Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2678/08.8TVLSB.L1-6
Relator: MÁRCIA PORTELA
Descritores: OMISSÃO DE PRONÚNCIA
MATÉRIA DE FACTO
TRIBUNAL ARBITRAL
IRREGULARIDADE
ROL DE TESTEMUNHAS
INQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHA
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/02/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: 1. À problemática da omissão de pronúncia da decisão arbitral aplicam-se as orientações doutrinárias e jurisprudenciais desenvolvidas acerca do artigo 668º, nº 1, alínea d) CPC relativamente às decisões judiciais.
2. A nulidade por omissão de pronúncia, prevista na alínea d) do nº 1, do artigo 668º CPC, ocorre quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre os pedidos deduzidos, toda as causas de pedir e excepções invocadas e todas as excepções de que oficiosamente lhe cumpre conhecer (artigo 660º, nº 2, CPC).
3. Significa isto que as vicissitudes inerentes à matéria de facto, designadamente a omissão da apreciação de algum aspecto relevante susceptível de influenciar o acervo dos factos provados, não integram nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
4. A irregularidade da constituição do tribunal arbitral só é invocável em acção de anulação da decisão arbitral se a parte os alegou oportunamente perante o tribunal arbitral e este considerou tais alegações improcedentes.
5. A não inquirição das testemunhas arroladas pela parte não importa, sem mais, a violação do princípio do contraditório: tal apenas sucederá se a inquirição for susceptível de, em alguma medida, influir na decisão da causa, e já não se se revelar desnecessária por o processo já fornecer os elementos necessários à decisão.
6. É sobre a parte que alega a violação do contraditório que impende o ónus de demonstrar a essencialidade do depoimento para a apreciação do litígio.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

1. Relatório

V...., S.A.D., intentou acção declarativa, sob a forma ordinária, contra O...., pedindo a anulação da decisão arbitral proferida pela Comissão Arbitral Paritária prevista e instituída no Contrato Colectivo de Trabalho celebrado entre a Liga Portuguesa de Futebol Profissional e o Sindicato dos Jogadores de Futebol e que aí correu termos sob o proc. nº .......

Alegou para tanto, e em síntese, que a Comissão Arbitral Paritária foi irregularmente constituída, em violação do artigo 6º da Lei 31/86, de 29.08 (LAV), que impõe um número ímpar de membros; e que embora não desconhecesse o teor do CCT, nada podia fazer por a constituição da dita Comissão Arbitral não depender da sua vontade ou acordo.
Afirmou ainda que foi violado o princípio do contraditório por não ter sido apreciada a prova documental e lhe ter sido vedada a possibilidade de produção de prova testemunhal e que levariam à improcedência dos argumentos deduzidos pelo R.
E que a decisão incorre em omissão de pronúncia por ter apreciado sem mais a existência de justa causa, não apreciando documentos que visavam demonstrar a inexistência de justa causa
Contestou o R., excepcionando a sua ilegitimidade por não ser sujeito da relação jurídica definida pelo pedido formulado pelo A., pois não outorgou o CCT, e dizendo que a A. não pode invocar a alínea b) do artigo 27º da LAV por não ter suscitado a questão no decurso da arbitragem, podendo tê-lo feito.
Afirmou a regularidade da constituição da Comissão Arbitral e que a A. incorre em venire contra factum proprium ao invocar tal irregularidade por no contrato de trabalho que celebrou com o R. ter atribuído competência para a resolução de eventuais litígios ao tribunal arbitral cuja competência agora questiona.
E sustentou inexistir violação do princípio do contraditório ou omissão de pronúncia.
Replicou a A. pugnando pela improcedência das excepções.
No despacho saneador foi julgada improcedente a excepção de ilegitimidade e, conhecendo-se de mérito, foi o R. absolvido do pedido.

Inconformada, recorreu a A., apresentando as seguintes conclusões:
«A) O artigo 6°, n° 1 do Decreto-Lei n° 31/86, de 29 de Agosto, que o "tribunal arbitral poderá ser constituído por um único árbitro ou por vários, em número impar";
B) A Comissão Arbitral Paritária que proferiu a decisão ora recorrida é composta por seis vogais (cfr. art. 1° do Anexo II do CCT), os mesmos que proferiram a decisão objecto do presente processo;
C) A composição desta Comissão Arbitral viola, assim, frontal e directamente o disposto no artigo 6° do citado Dec. Lei 31/86, o que constitui fundamento de anulação da decisão arbitral – cfr. artigo 27°, n° 1, alínea b) do mesmo diploma legal;
D) As normas que disciplinam a arbitragem voluntária, consignadas na Lei n.° 36/86, têm carácter de imperatividade e como tal não podem ser derrogadas pela vontade das partes e disposições particulares;
E) A composição da dita Comissão Arbitral é um facto que não dependia, nem depende da vontade ou acordo da Recorrida, resultando, ao invés, originariamente, do clausulado do CCT acordado e assinado entre a Liga Portuguesa de Futebol Profissional e o Sindicato dos Jogadores Profissionais de Futebol;
F) No respeito da Lei, não podia a Recorrida alegar a referida irregularidade, sendo o Douto Tribunal a quo, e não a própria Comissão Arbitral Paritária, a decidir sobre a irregularidade e ilegitimidade da sua constituição;
G) Até porque a ora Recorrente nunca foi notificada para se pronunciar junto da CAP e, como tal, nunca dispôs da oportunidade para invocar da irregularidade da sua constituição;
H) Há uma conexão entre o presente processo e o processo n.° ...., que correu seus termos na ... Secção da .... Vara Cível de Lisboa, que decidiu a anulação da decisão arbitral proferida em sede de desvinculação desportiva do R., ora recorrido;
I) A apreciação ou não da impossibilidade do pagamento terá de ser relevada, no âmbito e para efeitos laborais, no que diz respeito à violação culposa do contrato de trabalho, o que é substancialmente diferente da valorização duma causa objectiva de cessação de contrato de trabalho e ainda mais da obrigação de pagamento no que toca às meras obrigações pecuniárias, pressuposto que, erroneamente, serviu de base à decisão sub judice;
J) A prova que a Recorrente desejava ver ouvida seria, como é óbvio, potencialmente relevante para a decisão porque podia objectivamente influir nos termos em que a mesma viesse a ser proferida;
K) O conteúdo do direito de defesa e do princípio do contraditório resulta, prima facie, que cada uma das partes deve poder exercer uma influência efectiva no desenvolvimento do processo, devendo ter a possibilidade de não só apresentar as razões de facto e de direito que sustentam a sua posição antes do tribunal decidir questões que lhe digam respeito, mas também de deduzir as suas razões, oferecer as suas provas, controlar as provas do adversário e tomar posição sobre o resultado de umas e outras;
L) Pelo que se conclui que, efectivamente, se verificou uma grave violação ao princípio do contraditório;
M) Incorre o Meritíssimo Juiz a quo num óbvio erro de interpretação da decisão da CAP quando refere que a mesma apreciou expressamente os documentos juntos pela Recorrente.
N) De facto, a mera alusão aos documentos, nos factos provados sob as alíneas F) e G) quando é certo que a CAP não os ponderou ou considerou relevantes na sua decisão, não é suficiente para que se possa dizer que houve pronúncia.
O) Não havendo pronúncia houve, como se deixou expresso na petição inicial, violação de forma grosseira do prescrito no art. 27° n.° 1 al. e) (2ª parte) do Dec. Lei 31/86 de 29 de Agosto».
Contra-alegou o R. pugnando pela manutenção do decidido.

2. Fundamentos de facto

A 1ª instância considerou provados os seguintes factos, que não foram objecto de impugnação:
1. Entre a A. e o R. foi celebrado, em 9 de Agosto de 2006, um contrato de trabalho desportivo nos termos do qual o R. se obrigou a prestar à A., mediante retribuição, durante as épocas desportivas de 2006/2007 a 2007/2008, a actividade de futebolista (documento de fls. 17 a 20, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
2. Por carta registada com aviso de recepção que a A. recebeu a 12 de Junho de 2008, o R. rescindiu unilateralmente e com invocação de justa causa o contrato referido em 1 (documento de fls. 23 a 28, cujo teor se dá por integralmente reproduzido), invocando designadamente que a A. lhe devia € 7.500,00 de prémio de participação em dez jogos, € 4.500,00 de rendas de casa, € 16.000,00 de salários de dois meses e € 1.135,00 de passagem aérea e concluindo que "atendendo a que estamos perante uma falta culposa de pagamento da retribuição (...), a qual constitui fundamento rescisório nos termos e para os efeitos do disposto no art. 439º do CCT celebrado entre a LPFP e o SJPF, venho pela presente proceder à rescisão unilateral com justa causa do contrato de trabalho celebrado com esse clube";
3. Encontra-se em vigor um Contrato Colectivo de Trabalho celebrado entre a Liga Portuguesa de Futebol Profissional e o Sindicado dos Jogadores Profissionais de Futebol, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, 19 Série, nº 33, de 8.9.99, pp. 2778 e ss, aplicável à relação laboral referida em 1;
4. O CCT institui uma Comissão Arbitral Paritária que, entre outras, tem competência para "dirimir litígios resultantes de contratos de trabalho desportivo que não estejam excluídos por lei do âmbito da arbitragem voluntária " (Artigo 559º, alínea a) do CCT e Artigos 39º e 92º do Anexo II do mesmo CCT);
5. Em 2008.05.30, o ora R. intentou contra a ora A. acção emergente de contrato individual de trabalho, perante a Comissão Arbitral Paritária emergente do CCT entre SJPF e LPFP formulando nomeadamente os seguintes pedidos:
a) ser declarada a rescisão com justa causa do contrato de trabalho celebrado entre A. e R. para a hipótese de se entender que a decisão da Comissão Arbitral Paritária não faz caso julgado fora do processo em que foi proferida;
b) ser a R. condenada a pagar ao A. a quantia de € 7.500,00 a título de prémio de participação em dez jogos do A. ao serviço da equipa da Ré;
c) ser a R. condenada a pagar ao A. a quantia de € 4.500,00 a título de rendas de casa do A. , vencidas e não pagas;
d) ser a R. condenada a pagar ao A. a quantia de € 1.135,00 a título de despesas suportadas pelo A. com as viagens L-N e N-L (Processo nº ..., em apenso);
6. Citada, veio a aí R. deduzir contestação em 2008.06.16 (fls. 50 a 56, cujo teor se dá por integralmente reproduzido), sustentando nomeadamente que:
- a R. não se obrigou ao pagamento das rendas, consoante aditamento ao contrato de trabalho;
- a actual administração da R. tomou posse em 2007.04.02, tendo-se deparado com uma situação financeira caótica e depauperada;
- no sector desportivo, a estabilidade ou instabilidade directiva, como a verificada na R. interfere e afecta directamente o funcionamento do clube, sendo igualmente certo que todos os seus funcionários foram afectados;
- não deixa de ser sintomático que um clube em má situação económica não consegue cumprir atempadamente todos os seus compromissos , sendo também do senso comum que os orçamentos elaborados no início das épocas, muitas vezes, não resistem às convulsões dos próprios clubes, o que aconteceu com a R.;
- E isto, independentemente de se elencar as despesas com a previsão das receitas que mesmo sendo certas sofrem, amiúde, desvios, designadamente, pelo abandono de parceiros comerciais e patrocinadores, o que também aconteceu com a R. que só agora, pouco a pouco, consegue recuperar a confiança dos investidores;
- Entre outras, a R. tinha previsto receitas substanciais (rendas) resultantes de contratos estabelecidos no que diz respeito ao direito de superfície do estádio que é pertença do V...... que, porém, não foram efectivamente recebidas por força do atraso na aprovação do novo estádio municipal;
- Esta ocorrência, apesar de não se tratar de uma catástrofe natural, impediu, com todas as consequências daí advenientes, a obtenção de previsíveis receitas;
- Receitas essas que a R. tinha previsto afectar ao pagamento dos vencimentos, tendo em conta o orçamento elaborado no início da época;
- Estas foram as razões do não pagamento ao A., o qual só foi possível depois através da boa vontade dos elementos da comissão administrativa que se traduziu em empréstimos efectuados.
7. Em 22 de Agosto de 2008, foi proferido o Acórdão da Comissão Arbitral Paritária (fls. 110 a 121 do Processo nº ...., cujo teor se dá por integralmente reproduzido) nos termos do qual a acção foi julgada parcialmente procedente por provada e, em consequência:
a) foi declarado rescindido com justa causa o contrato de trabalho desportivo celebrado entre o A. e a R. em 9.8.2006, também para efeitos jurídico-laborais, com efeitos a partir de 2007.06.12;
b) foi condenada a R. a pagar ao A., a título de indemnização pela rescisão, a quantia equivalente às retribuições que seriam devidas ao jogador se o contrato viesse a cessar no seu termo, em 2008.06.30, deduzidas das quantias que auferir pela mesma actividade durante a época imediatamente seguinte àquela em que ocorreu a rescisão, ou seja, durante a época desportiva de 2007/08;
c) foi absolvida a R. do demais peticionado;
8. No Acórdão referido em 7 foram considerados provados os seguintes factos com relevância para a boa decisão da causa:
A) Por documento particular datado de 2006.08.09, Requerida e Requerente celebram um contrato de trabalho desportivo, pelo qual o segundo se obrigou a prestar com regularidade a actividade de futebolista, em representação e sob autoridade e direcção da primeira, mediante as retribuições ilíquidas e € 80.000,00 na época desportiva de 2006/07 e de € 90.000,00 na época desportiva de 2007/08, pagas em 10 prestações mensais, iguais e sucessivas de € 8.000,00 e de € 9.000,00 respectivamente, até ao dia cinco do mês seguintes àquele a que dissesse respeito;
B) Por documento particular datado de 2006.08.12, denominado "Aditamento ao Contrato de Trabalho", a Requerida obrigou-se também a pagar ao Requerente um prémio no valor de € 7.500,00, caso este efectuasse dez jogos ao serviço de equipa A daquela;
C) A Requerida não se obrigou a pagar a renda da casa do Requerente;
D) Em 2007.06.12, a Requerida recebeu um carta enviada pelo Requerente com data de 2007.06.08, através da qual este rescindiu o contrato de trabalho celebrado entre ambos, com fundamento na falta culposa do pagamento pontual das retribuições relativas aos meses de Abril e Maio de 2007, o prémio de participação em dez jogos, as viagens aéreas L/N/L e o valor das rendas de casa dos meses de Outubro de 2006 a Junho de 2007;
E) A rescisão produziu efeitos a partir de 2007.06.12, data da recepção da declaração rescisória;
F) À data da rescisão contratual promovida pelo Requerente, era-lhe devida a quantia de € 18.173,00, referente às remunerações dos meses de Abril e Maio de 2007 (€ 11.488,00), ao prémio de participação em 10 jogos (€ 5.550,00) e às passagens aéreas L/N/L (€ 1.135,00);
G) Em 2007.06.14, a Requerida transferiu para a conta bancária do Requerente a quantia de € 18.173,00 para satisfação dos créditos laborais referidos em F);
H) Por decisão proferida no Proc. ...., a Comissão Arbitral Paritária declarou rescindido com justa causa o contrato de trabalho desportivo celebrado entre Requerente e Requerida, para efeitos meramente desportivos.
3. Do mérito do recurso
O objecto do recurso, delimitado pelas conclusões das alegações (artigos 684º, nº 3, e 685º A, nº 1 CPC), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 660º, nº 2, in fine), consubstancia-se nas seguintes questões:
- omissão de pronúncia por falta de ponderação de documentos juntos;
- irregularidade de constituição da Comissão Arbitral Paritária;
- violação do princípio do contraditório por falta de inquirição de testemunhas.
3.1. Enquadramento da questão
O presente recurso insere-se numa acção de anulação de decisão arbitral, em que não está em causa o mérito da decisão arbitral, mas tão só a verificação de fundamentos de anulação da decisão, nos termos do artigo 27º da Lei 31/86, de 29.09 (LAV).
Dispõe o nº 1 deste artigo a sentença arbitral só pode ser anulada pelo tribunal judicial por algum dos seguintes fundamentos:
a) Não ser o litígio susceptível de resolução por via arbitral;
b) Ter sido proferida por tribunal incompetente ou irregularmente constituído;
c) Ter havido no processo violação dos princípios referidos no artigo 16.º [a) as partes serão tratadas com absoluta igualdade; b) O demandado será citado para se defender; c) Em todas as fases do processo será garantida a estreita observância do princípio do contraditório; d) Ambas as partes devem ser ouvidas, oralmente ou por escrito, antes de ser proferida a decisão final], com influência decisiva na resolução do litígio;
d) Ter havido violação do artigo 23º, nºs 1, alínea f) [A assinatura dos árbitros], 2 [A decisão deve conter um número de assinaturas pelo menos igual ao da maioria dos árbitros e incluirá os votos de vencido, devidamente identificados], e 3 [A decisão deve ser fundamentada].
e) Ter o tribunal conhecido de questões de que não podia tomar conhecimento, ou ter deixado de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar.
3.1. Da omissão de pronúncia do acordo arbitral
Sustenta a recorrente que o tribunal arbitral não se pronunciou sobre os documentos juntos e que demonstram que ela fez o pagamento em falta no prazo que lhe assistia, fazendo cessar a mora.

Está em causa o fundamento previsto no artigo 27º, nº 1, alínea e) da LAV: o tribunal deixou de se pronunciar sobre questões que devia apreciar.
Como refere Paula Costa e Silva, «Os meios de impugnação de decisões proferidas em arbitragem voluntária no direito interno português», ROA, ano 56º, I, pg. 185,
à problemática da omissão de pronúncia da decisão arbitral aplicam-se as orientações doutrinárias e jurisprudenciais desenvolvidas acerca do artigo 668º, nº 1, alínea d) CPC, normativo que claramente inspirou o preceito em análise.
A nulidade por omissão de pronúncia, prevista na alínea d) do nº 1, do artigo 668º CPC, ocorre quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questão que devesse conhecer. Este normativo tem de ser equacionado com o disposto no artigo 660º, nº 2, 1ª parte, CPC, que impõe que o juiz resolva todas as questões que as partes tenham posto à sua apreciação.
Por «questões» entende-se «os pedidos deduzidos, toda as causas de pedir e excepções invocadas e todas as excepções de que oficiosamente lhe cumpre [ao juiz] conhecer (art.660-2)» (Lebre de Freitas, Montalvão Machado, e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, pg. 670).
Significa isto que as vicissitudes inerentes à matéria de facto, designadamente a omissão da apreciação de algum aspecto relevante susceptível de influenciar o acervo dos factos provados, não integram nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
Seja como for, como se nota na decisão recorrida, no acórdão foi dada como provada a factualidade relativa ao pagamento (factos F e G), tendo entendido, no entanto, que tal pagamento fora ineficaz para obviar a que a rescisão se efectuasse, por o recorrido ter invocado como fundamento para a rescisão o disposto no nº 1 do artigo 43º, nº 1, alínea a), 1ª parte, e nº 2 CCT (falta culposa de pagamento pontual da retribuição).
Segundo explica o acórdão, o pagamento seria relevante se o recorrido tivesse optado pelo fundamento previsto na alínea b) no nº 1 do artigo 42º CCT (mero atraso por mais de trinta dias), caso em que o interessado está obrigado a comunicar a intenção de rescindir o contrato, podendo o clube ou sociedade desportiva obviar à rescisão procedendo ao respectivo pagamento no prazo de três dias úteis.
Face à opção do recorrido o pagamento era, pois, irrelevante.
Não se verifica, pois, qualquer omissão de pronúncia.
3.2.Da irregularidade da constituição da Comissão Arbitral Paritária
Invoca a recorrente a irregularidade da constituição da Comissão Arbitral Paritária, fundamento previsto no artigo 27º, nº 1, alínea b), da Lei 31/86, de 29.08, por esta ser constituída por um número par de árbitros, em violação do disposto no artigo 6º, nº 1, da citada Lei.
Afirma a recorrente que não teve oportunidade de invocar a irregularidade da constituição da Comissão Arbitral Paritária; que a sua composição não dependia nem depende da sua vontade ou acordo; que as normas que disciplinam a arbitragem voluntária consignadas na Lei 31/86 são imperativas não podendo ser derrogadas por vontade das partes e disposições particulares; que não cabe à Comissão Arbitral se pronunciar sobre a irregularidade da sua constituição; e que há conexão entre este processo e o que correu termos na ... secção da ... Vara Cível sob o nº .... e que decidiu a anulação da decisão arbitral.
Apreciando:
Nos termos do artigo 27º, nº 2, da Lei 31/86, de 29.08, a incompetência e irregularidade de constituição, fundamentos de anulação previstos na alínea b) do número anterior, não podem ser invocados pela parte que deles teve conhecimento no decurso da arbitragem e que, podendo fazê-lo, não o alegou oportunamente.
Como refere Paula Costa e Silva, Os meios de impugnação de decisões proferidas em arbitragem voluntária, cit., pg. 183,
«a incompetência e a irregularidade só são invocáveis em acção de anulação se a parte os alegou oportunamente perante o tribunal arbitral e este considerou tais alegações improcedentes».
A recorrente apenas em sede de acção de anulação suscitou a questão da irregularidade da constituição da Comissão Arbitral Paritária, não o tendo feito, como se impunha, perante a própria Comissão.
Embora a recorrente não pudesse interferir na competência da Comissão Arbitral, tinha perfeito conhecimento da sua composição e pôde interferir na decisão de introduzir no contrato de trabalho celebrado com o recorrido cláusula compromissória atribuindo a esta Comissão Arbitral competência para a resolução de litígios emergentes dessa relação laboral.
Relativamente ao momento em que deve ser suscitada a irregularidade de constituição, a lei é omissa, contrariamente ao que sucede quanto à competência (artigo 21º, nº 3, da Lei 31/86, de 29.08).
No entanto, e na linha do pensamento de Paula Costa e Silva, «Anulação e recursos da decisão arbitral», ROA, 52º, III, pg. 893 e ss., a solução não poderá deixar de ser idêntica.
Afirma esta autora, a pg. 932:
«Surge, assim, uma lacuna que deverá ser integrada através do recurso à analogia. Existindo um a identidade entre as situações de incompetência e de irregularidade na constituição do tribunal arbitral, uma vez que em ambos os casos nos encontramos perante vicissitudes que afectam o tribunal – sem prejuízo de a competência derivar directamente de um vício da própria convenção, resultando a irregularidade do desrespeito de normas atinentes à constituição do tribunal – pensamos ser legítimo afirmar que, tal como a incompetência, também a irregularidade na constituição do tribunal arbitral será invocável até ao momento ou com a defesa sobre o fundo da causa».
Assim, e contrariamente ao afirmado pela recorrente, a alegada irregularidade de constituição da Comissão Arbitral deveria ter sido suscitada perante a própria Comissão.
E isto independentemente de qualquer notificação expressa para o efeito, pois não se vislumbra, nem a recorrente indica, qualquer norma que impusesse tal notificação.

Nessa conformidade, não merece censura a sentença recorrida quanto a este aspecto: está precludida a possibilidade de invocar a irregularidade da constituição da Comissão Arbitral paritária em sede de anulação da decisão arbitral.
Sempre se dirá, e respondendo ao argumento de que as normas que disciplinam a arbitragem voluntária são imperativas, não podendo ser derrogadas por vontade das partes e disposições particulares, que a Comissão Arbitral Paritária encontra a sua sede legal no artigo 542º, nº 1, do Código do Trabalho, e 30º da Lei 28/98, de 26.06.
Com efeito, estabelece o artigo 542º, nº 1, do Código do Trabalho, que a convenção colectiva deve prever a constituição de uma comissão formada por igual número de representantes das entidades signatárias.
E o artigo 30º da Lei 28/98, de 26.06, que estabelece o regime jurídico do contrato de trabalho desportivo, conferiu às associações representativas das entidades empregadoras e praticantes desportivos (no caso, a Liga Portuguesa de Futebol Profissional e o Sindicato dos Jogadores Profissionais de Futebol) a faculdade de estabelecerem, em convenção colectiva de trabalho, o recurso à arbitragem, através da atribuição de competência exclusiva ou prévia a comissões arbitrais paritárias, institucionalizadas pelo Decreto-lei 425/86, de 27.12.
É, pois, em função destes diplomas, que se configuram como lei especial para a área laboral desportiva relativamente à Lei 31/86, de 29.08, que deve ser equacionada a regularidade da constituição da Comissão Paritária. Para maiores desenvolvimentos remete-se para o acórdão da Relação do Porto, de 2009.02.03, Rodrigues Pires, www.dgsi.pt.jtrp, proc. 0825802.
Finalmente, a decisão da 3ª secção da 6ª Vara Cível sob o nº 3772/07.9TVLSB, e que decidiu a anulação da decisão arbitral em situação idêntica à versada nos autos, não está dotada de força vinculativa nem tem qualquer conexão com este processo, pese embora a identidade de partes e versarem questão idêntica.
3.3. Da violação do princípio do contraditório
Invoca ainda a recorrente a violação do princípio do contraditório por não lhe ter sido permitido produzir a prova testemunhal arrolada que, segundo sustenta, conduziria à improcedência dos argumentos tendentes a demonstrar a existência de justa causa de rescisão do contrato.
Nos termos do artigo 27º, nº 1, alínea c), da Lei 31/86, de 29.08, a violação dos princípios enunciados no artigo 16º, entre os quais se inclui o princípio do contraditório (cfr. alínea c), constitui fundamento de anulação da decisão arbitral, desde que tenham influência na decisão do litígio.
Na sentença recorrida analisou em profundidade o princípio do contraditório, com referência à jurisprudência do Tribunal Constitucional e do STJ.
Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, tomo I, pg. 194, citados na decisão recorrida, resumem o alcance do princípio do contraditório, nos termos seguintes:
«Segundo o Tribunal Constitucional, do conteúdo do direito de defesa e do princípio do contraditório resulta, prima facie, que cada uma das partes deve poder exercer uma influência efectiva no desenvolvimento do processo, devendo ter a possibilidade, não só de apresentar as razões de facto e de direito que sustentam a sua posição antes do tribunal decidir questões que lhe digam respeito, mas também de deduzir as suas razões, oferecer as suas provas, controlar as provas do adversário e tomar posição sobre o resultado de umas e outras (Acórdãos nºs 1185/96 e 1193/96)».
Lebre de Freitas, também referido na decisão recorrida, traça a evolução do princípio do contraditório, na vertente do direito de influenciar a decisão, em Introdução ao Processo Civil, Conceito e Princípios Gerais, Coimbra Editora, pgs. 96-7:
«Por princípio do contraditório entendia-se tradicionalmente a imposição de que, formulado um pedido ou tomada uma posição por uma parte, devia à outra ser dada oportunidade de se pronunciar antes de qualquer decisão, tal como, oferecida uma prova por uma parte, a parte contrária devia ser chamada a controlá-la e ambas sobre ela tinham o direito de se pronunciar, assim se garantindo o desenvolvimento do processo em discussão dialéctica, com as vantagens decorrentes da fiscalização recíproca das afirmações das partes.
A esta concepção, válida mas restritiva, substitui-se hoje uma noção mais lata de contraditoriedade, com origem na garantia constitucional do rechtliches Gehor germânico, entendida como garantia de participação efectiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, mediante a possibilidade de, em plena igualdade, influírem em todas os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação com o objecto da causa e em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão. O escopo fundamental do princípio do contraditório deixou assim de ser a defesa, no sentido negativo de oposição ou resistência à actuação alheia para passar a ser a influência no sentido positivo de direito de incidir activamente no desenvolvimento e no êxito do processo.»
A não inquirição das testemunhas arroladas pela recorrente não importa, sem mais, a violação do princípio do contraditório.
O recorrente apenas teria visto o seu direito cerceado se o depoimento das testemunhas fosse susceptível de em alguma medida influir na apreciação da causa.
O princípio do contraditório não tem relevância meramente formal; o seu relevo é material. Não faz sentido ouvir as testemunhas apenas para se garantir formalmente o princípio do contraditório, com violação de outros princípios, designadamente o da economia processual, quando tal inquirição se revele inútil para a decisão da causa.
Como se refere no acórdão do STJ, de 2004.06.24, Salvador da Costa, www.dgsipt.jstj, proc. 04B2190,
«A anulação do acórdão arbitral não depende, pois, apenas da violação pelo tribunal arbitral do princípio da audição das partes antes da decisão, certo que a lei exige para o efeito que essa omissão tenha sido essencial para a resolução do litígio, tal como ela ocorreu.
Trata-se da conformação de diversos princípios processuais, para que a forma se não sobreponha desrazoavelmente ao mérito da causa, num quadro de aproveitamento de actos processuais e de salvaguarda da celeridade dos mesmos, aliás em paralelismo e com a mesma razão de ser do disposto no artigo 201º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
A essencialidade da omissão em causa para a decisão que foi proferida há-de aferir-se, face aos factos assentes, à luz de um juízo de prognose póstuma, perante a perspectiva de saber se o novo acórdão decorrente da anulação do primeiro para cumprimento da audição das partes seria ou não susceptível de favorecer a parte que pretende a anulabilidade.»
O tribunal arbitral entendeu, nos termos dos artigos 11º do Regimento da CAP e 61º, nº 2, do Código de Processo de Trabalho, que o processo fornecia os elementos necessários para decidir de mérito, considerando que a inquirição de testemunhas seria meramente dilatória, pois os seus depoimentos seriam inócuos para a boa decisão da causa.
E fundamentou devidamente esta posição.
Segundo o tribunal arbitral os factos alegados pela recorrente para o não cumprimento das obrigações salariais se resumem à sua má situação económica, facto insuficiente para afastar a presunção de culpa consagrada no artigo 799º CC.. Isto porque os clubes e sociedades desportivas, designadamente os que disputam campeonatos profissionais, devem estar organizados e ser geridos em moldes empresariais, devendo no início de cada época elaborar um orçamento de acordo com as boas práticas de gestão. Sem excluir a possibilidade de acontecimentos extraordinários e imprevistos, sublinha que o recorrente se limita a afirmar que é do senso comum que muitas vezes os orçamentos dos clubes não são respeitados, por muito bem elaborados que sejam, devido a abandono de parceiros comerciais e patrocinadores e que não recebeu receitas relativas ao direito de superfície do estádio que é pertença do V... por força do atraso na aprovação do novo estádio municipal.
Assim, a não inquirição das testemunhas arroladas pela recorrente não foi arbitrária nem implicou a violação do princípio do contraditório.
Recorde-se que a não produção de um meio de prova apenas releva como fundamento de anulação de decisão arbitral se tiver interesse para a decisão da causa.
E nada de relevante alegou a recorrente na petição inicial, limitando-se a considerações vagas.
Nas palavras de Paula Costa e Silva, Os meios de impugnação de decisões, pg. 183-4,
«Quanto a estes [princípios processuais essenciais] é no entanto necessário que a violação tenha tido influência decisiva na apreciação do litígio. A prova desta essencialidade da violação incumbe à parte que invoca a anulabilidade, pois que aquela é facto constitutivo do direito de anular a decisão.»
No mesmo sentido, o acórdão do STJ supra citado.
Também nesta vertente improcede o recurso.
4. Decisão
Termos em que, julgando a apelação improcedente, confirma-se a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 2009.07.02
Márcia Portela
Carlos Valverde
Granja da Fonseca