Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5670/2006-7
Relator: PIMENTEL MARCOS
Descritores: DIREITOS DE AUTOR
CONTRAFACÇÃO DE OBRA ARTÍSTICA
CONCORRÊNCIA DESLEAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/16/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I- Desrespeita os direitos de autor da demandante que publicava uma revista, que é obra intelectual colectiva (artigo 19.º/3 do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos aprovado pelo Decreto-Lei n.º 63/85, de 14 de Março) cuja publicação a própria entretanto suspendeu, a publicação de outra revista que, pelo formato, apresentação, grafismo, forma e locais de inserção dos artigos e crónicas, se revela idêntica à da demandante, acrescendo ainda que para publicação desta revista  foram utilizados os mesmos suportes informáticos que serviam para a impressão da revista da demandante (C.D.A.D.C. artigos 1.º,2.º, n.º1, alínea a), 16.º, alínea b).
II- A revista da demandante não pode ser considerada puramente utilitária pois contém criação artística original tendo em consideração o conjunto dos seus projectos gráfico e editorial, formato, forma de apresentação, tipos de artigos e crónicas, sua apresentação e local de inserção, não sendo tais elementos puramente exteriores ao fenómeno criativo, carecendo de individualidade própria.
III-  Não existe contrafacção se as obras, sendo semelhantes, possuírem individualidade; não se verifica essa individualidade quando o “lettering” do título é igual no tipo e dimensão da letra, tentando ocultar a expressão “AAA”, deixando apenas visível a expressão “BBB” comum a ambas as revistas, quando o conteúdo da página 2 é igual, quando o formato da “ programação” é rigorosamente idêntico, quando é semelhante o verso da contra capa.
IV- A circunstância de a publicação da revista da demandante se encontrar suspensa (desde o início de Junho de 2002) não obsta à comprovação de concorrência desleal (a nova revista passou a publicar-se a partir de 28 Jun 2002) importando que haja efectiva confusão no mercado,  o que se verifica se houve o propósito, com o lançamento da nova revista em tudo semelhante àquela cuja publicação se suspendeu, de desviar os leitores e parceiros comerciais da revista anterior para a nova revista, dificultando, portanto, o retomar da publicação da revista suspensa que teria de conquistar de novo o seu espaço no mercado como se de uma nova revista se tratasse com os custos de investimento (artigos 212.º do Código da Propriedade Industrial de 1940, artigo 260.º, alínea a) do C.P.I.1995 e 31r6.º,alínea a)317.º do C.P.I. de 2003)

(SC)
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa.

M.[…] Lda., com sede […] em Lisboa, intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário,
contra
Pedro B.[…] e
Pedro A.[…], titular do estabelecimento que gira sob o nome C.[…] M.[…], alegando, em síntese que:
- é dona e editora da revista Guia TV Cabo, registada no Instituto da Comunicação Social em seu nome desde 16 de Maio de 1995;
- desde então, e até Junho de 2002, publicou a revista mensalmente;
- era a única revista portuguesa dedicada em exclusivo à televisão por cabo;
- a revista, seu formato, projecto gráfico e conteúdo editorial foram concebidos pela A.;
- em Junho de 2002, a A. resolveu suspender a edição da revista;
- em 28 de Junho de 2002 foi posta à venda uma revista com o título “Tele Cabo”, com formato e conteúdos em tudo idênticos à revista da A., incluindo as mesmas rubricas, crónica e colunas com os mesmos títulos e feitas pelas mesmas pessoas que antes colaboravam com a A.;
- esta revista “Tele Cabo” tem como proprietário e director o 1º R. e como editora a empresa do 2º R.;
- para lançar a Tele Cabo, os RR. aproveitaram-se dos suportes informáticos da revista da A., sem autorização desta, poupando assim os RR. todos os custos de organização, elaboração, lançamento e publicitação de uma nova revista;
- os RR. têm aproveitado a publicação da Tele Cabo para nela inserirem alusões  depreciativas acerca da revista da A. e da própria A.;
- os R.R. têm causado à A. prejuízos patrimoniais importantes, nomeadamente impossibilitando a retoma da Guia TV Cabo pela A., bem como danos na sua imagem e bom nome comercial.
E termina pedindo que a acção seja julgada procedente e, em consequência, os R.R.  condenados a pagar-lhe:
a) indemnização pelos danos patrimoniais sofridos e já contabilizados no valor de 390.000,00 €, bem como por aqueles que a A. venha a sofrer no futuro, estes a apurar em incidente de liquidação em execução de sentença;
b) indemnização por danos patrimoniais e morais na sua imagem comercial e reputação, a apurar em execução de sentença;
c) juros de mora sobre as quantias arbitradas, desde a citação e até integral pagamento.

Os RR foram devidamente citados e contestaram.

O R. Pedro B.[…] alega, resumidamente, que:
- a revista Guia TV Cabo não era a única revista portuguesa dedicada em exclusivo à televisão por cabo;
- no início de Junho de 2002 a A. resolveu acabar definitivamente com a publicação da revista Guia TV Cabo, o que foi comunicado a todos os trabalhadores e colaboradores, os quais foram dispensados pela A.;
- é falso que o R. tenha copiado por alguma forma a revista da A.;
- os artigos contido na revista do R. são da autoria dos seus colaboradores e não da A.;
- não publicou quaisquer comentários que atingissem ou visassem atingir a reputação comercial da A.;
E termina pedindo que a acção seja julgada improcedente, com a sua absolvição do pedido.
Em reconvenção pede que a A. seja condenada a pagar-lhe uma  indemnização no valor de 1.664.800,00 €, acrescida de juros de mora desde a notificação e até integral pagamento.

O 2º R. alegou, em síntese, que:
- nunca foi editor da revista Tele Cabo, tendo-se limitado a produzir em papel, sob a forma de pré-impressão e impressão os conteúdos dos nºs 1 e 2 da revista, os quais lhe foram entregues em suporte informático pelo 1º R.
- nada teve a ver com a decisão de criar a Tele Cabo ou com os seus conteúdos;
E termina pedindo a sua absolvição da instância por ilegitimidade ou, caso assim se não entenda, que a acção seja julgada improcedente por não provada com a sua consequente absolvição do pedido.

No despacho saneador, o 2º R. foi julgado parte legítima.
Procedeu-se a julgamento.
Seguidamente foi proferida a competente sentença, tendo sido decidido: «Pelo exposto, julgo a acção parcialmente provada e procedente condenando o 1º R. a pagar à A. uma indemnização no valor de 125.000,00 € (cento e vinte cinco mil euros), acrescida de juros de mora às taxas legais entretanto em vigor ou outras que venham a vigorar, a contar da citação sobre 100.000,00 €, e desde a presente condenação sobre 25.000,00 €, até integral pagamento; mais condeno o 1º R. em multa de 50 UC e igual montante de indemnização à parte contrária, por litigância de má fé, absolvendo-o do demais pedido; absolvo o 2º R. e a A. reconvinda dos pedidos contra eles formulados».

Dela recorreu apenas o R  Pedro Bordalo Pinheiro, formulando as seguintes conclusões:

1- As revistas "Guia TV Cabo", da apelada, e "Tele Cabo", do apelante, destinam-se ao mesmo público, a quem transmitem as mesmas informações sobre a mesma matéria (a programação televisiva).
2- Trata-se, pois, de obras de natureza funcional e prática, a que só se aplica a protecção do direito de autor quando, e se, "o seu carácter artístico prevalecer claramente sobre a destinação industrial".
3- A existência de diversos elementos comuns, que dessa natureza necessariamente resulta, implica semelhanças entre ambas que, por respeitarem ao "modo de representação do mesmo objecto", não afectam a "individualidade própria" de qualquer delas (Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, artigo 116°, n.° 4).
4- É irrelevante a identidade ou a semelhança entre o projecto gráfico, o "lettering", o "lay-out" e o formato das revistas, pois, estas consistem em "processos, sistemas ou meios operacionais "excluídos da tutela do direito de autor” (citado Código, artigo 1°, n.° 2).
5- Também é irrelevante, para esse efeito, a igualdade ou similitude entre várias secções, como a grelha dos canais mais vistos, a programação, as fichas de assinaturas ou os temas de crónicas e rubricas, tanto mais que não se fez prova (nem foi sequer alegado) de serem idênticos os respectivos conteúdos - e só se fossem poderia falar-se em violação do direito de autor.
6- Aliás, e quanto a essas crónicas e rubricas e seus títulos, a titularidade do direito de autor pertence aos respectivos autores, de cujos serviços a apelada prescindiu quando suspendeu a publicação da sua revista, passando a prestá-los à revista do apelante (citado Código, artigos 19°, n.° 2, 173° e 174°).
7- Não pode existir concorrência entre duas revistas que não existem simultaneamente no mercado.
8- Ora, a revista do apelante só começou a publicar-se depois de a apelada haver suspendido a publicação da sua.
9- O decurso dos prazos estabelecidos nos artigos 5°, n.° 2 do citado Código e 21° a 23° do Decreto Regulamentar n.° 8/99, extinguiu o direito exclusivo da apelada ao título da sua revista "Guia TV Cabo" e à sua republicação.
10- Não houve violação, pelo apelante, das regras relativas ao direito de autor ou à concorrência desleal, ficando assim prejudicada a questão da violação do direito ao bom nome e reputação da apelada, que daqueles deriva; porém, a entender-se que esta é autónoma, a indemnização arbitrada deve reduzir-se ao valor que lhe foi atribuído (25.000 euros).
11- Não se justifica a condenação do apelante como litigante de má fé, devendo a sentença ser totalmente revogada.

Não foram feitas contra-alegações.
 Pelo apelante foi junto um parecer do Dr. Luiz Francisco Rebelo antes de ser proferida a sentença recorrida.
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Colhidos os vistos legais cumpre apreciar e decidir.
Em 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos (não impugnados neste recurso):
1. A Autora dedica-se à actividade editorial e jornalística, sendo proprietária de diversas publicações periódicas, contando no seu portfólio conhecidas publicações periódicas, nomeadamente as revistas Teleculinária e Guia TV CABO (A).
2. A Autora é proprietária e editora da revista Guia TV CABO, registada no Instituto da Comunicação Social em seu nome desde 16 de Maio de 1995 (B).
3. A revista Guia TV CABO é uma publicação mensal que contém informação sobre a programação dos diversos canais televisivos transmitidos por fibra óptica, em sinal aberto ou codificado (vulgo televisão por cabo), bem como notícias e entrevistas sobre o mundo do espectáculo (C).
4. O projecto e o formato da revista Guia TV CABO foram concebidos, criados e executados em 1995 pela Autora , tendo constituído para tal um corpo editorial, de redacção e comercial para a produção regular e periódica da revista (1º).
5. O projecto gráfico foi concebido pela A. e por empresa a quem ela o encomendou (2º).
6. Ao longo de mais de sete anos, a revista Guia TV CABO tem vindo a ser concebida, editada, distribuída e vendida ao público de forma regular, contínua e com uma periodicidade mensal (3º).
7. A revista “Guia TV Cabo” era a única revista portuguesa da especialidade dedicada em exclusivo à televisão por cabo e vendida nas bancas ao público em geral (4º).
8. O n.º 80, de Junho de 2002, tem o título, o formato e o conteúdo que consta do exemplar junto como documento 2 ao requerimento de providência cautelar (D).
9. À data de Junho de 2002, era Director da Guia TV CABO o Sr. A.[…] (E).
10. E eram redactores os senhores F.[…], N.[…], J.[…] e M.[…] (F).
11. E eram colaboradores habituais, entre outros, os Senhores T.[…], Z.[…], S.[…], P.[…], B.[…], J.[…], G.[…], M.[…], O.[…] e D.[…] (G).
12. Todas as pessoas acima mencionadas eram trabalhadores ou colaboradores regulares da Autora (H).
13. Á data de Junho de 2002, o trabalho de impressão e pré-impressão da revista Guia TV CABO era executado pela empresa C.[…], propriedade do 2º Réu (I).
14. Para tanto, a Autora  entregava mensalmente à empresa do 2.º Réu um CD ROM contendo o lay out, os conteúdos e as fotografias do número da revista a imprimir (J).
15. A qual procedia à pré-impressão com base no CD ROM entregue e posteriormente encarregava-se da impressão dos exemplares (K).
16. Á data de Junho de 2002, a revista Guia TV CABO tinha uma tiragem de 60.000 exemplares (L).
17. No início de Junho de 2002, a A. suspendeu a publicação da “Guia TV Cabo” (5º e 50º).
18. Essa decisão foi tomada na sequência da denúncia pela “TV Cabo”, em Outubro de 2001, de um contrato que a A. tinha com aquela empresa (6º e 51º).
19. A denúncia do contrato que a TV CABO mantinha com a A. teve como consequência que os proveitos da venda da revista Guia TV CABO passassem a ser inferiores aos seus custos (M).
20. Situação que a Autora  não conseguiu alterar e, pelo contrário, viu agravar-se durante o ano de 2002 (N).
21. A intenção da A. era a de vir a retomar a revista no âmbito de uma nova colaboração com a “TV Cabo” ou com outro operador de televisão por cabo (7º e 22º).
22. A decisão de suspender a publicação foi comunicada aos colaboradores da revista, e a A. prescindiu dos serviços daqueles colaboradores (8º, 9º, 53º e 59º).
23. Entretanto, no dia 11 de Junho de 2002 faleceu T.[…], sócio maioritário da Autora  e um marco de referência no mundo editorial (O).
24. No dia 28 de Junho de 2002, foi posta à venda uma revista com o título TELE CABO (P).
25. Consta da sua ficha técnica, nesse primeiro número, como proprietário e director o Senhor Pedro […], ora 1º R., e como editor a empresa C.[…] (Q).
26. A C,[…] é a marca utilizada pelo 2º Réu no seu giro comercial, o qual colaborou com a Autora  na sua actividade jornalística e de edição (R).
27. A C.[…] era responsável pela impressão e pré-impressão da revista semanal Teleculinária, de que é proprietária a Autora  e foi também responsável pela impressão e pré-impressão da revista Guia TV CABO até Junho de 2002 (S).
28. A C.[…] e o 2º R. conhecem perfeitamente e desde há muitos anos as publicações da Autora, nomeadamente a Guia TV CABO (T).
29. A empresa C.[…] e o 2º R. tiveram conhecimento da decisão da Autora  de suspender a publicação da Guia TV CABO, do falecimento do Sr. T.[…] e da saída dos colaboradores da revista (U).
30. A C.[…] e o 2º R. sabiam que a Autora  não cedeu ou licenciou ao 1º R. os direitos de autor sobre a revista Guia TV CABO (V).
31. O 2º R., através da sua empresa C.[…], aceitou fazer a impressão para o 1º R. da revista “Tele Cabo” com a forma e conteúdo que consta de fls. 277 a 334 dos autos (10º).
32. Tal impressão foi feita com base no material que lhe foi fornecido pelo 1º R. (11º).
33. Na ficha técnica da revista TELE CABO aparece como Director Editorial o Sr. A.[…], que por sua vez era Director da revista Guia TV CABO (W).
34. Os senhores F.[…], N.[…], J.[…], M.[…], T.[…], Z.[…], S.[…], P.[…], B.[…], J.[…], G.[…], M.[…], O.[…] e D.[…] aparecem também na ficha técnica como redactores ou colaboradores da revista TELE CABO, sendo certo que foram, também, redactores ou colaboradores da revista Guia TV CABO (X).
35. A revista TELE CABO é distribuída pela V.[…] S.A., […] (Y).
36. Comparando a capa das duas revistas Guia TV CABO e TELE CABO, verifica-se que o “lettering” do título é igual no tipo e dimensão de letra, tentado-se ocultar a expressão “TELE”, deixando apenas visível a expressão “CABO”, comum a ambas as revistas (Z).
37. Ainda na capa do número 1 da TELE CABO aparece a expressão “mais páginas, o mesmo preço” (AA).
38. A expressão “mais páginas, o mesmo preço” que aparece na capa do número 1 da TELE CABO é uma comparação dirigida à Guia TV CABO (12º).
39. O conteúdo da página 2 das duas revistas, com o título “Descubra a grelha dos canais mais vistos” é igual no conteúdo e praticamente igual na forma (13º).
40. A página 3 das duas revistas é preenchida pela crónica de J.[…] com o título “O que eu vejo” (14º).
41. As colunas “túnel do Tempo” e “Ricos e Famosos” são comuns a ambas as revistas (15º).
42. O formato da “programação” é rigorosamente idêntico em ambas as revistas (16º).
43. O verso da contra capa é também semelhante em ambas as revistas e rigorosamente idêntica é a parte inferior do verso da contra capa, com o cupão para assinatura (17º).
44. A redacção da revista TELE CABO publica um elogio fúnebre a T.[…], até há poucos dias gerente e principal quotista da Autora (BB).
45. Nas bancas, o público foi informado verbalmente que a Guia TV CABO fora substituída pela TELE CABO (18º).
46. A quem, durante o mês de Julho, se dirigia a qualquer banca de jornais e pedia uma Guia TV CABO, era lhe vendido um exemplar da TELE CABO, como se se tratasse  da mesma revista (19º).
47. E durante o mês de Julho e Agosto a Autora  recebeu diariamente dezenas de telefonemas de assinantes que pediam para confirmar se a revista Guia TV CABO havia mudado de nome para TELE CABO, se esta era a mesma coisa que aquela, se a sua assinatura se mantinha válida para a “nova revista”, ou ainda a protestar por não terem recebido em sua casa, por assinatura, “a nova revista” (20º).
48. O consumidor médio e os próprios vendedores das bancas confundiram a revista Guia TV CABO com a revista TELE CABO, pela sua aparência gráfica e conteúdo (21º).
49. A publicação regular da revista “Tele Cabo”, nos moldes descritos, dificulta a conclusão pela A. de negociações com outro operador de televisão por cabo para retomar a edição da revista “Guia TV Cabo” (23º e 24º).
50. A Autora viu frustrar-se, em Setembro de 2002 as negociações em curso para uma parceria com operadora CABO VISÃO (CC).
51. Mesmo que qualquer negociação fosse concluída, a A. teria de conquistar de novo o seu espaço no mercado e nos leitores, como se de uma nova revista se tratasse, com os custos de investimento inerentes (25º).
52. Após ter conhecimento do 1.º número da TELE CABO, a Autora dirigiu ao 2.º R a carta datada de 26/07/2002, na qual solicitou a devolução de todo o material confiado a este para impressão e pré-impressão das revistas Teleculinária e Guia TV CABO (DD).
53. Nos números seguintes a Julho, 2.º Réu deixou de ser mencionado como editor da TELE CABO assumindo o 1.º Réu também esse estatuto (EE).
54. Mas nos números 2 a 5 da TELE CABO publicados até à data subsistem semelhanças evidentes com o conteúdo e formato da Guia TV CABO, designadamente, a crónica mensal de Jorge Gabriel, uma rubrica dedicada à televisão americana, a rubrica “Ricos e Famosos “, a rubrica “Internet” e  a rubrica “Túnel do Tempo” (27º).
55. Quem se dirigir a uma banca de jornais e pedir a Guia TV CABO, continua a ser  entregue pelo vendedor um exemplar da TELE CABO, e é informado pelos vendedores que uma substituiu a outra, como se fosse a mesma revista (28º).
56. A partir do 2.º número da TELE CABO, o 1.º R criou um espaço designado “Heavy Viewers”, destinado a correspondência de leitores, sobre questões relacionadas com a temática da televisão por cabo (29º).
57. Este espaço é da responsabilidade de um “Conselho de Heavy Viewers” formado pelos Senhores Eng. J.[…], Eng. J.[…] e M.[…] (30º).
58. O 1º R. faz publicar nesse espaço o conteúdo de cartas de leitores da “Tele Cabo” (31º).
59. O próprio 1º R., enquanto editor, e os responsáveis pela selecção das cartas publicadas, admitem que as referências à “outra revista” são censuráveis à luz da ética profissional (32º).
60. A pretexto de responder às pretensas cartas, (aliás, sem nenhuma relação com a temática da programação por cabo) o 1.º R. faz afirmações como as que a seguir se transcrevem: “ Leitores(...) traumatizados por experiências tristíssimas noutras paragens” “como  os nossos leitores estão muito traumatizados por experiências editoriais anteriores”... “ estamos a fazer  um esforço...comprando as melhores fotos e pagando-as o que infelizmente não acontecia noutros tempos com outras publicações”(..) .”Não picamos fotos da Internet”  (cfr. resposta a leitor, rubrica “Heavy Viewers”. 6.ª coluna  Revista  n.º 3 doc. n.º 3); “Nada temos a ver nem queremos com a defunta revista a que se refere.(...) tudo fazemos para não sermos misturados com essa gente(...) nós não roubamos  os assinantes, nem as tipografias onde imprimem a revista nem os colaboradores que trabalham e não recebem (resposta a leitor, rubrica “Heavy Viewers”. 4.ª coluna  Revista  n.º 5 doc. n.º 4); “Os nossos tribunais afinal apoiam aqueles que roubam e vigarizam os clientes. Esses sim podem roubar na total impunidade. Quem acaba por ser penalizado são os que pagam tudo, não ficam a dever nada a ninguém e cumprem todas as leis ”by the book” (resposta a leitor, rubrica “Heavy Viewers”. 6.ª e 7.ª colunas,  Revista n.º 5 doc. n.º 4) (33º).
61. Desde a publicação do n.º 2 da TELE CABO que o 1.º R, que tem também vindo a utilizar o espaço dedicado ao Editorial para veicular mensagens negativas sobre a actividade comercial da Autora: “assinantes com experiências traumáticas noutros locais que não lhe mandaram a revista a horas,( ..) vieram ter connosco porque agora as coisas são diferentes”) (cfr. Editorial  revista n.º 2 documento n.º 2 (34º).
62. No Editorial da revista n.º 3, o 1.º R  estabelece várias comparações explícitas entre as duas revistas TELE CABO e a GUIA TV CABO, transcrevendo-se as seguintes: «(..) .A receptividade não se regista só nas vendas e nos contactos directos com os leitores. Verifica-se também nas bancas que têm reagido muito favoravelmente perante a nova realidade de aparecer uma Revista de cabo que cumpre os prazos, (...).antes do fim do mês faz a distribuição de uma forma profissional e organizada.” .(..) verifica-se junto dos assinantes que sabem que não estão a pagar gato por lebre (...) que sabem (..) que não foram vítimas de uma burla” “Verifica-se junto dos anunciantes que sabem que anunciando na TELE CABO têm a certeza que a revista estará em tempo na banca e que a sua mensagem chegará de facto até ao seu público alvo” ”...“Verifica-se junto de fornecedores que “escaldados” com experiências anteriores em que só conseguiam receber as dívidas a que tinham direito recorrendo aos tribunais com acções de penhoras e arrestos que deixavam jornalistas e gráficos e administrativos com toda a mobília e equipamento penhorados sem terem onde se sentar e onde escrever”... “Verifica-se junto dos  profissionais do meio que se recusavam a ser entrevistados .por não quererem ver o seu nome conotado com iniciativas que tinham no mercado uma imagem arrasadora e negativa e que se sentem agora honrados e distinguidos por participarem num projecto ganhador ”. (35º).
63. O 1.º R acrescenta ao fecho do editorial da revista n.º 5 (já publicada após os RR terem sido notificados da providência apensa a esta acção): Mas o leitor está primeiro e ninguém - mas ninguém, seja o mais poderoso ou mais corrupto – nos conseguirá fazer parar. E muito menos calar. (cfr. Editorial,  Revista n.º 5 doc. 4) (FF).
64. A TELE CABO tem uma tiragem média mensal de 80.000 exemplares, o que permitiu que os comentários aí publicados chegassem ao conhecimento de, pelo menos, 80.000 pessoas, em cada mês (GG).
65. A Autora é uma editora com mais de 20 anos de actividade, cujo nome é sobejamente conhecido no meio editorial, por estar associado a publicações de prestígio entre muitos outros, a revista líder de mercado Teleculinária, Casa e Decoração  e séries de BD como o Lucky Luke e Astérix (HH).
66. O 1.º R criou descrédito sobre o nome da A., de difícil reversibilidade, junto do mercado e publico em geral, que a prejudicou e continua a prejudicar na conclusão de negócios e na fidelização de clientela (36º).
67. O fim pretendido pelo 1º R. é desviar os leitores e parceiros comerciais da A. para seu proveito (37º).
68. Desde a publicação do 2.º número da TELECABO, em finais de Julho de 2002, que inúmeras pessoas se dirigem à A.,  por contacto telefónico ou pessoal, para a questionar sobre as afirmações e comentários que o 1.º R faz publicar naquela revista, acerca da M.[…] ora A. (38º).
69. Nomeadamente, as referidas pessoas dizem ter lido na revista TELE CABO as citadas afirmações, e querem saber “o que se passa com a actividade da M.[…]” julgam que “a Meribérica faliu”,  ou se  “está em liquidação ou se já cessou a sua actividade” (39º).
70. Na sua maioria, esses contactos são de leitores da Guia TV CABO ou de outras publicações da M.[…], bem como de fornecedores, anunciantes, antigos colaboradores e pessoas ligadas à área editorial, enfim de parceiros comerciais da A. (40º).
71. A tal ponto que, essas afirmações e comentários publicados na TELE CABO são tema de conversa nos certames e feiras de editores, em que a A. se faz representar, nomeadamente na feira Internacional de Banda Desenhada da Amadora (41º).
72. O objectivo dos comentários supra descritos é o desvio ou a captação, para proveito do 1.º R,  de clientela e parceiros comerciais actuais ou potenciais, da A. (42º).
73. Sucede que na 4.ª semana de Outubro de 2002, foi colocada à venda uma revista semanal, especializada em Culinária, denominada Nova Culinária e Vinhos, registada no ICS com o n.º 124097 (II).
74. Na ficha técnica desta revista surge como endereço postal o domicilio do 2.º R, e como director técnico o Sr. F.[…] que foi colaborador da empresa C.[…], pertencente ao mesmo 2.º R (JJ).
75. Esta publicação concorre com a revista semanal, especializada em Culinária, denominada Teleculinária, líder de mercado, da qual a A. é proprietária há mais de 20 anos, e cuja impressão esteve sob a responsabilidade do 2.º R., até Julho de 2002 (KK).
76. A A. requereu que fosse decretada uma providência cautelar sem audiência prévia do R., então Requerido para conseguir a suspensão judicial de publicação e edição da revista (LL).
77. Para além dos custos directos, com a equipa, concepção e registo de título e logotipo, e acesso a fontes de informação, o lançamento de um produto editorial da natureza da TELE CABO envolve, pelo menos os seguintes investimentos: elaboração de um projecto editorial, com uma sinopse da revista; um projecto gráfico, com o lay out da revista; campanhas de lançamento e eventos de relações públicas, para divulgar o produto junto de potenciais consumidores, incluindo a produção e inserção de spot televisivo, produção e inserção de páginas na imprensa, cartazes e outdoors; fase de conquista de clientela/leitores, que se traduz na diminuição progressiva da diferença entre o número de exemplares impressos e vendidos, que se calcula num período de seis meses (43º).
78. O projecto gráfico e o lay out usados no nº 1 da “Tele Cabo” foram copiados do projecto gráfico da “Guia TV Cabo” elaborado e custeado pela A.; nos números subsequentes publicados até à data, o 1º R. continua a utilizar o projecto editorial e gráfico da “Guia TV Cabo”, no qual apenas introduziu algumas modificações de forma; a “Guia TV Cabo” era a única publicação especializada em programação de TV por cabo editada em Portugal e vendida nas bancas, pelo que todo o esforço promocional de sensibilização e captação de leitores da “Tele Cabo” foi suportado pela A. aquando do lançamento da “Guia TV Cabo” (44º).
79. A semelhança óbvia entre as duas revistas não passou despercebida à Comunicação  Social, o que determinou a notícia ”Descubra as Diferenças, publicada  no Diário de Notícias em Julho de 2002 (45º).
80. O Senhor  F.[…], na qualidade de director de produção da TELE CABO, declarou ao Diário de Notícias “ que se procurou aproveitar a oportunidade de surgir no mês seguinte e ocupar o lugar da Guia TV Cabo nas Bancas ”  (46º).
81. O 1º R. não conseguiria colocar à venda o nº 1 da “Tele Cabo” no final de Junho se não fosse o acesso e utilização dos suportes informáticos da “Guia TV Cabo”, a participação de todos os anteriores colaboradores da A. na elaboração da revista, o acesso à lista de assinantes da “Guia TV Cabo”, o conhecimento da suspensão da publicação da “Guia TV Cabo”, e o facto de a “Guia TV Cabo” ser a única revista especializada em programação de TV por cabo em Portugal que na altura era vendida em banca ao público em geral (47º).
82. Existia já a revista “Cabovisão Magazine”, também dedicada em exclusivo à televisão por cabo, mas que era distribuída exclusivamente aos subscritores do serviço Cabovisão (48º e 104º).
83. Só a partir do mês de Outubro de 2002, a revista da Cabovisão passou a ser distribuída nas bancas ao público em geral (49º e 105º).
84. Quem fez a pré-impressão e impressão do número 2 da revista TELECABO foi a tipografia S.[…] e quem fez a partir deste número foi a tipografia L.[…] (através das suas participadas G.[…] e H. […]) (54º).
85. Os artigos do jornalista J.[…9 publicados com o título “O que eu vejo”, são artigos da autoria do jornalista que os comercializa a quem os compra, sendo o título e respectivos conteúdos da sua autoria (56º).
86. Da publicação mensal da revista dependem dezenas de pessoas (57º).
87. O logotipo registado da revista “Guia TV Cabo” era constituído por uma elipse vermelha com letras amarelas, o qual foi sempre utilizado nas capas da revista (58º).
88. Durante a suspensão judicial, apareceram nas bancas, respectiva e sucessivamente em finais de Novembro e Dezembro 2002 e Janeiro 2003,  3 edições de uma  revista  aparentemente com o  nome de  capa  “TELE&CABO” e com o título “Pluricanal” (75º).
89. Depois de revogada parcialmente a decisão de suspensão judicial, e até ao presente momento, apareceram nas bancas, respectivamente em finais de Fevereiro e  Março de 2003 os exemplares nºs 6 e 7 da revista TELECABO (76º).
90. A publicação com o nome de capa  “TELE&CABO” e título P.[…9 não voltou a aparecer nas bancas após  Fevereiro de 2003, isto é após revogada parcialmente a decisão judicial que suspendeu a TELECABO (77º).
91. Da ficha técnica da publicação com o nome de capa “TELE&CABO” e título P.[…] consta como sendo seu editor e proprietário o Sr. H.[…] (78º).
92. O Senhor H.[…] consta no registo do ICS com o seu nome completo de H.[…] (79º).
93. O Senhor H.[…] ou H.P.[…], é o responsável pelo serviço de gestão de assinaturas da publicação TELECABO, do ora Réu, antes de decretada a suspensão e depois de revogada a suspensão (80º).
94. H.[…], H.[…], H.H.[…], ou H. P.[…]  são apenas uma e única pessoa (81º).
95. Nos três efémeros números da publicação com o nome de capa TELE & CABO encontram-se os seguintes  endereços  e contactos do departamento de  assinaturas ou de apoio ao assinante : No exemplar de Dezembro 2002:  “Rua da R.[…],  […] Telefone  […] (cfr. doc. 6 contracapa ) No exemplar de Janeiro  2003 : “Apartado 556, Monte Estoril […] , […] fax: […]  (cfr. doc. 7 contracapa); No exemplar de Fevereiro de 2003 : H. P.[…] […];
fax […]
96. Os referidos telefones n.º […]estão instalados na Rua de Lisboa […]  que por sua vez é a sede da redacção da TELECABO (83º).
97. O fax n.º […] indicado para contacto serviço de assinaturas na contracapa da  revista  que dá pelo nome de capa TELE&CABO, está registado em nome da empresa  M.[…],  que por sua vez pertence ao reconvinte, e é também telefone e fax da redacção da TELECABO (84º).
98. Estes contactos para assinaturas já figuravam nas TELECABO 1 a 5,  antes da suspensão judicial,  e continuam a figurar nas TELECABO  n.º 6 e 7 (85º).
99. Na edição de Dezembro de 2002 da revista com nome de capa TELE&CABO, pags. 34 e 35, aparece impresso em pé de página a expressão Guia TV Cabo (86º).
100. Pelo menos na edição de Dezembro de 2002, os suportes digitais com os lay outs  para impressão e pré-impressão da revista da reconvinda continuam a ser utilizados pelo reconvinte P.[…], 1.º Réu (87º).
101. Na pág. 31 do exemplar de Dezembro da revista “Tele & Cabo”, vem publicado o respectivo estatuto editorial cujo texto reproduz quase palavra por palavra, com poucas diferenças e de mero pormenor, o estatuto editorial publicado na pág. 3 do nº 1 da “Tele Cabo” (88º).
102. Nas edições  1 a 5 da TELECABO  anteriores  à suspensão judicial,  aparecem na ficha técnica dessa  revista, entre outros, os senhores:  F.[…], N.[…], J.[…], M.[…], T.[…], Z.[…], S.[…], P.[…], B.[…], J.[…], G.[…], M.[…], O.[…] e D.[…], L.[…] e A. Ayala (89º).
103. As rubricas «Ricos e Famosos»,  «Top Cabo», entrevistas e reportagens dos «Nossos Enviados ao Brasil»; «Internet»; «Reality Show», são colunas que aparecem regularmente nas edições da TELECABO (90º).
104. Durante a suspensão judicial da  TELECABO,  na publicação com o nome de capa TELE & CABO constam as mesmas  rubricas e colaboradores (91º).
105. No exemplar de Dezembro, lê-se: Pág. 4 e sgs:  «Top» por Xavier Horta; pág. 8 e segs. “Entrevista com Marisa Cruz”, por Zélia Fernandes; pág. 10 “Dieta Secreta de Marisa Cruz” por Pedro Rio; pág. 14 sgs  «Túnel do Tempo» por nossos enviados ao Brasil, Lelo Catarino e A. Ayala;   pág.  16 sgs. Reportagem com Adriane Galisteu por «Nossos enviados ao Brasil»  Lelo Catarino e A. Ayala; pág. 22 sgs   «Reality Show», por Francisco Salgueiro; pág. 26 sgs. «Ricos & Famosos» por Miguel Maria Lopez.(92º).
106. No exemplar de Janeiro, lê-se: Pág. 4 e sgs:  «Top Cabo» por Xavier Horta,  Pág. 8 e sgs «Nossos enviados ao Brasil», por  Lelo Catarino e A. Ayala; pág. 16 sgs «Reality Show», por Francisco Salgueiro; pág. 20 sgs «Túnel do Tempo» por Lelo Catarino e A. Ayala; pág. 24 sgs. «Internet» por José Granchinho; pág. 26, «Audiências» em que uma das fontes é a empresa M.[…], empresa do reconvinte e cujo pé de página  se pode ler a palavra TELECABO, com  letra e formato igual ao que consta do pé páginas das revistas TELECABO; pág. 30 sgs. «Ricos & Famosos» por Miguel Maria Lopez.(93º).
107. No exemplar de Fevereiro: Pág. 4 e sgs:  «Top Cabo» por Xavier Horta; pág. 6 sgs. «Barulhinho Bom» por Roseanne Lima; pág. 10 sgs.  «Ricos & Famosos» por Miguel Maria Lopez; pág. 16 e sgs. Reportagem «Casais» por  nossos enviados ao Brasil,   Lelo Catarino e A. Ayala;  pág. 26 sgs «Reality Show», por Francisco Salgueiro; pág. 30 sgs «Túnel do Tempo» por Lelo Catarino e A. Ayala; pág. 34 sgs.   «Internet» por José Granchinho (94º).
108. Após a revogação parcial da decisão que suspendeu a revista TELECABO, em finais de Fevereiro de 2003,  com programação de Março,  saiu nas bancas uma  edição com o  n.º 6, em cuja página 6, canto superior esquerdo,  o reconvinte fez publicar o seguinte texto: “Depois do top do silicone publicado na última edição da TELECABO descobrimos novo recorde: já não pertence à cantora Syang (95º).
109. Acontece que o top do silicone a que se refere o Réu apareceu publicado a páginas 8 e 9 do 3.º e último número da revista com nome de capa TELE & CABO, que surgiu nas bancas em finais de Janeiro de 2003 (96º).
110. A páginas 161, 3.ª coluna da edição n.º 7 publicada no final de Março,  na rubrica “Caros Heavy Viewers” é dada a seguinte resposta a um leitor: “(...) Ainda recentemente pôde ler uma reportagem notável com Marisa Cruz e nesta edição publicamos aquele que consideramos um dos trabalhos mais sérios (...) (97º).
111. Acontece que essa reportagem foi publicada na página 8 e seguintes da edição de Dezembro da revista que dá pelo nome de capa  TELE&CABO, e assinada por Z.[…] (98º).
112. A Senhora Z.[…], por seu turno, é chefe de redacção da TELECABO (99º).
113. Na  pág. 160,  3.ª coluna, da mesma edição de Janeiro da revista que dá pelo nome de capa  TELE&CABO, escreveu o leitor P.[…] “Só publicam cartas com elogios(...)” (100º).
114. Ora, na anterior edição da revista que dá pelo nome de capa TELE&CABO, e que foi a primeira, (Dezembro 2002)  não havia uma secção destinada a correio de leitores (101º).
115. As cartas de leitores e assinantes da TELECABO, que escreveram para a redacção da  Rua […], foram respondidas pela redacção da revista que dá pelo nome de capa TELE&CABO, cuja sede é na Rua da R. […], e o inverso também se verificou (102º).
116. As semelhanças de nome, aspecto gráfico e conteúdo,  entre a  as revistas  TELECABO  publicadas antes da decisão de suspensão judicial e depois da revogação parcial dessa decisão, e os 3 exemplares da revista que dá pelo título de capa TELE&CABO, publicada durante a suspensão judicial são de molde a induzir o consumidor de que se trata da mesma revista (103º).
117. No início de Fevereiro de 2003, em plena suspensão judicial da TELECABO,  o reconvinte afirmou à revista Meios “neste momento a "Tele Cabo" tem cerca de 4000 assinantes, estando a vender em banca cerca de 50/60 mil exemplares.  e “ que se verificou ao longo dos meses um crescimento do volume de publicidade, até porque a revista não tem nenhum projecto independente concorrente. ...”a publicação paga-se pelas vendas efectuadas, constituindo o volume de publicidade facturada o lucro do projecto”. (106º).
118. A menção no nº 1 da TELE CABO de que a edição, produção e administração seriam da responsabilidade do 2º R. (que usa a marca C.[…]) ficou a dever-se a um erro técnico (108º).
119. O 1º R. reconheceu o erro de imediato, enviando ao 2º R. um e-mail com um pedido de desculpas (109º).
*
O DIREITO
No início da douta sentença recorrida ficou a constar que eram as seguintes as questões a decidir:
a) Houve violação ilícita de direitos da A. ou disposições legais destinadas a proteger os seus interesses? Que direitos e que disposições? Nomeadamente, verificou-se violação de direitos de autor pertencentes à A.? E concorrência desleal? E violação do seu direito ao bom nome e imagem?
b) A quem são imputáveis os perpetrados ilícitos? Ambos os RR., apenas a um deles, qual?
c) Os actos ilícitos em questão causaram à A. prejuízos indemnizáveis? Como se qualificam e quantificam?
d) A A. incorreu em responsabilidade civil perante o 1º R.?
e) Alguma das partes litigou de má fé? Nomeadamente a A. e o 1º R., aos quais foi imputada má fé processual?

Tendo em consideração que apenas recorreu o R P.B […] e que é pelas conclusões que se determinam o âmbito e os limites do recurso (artº 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do CPC), nada mais há que decidir em relação ao R Pedro C.[…] e ao pedido reconvencional.

Portanto, o R Pedro C.[…] foi absolvido do pedido por decisão com trânsito em julgado, tal como a autora em relação ao pedido reconvencional.

Em relação a cada uma daquelas questões foi decidido o seguinte em 1ª instância:
Quanto ao referido em a)
- Do exposto, e convocando agora designadamente os factos descritos nos nºs 36, 39 a 43 e 54, e ainda nos nºs 88 a 117, resulta que as revistas Tele Cabo e Tele & Cabo (esta publicada durante o período de proibição de publicação da Tele Cabo) são idênticas à revista da A. Guia TV Cabo, no formato, na apresentação, no grafismo, na forma e locais de inserção dos artigos, nos próprios artigos e crónicas, que são subordinados aos mesmos títulos, na apresentação da programação. Mas mais, as revistas Tele Cabo e Tele & Cabo não se limitaram a copiar a Guia TV Cabo; na realidade foram utilizados os suportes informáticos que serviam para a impressão da Guia TV Cabo.
É evidente o facto ilícito perpetrado por violação dos direitos de autor da ora A. M.[…].
- Graças ao aproveitamento não autorizado da Guia TV Cabo, a Tele Cabo poupou os custos necessários ao lançamento de uma nova revista, nomeadamente os que respeitam ao projecto editorial, projecto gráfico, campanhas de lançamento, publicidade, fase de conquista de mercado; todos estes custos foram suportados pela A. (factos nºs 77 e 78).
Os actos em questão enquadram-se na noção de concorrência desleal contida no art. 260º, e sua alínea a), do Código da Propriedade Industrial vigente ao tempo – Quem, com intenção de causar prejuízo a outrem ou de alcançar para si ou para terceiro um benefício ilegítimo, praticar qualquer acto de concorrência contrário às normas e usos honestos de qualquer ramo de actividade, nomeadamente: a) os actos susceptíveis de criar confusão com o estabelecimento, os produtos, os serviços ou o crédito dos concorrentes, qualquer que seja o meio empregue (…).
- A Tele Cabo e a Tele & Cabo publicaram declarações que põem em crise, de forma directa, a competência, a honestidade, a dignidade, o bom nome, a imagem da ora A. face aos consumidores das revistas em causa e perante o mercado em geral (factos nºs 60 a 71)…. É cristalino que as declarações em causa ofenderam o direito da A. à sua imagem e bom nome.
Quanto ao referido em b).
- os factos ilícitos foram praticados pelo réu Pedro B.[…] a título de culpa.
- não podia o 1º R. desconhecer que os comentários inseridos na Tele Cabo e na Tele & Cabo alusivos à A. denegriam a sua imagem, uma vez que tais comentários são objectivamente ofensivos; assim como sabia que as suas afirmações eram lidas por largas dezenas de milhar de pessoas; acresce que dos factos assentes sob os nºs 72 e 81 resulta directamente e sem recurso a qualquer conclusão que o R. agiu com culpa; impunha-se conduta, em tudo, diferente.
Quanto ao referido em c).
- os factos praticados pelo 1º réu causaram à autora danos patrimoniais e não patrimoniais;
- Entre os ilícitos praticados pelo 1º R. e os prejuízos sofridos pela A. existe sem margem para dúvida essa relação de causalidade adequada; só por si, o comportamento do 1º R. era, em termos abstractos, e foi, no caso concreto, causa suficiente para que, sem mais, se produzissem nas esferas patrimonial e moral da A. todos os prejuízos que se provaram nos autos.
- o 1º réu foi condenado a pagar à autora a quantia de 100.000, 00 euros a título de danos patrimoniais e a quantia de 25.000,00 euros a título de danos não patrimoniais.
Quanto ao referido em d) foi a autora absolvida do pedido reconvencional.
Quanto ao referido em e) foi o 1º réu condenado como litigante de má fé em 50 UC e igual montante de indemnização.
**
Neste recurso defende o réu Pedro B.[…] o seguinte:
- que não violou qualquer direito de autor de que a apelada fosse titular;
- que não existe concorrência desleal, uma vez que as revistas não foram publicadas simultaneamente, porquanto a revista do apelante só começou a ser publicada depois de a da apelada ter sido suspensa.
- as questões relativas ao bom nome e reputação da apelada, estando relacionadas com a pretensa violação das normas sobre direitos de autor e da concorrência desleal, encontram-se prejudicadas
- não deve o réu ser condenado como litigante de má fé.
**
Nesta conformidade, são agora as questões a decidir:
a) se foram violados os direitos de autor da apelada;
b) se se verifica a alegada concorrência desleal;
c) se se justifica a condenação do réu por danos patrimoniais e não patrimoniais;
d) se se justifica a condenação do réu como litigante de má fé.
I
A proprietária da revista “Guia TV Cabo” instaurou a presente acção contra o proprietário da revista “Tele Cabo” acusando esta de plágio, tanto no que diz respeito ao conteúdo como ao seu formato, dizendo que assim foi violado o seu direito de autor e que, além disso, foi praticado um acto de concorrência desleal.
Dos factos dados como provados resulta que a A. é dona de uma revista denominada “Guia TV Cabo”, a qual se encontra registada, em seu nome, no Instituto da Comunicação Social desde 16 de Maio de 1995.
Essa revista obedece a um determinado projecto gráfico e formato criados pela autora, ora apelada. E nela foram inseridos determinados conteúdos escolhidos também pela A.
Por isso, há que começar por decidir se existe ou não por parte da apelada um direito de autor sobre a aludida revista e se, no caso afirmativo, se verifica a aludida contrafacção.
“Consideram-se obras as criações intelectuais do domínio literário, científico e artístico, por qualquer modo exteriorizadas, que, como tais, são protegidos nos temos deste código, incluindo-se nessa protecção os direitos dos respectivos autores” (veja-se o artigo 1º do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos” – CDADC (1) - aprovado pelo DL 63/85, de 14.03).
E, como resulta claramente da alínea a) do nº 1 do artigo 2º, as criações literárias compreendem nomeadamente as revistas e os jornais.
Portanto, quer os jornais, quer as revistas, enquanto veículos de um determinado tipo de criação intelectual no domínio das letras, gozam da tutela do direito de autor, ou seja, são obras protegidas pelo direito de autor. É, de resto, solução aceite nesta acção por ambas as partes, desde que consideradas estas em abstracto.
Como estabelece a alínea b) do nº 1 do artigo 16º, a obra que for criação de uma pluralidade de pessoas denomina-se obra colectiva, se for organizada por iniciativa de entidade singular ou colectiva e divulgada ou publicada em seu nome.
E, como resulta do nº 3 do artigo 19º, os jornais e outras publicações periódicas presumem-se obras colectivas, pertencendo às respectivas empresas o direito de autor sobre as mesmas.
Portanto, as revistas presumem-se obras colectivas, pertencendo às respectivas empresas o direito de autor sobre as mesmas (neste caso à autora).
No entanto, determina o nº 2 do artigo 19º que se no conjunto da obra colectiva for possível discriminar a produção pessoal de algum ou alguns colaboradores, aplicar-se-á, relativamente aos direitos sobre essa produção pessoal, o preceituado quanto a obra feita em colaboração. E o nº 1 do artigo 173º estabelece que o direito de autor sobre obra publicada em jornal ou publicação periódica pertence ao respectivo titular …
Portanto, nestes casos, o direito de autor pertence ao respectivo titular, ou seja, melhor dizendo, ao criador intelectual da obra publicada (embora o artigo 173º apenas se aplique às obras cujos autores não estejam vinculados à empresa por contrato de trabalho). Sobre estes trabalhos não tem a empresa direitos de autor, embora, obviamente, mantenha os seus direitos sobre a obra em geral (jornal ou revista).
Estarão neste caso os trabalhos referidos nos números 40 e 41 dos “factos provados”, pertencendo aos respectivos autores.
Todavia, não basta reconhecer que uma publicação desta natureza cabe na definição abstracta da lei para que, automaticamente, beneficie da tutela por esta concedida.
Como bem se refere nas alegações de recurso, para que uma obra goze da protecção do direito de autor é necessário que seja original, isto é, que “seja o resultado de uma actividade intelectual criativa, do esforço criador do espírito humano”. E aí se refere também que “se a natureza estética (de uma obra) for meramente acessória e subordinada à função utilitária, em termos de não poder ser considerada como autónomo, mas sim vinculada ou instrumental, a protecção do direito de autor não se aplica”. Isto para refutar a posição assumida na sentença recorrida no sentido de que a revista da apelada “não é puramente utilitária”.
Em relação às obras de destinação utilitária (as que têm uma função útil e não propriamente uma função literária ou artística) escreve o Prof. Oliveira Ascensão (2): “nenhum motivo há para deixar automaticamente essas obras transpor o limiar do direito de autor. Só o poderão fazer se uma apreciação particular permitir concluir que, além do seu carácter utilitário, têm ainda o mérito particular que justifica que as consideremos também obras literárias ou artísticas”.
Na verdade, uma obra meramente utilitária não deverá gozar das prerrogativas concedidas pelos direitos de autor.
Ora, como vimos, em regra, uma revista, é considerada uma obra intelectual protegida pelo direito de autor. Resulta directamente da lei que uma revista é uma criação literária.
Não vemos, por isso, qualquer razão para não considerar como tal a revista de que é proprietária a apelada (Guia TV Cabo)..
Como refere Maria Clara Lopes em artigo publicado no Boletim da OA, Ano 18, “obra intelectual define-se pela criação de espírito original exteriorizado por qualquer forma. Há criação de espírito sempre que uma manifestação de pensamento se traduz numa forma sensível, ou seja, na composição ou expressão de uma obra. A criação é original sempre que reflicta a personalidade do seu autor”.
Já vimos que a lei define obras como as criações intelectuais do domínio literário, científico e artístico, por qualquer modo exteriorizadas, que, como tais, são protegidos nos temos deste código…
Uma obra, para este efeito, é uma criação do espírito humano; é uma exteriorização duma criação intelectual. É o caso da Guia TV cabo, salvo sempre melhor opinião em sentido contrário. Trata-se, com efeito, de um produto da criação artística, livre e personalizada da autora (obviamente através dos seus representantes).
Mas diz o apelante, citando o Prof. Oliveira Ascensão, que em relação às obras de artes aplicadas - também previstas no artigo 2º (nº 1 al. i.)- “a lei só permite a (sua) entrada no Direito de autor quando o seu carácter artístico prevalecer claramente sobre a destinação industrial do objecto”. E acrescenta que esta observação é extensiva a todas as obras de “destinação prática”.
Porém, como se decidiu na sentença recorrida, entende-se que, para este efeito, a revista da apelada “não é puramente utilitária”, pois “contém criação artística original, tendo em consideração o conjunto dos seus projectos gráfico e editorial, formato, forma de apresentação, tipos de artigos e crónicas, sua apresentação e locais de inserção”.
Com efeito foi referido a este propósito na douta sentença recorrida:
A obra da A., revista Guia TV Cabo, não é puramente utilitária, como se pretende no parecer junto pelo 1º R. em momento de alegações sobre matéria de direito. Pelo contrário, a revista em causa contém criação artística original, tendo em consideração o conjunto dos seus projectos gráfico e editorial, formato, forma de apresentação, tipos de artigos e crónicas, sua apresentação e locais de inserção.
A informação veiculada pela Guia TV Cabo pode, naturalmente, ser veiculada por n revistas, mas com diferentes formas de apresentação.
É, pois, de concluir que a A. goza de direito de autor sobre a revista “Guia TV Cabo” globalmente considerada, com determinado formato, projecto gráfico, linhas editoriais, conteúdos e sua inserção.
Ao contrário do que defende o apelante, os elementos referidos “não são puramente exteriores ao fenómeno criativo”… carecendo de “individualidade própria”.
Os mesmos conteúdos podem, obviamente, ser apresentados de forma diferente. E sendo certo que em todas as publicações do género são apresentados conteúdos semelhantes, a verdade é que o projecto e formato da Guia TV Cabo foram concebidos e executados pela autora, de forma original.
Existe, pois, o alegado direito de autor.
II
Estabelece o nº 1 do artigo 196º: comete o crime de contrafacção quem utilizar, como sendo criação ou prestação sua, obra…que seja mera reprodução total ou parcial de obra…alheia, divulgada ou não divulgada, ou por tal modo semelhante que não tenha individualidade própria.
Como escreve o autor do aludido parecer, em anotação ao artigo 196º do CDADC, “a contrafacção consiste, fundamentalmente, na apropriação abusiva do conteúdo de obra alheia, sendo irrelevante que a sua reprodução obedeça a um processo diferente ou não respeite as características exteriores (dimensões, formato, material utilizado etç) dessa obra”
Trata-se, portanto, de uma imitação ou alteração (total ou parcial) fraudulenta de uma obra alheia.
Mas não é suficiente a reprodução não autorizada de uma obra para que se possa falar em contrafacção. É ainda necessário que o autor da reprodução apresente essa obra como sendo sua, e, sobretudo, no caso que agora nos interessa, que ambas apresentem tal semelhança que a nova obra não tenha individualidade própria.
Se as obras forem semelhantes, mas cada uma delas tiver uma individualidade própria, não existe contrafacção. O critério da individualidade prevalece sobre a semelhança objectiva.
“O plágio não é uma cópia servil; é mais insidioso, porque se apodera da essência criadora da obra sob veste ou forma diferente” (3). E daí a distinção feita pela lei entre usurpação e contrafacção (artºs. 195º e 196º).
Diz o apelante que são poucas as semelhanças entre ambas as revistas.
Parece-nos, contudo, serem muitas e significativas.
Vejam-se os factos referidos nos seguintes números dos factos provados: 36,39,42,43 e 54 (Comparando a capa das duas revistas Guia TV CABO e TELE CABO, verifica-se que o “lettering” do título é igual no tipo e dimensão de letra, tentando-se ocultar a expressão “TELE”, deixando apenas visível a expressão “CABO”, comum a ambas as revistas; O conteúdo da página 2 das duas revistas, com o título “Descubra a grelha dos canais mais vistos” é igual no conteúdo e praticamente igual na forma; o formato da “programação” é rigorosamente idêntico em ambas as revistas; o verso da contra capa é também semelhante em ambas as revistas e rigorosamente idêntica é a parte inferior do verso da contra capa, com o cupão para assinatura).
Parece-nos, ao contrário do alegado pelo apelante, que o projecto gráfico, o “lettering”, o “lay-out” e o formato não têm de ser semelhantes.
É certo que ambas as revistas se destinam ao mesmo público e transmitem as mesmas informações sobre a programação televisiva. E, por isso, justifica-se que as informações sejam prestadas de forma semelhante. Mas vê-se nitidamente que foi intenção do réu imitar ou mesmo copiar as ideias da outra revista. E daí o facto dado como provado sob o número 79: a semelhança óbvia entre as duas revistas não passou despercebida à Comunicação  Social, o que determinou a notícia ”Descubra as Diferenças, publicada  no Diário de Notícias em Julho de 2002.
E, como ficou provado, o formato da “programação” é rigorosamente idêntico em ambas as revistas.
É certo que as crónicas e rubricas a que aludem os nºs. 14 e 15 da BI (“o que eu vejo” , “Ricos e Famosos” e “O Túnel do Tempo”) não são iguais, como, de resto, o não seriam na revista seguinte da autora, caso tivesse sido publicada. Trata-se, naturalmente, de artigos de revista sempre diferentes, mas apresentadas pelas mesmas pessoas e sob o mesmo formato. A verdade é que foram publicadas logo no 1º número da revista do réu, como se da mesma revista se tratasse, o que facilmente levaria os leitores a pensarem que existia qualquer relação entre ambas as revistas, apenas tendo mudado o nome e algumas das pessoas que nelas trabalhavam.
Concluiu-se, pois, como na douta sentença recorrida.
III
Vejamos se se verifica a invocada concorrência desleal.
O artigo 212º do CDADC foi revogado pela Lei nº 50/2004, de 28.08.04.
Mas, por um lado, tal não significa que não seja admissível invocar ainda a concorrência desleal, e, por outro, ao presente processo sempre seria aplicável o regime anterior.
Preceituava aquele artigo que a protecção prevista no CDADC não prejudicava a protecção assegurada nos termos gerais da legislação sobre concorrência desleal.
Esta legislação era a que constava do C.P. Industrial, nomeadamente no seu artigo 260º (Dec . Lei 16/95, de 24.01).
Deste resulta que faz concorrência desleal quem, com intenção de causar prejuízo a outrem ou de alcançar para si ou para terceiro um benefício ilegítimo, praticar qualquer acto de concorrência contrário às normas e usos honestos de qualquer ramo de actividade. E nas suas várias alíneas indicam-se de forma expressa quais os actos que, nomeadamente, constituem concorrência desleal, incluindo-se na alínea a) os actos susceptíveis de criar confusão com o estabelecimento, os produtos, os serviços ou o crédito dos concorrentes, qualquer que seja o meio empregue.
O actual CPI foi aprovado pelo DL 36/2003, de 05.03. E estabelece o seu artigo 317º: constitui concorrência desleal todo o acto de concorrência contrário às normas e usos honestos de qualquer ramo de actividade económica, nomeadamente, os actos susceptíveis de criar confusão com empresa, o estabelecimento, os produtos ou os serviços dos concorrentes, qualquer que seja o meio empregue.
De modo semelhante estabelecia já o artigo 212º do CPI aprovado pelo Decreto nº 30679 de 24.08.1940.
Em todos estes diplomas indicam-se nas várias alíneas ou números casos de concorrência desleal a título meramente exemplificativo. A norma geral é a que consta do corpo do respectivo artigo. Dá-se, pois, em primeiro lugar, uma noção de concorrência desleal e depois indicam-se vários casos concretos em que ela se verifica, por se tratar das hipóteses mais frequentes.
Significa isto que existem casos de concorrência desleal não expressamente previstos nas várias alíneas ou números dos artigos citados. Para tanto basta que se verifiquem os requisitos referidos no corpo do artigo.
Portanto, é apenas necessário que seja praticado um acto de concorrência contrário às normas e usos desonestos de determinado ramo de actividade económica.  
Constitui, pois, concorrência desleal todo o acto de concorrência contrário às normas e usos honestos de qualquer ramo de actividade económica, designadamente os actos que sejam susceptíveis de estabelecer, por qualquer meio, confusão com bens ou serviços de um concorrente no mercado.
Mas diz o apelante que não existe possibilidade de concorrência desleal pelo seguinte:
- para que exista concorrência é necessária a existência simultânea de duas empresas ou de dois produtos afins no mercado competindo entre si;
- a revista do apelante só começou a ser publicada depois de a apelada haver suspendido a publicação da sua, como resulta das respostas dadas aos artigos 5 e 50 da BI e alínea P dos factos assentes;
- quando surgiu o 1º número da “Tele Cabo” já a “Guia TV Cabo” não se publicava;
- o decurso dos prazos do artigo 5º, nº 2 alínea b) do CDADC e dos artigos 21º e 23º do Dec. Regulamentar nº 8/99, de 02.06, determinou a perda do direito da apelada ao exclusivo sobre o título da revista e à sua republicação.
Vejamos.
Estabelece o nº 1 do artigo 5º que o título de jornal ou de qualquer outra publicação periódica é protegido, enquanto a respectiva publicação se efectuar com regularidade…Mas, nos termos do seu nº 2, a utilização desses títulos só será possível um ano após a extinção do direito à publicação, anunciado por qualquer modo, ou decorridos três anos sobre a interrupção da publicação.
Assim, o direito ao uso exclusivo do título de qualquer publicação periódica, como é o caso, caduca um ano após o anúncio da sua extinção, ou, se esta (extinção) não for anunciada, logo que decorram três anos consecutivos sobre a interrupção da respectiva publicação.
Entretanto, no desenvolvimento do regime jurídico estabelecido no artigo 5º, nº 3 da Lei da Imprensa (Lei nº 2/99, de 13.01) (liberdade de imprensa e registo das publicações) foi publicado o decreto regulamentar nº 8/99, de 09.06.
Estabelece a alínea b) do nº 2 do artigo 21º que a suspensão da edição das publicações periódicas com periodicidade mensal (como é o caso) não pode exceder quatro meses por ano. E determina o seu artigo 23º que a inscrição das empresas jornalísticas é cancelada oficiosamente quando deixem de titular registos de publicações periódicas.
Mas, por um lado trata-se de uma questão nova, ou seja, não suscitada nos articulados e, por outro, dos factos provados não resulta que tenha sido cancelado o registo.
Com efeito, nesta parte apenas ficou provado o seguinte:
- no início de Junho de 2002 a A suspendeu a publicação da “Guia TV Cabo”;
- no dia 28.06.2002 foi posta à venda uma revista com o título “Tele Cabo”.
É certo que, nos termos do artigo 22º daquele decreto regulamentar, as entidades proprietárias das publicações devem fazer prova da sua publicação, sob pena de cancelamento oficioso do registo (artº 38º).
A verdade é que, como se disse, desconhece-se se o cancelamento foi feito e, portanto, se extinguiu o aludido direito.
Assim sendo, não pode proceder a argumentação do apelante com este fundamento.
Mas também não podemos considerar que não houve concorrência desleal só pelo facto de a revista da autora se encontrar suspensa. Justamente porque esta apenas se encontrava suspensa.
É certo que para que exista concorrência é necessária a existência simultânea de duas empresas ou de dois produtos afins no mercado, pois, caso contrário, a empresa criada (a que faria concorrência) não poderia disputar o mercado com qualquer outra. Entre duas empresas de ramos completamente diferentes não poderá haver concorrência, pois uma não tirará clientela à outra. Só existe concorrência desleal quando existe concorrência. De resto, a sã concorrência é defendida justamente pela concorrência leal e pela punição da concorrência desleal.
Mas também não é necessário que o acto de concorrência tenha atingido o fim visado pelo concorrente, ou seja, que tenha conseguido angariar a clientela pretendida, que o novo concorrente tenha conseguido alargar o seu campo de actuação à custa de outra ou outras empresas. Para tanto basta a possibilidade de ser atingido esse desiderato, como resulta da alínea a) do artigo 316º citado (“acto susceptível de criar confusão”). O acto de concorrência tem por finalidade o aumento da clientela própria à custa da clientela de outrem (a da entidade que se pretende atingir). Assim, o que caracteriza a concorrência desleal não é propriamente o resultado obtido, mas sim os meios utilizados para alcançar o fim em vista.
Daí que não seja necessária a existência efectiva de confusão no mercado, mas apenas que haja possibilidade de a mesma se verificar. E o réu quis precisamente lançar confusão no mercado fazendo publicar uma revista em tudo semelhante à da autora, como resulta dos factos dados como provados sob os números 7,9,10,11,11,17,24,33,34,40,41,42,43,45,46,48,49,55 e 116. E foi mesmo dado como provado que fim pretendido pelo 1º R. era desviar os leitores e parceiros comerciais da A. para seu proveito.
É evidente que uma nova revista no mercado, com as características referidas, dificultaria necessariamente a republicação da revista da autora. E não é por acaso que a revista do apelante tentou imitar a da apelada.
E esta tinha a intenção de retomar a publicação (ver facto 21).
E ficou provado: a autora viu frustrar-se, em Setembro de 2002 as negociações em curso para uma parceria com operadora CABO VISÃO (CC); e mesmo que qualquer negociação fosse concluída, a A. teria de conquistar de novo o seu espaço no mercado e nos leitores, como se de uma nova revista se tratasse, com os custos de investimento inerentes
A revista do réu foi publicada logo que a publicação da autora foi suspensa, como vimos. Para tanto foram aproveitados os conhecimentos adquiridos pelas pessoas que trabalhavam na revista da autora.
Embora a concorrência desleal seja geralmente tratada como um ilícito criminal, a verdade é que pode ter também efeitos no campo do direito civil, designadamente pela indemnização dos prejuízos causados ao concorrente prejudicado.
Por isso foi decidido no acórdão do STJ de 17.02.98 (CJ Ano VI, Tomo I, pag. 79) que “constituem concorrência desleal os actos repudiados pela consciência normal dos comerciantes honestos contrários aos usos honestos do comércio, que sejam susceptíveis de causar prejuízo à empresa dum competidor pela usurpação, ainda que parcial, da sua clientela”
Saber se a “concorrente desleal” criou ou não prejuízos é questão diferente. Com efeito, para haver concorrência desleal (com a consequente infracção penal) não é necessária a verificação de um prejuízo efectivo. Verificado este é que se põe o problema da responsabilidade civil.
IV
Como vimos, o apelante alega que não violou qualquer direito de autor de que a apelada fosse titular e que não praticou concorrência desleal. E, por isso, entende que as questões relativas à violação do direito ao bom nome e reputação da apelada estão prejudicados.
E assim seria se se verificassem os respectivos pressupostos.
A verdade é que esta decisão vai no sentido contrário ao defendido pelo apelante, como vimos dizendo.
Ora, o direito de autor abrange direitos de carácter patrimonial e direitos de natureza pessoal, denominados direitos morais (nº 1 do art. 9º). E no exercício dos direitos de carácter patrimonial o autor tem o direito exclusivo de dispor da sua obra e de fruí-la e utilizá-la (...) (nº 2 do mesmo artigo).
Como titular desse direito cabe à ora A. o direito exclusivo de fruir e utilizar a obra, no todo ou em parte, nomeadamente, tem a A. as faculdades de a divulgar, publicar e explorar economicamente por qualquer forma (nº 1 do art. 67º).

De qualquer forma, não haverá que conhecer dessas questões por falta de alegações e sobretudo de conclusões nesse sentido (artºs 684º, nº 2 e 690º, nº 1 do CPC).
É que o apelante limita as suas conclusões a duas questões:
a) inexistência do direito de autor.
b) inexistência de concorrência desleal.
Entretanto diz o apelante que, a ser autónoma, a indemnização correspondente ao prejuízo daí resultante teria de ser necessariamente de montante inferior ao que a sentença recorrida arbitrou, à qual sempre teria de abater-se a parte atribuída à suposta violação dos direitos de autor e das regras da concorrência (100.000 euros), reduzindo-se assim a 25.000 euros.
Mas é evidente que esta pretensão não tem qualquer fundamento, tendo-se em consideração o que foi decidido (violação do direito de autor e concorrência desleal).
Nesta conformidade, mantém-se o decidido em 1ª instância quanto aos prejuízos sofridos pela autora, nexo de causalidade e respectiva indemnização.
V
O apelante foi condenado como litigante de má fé.
Neste recurso apenas alega que não se justifica tal condenação (porquanto, a circunstância de ele não ter logrado fazer a prova de alguns factos alegados… não é suficiente para se concluir pela existência de dolo ou negligência grave) e que o provimento do recurso em relação às outras questões precludiria a hipotética existência da má fé.
Nas conclusões apenas diz que não se justifica esta condenação.
Vejamos.
A condenação do R baseou-se nos seguintes fundamentos:
«O R. alterou a verdade dos factos logo nos artigos 1º e 2º da sua contestação ao afirmar o desconhecimento de uma revista Tele & Cabo. Dos factos assentes sob os nºs 88 a 117 resulta clara e exaustivamente que a revista Tele & Cabo era a mesma que a Tele Cabo sob todos os pontos de vista, nomeadamente pessoas que nela colaboraram, conteúdos e formas, apenas se tendo acrescentado um “&” no título para dar uma aparência de cumprimento da decisão judicial de proibição de publicação da Tele Cabo.
Mas, mais, o 1º R. deduziu o seu pedido reconvencional com base em factos que sabia serem falsos, invocando prejuízos que sabia não ter tido, uma vez que durante o período de suspensão da Tele Cabo usou todos os meios materiais e humanos na publicação da Tele & Cabo, inserindo nesta, naturalmente, todas a publicidade àquela destinada. Leiam-se os factos 88 a 117 que são consistentemente ilustrativos da conduta do 1º R».
Dispõe o artigo 456º do Código de Processo Civil na actual redacção:
1. Tendo litigado de má fé, a parte será condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir.
2. Diz-se litigante de má fé que, com dolo ou negligência grave:
a) tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
3....

Na redacção anterior ao DL 329-A/95, de 12.12, prescrevia o nº 2 do mesmo artigo:  Diz-se litigante de má fé não só o que tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não ignorava, como também o que tiver conscientemente alterado a verdade dos factos ou omitido factos essenciais e o que tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal ou de entorpecer a acção da justiça ou de impedir a descoberta da verdade.
Discutia-se então se era necessária a verificação do dolo ou se bastava a "culpa grave" (a questão está agora resolvida no sentido de que basta a negligência grave - nº 2 do citado artigo). Mas entendia-se que apenas era permitida a condenação como litigante de má fé de quem tivesse agido com dolo, não bastando a "culpa grave", portanto de menor intensidade.
Age com dolo quem, sabendo que não tem razão, litiga como se a tivesse, deduzido pretensão cuja falta de fundamento não ignora. Age "com culpa grave ou erro grosseiro", nas palavras de Alberto dos Reis (4), quem recorre a juízo sem tomar em consideração as razões ponderosas que podem comprometer a sua pretensão.
Portanto, basta agora, para a condenação como litigante de má fé que o agente actue com negligência grave.
Ora, perante os factos referidos, parece-nos que bem se justifica aquela condenação, justamente pelas razões constantes da douta sentença, pelo que aqui se confirma.
**
Por todo o exposto acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
 
Custas pelo apelante.

Lisboa, 16 / 01 /2007.

Pimentel Marcos
Abrantes Geraldes
Maria do Rosário Morgado



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1.-.Do qual serão as disposições a citar, sem indicação doutra origem.

2.-Direito de Autor e Direitos Conexos (Coimbra Editora) (1992) pag. 96

3.-Oliveira Ascensão, in “Direitos de Autor e Direitos Conexos”, (Coimbra Editora), 1992, pag. 65.

4.-CPC Anotado, vol. II, pag. 262