Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2275/11.0TMLSB.L1-1
Relator: RUI VOUGA
Descritores: ALIMENTOS PROVISÓRIOS
PROCEDIMENTO
OBRIGAÇÃO DE PRESTAÇÃO DE ALIMENTOS
INDEFERIMENTO LIMINAR DA PETIÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/13/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I - Nada obsta, no plano do direito substantivo e do ponto de vista estritamente processual, que se demande, na mesma acção, ab initio, o cônjuge e os seus descendentes, para deles exigir a prestação dos alimentos de que carece.
II- Ponto é que, nessa acção, a Requerente peticione, a título principal, a condenação do requerido seu cônjuge a pagar-lhe a totalidade da pensão de alimentos por ela reclamada e, só a título subsidiário, em caso de improcedência, total ou parcial, desse pedido principal deduzido contra o seu cônjuge, ela peça a condenação dos seus descendentes a pagar-lhe, na proporção das suas quotas, nos termos do disposto no art. 2010º do Código Civil, a totalidade da pensão de alimentos de que o seu cônjuge foi absolvido (por se ter demonstrado que não tem capacidade económica para lhe prestar o que quer que seja a título de alimentos) ou aquela porção da pensão de alimentos de que ela carece de que o seu cônjuge foi absolvido, por se ter comprovado que não tem capacidade económica para saldar integralmente a sua responsabilidade.
III- O que, porém, a Requerente não pode fazer – porque a isso se opõe, não a lei de processo, mas o direito substantivo (v.g. o cit. art. 2009º, nº 3, do Código Civil) – é peticionar a condenação conjunta do 1º Requerido, seu cônjuge, e dos demais Requeridos, seus Descendentes, a pagar-lhe, a título de alimentos, a quantia de € 2 350,00/mês, na proporção das suas quotas, nos termos do disposto no artº 2010º do Cód. Civil.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível da Relação de Lisboa:

A , inconformada com o Despacho (datado de 14/12/2011) que indeferiu liminarmente - por haver julgado manifestamente improcedente o pedido da requerente - o Requerimento Inicial do procedimento cautelar de Alimentos Provisórios por ela intentado (em 23/11/2011) contra B (marido da Requerente), C (filha da Requerente), D (filha da Requerente), E (filho da Requerente) e F (filho da Requerente), interpôs recurso do mesmo Despacho - que foi recebido como de Apelação, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo (arts. 691º, nº 1 e nº 2, al. l), 691º-A, nº 1, al. d), e 692º, nº 3, al. d) todos do Código de Processo Civil, na redacção introduzida pelo DL 303/2007, de 24 de Agosto, aqui aplicável ex vi do art. 12º, nº 1, do mesmo diploma), tendo rematado as alegações que apresentou com as seguintes conclusões:
«A) Este recurso resulta da decisão proferida e que rejeitou liminarmente a presente providência cautelar de alimentos provisórios, pelo facto da Requerente ter demandado o cônjuge e seus filhos e por ter requerido uma prestação alimentar que ultrapassa, no entender do tribunal recorrido, o conceito de alimentos provisórios, decisão que se pretende ver sindicada. Por dela se discordar;
B) A Recorrente alegou e demonstrou por documento o montante da prestação auferida pelo Recorrido, seu marido, e que é de € 1.661,27, bem assim o montante das suas necessidades, verificando-se objectivamente e pela sua análise que o montante peticionado era francamente superior à disponibilidade financeira de seu marido, ora Recorrido;
C) A primeira questão a responder assenta, pois, em saber-se, neste contexto, se é correcto e processualmente adequado intentar uma primeira acção apenas contra o cônjuge, Requerido e de seguida outra para os demais responsáveis, como defende o Tribunal a quo ou, pelo contrário, se é admissível, até por razões de economia processual, demandar desde logo o marido e filhos, como defende a Recorrente.
D) Em respeito pelo principio da economia processual,  não faz sentido propor acções judiciais sucessivas contra o cônjuge e, depois, contra o filhos quando decorre dos valores e dos rendimentos  do Recorrido marido que este, não é insolvente, nem incapacitado de prestar, o que levaria de imediato a demandar apenas os descendentes, de acordo com o defendido por Abel Pereira Delgado (vd. Divórcio, pg 221), mas também não dispõe de meios suficientes para acorrer às necessidades da Recorrente.
E) Este principio está patente no nosso ordenamento jurídico, como resulta dos artºs 137 e 138 do CPCivil, sendo que o mesmo  conduz ao normativo constante do artº 30 do CPCivil.
F)  Deste modo, sendo objectivo , pelos factos alegados –  e que a Recorrente se propunha provar – que as suas necessidades ultrapassavam a capacidade financeira do marido, cabendo aos descendentes suportarem também esse ónus , era e é de elementar bom senso demandar ab initio todos os Recorridos, pois a isso não se opõe o disposto no artº 31 do CPCivil e , entendemos, também não se opõe o art º 2009 do CCivil.
G) Entende-se que ao demandar conjuntamente os Recorridos a Recorrente não feriu . nem fere a “ordem indicada” conforme dispõe o artº 2009 do CCivil, pois  essa “ordem” seria sempre mantida, em sede decisória e de aplicação do Direito à matéria de facto apurada .
H) Estamos a falar de questões distintas, dado que o artº 2009 do CCivil  se reporta à responsabilidade de pessoas obrigadas a alimentos e aferida segundo determinada “ordem”, sem que tal seja obstáculo para uma demanda conjunta face às normas dos artºs 30 e 31 do CPCivil .
I) Ao demandar-se os Recorridos, como a Recorrente o fez, não se feriu a responsabilidade escalonada e eventualmente repartida daqueles, sendo a sua conduta processual admitida de acordo com o disposto no artº 30 do CPC e não inviabilizada pela norma do artº 31 deste Diploma.
J) Por outro lado , os alimentos peticionados não ultrapassam o mero conceito de alimentos provisórios, ao contrário do defendido pelo tribunal a quo.
L) De acordo com o Acórdão do STJ de 2.07.1992 publicado in www.dgsi.pt/jstj.nsf   os alimentos provisórios devem aprouver às necessidades de alimentação, vestuário, assistência médica e mesmo alojamento por parte de quem necessita e devem ter por conteúdo uma determinada quantia em dinheiro fixada mensalmente, face ao disposto no artº 399, nº 1 do CPC.
M) Assim, o “sustento” a que o legislador se refere deve incluir tudo aquilo que é fundamental à sobrevivência de quem necessita de alimentos, ou seja, a alimentação , a assistência médica, ou seja, exactamente o peticionado pela Recorrente.
N) E se o montante é elevado, tal resulta das circunstâncias de vida da Recorrente, pessoa bastante doente e de provecta idade, pelo esses alimentos  são o estritamente necessário à sua  subsistência devem ter em conta as suas reais necessidades que  passam pelo apoio 24/dia, pelos medicamentos e médicos que a acompanham, para além da alimentação e vestuário.
O) A quantia peticionada como alimentos tinha em conta a norma contida  no artº 399, nº 1 do CPCivil e ainda que o tribunal possa,  a final, entende-la como desproporcionada, tal opinião é prematura para indeferir a providência por esta razão
P) Aliás, a Recorrente teve o cuidado de referir no artº 47 do requerimento inicial “Contudo, tendo em conta os gastos mensais da Requerente, fundamentais à sua subsistência e sobrevivência , torna-se claro que o Requerido marido não tem condições materiais para suportar sozinho, face ao seu rendimento  mensal, os alimentos a prestar àquela.”
Q) Assim, sendo o montante dos alimentos provisórios peticionados e que representam o estritamente necessário à sua sobrevivência  é muito superior aos rendimentos do seu marido, entendeu-se desde logo, chamar  à acção os filhos, pois terão que ser eles a suportar grande parte dos alimentos.
R) A tese defendida pelo Tribunal conduz , no caso vertente, à multiplicação de processos judiciais, aumentando o esforço da Recorrente e até penalizando os próprios recorridos, face ao disposto no artº 399, nº 2 do CPCivil, caso o Requerente não beneficiasse de apoio judiciário, sendo que processualmente nada impede a coligação , repete-se.
S) A norma do artº 2009 do CCivil não pode , pois, ser entendida em situações como a descrita, como impedindo a Recorrente de demandar o marido e seus filhos, quando se verifica ab initio a incapacidade daquele para prestar alimentos provisórios suficientes ao sustento, habitação e vestuário.
T) Assim,  considera-se que a decisão ora sindicada, deveria ter admitido o procedimento, marcando data para julgamento.
U) Ao não o fazer, a decisão recorrida merece censura, tanto mais que violou o disposto nos artºs 2009 do CCivil , bem como as normas dos artºs 30º, 31º, 137º, 138º e  399, nº 1 , todos do CPCivil,
PELO EXPOSTO,
Deve ser concedido inteiro provimento ao recurso e, consequência, revogar-se a decisão proferida, ordenando o prosseguimento dos autos, com o que V.Exªs farão, como sempre, a mais lídima JUSTIÇA!»
Não houve contra-alegações.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
A  DECISÃO  RECORRIDA
O despacho que constitui objecto do presente recurso de apelação é do seguinte teor :
«Vem A intentar a presente providência cautelar de alimentos provisórios contra o seu marido e os seus filhos, que melhor identifica na petição inicial. Pede a condenação dos mesmos a pagarem a quantia de € 2 350,00 mensais a título de alimentos à requerente, na proporção das suas quotas, nos termos do disposto no art. 2010º do Ccivil.
Dispõe o art. 2009º do Ccivil que estão vinculados à prestação de alimentos, pela ordem indicada, o cônjuge ou ex-cônjuge ( n.º 1, al. a)), os descendentes (n.º 1, al. b)), os ascendentes (n.º 1, al. c)), os irmãos (n.º 1, al. d)), os tios (n.º 1, al. e)) e o padrasto e a madrasta (n.º 1, al. f)). Para o que aqui releva está em causa o disposto no n.º 1 als. a) e b), uma vez que a requerente alega que instaura o presente procedimento contra o marido e os filhos.
Mas a previsão do art. 2009º em análise pressupõe que se esgote (estão vinculados pela ordem indicada) cada "nível" ou "classe" de interessados. Ou seja, o cônjuge ou ex-cônjuge responde e é obrigado em primeira linha relativamente à totalidade do pedido e só depois de legalmente esgotadas as possibilidades do cônjuge (e se esgotadas) é que se poderá deduzir pedido contra outra "classe" legalmente prevista e pela ordem prevista. Com efeito, a norma do art. 2010º do Ccivil que a requerente invoca estabelece uma responsabilidade conjunta, na proporção das quotas como herdeiros legítimos do alimentando para as pessoas vinculadas à prestação de alimentos, mas essa vinculação que, como já dissemos, é por patamares, só se estabelece na medida em que na mesma "classe", por exemplo nos descendentes, possa haver vários vinculados. Nessa situação cada um dos filhos responde na proporção da sua quota. Também o disposto no n.º 3 do art. 2009º do Ccivil aponta no sentido aqui preconizado, uma vez que estabelece que se algum dos vinculados não puder prestar os alimentos ou não puder saldar integralmente a sua responsabilidade, o encargo recai sobre os onerados subsequentes. Mas só recai sobre os obrigados subsequentes quando se esgotarem as possibilidades dos obrigados anteriores.
Resumindo, em nosso entender, torna-se necessário que a requerente deduza a sua pretensão unicamente contra o primeiro obrigado, o seu cônjuge, e só depois de fixado o valor da pensão de alimentos a prestar e as possibilidades económicas do cônjuge é que se poderá concluir se o cônjuge responde pela totalidade da obrigação alimentícia, ou se tem que ser accionada a classe seguinte de onerados.
Para além do mais há que ter em consideração que a acção em causa é uma acção de alimentos provisórios.
Ora, como dependência da acção em que, principal ou acessoriamente, se peça a prestação de alimentos definitivos, pode o interessado requerer a fixação da quantia mensal que deva receber, a título de alimentos provisórios, enquanto não houver pagamento da primeira prestação definitiva (artº 399º nº 1 do Código de Processo Civil).No caso dos autos, estando requerente e requerido separados de facto (não tendo ainda cessado o vínculo conjugal), a obrigação de alimentos integra-se no dever de assistência conjugal (artº 1675º nºs. 2 e 3 do Código Civil), tendo essa obrigação natureza e conteúdo diferentes da obrigação de alimentos após a dissolução do vínculo conjugal (artºs. 2016º e 2016º-A do Código Civil).
De todo o modo, importará ter sempre presente que na fixação dos alimentos (tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário) se deve atender às possibilidades (“meios”) daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los (artºs. 2003º nº 1 e 2004º nº 1 do Código Civil), devendo atender-se, igualmente, às possibilidades de o alimentando prover à sua subsistência (artº 2004º nº 2 do Código Civil).
Impõe-se considerar que o conceito de alimentos provisórios não coincide inteiramente com o de alimentos definitivos. Os alimentos definitivos compreendem tudo quanto seja indispensável à satisfação das necessidades de sustento, habitação e vestuário, enquanto que os alimentos provisórios abarcam só aquilo que se mostre estritamente necessário para o efeito, isto é, o que seja necessário para suprir as necessidades elementares da vida e subsistência, dentro do padrão normal da pessoa credora, tendo em vista o seu “status” social (cf. Abrantes Geraldes in “Temas da Reforma do Processo Civil”, Vol. II, 3ª edição pg. 111). O artº 399º nº 2 do Código de Processo Civil esclarece que a prestação alimentícia deve ser fixada em atenção ao mínimo estritamente necessário para o sustento, habitação e vestuário do alimentado.
Abrantes Geraldes (in “Temas da Reforma do Processo Civil”, Vol. II, 3ª edição pgs. 111 e 112), escreve que aos “alimentos provisórios presidem todos os interesses que é comum convocar quando se abordam os procedimentos cautelares” e destaca que a medida jurisdicional em causa “é daquelas que mais reflecte a necessidade de a ordem jurídica proteger, devida e antecipadamente, situações de risco, enquanto noutro campo (em sede de acção principal) se faz a discussão serena e a apreciação segura e definitiva da matéria em litígio”, interessando assegurar aos interessados os meios de subsistência básicos, funcionando os alimentos provisórios “como “primeiro socorro” prestado a quem, em função da idade, das condições físicas ou de circunstâncias de ordem económica ou familiar, se encontra numa situação de carência no que concerne à satisfação do que é essencial à condição humana”.
E da petição inicial retira-se que a requerente não formula um pedido de alimentos provisórios mas sim de alimentos definitivos, atento o valor reclamado e a matéria alegada. Mas assim sendo o valor a fixar a título de alimentos provisórios deve ser necessariamente mais baixo e sendo mais baixo poderá o primeiro obrigado, o cônjuge, ter capacidade económica para proceder ao seu pagamento.
Considerando que o pedido foi formulado contra o cônjuge e os filhos do casal pedindo-se a condenação destes no pagamento de € 2 350 por mês a titulo de alimentos na proporção das sua quotas e que a obrigação dos filhos é subsidiária, uma vez que o cônjuge responde em primeira linha, não se estabelecendo um sistema de quotas entre o cônjuge e os filhos, devendo aquele responder pela obrigação de alimentos provisórios na proporção das suas possibilidades, entende-se que o pedido deduzido, nos moldes em que o foi, é manifestamente improcedente.
Assim, julga-se manifestamente improcedente o pedido da requerente e como tal indefere-se liminarmente a presente providência cautelar.
Custas pela requerente, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário.
Notifique.
Registe.»
O  OBJECTO  DO  RECURSO
Como se sabe, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio, é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintéctica, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 690º, nº 1, do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem [1] [2].
Efectivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 684º, nº 2, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (nº 3 do mesmo art. 684º) [3] [4]. Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso.
Por outro lado, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, ius novarum, i.é., a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo.
Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 664º, 1ª parte, do C.P.C., aplicável ex vi do art. 713º, nº 2, do mesmo diploma) – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respectivo objecto, exceptuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras (art. 660º, nº 2, do C.P.C., ex vi do cit. art. 713º, nº 2).
No caso sub judice, emerge das conclusões da alegação de recurso apresentada pela ora Apelante que o objecto do presente recurso de apelação está circunscrito a duas questões:
1) Se, desde que a Requerente peticiona a atribuição, a título de alimentos provisórios, duma pensão alimentícia de € 2.350,00/mês, cujo montante é francamente superior às disponibilidades financeiras do 1º Requerido (o cônjuge da Requerente), o qual aufere uma pensão mensal de reforma de € 1.661,27, nada obsta, do ponto de vista da legitimidade, a que ela intente o presente procedimento cautelar de alimentos provisório, ab initio, conjuntamente contra o cônjuge da Requerente e contra os filhos da mesma (por ser evidente que aquele não tem condições materiais para suportar sozinho os alimentos de que a Requerente carece), reclamando de todos os Requeridos (marido e filhos) o pagamento da aludida pensão alimentícia, na proporção das respectivas quotas (nos termos do art. 2010º do Cód. Civil), nada impondo que tivesse de demandar primeiro apenas o respectivo cônjuge (a quem exigiria o pagamento da totalidade dos alimentos de que carece), só podendo exigir alimentos aos filhos no âmbito dum 2º procedimento cautelar, depois de fixado, no 1º procedimento cautelar, o valor da pensão de alimentos a ser-lhe prestada e uma vez demonstrado, nesses autos, que as possibilidades económicas do cônjuge não lhe permitem suportar o pagamento dessa pensão;
2) Se a mera circunstância de o tribunal considerar que o montante da pensão alimentícia reclamada pela Requerente ultrapassa o mínimo estritamente necessário para o sustento, habitação e vestuário do alimentado - sendo certo que, enquanto os alimentos definitivos compreendem tudo quanto seja indispensável à satisfação das necessidades de sustento, habitação e vestuário, já os alimentos provisórios abarcam só aquilo que se mostre estritamente necessário para o efeito – não constitui, por si só, fundamento bastante para o indeferimento liminar do procedimento cautelar de alimentos provisórios.
FACTOS  PROVADOS
Os factos em que a decisão do presente recurso há-de assentar são os alegados no requerimento inicial da providência (não necessariamente provados por nos situarmos no âmbito de despacho liminar) que fundamentaram a pretensão da Recorrente, a saber:
1º) A Requerente e 1º Co-requerido B contraíram casamento civil, sem convenção antenupcial e, assim, sob o regime de comunhão geral de bens, no dia 04 de Julho de 1954, conforme resulta da Certidão de casamento junta como documento nº 1.
2º) Desta relação nasceram quatro filhos , todos maiores , os ora 2º a 5º Requeridos , conforme certidões de nascimento que se juntam sob os nºs 2 a 6.
3º) Desde 1961 que Requerente e seu marido, ora Requerido viviam na casa , de que hoje são apenas usufrutuários e de que anteriormente eram proprietários plenos, sita Rua ….., 0000 Lisboa, onde tinham centralizada a sua economia doméstica, sendo aí o seu lar e domicilio conjugal.
4º) Em 20.06.2010 o Requerido , marido da Requerente saiu  de casa, sendo que a Requerida C veio buscar todos os pertences pessoais do pai, o ora Requerido ..., não mais voltando a coabitar com a Requerente.
5º) O Requerido encontra-se desde essa data a habitar com sua filha C.
6º) Durante toda a vida do casal, a Requerente nunca exerceu qualquer profissão  remunerada, pois era , como é , doméstica.
7º) A sua vida traduziu-se, pois, em cuidar da casa, seu marido e filhos,
8º) Cabendo ao Requerido B obter os rendimentos necessários ao sustento do casal, tanto mais que este nunca permitiu que a Requerente trabalhasse fora de casa.
9º) O Requerido, mercê da sua actividade profissional – era  funcionário público e técnico verificador do Ministério das Finanças - conseguia auferir rendimentos mensais acima da média, o que permitiu dar à família elevado bem estar material.
10º) Esse bem estar material traduziu-se na construção de uma casa de férias, em Cascais, onde se deslocavam anteriormente à separação em férias, Natal, Páscoa e fins de semana.
11º) Após ser reformado, o Requerido passou a receber uma pensão mensal atribuída pela Caixa Geral de Aposentações, que presentemente é de € 1 661,27 (liquido), correspondendo ao valor ilíquido de € 1 885,03, conforme declaração de abono emitida pela Caixa Geral de Aposentações e que se junta sob o nº 7.
12º) Em contrapartida, a Requerente não aufere qualquer pensão,  não estando abrangida por qualquer regime de beneficiária, conforme declarações emitidas pela Segurança Social  e pela Caixa Geral de Aposentações (doc. nº 8),
13º) Como não dispõe de qualquer rendimento, que lhe permita fazer face às suas necessidades.
14º) Aliás, desde que seu marido a abandonou, tal qual os filhos, com excepção da Requerida D, coube a esta suportar integralmente todas as despesas – e são imensas, como se demonstrará – da Requerente.
15º) Com efeito, a Requerente é uma pessoa bastante doente, exigindo acompanhamento e apoio médico permanentes.
16º) A Requerente padece de um  quadro de défice  cognitivo          grave, que tem obrigado a cuidados inadiáveis de terceira pessoa, conforme refere o Dr. …., médico que acompanha a Requerente há longos anos em declaração médica que se junta sob o nº 9 e que aqui se dá por integralmente reproduzida.                                
17º) Mais refere o clínico que “apesar da terapêutica actual houve um agravamento do seu estado geral após a separação forçada do cônjuge por motivos familiares, não se prevendo a breve trecho melhoras sensíveis”.
18º) Igualmente a Srª Prof. …. refere nos eu relatório médico junto sob o nº 10 que a Requerente “…tem um quadro de deterioração cognitiva com comportamentos confabulatórios e períodos de agitação nocturna com insónia….Não é capaz de zelar sozinha por actividades de rotina e carece de apoio sistemático de terceiros para assegurar funções de higiene, alimentação, controlo de terapêutica farmacológica”.
19º) Mais refere esta clínica “na polissonografia tem uma actividade lenta focal no EEG, com distribuição difícil entre vigília e sono. Tem também hipoxemia nocturna c/ índice de distúrbio resp. grave. A sintomatologia tem vindo a agravar-se do ponto de vista comportamental e cognitivo”,
20º) Concluindo também esta médica pela necessidade de apoio de terceiros para a rotina diária.
21º) E essa necessidade apoio de terceiros é confirmada pelo Dr. …., clínico do Hospital Curry Cabral, em declaração que se junta sob o nº 11 e que aqui se dá por integralmente reproduzida.
22º) A Requerente é também acompanhada em oftalmologia, porquanto a mesma sofre de cataratas bilaterais e uma baixa de visão,  apresentando “…um quadro elevado de não integração no ambiente em que vive, necessitando do apoio de acompanhante”, conforme referido pelo Dr. …., médico oftalmologista no seu relatório junto sob o nº 12 e que aqui se dá por integralmente reproduzido
23º) O quadro clínico da Requerente encontra-se descrito ainda no Relatório Médico  agora elaborado pelo Dr. …., do Centro de Saúde de ... que refere  que aquela “…tem um diagnóstico de quadro de insuficiência cardíaca grave e apneia do sono com cerca de 34 paragens respiratórias/hora, além de patologia demencial vascular grave, acusando deterioração cognitiva que a obriga a medicação diária de foro neurológico permanente e com carácter definitivo”
24º) Referindo ainda que “ a medicação que lhe é imposta e o estado geral da utente exigem vigilância permanente…além de acompanhem  nocturno, pois a idosa tem uma total inversão do sono e sofre de períodos de agitação nocturnos e diurnos, apesar da medicação que previne este estado. A utente carece também…de uma total dependência de terceiros para as suas actividades de higiene e alimentação pessoais, sendo imperiosa a presença da cuidadora para administrar a sua pesada e indispensável terapêutica diária”, tudo conforme doc. nº 13, ora junto.
25º) A Requerente  que tem , presentemente, 89 anos pois nasceu em 19.3.1922 (doc. nº 14) , viu o seu estado de saúde agravar-se com a saída de casa do marido, seu companheiro e que a ajudava ao longo de mais de 50 anos de vida em comum.
26º) A requerente, para além de ter perdido a companhia de seu marido, deixou de receber deste qualquer apoio monetário ou em alimentos, após a sua saída de Casa, com excepção do pagamento da electricidade, gás, telefone e água.
27º) Saída esta que ocorreu sem que o Requerido B tenha intenção de regressar, pois levou os seus pertences pessoais, apenas tendo visitado a Requerente duas vezes, após  Março de 2011.
28º) Assim, a Requerente  apenas viu o Requerido marido duas vezes desde que ele saiu de casa.
29º) E como referiu, tem sido a Requerida D que tem emprestado dinheiro à mãe para esta poder custear a alimentação, o pagamento do vestuário, dos médicos, dos medicamentos, dos empregados que a apoiam e das obras na casa de férias do Estoril.  
30º) E de facto, as despesas da Requerente são imensas , como se irá demonstrar.
31º) A Requerente necessita de ser acompanhada 24 h/ dia, o que sucede efectivamente.
32º) Com efeito, a partir de  1.7.2010, a Requerente esteve sempre acompanhada por uma empregada, de nome …, a quem era paga a retribuição mensal de € 750,00 (vd. docs, 15 a 20).
33º) Valor mensal este que se manteve em 2011, até à presente data, agora sendo a Requerente acompanhada por uma outra colaboradora de nome … (docs. 21 a 28), a que acresce o seguro de acidentes de trabalho no valor anual de 177,42, o que perfaz a média mensal de € 14,79.
34º) Estes valores têm sido pagos pela Requerida D, reconhecendo a Requerente que lhe deve estas quantias.
35º) A Requerente, devido ao seu estado de saúde, é regularmente conduzida às urgências dos serviços hospitalares, para além das consultas, implicando uma despesa mensal média em táxis de cerca de €10,00 (doc. nº 29)
36º) A Requerente suporta , com dinheiro emprestado pela filha D, as seguintes despesas mensais médias:
- Assistência médica (consultas ) , exames e tratamentos… …..           200,00
- Medicamentos  -  450,00, conforme docs. juntos sob os nºs  30 e 31
37º) Registe-se que a Requerente, face ao medicamentos que necessita adquirir estabeleceu , inclusive, uma conta corrente com uma especifica Farmácia, a Farmácia …, que lhe fornece os medicamentos fundamentais ao seu tratamento, conforme prescrição dos diversos médicos que a acompanham (vd. doc 31).
38º) A Requerente gasta ainda mensalmente em alimentação, que inclui fraldas, coberturas de cama, produtos de limpeza, cerca de € 750,00, pois gastou só em supermercado de Janeiro a Setembro de 2011 € 6 337,00, o que perfaz a média de 704,00, a que acrescem outros bens adquiridos em lojas de rua.
39º) Em vestuário  gastou em 2010 e 2011 a quantia de € 2 365,68, o que perfaz a média mensal de € 102,86 (2 365,68 : 23 meses)
40º) E em calçado  gastou nos anos de 2010/2011 (23 meses) a quantia de € 885,38, o que perfaz a média mensal de 38,49.
41º) Significa, pois, que a Requerente gasta mensalmente e em média a quantia de € 2 316,14, a quantia  esta que tem sido assumida exclusivamente por sua filha  D após a saída do pai .               
42º) Não tendo meios próprios para suportar tal, a Requerente vê-se obrigada a reclamar alimentos dos Requeridos, tanto mais que entende não dever continuar a exigir apenas desta sua filha o pagamento das suas necessidades.
43º) Com efeito, o Requerido marido aufere mensalmente de pensão a quantia liquida de €  1 661,27 (mil seiscentos e sessenta e um euros e vinte e sete cêntimos).
44º) Sendo que a sobrevivência da requerente só tem sido possível, dado que a filha D a tem auxiliado monetariamente, pagando-lhe as suas despesas, repete-se.
45º) Facto que a Requerente não pretende que se mantenha, pois  existem outros responsáveis por lhe prestar alimentos para além da Requerida D.
46º) O Requerido marido é responsável por prestar alimentos à Requerente (artº 1675 e 2009, nº 1 a), ambos do CCivil ).
47º) Contudo, tendo em conta os gastos mensais da Requerente, fundamentais à sua subsistência e sobrevivência , torna-se claro que o Requerido marido não tem condições materiais para suportar sozinho, face ao seu rendimento  mensal, os alimentos a prestar àquela.
48º) Tal justifica que a Requerente reclame dos filhos o pagamento da prestação de alimentos, face ao disposto no artº 2009, nº 1 b) do CCivil.
49º) Para além do Requerido marido, que está reformado, todos os demais Requeridos trabalham, têm elevados rendimentos mensais, perfeitamente compagináveis com os alimentos reclamados pela Requerente.
50º) Assim, todos os Requeridos têm capacidade económica para prestarem alimentos à Requerente na proporção das suas quotas, conforme estipula o artº 2010, nº 1 do CCivil.
Com efeito,
51º) A Requerida C  é trabalhadora bancária e auditora na CGD, auferindo um rendimento mensal não inferior a 1 800,00 €, sendo casada com um Sr. Advogado e mãe de uma filha de 2 anos de idade.
52º) A Requerida C é funcionária publica, auferindo um rendimento mensal não inferior a 1 600,00 €, não tendo filhos.             
53º) O Requerido E trabalha na industria farmacêutica, vive em casa própria , auferindo rendimento que se desconhece, tendo filhos já maiores.
54º) Quanto ao Requerido F , é emigrante de sucesso nos EUA  e tanto quanto a Requerente sabe é proprietário de múltiplos bens imóveis nesse país, entre os quais se destaca  um palacete que pertenceu à cantora …, situado no Estado de New Jersey, não tendo filhos .
55º) A Requerente vê-se, pois,  inibida de fazer face às despesas diárias e de dar resposta às suas necessidades diárias, agravadas pela idade e pelas varias doenças que a fazem depender dos cuidados de terceiros..
56º) O Requerido marido sempre garantiu ao seu agregado familiar os meio financeiros adequados a uma vida, se não luxuosa, no mínimo desafogada e confortável.
57º) Ao sair de casa , sem qualquer fundamento, abandonando a esposa e Requerente à sua sorte , privou esta de meios de subsistência.
58º) Os Requeridos têm capacidade económica e financeira para prestarem alimentos à requerente, enquanto esposa e mãe.
59º) O Requerido B, que se conheça,  não suporta quaisquer despesas ou encargos, porquanto vive em companhia de sua filha e ora Requerida C.
O  MÉRITO  DO RECURSO
1) Se, desde que a Requerente peticiona a atribuição, a título de alimentos provisórios, duma pensão alimentícia de € 2.350,00/mês, cujo montante é francamente superior às disponibilidades financeiras do 1º Requerido (o cônjuge da Requerente), o qual aufere uma pensão mensal de reforma de € 1.661,27, nada obsta, do ponto de vista da legitimidade, a que ela intente o presente procedimento cautelar de alimentos provisório, ab initio, conjuntamente contra o cônjuge da Requerente e contra os filhos da mesma (por ser evidente que aquele não tem condições materiais para suportar sozinho os alimentos de que a Requerente carece), reclamando de todos os Requeridos (marido e filhos) o pagamento da aludida pensão alimentícia, na proporção das respectivas quotas (nos termos do art. 2010º do Cód. Civil), nada impondo que tivesse de demandar primeiro apenas o respectivo cônjuge (a quem exigiria o pagamento da totalidade dos alimentos de que carece), só podendo exigir alimentos aos filhos no âmbito dum 2º procedimento cautelar, depois de fixado, no 1º procedimento cautelar, o valor da pensão de alimentos a ser-lhe prestada e uma vez demonstrado, nesses autos, que as possibilidades económicas do cônjuge não lhe permitem suportar sozinho o pagamento dessa pensão;
Como vimos, o Despacho sob censura fundamentou o Indeferimento Liminar do presente procedimento cautelar de Alimentos Provisórios, sobretudo, no entendimento segundo o qual a ora Requerente não podia demandar conjuntamente, no mesmo procedimento cautelar, o marido e os filhos para deles exigir o pagamento de alimentos, na proporção das respectivas quotas; tinha de demandar primeiro apenas o respectivo cônjuge (a quem exigiria o pagamento da totalidade dos alimentos de que carece), só podendo exigir alimentos aos filhos no âmbito dum 2º procedimento cautelar, depois de fixado, no 1º procedimento cautelar, o valor da pensão de alimentos a ser-lhe prestada e uma vez demonstrado, nesses autos, que as possibilidades económicas do cônjuge não lhe permitem suportar sozinho o pagamento dessa pensão.
Isto porque «o cônjuge ou ex-cônjuge responde e é obrigado em primeira linha relativamente à totalidade do pedido e só depois de legalmente esgotadas as possibilidades do cônjuge (e se esgotadas) é que se poderá deduzir pedido contra outra "classe" legalmente prevista e pela ordem prevista» (sic).
É que a previsão do art. 2009º do Código Civil – nos termos do qual estão vinculados à prestação de alimentos, pela ordem indicada, o cônjuge ou ex-cônjuge ( n.º 1, al. a)), os descendentes (n.º 1, al. b)), os ascendentes (n.º 1, al. c)), os irmãos (n.º 1, al. d)), os tios (n.º 1, al. e)) e o padrasto e a madrasta (n.º 1, al. f)) - pressupõe que se esgote (estão vinculados pela ordem indicada) cada "nível" ou "classe" de interessados.
É certo que a norma do art. 2010º do Cód. Civil - que a requerente invoca em seu favor - estabelece uma responsabilidade conjunta, na proporção das quotas como herdeiros legítimos do alimentando para as pessoas vinculadas à prestação de alimentos, mas essa vinculação que, como já dissemos, é por patamares, só se estabelece na medida em que na mesma "classe", por exemplo nos descendentes, possa haver vários vinculados. Nessa situação cada um dos filhos responde na proporção da sua quota (cfr. o despacho recorrido).
Por isso – segundo o tribunal “a quo” -, «torna-se necessário que a requerente deduza a sua pretensão unicamente contra o primeiro obrigado, o seu cônjuge, e só depois de fixado o valor da pensão de alimentos a prestar e as possibilidades económicas do cônjuge é que se poderá concluir se o cônjuge responde pela totalidade da obrigação alimentícia, ou se tem que ser accionada a classe seguinte de onerados» (sic).
A Requerente e ora Apelante sustenta, porém, ex adverso, que, desde o momento que ela peticiona a atribuição, a título de alimentos provisórios, duma pensão alimentícia de € 2.350,00/mês, cujo montante é francamente superior às disponibilidades financeiras do 1º Requerido (o cônjuge da Requerente) - o qual aufere uma pensão mensal de reforma de € 1.661,27 -, nada obsta, do ponto de vista da legitimidade, a que ela intente o presente procedimento cautelar de alimentos provisório, ab initio, conjuntamente contra o cônjuge da Requerente e contra os filhos da mesma (por ser evidente que aquele não tem condições materiais para suportar sozinho os alimentos de que a Requerente carece), reclamando de todos os Requeridos (marido e filhos) o pagamento da aludida pensão alimentícia, na proporção das respectivas quotas (nos termos do art. 2010º do Cód. Civil).
Isto porque, «em respeito pelo principio da economia processual,  não faz sentido propor acções judiciais sucessivas contra o cônjuge e, depois, contra os filhos quando decorre dos valores e dos rendimentos  do Recorrido marido que este não é insolvente, nem incapacitado de prestar, o que levaria de imediato a demandar apenas os descendentes, (…), mas também não dispõe de meios suficientes para acorrer às necessidades da Recorrente» (sic).
Segundo a Requerente ora Apelante, este princípio da economia processual está patente no nosso ordenamento jurídico, como resulta dos artºs 137º e 138º do CPCivil, sendo que o mesmo também subjaz ao normativo constante do artº 30º do CPCivil.
Quid juris ?
Nos termos e por força do disposto no art. 2009º, nº 1, alíneas a) e b), do Código Civil (na redacção introduzida pelo Decreto-Lei nº 496/77, de 25 de Novembro), «Estão vinculados à prestação de alimentos, pela ordem indicada:
a) O cônjuge ou o ex-cônjuge;
b) Os descendentes».
Por sua vez, o nº 3 do mesmo preceito estatui que: «Se algum dos vinculados não puder prestar os alimentos ou não puder saldar integralmente a sua responsabilidade, o encargo recai sobre os onerados subsequentes».
Estreitamente relacionado com este nº 3 do cit. art. 2009º está o subsequente art. 2010º, cujo nº 1 estabelece que, «Sendo várias as pessoas vinculadas à prestação de alimentos, respondem todas na proporção das suas quotas como herdeiros legítimos do alimentando», e cujo nº 2 estatui que: «Se alguma das pessoas assim oneradas não puder satisfazer a parte que lhe cabe, o encargo recai sobre as restantes».
Segundo PIRES DE LIMA-ANTUNES VARELA (in “Código Civil Anotado”, Vol. V, 1995, p. 595), o cit. art. 2009º-3 «visa especialmente dois tipos de situações».
«O primeiro é o de haver um ou mais parentes de determinada classe de obrigados e um ou mais parentes de cada uma das classes subsequentes, mas acontecendo que nenhum dos parentes da primeira classe possui recursos económicos bastantes para satisfazer a prestação alimentícia» (PIRES DE LIMA-ANTUNES VARELA, ibidem).
Assim, por exemplo, «o necessitado, menor, caído em completa indigência, tem dois irmãos, que mal ganham para si e o seu agregado, e tem ao mesmo tempo um tio, solteiro e capitalista abastado» (PIRES DE LIMA-ANTUNES VARELA in ob. e vol. citt., pp. 595 in fine e 596).
«Nesse caso, como os primeiros vinculados, segundo a escala hierárquica traçada no artigo 2009º, não têm possibilidade económica de suportar o encargo da prestação de alimentos ao irmão, é sobre o onerado subsequente (o tio) que cai, por força do disposto no nº 3 do artigo 2009º, a obrigação alimentícia» (PIRES DE LIMA-ANTUNES VARELA in ob. e vol. citt., p. 596).
«O segundo tipo de situações previsto no texto e no espírito da disposição [do cit. art. 2009º-3 do CC] é o de haver, em determinada classe, concretamente, uma ou mais pessoas vinculadas (sem capacidade económica para suportarem o encargo) e haver, ao lado deles, outros vinculados da mesma classe, mas de grau posterior, na ordem de chamamento da lei» (PIRES DE LIMA-ANTUNES VARELA, ibidem).
Assim, por hipótese, «imaginemos que a pessoa necessitada, solteira ou viúva, maior, tem ao lado de dois filhos, que mal ganham para sustentar o seu agregado familiar, um neto, maior, titular de avultado património» (PIRES DE LIMA-ANTUNES VARELA, ibidem).
«Neste caso, os dois filhos serão os primeiros vinculados
à prestação alimentícia, de acordo com o disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 2009º, conjugado com os preceitos complementares do nº 2 do mesmo artigo e do artigo 2135º» (PIRES DE LIMA-ANTUNES VARELA,
ibidem). «Mas como os dois primeiros vinculados (os filhos) não podem prestar os alimentos de que o pai carece, é sobre o neto (onerado subsequente) que recai a obrigação de suportar o encargo a favor do avô, de harmonia com o citério fixado no nº 3 do artigo 2009º» (PIRES DE LIMA-ANTUNES VARELA, ibidem).
Muito próxima da hipótese regulada neste artigo 2009º-3  é a hipótese contemplada no subsequente artigo 2010º.
«Trata-se da hipótese de pluralidade de vinculados, como se diz na epígrafe do artigo – mas da pluralidade de vinculados com possibilidade económica de responderem pelo encargo» (PIRES DE LIMA-ANTUNES VARELA, ibidem).
«Imaginemos que a pessoa carente tem, como parentes mais próximos, três irmãos (dois deles germanos, e o outro simplesmente irmão uterino), todos eles com possibilidades económicas de acudirem ao irmão caído em desgraça» (PIRES DE LIMA-ANTUNES VARELA, ibidem).
«Neste caso, a obrigação alimentícia, não obstante todo o desvelo com que a lei tutela a situação do necessitado, não é tratada como uma obrigação solidária» (PIRES DE LIMA-ANTUNES VARELA, ibidem).
De facto, «cada um dos vinculados responde apenas por uma quota da prestação integral, embora se acrescente que, na hipótese de algum deles, obrigado a contribuir, o não poder fazer, a sua quota-parte recairá sobre os restantes» [ex vi do cit. art. 2009º-3] (PIRES DE LIMA-ANTUNES VARELA, ibidem).
Aquilo que faz o art. 2010º é estabelecer o critério pelo qual se há-de determinar a quota-parte de cada um dos vinculados, nestes casos em que são vários os obrigados à prestação de alimentos, no mesmo grau da escala de prioridades fixada no nº 1 do art. 2009º e todos eles tenham condições económicas bastantes para ajudar o parente carecido de receber alimentos.
«Esse critério é o da contribuição de cada vinculado na proporção da quota de cada um deles como presuntivo herdeiro legítimo do alimentado» (PIRES DE LIMA-ANTUNES VARELA in ob. e vol. citt., p. 597).
«Na aplicação prática do critério estabelecido, sempre que sejam dois ou mais os vinculados em condições de responder pela obrigação, a primeira operação a realizar é a de fixar o montante da prestação pecuniária que, em cada mês, eles devem entregar (no todo, em conjunto) ao necessitado» (PIRES DE LIMA-ANTUNES VARELA, ibidem).
«Em seguida, importa calcular a parcela com que, a partir dessa soma ou total, cada um dos vinculados (dentro das suas possibilidades económicas) há-de prestar mensalmente ao credor» (PIRES DE LIMA-ANTUNES VARELA, ibidem). «E é para esse efeito que a lei manda recorrer à proporção das quotas que a cada um deles competiria na herança do alimentando, se este morresse antes deles e deixasse bens» (PIRES DE LIMA-ANTUNES VARELA, ibidem).
Assim, no caso anteriormente dado como exemplo, «em que os co-obrigados eram três irmãos, dois deles germanos e o outro meio-irmão (como vulgarmente se diz), visto a quota hereditária dos primeiros ser dupla da que competiria ao terceiro, a este caberia uma quota na prestação alimentícia igual a metade da de cada um dos outros irmãos» (PIRES DE LIMA-ANTUNES VARELA, ibidem).
«Se a prestação alimentícia, correspondente às necessidades do alimentando, for calculada em 100 contos mensais, caberia a quota de 40 contos a cada um dos irmãos germanos e a de 20 contos ao meio-irmão» (PIRES DE LIMA-ANTUNES VARELA, ibidem).
«Se os co-obrigados forem dois filhos e dois netos (descendentes de um filho pré-falecido) e a prestação alimentícia arbitrada em 150 contos mensais, competirá, segundo o mesmo critério do artigo 2010º, a quota de 50 contos a cada um dos (dois) filhos vivos e a de 25 contos a cada um dos netos (em representação do filho pré-falecido) (PIRES DE LIMA-ANTUNES VARELA, ibidem).
De quanto precede resulta, pois, em síntese, o seguinte:
a) havendo um ou mais parentes de determinada classe de obrigados e um ou mais parentes de cada uma das classes subsequentes, por exemplo, coexistindo cônjuge e descendentes (cfr. art. 2009º, nº 1, alíneas a) e b)), os onerados subsequentes (v.g., os descendentes) só ficam constituídos na obrigação de prestar alimentos se nenhum dos parentes da primeira classe possuir recursos económicos bastantes para satisfazer a prestação alimentícia (cfr. o cit. art. 2009º-3);
b) havendo, em determinada classe de obrigados, concretamente, uma ou mais pessoas vinculadas mas sem capacidade económica para suportarem o encargo e existindo, ao lado deles, dentro da mesma classe, outros vinculados da mesma classe, mas de grau posterior, na ordem de chamamento da lei (por exemplo, filhos versus netos), caso os primeiros vinculados (os filhos) não puderem prestar os alimentos (de que o pai carece), é sobre os onerados subsequentes (os netos) que recai a obrigação de suportar o encargo (a favor do avô) – cfr. o mesmo art. 2009º-3;
c) quando são vários os obrigados à prestação de alimentos, no mesmo grau da escala de prioridades fixada no nº 1 do art. 2009º e todos eles tenham condições económicas bastantes para ajudar o parente carecido de receber alimentos, cada um dos vinculados responde apenas por uma quota da prestação integral, quota essa correspondente à proporção das quotas que a cada um deles competiria na herança do alimentando, se este morresse antes deles e deixasse bens (cfr. o art. 2010º, nº 1).
Assim sendo, temos que, no caso dos autos, desde que a Requerente ora Apelante peticiona alimentos ao seu cônjuge (o 1º Requerido), ela só pode exigir alimentos aos seus descendentes (os demais Requeridos) na exacta medida em que o seu cônjuge não puder saldar integralmente a sua responsabilidade (cfr. o cit. art. 2009º-3).
Daqui não decorre, necessariamente, que a Requerente/Apelante tenha de intentar uma primeira acção apenas contra o cônjuge, 1º Requerido, e, só depois de comprovado, nessa acção, que o seu cônjuge não tem capacidade económica para suportar sozinho a totalidade da prestação alimentícia de que ela carece, é que ela possa demandar, numa 2ª acção, os seus filhos, para deles exigir a parcela dos seus alimentos que o seu cônjuge não pode – como se demonstrou na 1ª acção - suportar.  
Efectivamente, nada obsta, no plano do direito substantivo e do ponto de vista estritamente processual, a que a ora Requerente/Apelante demande, na mesma acção, ab initio, o seu cônjuge e os seus descendentes, para deles exigir a prestação dos alimentos de que carece. Ponto é que, nessa acção, a Requerente peticione, a título principal, a condenação do requerido seu cônjuge a pagar-lhe a totalidade da pensão de alimentos por ela reclamada e, só a título subsidiário, em caso de improcedência, total ou parcial, desse pedido principal deduzido contra o seu cônjuge, ela peça a condenação dos seus descendentes a pagar-lhe, na proporção das suas quotas, nos termos do disposto no art. 2010º do Código Civil, a totalidade da pensão de alimentos de que o seu cônjuge foi absolvido (por se ter demonstrado que não tem capacidade económica para lhe prestar o que quer que seja a título de alimentos) ou aquela porção da pensão de alimentos de que ela carece de que o seu cônjuge foi absolvido, por se ter comprovado que não tem capacidade económica para saldar integralmente a sua responsabilidade.
O que, porém, a Requerente/Apelante não pode fazer – porque a isso se opõe, não a lei de processo, mas o direito substantivo (v.g. o cit. art. 2009º, nº 3, do Código Civil) – é peticionar a condenação conjunta do 1º Requerido, seu cônjuge, e dos demais Requeridos, seus Descendentes, a pagar-lhe, a título de alimentos, a quantia de € 2 350,00/mês,  na proporção das suas quotas, nos termos do disposto no artº 2010º do Cód. Civil.
Todavia, foi esse precisamente o pedido formulado pela ora Requerente/Apelante, na Petição Inicial do presente procedimento cautelar de Alimentos Provisórios: cfr. o teor do art. 67º desse articulado (“Nestes termos e nos demais de direito e com o sempre mui douto suprimento de V. Exa., deve o presente procedimento cautelar ser julgado procedente por provado e, em consequência, dever ser fixada a quantia de € 2 350,00 /mês,  a ser prestada a titulo de alimentos a favor da Requerente por todos os Requeridos , condenando-se estes a pagá-los àquela na proporção das suas quotas , nos termos do disposto no artº 2010 do CCivil , bem assim condenando os mesmos Requeridos, de forma solidária, no pagamento de sanção pecuniária compulsória de € 100/dia , em caso de não cumprimento da sentença que vier a ser proferidas nestes autos e sempre com as demais legais consequências”).
Um tal pedido está votado, necessariamente, à improcedência, porquanto – como vimos supra - o cônjuge e os descendentes da Requerente/Apelante não figuram na mesma classe de obrigados (cfr. o cit. art. 2009º, nº 1, alíneas a) e b) do Código Civil), só estando os descendentes onerados com a obrigação de lhe prestar alimentos se o cônjuge não possuir recursos económicos bastantes para satisfazer, no todo ou em parte, a prestação alimentícia.
Assim sendo, nada há a censurar ao despacho recorrido, por ter indeferido liminarmente a Petição Inicial do presente procedimento cautelar nominado de Alimentos Provisórios, dada a manifesta improcedência do pedido formulado pela Requerente ora Apelante (cfr. o art. 234º-A, nº 1, do CPC [na redacção introduzida pelo Decreto-lei nº 303/2007, de 24 de Agosto], com referência à al. b) do nº 4 do art. 234º do mesmo diploma).
Eis por que a presente Apelação improcede, necessariamente, quanto a esta 1ª questão – o que torna discipienda (nos termos e para os efeitos do art. 660º, nº 2, 1ª parte, do CPC, aqui aplicável ex vi do art. 713º, nº 2, do mesmo diploma) a apreciação daqueloutra questão suscitada em 2º lugar nas conclusões das respectivas alegações de recurso (Se a mera circunstância de o tribunal considerar que o montante da pensão alimentícia reclamada pela Requerente ultrapassa o mínimo estritamente necessário para o sustento, habitação e vestuário do alimentado - sendo certo que, enquanto os alimentos definitivos compreendem tudo quanto seja indispensável à satisfação das necessidades de sustento, habitação e vestuário, já os alimentos provisórios abarcam só aquilo que se mostre estritamente necessário para o efeito – não constitui, por si só, fundamento bastante para o indeferimento liminar do procedimento cautelar de alimentos provisórios), porquanto – como é, a todas as luzes, evidente -, se a petição inicial deste procedimento cautelar foi (e bem) indeferida liminarmente, por ser evidente que o pedido único formulado pela Requerente contra o seu cônjuge e os seus descendentes, em conjunto, não pode proceder, face ao disposto no cit. art. 2009º, nº 3,do Cód. Civil, irreleva apurar se o outro motivo também aduzido pelo despacho recorrido para fundamentar o indeferimento liminar da PI (a circunstância de o montante da pensão alimentícia reclamada ultrapassar, eventualmente, o mínimo estritamente necessário para o sustento, habitação e vestuário do alimentado), por si só, não era fundamento suficiente para justificar o indeferimento liminar deste procedimento cautelar de alimentos provisórios.

DECISÃO
Acordam os juízes da Secção Cível desta Relação em negar provimento ao presente recurso de Apelação, confirmando integralmente o despacho recorrido, que indeferiu liminarmente o Requerimento Inicial do procedimento cautelar de Alimentos Provisórios.
Custas a cargo da Requerente ora Apelante.

Lisboa, 13 de Março de 2012

Rui Torres Vouga (relator)
Maria do Rosário Gonçalves (1ºAdjunto)
Maria da Graça Araújo (2º Adjunto)
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[1] Cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 362 e 363.
[2] Cfr., também neste sentido, os Acórdãos do STJ de 6/5/1987 (in Tribuna da Justiça, nºs 32/33, p. 30), de 13/3/1991 (in Actualidade Jurídica, nº 17, p. 3), de 12/12/1995 (in BMJ nº 452, p. 385) e de 14/4/1999 (in BMJ nº 486, p. 279).
[3] O que, na alegação (rectius, nas suas conclusões), o recorrente não pode é ampliar o objecto do recurso anteriormente definido (no requerimento de interposição de recurso).
[4] A restrição do objecto do recurso pode resultar do simples facto de, nas conclusões, o recorrente impugnar apenas a solução dada a uma determinada questão: cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS (in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 308-309 e 363), CASTRO MENDES (in “Direito Processual Civil”, 3º, p. 65) e RODRIGUES BASTOS (in “Notas ao Código de Processo Civil”, vol. 3º, 1972, pp. 286 e 299).