS PROVADOS

1. Por apresentação efectuada no dia 25.09.19…, foi inscrita na Conservatória do Registo Comercial de…, a constituição da sociedade "M. - …, SA", com sede no C….

2. Por apresentação efectuada no dia 02.12.19…, foi inscrita na Conservatória do Registo Comercial do F…, a constituição da sociedade "MM. …, Lda", com sede no F….

3. As sociedades identificadas em 1) e em 2) tiveram um sócio comum, O., entre 02.12.1987 e 05.12.1990, data em que o referido sócio cedeu a sua quota à sociedade identificada em 2).

4. Por apresentação efectuada no dia 05.12.19…, foi inscrita na matrícula atinente à sociedade identificada em 2), autorização de O. para que o seu nome continuasse a figurar na firma social.

5. A recorrente é titular do logótipo n.º 1… "MP M." desde 19…, das marcas nacionais n.º 3… "MP M." e 3…. "M." desde 06.05.20… e 26.09.20…, respectivamente.

6. A actividade da recorrente é a comercialização e importação de peças para automóveis e camiões em todo o território nacional;

7. A actividade da sociedade identificada em 2) é comercialização de peças e acessórios para veículos motorizados, comercialização de veículos com motor e reparações de veículos motorizados.

III. FUNDAMENTAÇÃO

A questão submetida à apreciação deste Tribunal de recurso é a de se saber se deve ser declarada a perda do direito ao uso da denominação da Apelada, MM. - …, Lda, por violação do princípio da novidade ou do exclusivismo, conforme é defendido pela Apelante, M. - … de …, SA.

Sendo inquestionável que as conclusões do recurso delimitam o âmbito de conhecimento das questões por parte deste Tribunal, salvo quanto àquelas que são de conhecimento oficioso ou daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, cumpre analisar a questão colocada que, como podemos constatar, foi já objecto de duas decisões, uma delas proferida pelo Senhor Presidente do Instituto de Registos e Notariado, IP e uma outra pelo Senhor Juiz de 1.ª Instância, tendo ambas concluído pelo indeferimento da pretensão da ora Apelante.

A questão cinge-se, assim, a saber se estas duas sociedades são, entre si, confundíveis pelos consumidores a que se destinam ocorrendo, como o defende a Apelante, uma clara violação do princípio da novidade inscrito no artigo 33.º do Decreto-Lei n.º 129/98, de 13 de Maio e artigo 10., n.º 3, do Código das Sociedades Comerciais, que se passam a transcrever para uma melhor compreensão.

Dispõe o citado artigo 33º, o seguinte:

“1. As firmas e denominações devem ser distintivas e não susceptíveis de confusão ou erro com as registadas ou licenciadas no mesmo âmbito de exclusividade, mesmo quando a lei permita a inclusão de elementos utilizados por outras já registadas, ou com designações de instituições notoriamente conhecidas.
2. Os juízos sobre a distinção e a não susceptibilidade de confusão ou erro devem ter em conta o tipo de pessoa, o seu domicílio ou sede, a afinidade ou aproximação das suas actividades e o âmbito territorial destas.
3. Não são admitidas denominações constituídas exclusivamente por vocábulos de uso corrente que permitam identificar ou se relacionem com actividade, técnica ou produto, bem como topónimos e qualquer indicação de proveniência geográfica.
4. A incorporação na firma ou denominação de sinais distintivos registados está sujeita à prova do seu uso legítimo.
5. Nos juízos a que se refere o n.º2 deve, ainda, ser considerada a existência de nomes de estabelecimento, insígnias, ou marcas que possam induzir em erro sobre a titularidade desses sinais distintivos.
6. Para que se possam prevalecer do disposto no número anterior, os titulares das marcas ou logótipos devem ter efectuado anteriormente prova do seu direito junto do RNPC”.

Sob a epígrafe “Requisitos da Firma”, o artigo 10.º, n.º 3 do Código das Sociedades Comercias, dispõe:

“A firma da sociedade constituída por denominação particular ou por denominação e nome ou firma de sócio não pode ser idêntica à firma registada de outra sociedade, ou por tal foram semelhante que possa indizir em erro”.

Do exposto resulta que a preocupação do legislador centrou-se na não verificação de semelhanças relevantes entre os sinais distintivos das firmas, denominações ou marcas em confronto para que o consumidor médio, num exame imediato, não seja induzido em erro quanto à respectiva titularidade.

Essa aferição, porém, deve ter em consideração o conteúdo global dos vários sinais distintivos, acima referidos, sendo irrelevante a existência de elementos comuns entre eles, sempre que a individualização entre os elementos a comparar continue a ser possível.

No presente caso está em apreciação a ocorrência ou não da violação de um dos princípios da firma, a saber, o da novidade ou exclusividade, que se destina a dar a conhecer ao consumidor o nome com que o comerciante exerce o seu comércio.

Como podemos constatar pela simples comparação entre as duas sociedades, em ambas as firmas consta a expressão “M.”. Esta expressão, porém, no caso da Apelada, não surge de forma isolada, mas sim, acompanhada de um outro vocábulo, no caso, “MADEIRA”, o que desde logo lhe confere uma percepção distinta que pode ser perceptível por qualquer consumidor médio, sem necessidade de qualquer exame atento ou necessidade de confronto.

Por outro lado, tendo a Apelante sede no Continente e a Apelada sede na Ilha da Madeira, a confusão que se pudesse gerar entre os consumidores em relação a cada uma destas sociedades, no sentido de as considerarem apenas uma sociedade, sempre se afiguraria de difícil compreensão. E, ainda que essa confusão se gerasse, a verdade é que a prejudicada sempre seria a sociedade Apelada, circunscrita que se encontra geograficamente a uma menor acessibilidade do público em geral.

Acresce que, na apreciação desta questão não se nos afigura despiciendo o facto de a presente acção surgir na sequência da acção intentada pela ora Apelada contra a ora Apelante, acção essa já decidida pelo Supremo Tribunal de Justiça, que considerou improcedentes os pedidos ali formulados e, assim, não condenou esta última a, entre outros pedidos, a abster-se de usar a expressão “M.” na região da Madeira.

Das razões ali invocadas e das invocadas nesta acção, embora em sentido contrário, podemos constatar que ambas as sociedades tiveram um sócio fundador em comum até 31 de Julho de 2003, O., que após ter cedido as suas quotas na sociedade ora Apelada, autorizou que esta utilizasse na sua firma o nome “M.”.

Aliás, terão sido estes os factos que, possivelmente, estarão na origem da própria afirmação da ora Apelante que, num dos articulados daquela outra acção, afirmou que era lícita a concorrência entre ambas as sociedades, e que terão possibilitado a coexistência das duas sociedades a laborar na mesma actividade comercial, no mesmo território [Ilha da M.], sendo certo que a ora Apelante foi, durante anos, fornecedora da ora Apelada.

Neste quadro acima delineado pretender, como o pretende a ora Apelante, que haja lugar à perda do direito ao uso da denominação da Apelada, é colocar em crise os princípios básicos da segurança e da estabilidade das relações jurídicas que se estabeleceram com aquela aprovação registal.

Por outro lado, sendo inquestionável que, atentas as relações comerciais mantidas entre ambas as sociedades, sempre a ora Apelante teve conhecimento do facto cuja perda agora pretende, o exercício desse direito neste momento sempre se afigura como um verdadeiro abuso a que o Direito não pode dar guarida, sob pena de procedermos à inversão dos valores que subjazem à sua aplicação, conforme decorre do disposto no artigo 334.º do Código Civil.

Com efeito, há todo um percurso da ora Apelante, que decorreu durante anos, no sentido de aceitar a utilização da denominação, cuja perda agora pede, por parte da Apelada, mantendo-se o respectivo relacionamento comercial entre as duas sociedades, facto a que não é alheia a circunstância de ambas as sociedades terem tido um sócio fundador comum, conforme acima já se deixou expresso.

E é essa sedimentação de uma aceitação tácita, que se firmou durante anos de actividade comercial em comum, que impede a Apelante de, neste momento, pretender exercer o direito à perda do uso da denominação por parte da Apelada.

Assim, entende-se que não basta à ora Apelante referir um conjunto de acórdãos em que se enumeram - correctamente, também assim o entendemos -, os critérios para se proceder à averiguação da existência ou não de confusão e/ou de erro, entre firmas e/ou denominações em comparação, para se poder decidir a presente acção, antes devendo a mesma ser decidida em face dos demais elementos juntos aos autos entre os quais se destaca o já referido comportamento comercial que a Apelante sempre manteve quanto a este ponto específico e que foi objecto de prova no âmbito do Proc. 08B3671 (decisão proferida pelo STJ em 26 de Novembro de 2009, disponível em www.dgsi.pt e cuja cópia foi junta aos autos pela ora Apelante), em que foi também dado como provada a seguinte materialidade:

A recorrente [a aqui Apelante] foi a principal fornecedora da recorrida [a aqui Apelada] desde 1987 e até ao ano de 2003, portanto durante dezasseis anos [data que se iniciou com a sua constituição, passando pela saída de O. da MM.” e até ao momento em que a aqui Apelante abriu um estabelecimento comercial na Região …e deu por findo o contrato que mantinha com a ora Apelada – Pontos 2, 4, 5, 15, 17e 18 dos Factos Provados do acórdão do STJ acima identificado].

Recorde-se também que, desde a data da constituição da Apelada e até à data em que a Apelante pediu ao RNPC a declaração de perda do direito ao uso daquela denominação, ocorrida em 2010, passaram-se já vinte e três anos, durante os quais, a Apelada sempre se manteve a laborar com a denominação em causa.

Por fim, diga-se que a arguição do vício invocado pela ora Apelante – no caso, violação do princípio da novidade – está também ele, enquanto bem patrimonial protegido pelo Direito, sujeita a observância do prazo de caducidade que, neste particular, é de um ano, por recurso ao prazo geral e atenta a ausência de disposição do RNPC ou do Código das Sociedades Comerciais que concretamente preveja um qualquer outro prazo, conforme decorre do disposto no artigo 287.º do Código Civil [prazo que é de caducidade e não de nulidade, uma vez este vício não se encontra enumerado no artigo 44.º do Código das Sociedades Comerciais].

E também esse prazo encontra-se, conforme já acima deixamos expresso face ao comportamento da Apelante, há já muito excedido.

Cumpre também referir que, caso se tivesse verificado a violação do princípio da novidade, invocado nesta acção, o próprio Registo Nacional de Pessoas Colectivas (NPC) tinha competência para, de modo próprio, declarar a perda do direito ao uso da denominação por parte da ora Apelada – artigos 60., n.º 1 e 78.º, n.º 1 do RRNPC.


IV. DECISÃO

Face ao exposto, julga-se improcedente a Apelação, mantendo-se a decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância.

Custas pela Apelante.

Lisboa, 18 de Dezembro de 2012

Dina Maria Monteiro
Luís Espírito Santo
José Gouveia Barros