Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
169/10.6TELSB-A.L1-5
Relator: NETO DE MOURA
Descritores: CRIMINALIDADE ECONÓMICO-FINANCEIRA
BRANQUEAMENTO DE CAPITAIS
MEIOS DE PROVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/10/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO PARCIAL
Sumário: Iº Tendo em vista o combate a determinado tipo de criminalidade organizada e económico-financeira, enunciada no art.1, da Lei nº5/02, de 11Jan., o legislador estabeleceu um regime especial de recolha de prova, de quebra do segredo profissional e perda de bens a favor do Estado, em que se integra a medida de controlo de contas bancárias (art.4, daquela lei);
IIº Essa medida, dependente de autorização ou ordem do juiz, consiste na obrigação de comunicação à autoridade judiciária ou órgão de polícia criminal responsável pelo controlo, de quaisquer movimentos efectuados sobre elas no período de 24 horas imediatamente subsequentes à(s) operação(ões) realizada(s) (citado art.4);
IIIº Quando se revele a necessidade de prevenir a prática do crime de branqueamento de capitais, o despacho que ordena ou autoriza a medida, pode incluir a ordem de suspensão de realização de movimentos a especificar, nomeadamente movimentos de débito;
IVº Aquela medida, sendo um instrumento de recolha de prova, não pressupõe a existência de fortes indícios da prática de um crime do catálogo, bastando que haja suspeitas da prática do crime (de catálogo) e de quem é ou são os seus agentes;
Vº Estando em causa sociedades, formalmente constituídas, registadas e com sede nos Estados Unidos da América e em Malta, controladas por cidadãos portugueses, residentes em território nacional, que aqui desenvolvem as suas actividades onde têm, efectivamente, a sua sede e direcção, onde são produzidos os seus rendimentos, não pagando quaisquer impostos, é fundada a suspeita de que, pelo menos parte dos valores movimentados através das contas bancárias em causa, têm origem em fraude fiscal;
VIº Essa suspeita justifica a manutenção da medida de controlo de contas bancárias, com suspensão de movimentos a débito pelo prazo de três meses, suficiente para conclusão da investigação;
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 5.ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação de Lisboa

I – Relatório

Nos autos de processo comum, em fase de inquérito, que, sob o n.º 169/10.6 TELSB, correm termos no Departamento Central de Investigação e Acção Penal, “A... Corp” e “B... Limited” requereram ao Sr. Juiz de Instrução do Tribunal Central de Instrução Criminal o levantamento da medida de sustação de movimentos a débito sobre contas bancárias de que são titulares ou co-titulares, determinada pelo Ministério Público e judicialmente ratificada.
Porém, o Sr. Juiz de instrução indeferiu tal requerimento, com os fundamentos explanados no despacho proferido a fls. 787-789 (reproduzido a fls. 331-333 destes autos).
Inconformadas, as identificadas sociedades recorreram dessa decisão para este Tribunal da Relação, com os fundamentos que expõem na respectiva motivação, de que extraíram as seguintes conclusões (em transcrição integral):
A) “O presente recurso vem pôr em causa o despacho de fls. 787 a 789, proferido nos presentes autos pelo Mmo. Juiz de Instrução Criminal, que indeferiu requerimento apresentado pelas Recorrentes no sentido da não renovação e imediata revogação das medidas de sustação de movimentos a débito que pendem sobre as suas contas bancárias, com o qual não podem de todo concordar.
B) A medida de “sustação de movimentos a débito de contas bancárias”, aplicada com base no disposto no art. 17.º n.ºs 1 a 3 da Lei 25/2008 de 5/6 e art. 4.º n.º4 da Lei 5/2002, de 11/01, ou seja, com base em mecanismo legal exclusivamente desenhado para o crime de branqueamento de capitais, leva sempre subjacente um outro crime, de entre os elencados no art. 368.º-A do C.P.. Ora, o crime de “jogo ilegal” não faz parte daquela lista taxativa de ilícitos que podem conduzir ao branqueamento.
C) As medidas previstas naqueles diplomas destinam-se a ser aplicadas quando se mostrem necessárias (“com grande interesse para a descoberta da verdade”) para apurar da existência de uma qualquer “lavagem” de dinheiro de proveniência ilícita, ou seja, servem para apurar a origem e destino das quantias.
D) Se as quantias existentes nas contas objecto de medidas de sustação são de origem lícita, e não são provenientes de nenhum dos actos ilícitos elencados no art. 368.º-A do C.P-, então tais medidas não podem subsistir. Nem podem subsistir depois de alcançado o seu único propósito legalmente admissível: apurar das natureza das quantias.
E) No caso, já está mais do que demonstrado de onde vêm e para onde vão as quantias apreendidas, constatação que aliás conduziu ao despacho de arquivamento. Falham, pois, os pressupostos de facto que podem fundar tais medidas.
F) A actividade das Recorrentes nada tem de ilegal: a Primeira Recorrente é uma sociedade com sede nos Estados Unidos especializada em apostas desportivas on-line, prestando serviços como “betting advisor”, que passa pela gestão de “apostas e contra-apostas”, concomitantes e relativas ao mesmo evento desportivo, cobrindo dessa forma todos os resultados possiveis, usando um método matematico-lógico, com base em casas de apostas on-line.
G) A Segunda Recorrente é uma sociedade com sede em Malta, dedicada às apostas desportivas on-line e o seu papel é servir de intermediária entre apostadores, que pretendam fazer ofertas a outros jogadores.
H) Ao longo da investigação tudo foi ordenado: medidas de sustação de movimentos a débito das contas bancárias de que são titulares as Recorrentes e outras empresas do grupo (fls. 165-170, fls. 174.180, fls. 182-186 e fls. 599-600); foi ordenada busca (fls. 257, fls. 531); foram chamados e ouvidos vários clientes (fls. 631 e ss.), escolhidos “à sorte” de entre uma vasta lista.
I) Ora, de nenhuma daquelas diligências resulta qualquer indício da prática de ilícitos penais, o que, aliás, motivou arquivamento.
J) Foram vários os requerimentos que foram fazendo chegar aos autos fornecendo todos os elementos que pudessem ser úteis, e colocando-se à inteira disposição (quase, pedindo!) para serem chamadas a prestar depoimento, de forma a explicarem qualquer ponto da sua actividade que causasse dúvidas.
As medidas de “sustação” em causa são legalmente inadmissíveis (falham igualmente os pressupostos de direito).
K) As medidas de “sustação” em causa fundam-se em mecanismos previstos exclusivamente em sede de prevenção e combate ao branqueamento de capitais, não tendo aplicação no âmbito da investigação de outros crimes não relacionados com o de branqueamento, como o de “jogo ilegal”, nem podem ser ordenadas ou mantidas para apurar se “estamos na presença de uma actividade não autorizada” (sic, despacho recorrido, último parágrafo).
L) A medida em causa aperece configurada, logo em primeira linha, como um meio de obtenção de prova a aplicar apenas quando “tiver grande interesse para a descoberta da verdade”, não sendo uma medida cautelar ou de garantia patrimonial com a finalidade de – como se sustenta nos autos – “impedir que os montantes se dispersem na economia legítima”.
M) A medida não se revela de grande interesse para a descoberta da verdade, porque a sua manutenção nada pode acrescentar de novo os autos – o que havia a colher em termos de indícios dos montantes apreendidos, já se colheu.
N) Mantém-se a medida em causa por motivos exclusivamente cautelares e de garantia patrimonial, não sendo a medida de “sustação” mais do que uma velada caução económica ou arresto preventivo (arts. 227 e 228 do C.P.P.), ao arrepido do princípio da tipicidade (art. 191.º do C.P.P) e aplicada a quem nem sequer assume a qualidade de Arguido (192.º, n.º1).
A medida aplicada é legalmente inadmissível, porque não pode ser decretada com a exclusiva finalidade de garantia de pagamento de penas pecuniárias ou de “não dispersão” dos montantes apreendidos.
O) Nada há a prevenir, já que se afastaram os momentos de layering e integration do crime de banqueamento – já se sabe de onde vêm e para onde vão as quantias, pelo que, nem a finalidade probatória, nem a finalidade preventiva subjazem às medidas medidas decretadas.
P) A interpretar desta forma tão “extensiva” os segmentos legais dos artigos 191.º do C.P.P. e art. 4.º n.º4 da Lei 5/2002, de 11/01, sempre se violaria, como viola, o art. 18.º da C.R.P., por crassa desproporcionalidade e desnecessidade da medida limitadora de direitos fundamentais, inconstitucionalidade que para todos os efeitos se deixa desde já invocada.
Q) Por “crime de jogo ilícito” ou “jogo ilegal” só se pode querer referir um dos vários tipos de ilícito criminal contemplados no D.L. 422/89, nomeadamente crime de “exploração ilícita de jogo” (isto é, fora dos locais legalmente autorizados).
R) O chamado “jogo on-line” (que nem sequer é a actividade directamente desenvolvida pelas Recorrentes, como já antes se explanou) não está abrangido por aquele diploma, nem pelos ilícitos ali previstos.
Neste sentido (Acórdão de Fixação de Jurisprudência, STJ, de 04-02-2010). (Parecer do Conselho Consultivo da PGR, Nº Convencional: PGRP00002692, de 27-06-2006), que concluiu que a nossa lei penal não criminaliza o jogo electrónico ilícito, nem se pode afirmar que se trate de ilícito cometido em território português.
S) O jogo de aposta on-line não está (ainda) regulado entre nós, inexistindo normas que lhe sejam aplicáveis, muito menos penais, onde não cabe aplicação analógica ou interpretação extensiva.
nullum crimen sine lege.
T) Como decorrência lógica do que acima se disse, também não existe um eventual crime de fraude fiscal, desde logo, porque aquela “fraude” sempre teria de ser decorrência de actividade ilegal que, como se disse, não ocorre.
U) Sobre as Recorrentes não recai nenhuma obrigação fiscal para com o Estado português, requisito essencial à verificação daquele ilícito:
Para os jogos compreendidos na Lei do Jogo, foi criado um imposto especial sobre o jogo (IEJ). Só que, porque o jogo online é invisível aos olhos da Lei nacional, o mencionado IEJ não lhe é aplicável.
X) Em matéria de IRC, há que dizer que as Recorrentes, tendo sede em Malta e Delaware, USA, não estão sujeitas a tributação no nosso país, sendo certo que cumprem com todas as suas obrigações fiscais naqueles Estados.
Y) Quando muito, haveria que por em causa a existência de uma sucursal em Portugal da A... CORP, enquanto entidade equiparada nos termos do artigo 4.º do CIRC – mas a mesma tem um papel meramente auxiliar da actividade da Recorrente, integrando por isso o n.º8 do art. 5.º do CIRC, como também já está documentado nos autos.
Z) As casas de apostas online também não têm de proceder a qualquer retenção na fonte de imposto devido pelos apostadores, pelo simples facto de estes não estarem igualmente obrigados a pagar imposto algum.
AA) Quanto a tributação em sede de IVA, sempre será de aplicar o disposto na alínea b) do nº. 6 do Art.º. 6º. do CIVA - isto é, a tributação em IVA respeitante a estas operações será efectuada na sede, em função da legislação desses outros países nesta área fiscal, e não é tributada em Portugal.
AB) Ainda que se conseguisse encontrar uma qualquer obrigação fiscal que pendesse sobre as Recorrentes, também não se vê como é que, mesmo que se construa a teoria de que o jogo online é tributável no nosso país, se pode equacionar a prática de ilícito criminal, na medida em que a fraude fiscal prevista no RGIT não dispensa o elemento subjectivo e a intenção de ocultação, que não se verifica in casu.

Pretendem, assim, a revogação do despacho recorrido e que se ordene a “imediata cessação das medidas de sustação de movimentos a débito” sobre as contas bancárias de que são titulares, de forma a ingressarem de novo na sua disponibilidade”.
                                                             *
O Ministério Público apresentou resposta à motivação do recurso, definindo o seguinte quadro conclusivo (transcrição integral):
1. “O despacho sob censura não violou os preceitos legais invocados pelas recorrentes – artºs 17º nºs 1 a 3 da Lei 25/2008 DE 05.06, 4º nº 4 da Lei 5/2002 de 11.01, 368º-A do Cód. Penal, 108º do Dec. Lei 422/89, 103º do RGIT, 191º do Cód. Proc. Penal e 18º da CRP - dos quais fez justa, adequada e criteriosa aplicação;

2. Nos presentes autos existem indícios da prática, pelas recorrentes, para além do mais, dos crimes de fraude fiscal qualificada, p. e p. nos arts. 103° e 104°-1 d) e f) e 2 do RGIT e branqueamento de capitais p. e p. pelo artº 368º-A do Cód. Penal;

3. Os autos foram arquivados relativamente a um eventual crime de burla e subsequente crime de branqueamento, prosseguindo, no entanto, quanto aos crimes de fraude fiscal qualificada e branqueamento de capitais tendo, como crime precedente a referida fraude fiscal;

4. As recorrentes, entre outras entidades, desenvolveram e desenvolvem uma actividade de consultadoria e assistência a sistemas de apostas on-line sobre resultados desportivos através de sites da internet, nos quais o sistema de apostas é apresentado como uma actividade financeira sem risco e não dependente da “sorte” na medida em que é possível fazer apostas de modo a cobrir os resultados possíveis;

5. Tal actividade originou fundos superiores a 3 (três) milhões de euros, que foram objecto de vários movimentos entre várias contas bancárias desde Agosto de 2010 até, pelo menos, o início do ano de 2011;

6. As recorrentes não estão legalmente autorizadas a desenvolver aquela actividade de apostas;

7. A proveniência dos fundos movimentados pelas recorrentes não é objecto de qualquer controlo, o que permite que tal sistema possa ser aproveitado para a ocultação e transfiguração de fundos com origem ilícita;

8. Aliás, as entidades bancárias não controlam todo o tipo de negócios que subjazem a todos os movimentos apresentados nos fluxos financeiros;

9. As recorrentes, apesar de constituídas e terem sede formal noutros Estados são controladas por cidadãos nacionais, residentes em Portugal, sendo a sua actividade desenvolvida no território nacional, onde têm montada toda a sua logística e onde são produzidos os seus rendimentos;

10. A constituição e domiciliação no exterior reconduz-se a um esquema para contornar a proibição legal de desenvolver a actividade de jogo sem a necessária autorização e para se furtarem ao cumprimento das obrigações fiscais no território nacional pelos rendimentos que aqui são gerados;

11. As recorrentes não estão sujeitas a Imposto Especial sobre o Jogo, porque tal imposto só recai sobre as empresas que estejam autorizadas ao desenvolvimento dessa actividade –artº 84º da Lei do Jogo;

12. No entanto, estão sujeitas ao pagamento de IRC;

13. De acordo com o artº 2º do Código de IRC, são sujeitos passivos desse imposto as … entidades … com sede ou direcção efectiva em território português, incidindo o IRC sobre todos os lucros e rendimento que obtiveram, incluindo os obtidos fora desse território, como é o caso;

14. E bem assim as entidades do mesmo tipo que não tenham sede nem direcção efectiva em território português, incidindo o IRC sobre o lucro imputável ao estabelecimento estável situado em território português …, considerando-se como tal qualquer instalação fixa através da qual seja exercida uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, nomeadamente um local de direcção, uma sucursal, um escritório;

15. Ora, a “A... Corp Sucursal” é uma sucursal da recorrente “A... Corp” e encontra-se sedeada em Portugal;

16. Existem fundadas suspeitas nos autos de que as ora recorrentes (e seus representantes) se dedicam, entre outras actividades eventualmente ilícitas, designadamente jogo ilegal, à prática de crimes de fraude fiscal e branqueamento, impondo-se evitar que os fundos ilicitamente obtidos se dispersem na economia legítima enquanto decorre a investigação;

17. Como tal, a suspensão das contas bancárias supra identificadas deve manter-se, nos termos do disposto nos artºs 17º nºs 1 a 3 da Lei 25/08 de 05.06 e 4º nº 4 da Lei 5/02 de 11.01”.
*

O Sr. Juiz de instrução manteve a sua decisão.
                                                                       *
Nesta instância, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer em que, aderindo à posição tomada pelo Ministério Público na 1.ª instância, se pronuncia pela improcedência do recurso.
                                                                       *
Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.
                                                                       *
II - Fundamentação
Como se sabe, é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões do pedido, que se delimita o objecto do recurso e se fixam os limites do horizonte cognitivo do tribunal de recurso (cfr. artigos 412.º, n.º 1, e 417.º, n.º 3, do Cód. Proc. Penal e, entre outros, o acórdão do STJ de 27.05.2010, www.dgsi.pt/jstj)[2].
Apesar da extensão da (aliás, mui douta) motivação do recurso e respectivas conclusões, a única questão que é submetida à apreciação deste tribunal consiste em saber se estão, ou não, verificados no caso os pressupostos da medida de sustação de movimentos a débito que incide sobre contas de depósitos de que são titulares as recorrentes.
                                                             *
Conhecidos os motivos da irresignação das recorrentes face à decisão judicial, importa conhecer as razões que levaram o Sr. Juiz de instrução a não acolher a sua pretensão.
É do seguinte teor o despacho impugnado:
“Iniciou-se o presente inquérito tendo por objecto a investigação de factos susceptíveis de configurar, em abstracto, a prática dos crimes de fraude fiscal qualificada, burla qualificada e branqueamento de capitais.
Com efeito, através das regras de prevenção do branqueamento de capitais foram identificadas várias contas bancárias domiciliadas na BANCO1..., no Banco2..., no BANCO3... e no BANCO4..., cujos fundos teriam alegada origem num esquema de apostas online gerido pelas entidades titulares das referidas contas e que, de acordo com a informação dos sites dessas empresas, não envolvia risco para os apostadores.
Da investigação em curso foi possível apurar que as requerentes desenvolvem uma actividade de consultoria e assistência a sistemas de aposta “online” que assenta sobre resultados desportivos nacionais e estrangeiros, através de sítios da internet.
A investigação em curso e os elementos entretanto carreados para os autos levaram o titular da acção penal a determinar o arquivamento dos autos, no que tange aos crimes de burla e ao crime de branqueamento de capitais subsequente a esse.
Contudo, como bem alega o titular da acção penal, a investigação ainda não está concluída, prosseguindo ainda quanto à eventuais crimes de jogo ilegal, fraude fiscal e branqueamento de capitais subsequente ao último.
Neste tocante, cumpre realçar, que a Lei do Jogo (DL 422/89), permite unicamente a entidades devidamente licenciadas o desenvolvimento da actividade de jogo, sendo certo que, os designados jogos sociais do Estado, são exclusivamente explorados pela Santa Casa da misericórdia, cfr. estatui  o DL nº 235/2008 e ainda o DL 56/2006.
Resulta dos autos, designadamente das informações prestadas Turismo de Portugal, IP. e pelo Departamento de Jogos da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa que a requerentes não estão legalmente autorizadas a desenvolver essas actividades, indiciando-se, assim, que as requerentes desenvolvem uma actividade ilegal.
Por outro lado, a investigação em curso permitiu reconhecer que as sociedades requerentes, apesar de constituídas e com sede formal noutros Estados, são controladas por cidadãos nacionais residentes em território nacional.
Indiciam ainda os presentes autos que as requerentes desenvolvem as suas actividades em território nacional onde têm alicerçada a sua logística e onde são produzidos efectivamente os seus rendimentos.
Em suma, os elementos já carreados para os autos não permitiram a alteração dos pressupostos de facto e de direito que subjazeram à aplicação da  medida preventiva aqui em causa, que impende sobre as contas bancárias tituladas pelas sociedades requerentes.
Consequentemente, por se indiciar estarmos na presença de uma actividade não autorizada, não se encontrar cabalmente esclarecido a origem dos fundos e sua subsequente circulação, bem como importar apurar se as obrigações fiscais inerentes a tais actividades se encontram totalmente satisfeitas, indefere-se o requerido pelas duas sociedades”.
Conforme decorre dos artigos 262.º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal e 1.º da Lei n.º 49/2008, de 27 de Agosto (a designada Lei de Organização da Investigação Criminal), na nossa lei processual penal, o inquérito abrange as diligências destinadas a investigar a existência de um crime, com vista a determinar o seu agente ou agentes, e a respectiva responsabilidade, descobrindo e recolhendo as provas que permitam decidir sobre a acusação.
Sempre que haja notícia de um crime (ou melhor, de factos susceptíveis de constituir crime), inicia-se um inquérito que se destina, justamente, à descoberta, recolha e, sempre que tal for possível, à verificação e comprovação dos factos que condicionam a aplicação posterior do direito, verificação que, para efeitos de prosseguimento do processo criminal, há-de consistir na sua demonstração feita por meio de provas. A procura e recolha das provas e, essencialmente, a conservação de todos os elementos probatórios que forem apurados constitui a finalidade precípua do inquérito, com vista à dedução da acusação e posteriormente à prova directa, em julgamento, dos factos que integram essa acusação, de forma a desembocar na decisão condenatória.
Nesta fase obrigatória (a fase de investigação) do processo comum, a aquisição da prova incumbe ao dominus do inquérito, o Ministério Público, mas a realização de determinadas diligências probatórias, ou são realizadas pelo juiz de instrução, ou têm que ser, previamente, ordenadas ou autorizadas por este.
Assim acontece com o controlo de contas bancárias, instituto criado e regulado pela Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro, que, como é sabido, veio estabelecer medidas de combate à criminalidade organizada e económico-financeira[3].
É geralmente aceite que os comuns meios jurídico-penais não são adequados, ou não são suficientes, para atacar estes fenómenos criminais, designadamente o de branqueamento de capitais.
Se, por um lado, o combate a este tipo de actividades ilícitas, designadamente o tráfico de estupefacientes, o tráfico de armas, a corrupção, a fraude fiscal, o branqueamento de capitais, etc., se revelava inoperante ou pouco profícuo e se, por outro lado, estamos perante crimes que se caracterizam pela susceptibilidade de gerarem grandes proventos, então havia que controlar ou entravar os fluxos financeiros que nelas têm origem.
 Foi com essa finalidade e para tornar mais operativos os meios de investigação desse tipo de criminalidade que a citada lei veio estabelecer um regime especial de recolha de prova, de quebra do segredo profissional e perda de bens a favor do Estado relativamente a um catálogo de crimes, elencados no seu artigo 1.º, n.º 1.
O controlo de contas bancárias consiste na obrigação de comunicação à autoridade judiciária ou órgão de polícia criminal responsável pelo controlo de quaisquer movimentos efectuados sobre elas no período de 24 horas imediatamente subsequente à(s) operação(ões) realizada(s) (art.º 4.º, n.º 1).
Depende de autorização ou ordem do juiz que, em despacho fundamentado identifica a conta ou contas a controlar, o período de duração e a entidade que fica responsável pelo controlo.
Quando no caso se revele a necessidade de prevenir a prática do crime de branqueamento de capitais, o despacho que ordena ou autoriza a medida pode incluir a ordem de suspensão de realização de movimentos a especificar (no caso, são movimentos a débito).
Mas não se ficam por aqui as medidas de natureza preventiva do branqueamento de capitais (mais propriamente, de vantagens de proveniência ilícita) legalmente previstas.
A Lei n.º 25/2008, de 05 de Junho[4] (na versão resultante das alterações introduzidas pela Lei n.º 46/2011, de 24 de Junho), conhecida como “Lei do combate ao branqueamento de capitais e do financiamento ao terrorismo”, prevê (art.º 6.º) um leque alargado de deveres que vinculam uma série de entidades (designadas por “entidades sujeitas”), com as instituições de crédito à cabeça, designadamente o dever de abstenção, assim concretizado:

      Artigo 17.º

Dever de abstenção

1 - As entidades sujeitas devem abster-se de executar qualquer operação sempre que saibam ou suspeitem estar relacionada com a prática dos crimes de branqueamento ou de financiamento do terrorismo.

2 - A entidade sujeita deve informar de imediato o Procurador-Geral da República e a Unidade de Informação Financeira de que se absteve de executar a operação, podendo aquele determinar a suspensão da execução da operação suspeita notificando, para o efeito, a entidade sujeita.

3 - A operação suspensa pode, todavia, ser realizada se a ordem de suspensão não for confirmada pelo juiz de instrução criminal no prazo de dois dias úteis a contar da comunicação realizada pela entidade sujeita, nos termos do número anterior.

4 - No caso de a entidade sujeita considerar que a abstenção referida no n.º 1 não é possível ou que, após consulta ao Procurador-Geral da República e à Unidade de Informação Financeira, pode ser susceptível de prejudicar a prevenção ou a futura investigação do branqueamento ou do financiamento do terrorismo, a operação pode ser realizada, devendo a entidade sujeita fornecer, de imediato, ao Procurador-Geral da República e à Unidade de Informação Financeira as informações respeitantes à operação.

           
Este regime especial instituído pelos referidos diplomas legais surge na sequência da Convenção Relativa ao Branqueamento, Detecção, Apreensão e Perda dos Produtos do Crime de 8 de Novembro de 1990, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 70/97, de 13 de Dezembro, e ratificada pelo decreto do Presidente da República n.º 73/97, de 13 de Dezembro, conhecida como Convenção de Estrasburgo[5].
Com efeito, no seu artigo 3.º, aquela Convenção estabelece que cada uma das Partes adoptará “medidas legislativas e outras que se revelem necessárias para lhe permitirem identificar e proceder à detecção dos bens sujeitos a perda em conformidade com o n.º 1 do art.º 2.º e impedir qualquer operação, transferência ou alienação relativamente a esses bens”, estatuindo o artigo 4.º o seguinte:

      Artigo 4.º
Poderes e técnicas especiais de investigação
1 – Cada uma das Partes adopta medidas legislativas e outras que se revelem necessárias a habilitarem os seus tribunais ou outras autoridades competentes a ordenarem a transmissão ou a apreensão de ficheiros bancários, financeiros ou comerciais a fim de pôr em execução as medidas previstas nos artigos 2.º e 3.º. Uma Parte não poderá invocar o segredo bancário para recusar dar cumprimento às disposições do presente artigo.

2 - Cada uma das Partes toma em consideração a adopção de medidas legislativas e outras que se revelem necessárias para lhe permitirem empregar técnicas especiais de investigação que facilitem a identificação e a procura do produto, bem como a recolha de provas a ele referentes. Entre essas técnicas podem citar-se os despachos de vigilância de contas bancárias, a observação, a intercepção de telecomunicações, o acesso a sistemas informáticos e os despachos de apresentação de determinados documentos.


Neste quadro, nenhuma objecção nos merece a afirmação das recorrentes de que a medida em causa “fundou-se em mecanismos previstos exclusivamente em sede de prevenção e combate ao branqueamento de capitais”, estando excluída a sua aplicação no âmbito da investigação de outros crimes não relacionados com o de branqueamento, como o de jogo ilícito.
Por outro lado, sendo certo que não se trata de uma medida de coacção ou de garantia patrimonial, mas essencialmente de um meio de recolha de prova na investigação do branqueamento, não se lhe pode negar uma certa função cautelar (“prevenir a prática de crime de branqueamento de capitais”). Mas não podem restar dúvidas de que se trata de um dos instrumentos do regime específico de obtenção de prova instituído para superar alguns pontos de bloqueio na investigação da criminalidade económico-financeira organizada.
A suspensão de movimentos sobre contas de depósitos é, pois, uma medida que se integra no recentemente criado instituto de controlo ou vigilância de contas bancárias e os traços essenciais do seu regime são os seguintes:

§ tem de ser ordenada ou autorizada pelo juiz (caso em que será incluída no despacho judicial que ordena ou autoriza o controlo da(s) conta(s) bancária(s)) ou, sendo da iniciativa de uma “entidade sujeita” ao dever de abstenção, nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 17.º da Lei n.º 25/2008, de 5 de Junho, tem de ser confirmada pelo juiz de instrução criminal no prazo de dois dias úteis a contar da comunicação daquela entidade;

§ a sua aplicação terá lugar quando se revelar necessária a prevenir a prática de crime de branqueamento de capitais e tiver grande interesse para a descoberta da verdade[6].  


As recorrentes sustentam que não se verifica o segundo dos indicados requisitos, porquanto:
§ a manutenção da medida nada pode acrescentar de novo aos autos, já que o que havia a colher em termos de indícios dos montantes apreendidos já se colheu;

§ nada há a prevenir, já que se afastaram os momentos de layering e integration do crime de banqueamento – já se sabe de onde vêm e para onde vão as quantias, pelo que, nem a finalidade probatória, nem a finalidade preventiva subjazem às medidas decretadas;

§ não existe um eventual crime de fraude fiscal, desde logo, porque aquela “fraude” sempre teria de ser decorrência de actividade ilegal, que não ocorre, e por isso sobre as recorrentes não recai nenhuma obrigação fiscal para com o Estado português, requisito essencial à verificação daquele ilícito.

Assim, na perspectiva das recorrentes, a medida mantém-se “por motivos exclusivamente cautelares e de garantia patrimonial, não sendo a medida de “sustação” mais do que uma velada caução económica ou arresto preventivo (…), ao arrepio do princípio da tipicidade (…) e aplicada a quem nem sequer assume a qualidade de Arguido”.
Vejamos que factos com relevância para a decisão desta questão se podem extrair dos autos, mais concretamente, da certidão com que foi instruído o recurso.
Assim:
1. As recorrentes são sociedades comerciais formalmente constituídas, registadas e com sede em D..., Estados Unidos da América (“A... Corp”) e em Malta (“B... Limited”).
2. Apesar de, formalmente, a sua sede se situar no estrangeiro, as sociedades recorrentes são controladas por cidadãos portugueses, residentes em território nacional.
3. As recorrentes dedicam-se, entre outras, à actividade de consultadoria e assistência a sistemas de apostas on-line sobre resultados desportivos através de sites da internet, nos quais o sistema de apostas é apresentado como uma actividade financeira sem risco e não dependente da “sorte” na medida em que é possível fazer apostas de modo a cobrir os resultados possíveis (segundo as recorrentes, serviços como "betting advisor", que passa pela gestão de "apostas e contra-apostas”, concomitantes e relativas no mesmo evento desportivo e servir de intermediárias entre apostadores que pretendam fazer ofertas a outros jogadores, também em apostas desportivas on-line).
4. Essas actividades são exercidas ou levadas a cabo em território nacional, onde as recorrentes têm a sua estrutura de apoio, designadamente logístico, e onde são produzidos efectivamente os seus rendimentos.
5. As recorrentes não estão legalmente autorizadas a exercer essa actividade em Portugal.
6. A suspensão dos movimentos a débito incidiu sobre as seguintes contas de depósitos:
- conta n.º… da BANCO1..., de que é titular “A... Corp”;
- conta n.º… da BANCO1..., de que é titular “A... Corp Sucursal”;
- conta n.º… da BANCO1..., de que é titular “S… Corp”;
- conta n.º … do Banco2..., de que é titular “A... Corp Sucursal”;
- conta n.º … do Banco2..., de que é titular “A... Corp”;
- conta n.º … do Banco2..., de que é titular “S…. Corp”;
- conta n.º … do Banco2..., de que é titular “B... Limited”;
- conta n.º … do BANCO3..., de que é titular “A... Corp”;
- conta n.º … do Banco4..., de que é titular “S…  Corp”, e
- conta n.º … do Banco4..., de que é titular “B... Limited”.

7. Em cerca de três meses, foram canalizados para essas contas de depósitos cerca de € 3 000 000,00 (três milhões de euros) que os representantes das sociedades fizeram rodar por diversas instituições financeiras: entre Agosto e Outubro de 2010, na BANCO1..., a partir de Novembro procuraram utilizar contas abertas no Banco2... e em Dezembro iniciaram diversificação para contas junto do BANCO3..., sendo certo que também utilizaram contas junto do Banco4...;
8. Por haver suspeitas de que os fundos detectados nas referidas contas bancárias, todas controladas e movimentadas por cidadãos nacionais, tinham origem em factos susceptíveis de integrar a prática de crimes de fraude fiscal qualificada e de burla qualificada, para além de representarem a oferta de um mecanismo com elevada potencialidade de funcionar como meio de levar a cabo manobras de branqueamento de capitais, pela total ausência de controlo dos eventuais circuitos financeiros de retorno, foi instaurado inquérito, no âmbito do qual se determinou a suspensão de operações a débito sobre as mencionadas contas bancárias.
9. Em 20.06.2011, o Ministério Publico determinou o arquivamento dos autos relativamente a um eventual crime de burla qualificada e subsequente crime de branqueamento, mas o processo prosseguiu para investigação de factos susceptíveis de consubstanciarem crime de branqueamento de capitais e, como crime precedente, o de fraude fiscal.
É de primeira evidência que as recorrentes se dedicam a uma actividade ilegal e dificilmente se compreende como é possível defender o contrário.
É por demais sabido que a exploração dos chamados jogos sociais é monopólio da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa e as recorrentes não têm autorização para desenvolverem, em Portugal, a actividade de “consultadoria e assistência a sistemas de apostas on-line sobre resultados desportivos”.
Se essa actividade configura ou não um crime de jogo ilícito, já é outra coisa.
Não vamos, porém, determo-nos sobre o problema porque o que está aqui em causa é a suspensão de movimentos a débito sobre as referidas contas bancárias e têm razão as recorrentes quando afirmam que tal medida não pode ser utilizada para investigar eventual crime de jogo ilícito.
Mostram-se, ou não, verificados os requisitos de utilização do instrumento de controlo de conta e especificamente da suspensão de operações a débito sobre as aludidas contas bancárias?
Importa deixar claro que o recurso a tal medida não depende da existência de fortes indícios da prática de um crime do catálogo.
Com efeito, sendo um instrumento de recolha de prova, não faria sentido que fosse legalmente exigida a existência dessa forte indiciação, sob pena de se contrariar, ou submeter a uma inversão intolerável, a lógica da reconstrução material da verdade factual levada a cabo pela investigação criminal.
Á semelhança do que acontece com outros meios de obtenção de provas (v.g. as intercepções telefónicas), basta que haja suspeitas da prática do crime (de catálogo) e de quem é ou são os seus agentes.
No caso, essas suspeitas existem e são fundadas: as recorrentes são sociedades que, embora formalmente constituídas, registadas e com sede em D..., Estados Unidos da América, e em Malta, são controladas por cidadãos portugueses, residentes em território nacional, que desenvolvem as suas actividades em território nacional onde têm, efectivamente, a sua sede e direcção e onde são produzidos os seus rendimentos.
Não obstante, declaradamente, não pagam quaisquer impostos.
Como diz, com razão, o Ministério Público na sua resposta, a constituição e domiciliação no exterior, geralmente, faz parte de um esquema, não só para contornar a proibição legal de desenvolver a actividade de jogo sem a necessária autorização, mas também para se furtarem ao cumprimento das obrigações fiscais no território nacional pelos rendimentos que aqui são gerados, o que pode constituir um crime de fraude fiscal qualificada.
Mais grave ainda, as contas bancárias oferecem um mecanismo com elevada potencialidade de funcionar como meio de levar a cabo manobras de branqueamento de capitais pela total ausência de controlo dos eventuais circuitos financeiros de retorno.
De resto, é da experiência comum que as sociedades comerciais com estas características, especialmente as que se constituem e estão sedeadas em determinados países ou cidades (ditos “paraísos fiscais”), constituem “sujeitos privilegiados do branqueamento”[7].
A actividade de branqueamento é, como bem se sabe, uma criminalidade derivada, de 2.º grau ou induzida. Só há necessidade de “branquear” dinheiro se ele provier de actividades primitivamente ilícitas. No caso, ao contrário do que sustentam as recorrentes, não está cabalmente esclarecida a origem de todo o dinheiro movimentado através das referidas contas de depósitos, importando apurar se, pelo menos, parte desses valores têm origem em fraude fiscal.
Os valores movimentados por este tipo de criminalidade levam a que, sistematicamente, a investigação do crime seja conduzida para a investigação de movimentos financeiros.
Por tudo isso, a medida em causa tem (continua a ter) manifesto interesse para a descoberta da verdade.
Mas isto não significa que a medida deva perdurar indefinidamente, sob pena de ter de se concluir, como sustentam as recorrentes, que estamos perante um arresto preventivo encapotado.
Se é inegável que a protecção dos direitos e garantias só é pensável e exequível à custa da sua própria e inevitável limitação e restrição e que a busca da verdade material é, no processo penal, um dever ético e jurídico, não pode olvidar-se que há limites inultrapassáveis e que quando se lança mão de um qualquer meio de recolha de prova, sobretudo quando se trata de um meio intrusivo, há que ter em conta que ele deve ser o menos oneroso possível para os direitos do visado e não excessivo relativamente às finalidades para que é produzido.
Ora, afigura-se-nos perfeitamente suficiente para concluir a investigação em curso o prazo de três meses e deverá ser esse o período durante o qual a medida em causa se manterá.

III – Decisão
Em face do exposto, acordam os juízes desta 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa em conceder parcial provimento ao presente recurso, mantendo a medida de suspensão dos movimentos a débito sobre as supra identificadas contas de depósitos de que são titulares as recorrentes, mas pelo período de 3 (três) meses a contar da data desta decisão, findo o qual a medida caducará.
Sem tributação.

Lisboa, 10 de Janeiro de 2012

Relator: Neto de Moura;
Adjunto: Alda Tomé Casimiro;
---------------------------------------------------------------------------------------
[1] Cfr., ainda, o acórdão do Plenário das Secções Criminais do STJ n.º 7/95, de 19.10.95, DR, I-A, de 28.12.1995.
[2] Cfr., ainda, o acórdão do Plenário das Secções Criminais do STJ n.º 7/95, de 19.10.95, DR, I-A, de 28.12.1995.
[3] Embora seja mais conhecida pela polémica que gerou o seu artigo 7.º, n.º 1, pela presunção (ilidível) que consagra.
[4] Que transpõe para a ordem jurídica interna as Directivas 2005/60/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Outubro, e 2006/70/CE, da Comissão, de 1 de Agosto, relativas à prevenção da utilização do sistema financeiro e das actividades e profissões especialmente designadas para efeitos de branqueamento de capitais e de financiamento do terrorismo.
[5] Entretanto substituída pela Convenção de Varsóvia que, no entanto, na sua parte substantiva, não introduziu alterações significativas.
[6] Sobre o que deva entender-se por “grande interesse para a descoberta da verdade”, cremos poder situá-lo entre o crivo da “necessidade para a investigação” do art.º 6.º da Lei n.º 5/2002 (registo de voz e imagem) e o crivo, mais apertado, da “indispensabilidade para a descoberta da verdade” exigido para as escutas telefónicas (art.º 187.º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal).
[7] Cfr. Rodrigo Santiago, “Branqueamento de capitais e outros produtos do crime” in “Direito Penal Económico e Europeu: Textos Doutrinários”, vol. II, Coimbra Editora, 363 e segs.
O autor refere o caso do Liechtenstein que, nos anos 70, com uma população de 24 000 habitantes, era sede de mais de 30 000 “firmas”, a maioria das quais fictícias, mas Malta não deve ficar-lhe atrás.