Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
8762/15.4T8SNT.L1-4
Relator: FERREIRA MARQUES
Descritores: PROCEDIMENTO CAUTELAR
SUSPENSÃO DO DESPEDIMENTO
REQUISITOS
FALTAS INJUSTIFICADAS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/18/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Sumário: 1. No procedimento cautelar de suspensão de despedimento, o tribunal não tem que se pronunciar sobre se existe, ou não, justa causa. Isso é uma questão a dirimir na acção principal.
2. No procedimento cautelar, o juiz só tem que verificar se os factos imputados ao trabalhador na decisão final do processo disciplinar, vistos sob o ponto de vista objectivo, são ou não susceptíveis de integrar justa causa de despedimento.
3. Como providência cautelar de natureza excepcional, a suspensão de despedimento só é atendível quando a inadequação do despedimento à falta ou faltas verificadas seja evidente e possa logo concluir-se pela probabilidade séria de inexistência de justa causa.
4. Nos termos do art. 351º, n.º 2, al. g) do CT constitui, nomeadamente, justa causa de despedimento as faltas não justificadas ao trabalho que determinem directamente prejuízos ou riscos graves para a empresa, ou cujo número atinja, em cada ano civil, cinco seguidas ou dez interpoladas, independentemente de prejuízo ou risco.
5. Numa primeira leitura da 2ª parte da alínea g) podemos ser tentados a admitir que, perante a literalidade da norma, o legislador se ficou pela exigência da simples materialidade do comportamento do trabalhador para integrar a noção de justa causa de despedimento, nos casos de as faltas injustificadas atingirem, em cada ano civil, 5 seguidas ou 10 interpoladas. Mas não é assim.
6. Nestes casos, para o preenchimento de justa causa de despedimento não basta a simples materialidade das faltas injustificadas ao trabalho dadas durante certo número de dias – sejam elas seguidas ou interpoladas – é ainda necessária a demonstração do comportamento culposo do trabalhador; que este se revista de gravidade e torne, pelas suas consequências, imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.
7. Os comportamentos descritos, a título exemplificativo, no n.º 2 do art. 351º do CT de 2009, não devem ser apreciados isoladamente, mas devem ser conjugados com a cláusula geral constante do n.º 1 desse mesmo preceito.
8. Doze dias de faltas interpoladas injustificadas dadas por um trabalhador, desde 31/01/2014 até 30/07/2014, só podem constituir justa causa de despedimento, independentemente de qualquer prejuízo ou risco para a empresa, se essas faltas revelarem um comportamento gravemente culposo, por parte desse trabalhador e se esse comportamento tornar imediata e praticamente impossível a subsistência da relação da relação de trabalho.
9. No caso dos autos, porém, não isso não ficou demonstrado. Antes pelo contrário, tudo leva a crer que tal não sucedeu, pois a entidade empregadora não reagiu disciplinarmente, de imediato, contra a trabalhadora, tendo esta continuado a trabalhar, a partir de 30/07/2014, não tendo dado até ao final desse ano civil, qualquer outra falta ao serviço.
10. Se as faltas dadas até 30/07/2014 tivessem tornado imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, a entidade empregadora teria reagido de imediato e teria, por certo, instaurado, de imediato, processo disciplinar à trabalhadora em causa, não aguardando pelo final do ano civil para apreciar a gravidade da violação do dever de assiduidade daquela.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial: Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa.



         I-RELATÓRIO:



AA, solteiro, maior, contribuinte n.º (…), residente na Rua (…), instaurou procedimento cautelar especificado, nos termos do disposto nos artigos 386º do Código do Trabalho e 34º e 35º do CPT, contra:
BB, S.A., NIPC (…), com sede na (…) Lisboa, pedindo a suspensão do seu despedimento.

Alegou para tanto e em síntese o seguinte:

Trabalha para a requerida, desde 1 de Julho de 2009 e, em 26 de Fevereiro de 2015, esta notificou de que lhe foi instaurado procedimento disciplinar, com intenção de proceder ao seu despedimento, no âmbito do qual lhe foi assegurada a sua defesa.

Em 9 de Abril de 2015, foi-lhe comunicada a decisão final de despedimento, motivada em faltas injustificadas;
Tendo a última falta ocorrido a 30 de Julho de 2014, ao ser notificado apenas a 26 de Fevereiro de 2015 da nota de culpa, o direito da entidade patronal de exercer a acção disciplinar já havia caducado, nos termos do disposto no art. 329.°, n.º 2 do Código do Trabalho, por terem decorrido mais de 60 dias, desde a última falta;
A entidade empregadora teve desde logo conhecimento das respectivas faltas, porquanto as descontou sempre nos meses seguintes àqueles a que diziam respeito;
A entidade empregadora não demonstrou que o seu comportamento foi de tal forma grave em si mesmo e nas suas consequências que tornou imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral;
Concluiu pela probabilidade séria de ilicitude do despedimento, por caducidade do direito de exercer o poder disciplinar, bem como pela (probabilidade séria) de inexistência de justa causa.

A requerida apresentou oposição, na qual alegou em resumo que não se verificava a excepção da caducidade do procedimento disciplinar, em virtude da avaliação da assiduidade ser feita por referência ao ano civil e como tal, o prazo (de caducidade) só começar a correr no início do ano civil seguinte.

Alegou ainda que sofreu prejuízos com as faltas dadas pelo requerente e que perante 12 faltas injustificadas e outras de ausência temporária ao trabalho, que o tribunal terá de concluir que existe probabilidade séria de justa causa de despedimento.

Procedeu-se à realização da audiência final, após o que foi proferida sentença que julgou procedente o procedimento cautelar e, em consequência, decretou a suspensão do despedimento do requerente.

Inconformada, a requerida interpôs recurso de apelação da referida sentença, tendo sintetizado a sua alegação nas seguintes conclusões:
(…)

Terminou pedindo a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que conclua pela probabilidade séria de existência de justa causa e pela improcedência do procedimento cautelar.

A requerente, na sua contra-alegação, pugnou pelo não provimento do recurso e pela confirmação da sentença recorrida.

O recurso é próprio, foi interposto em tempo e admitido na forma, com o efeito e no regime de subida devidos.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

A questão que se suscita neste recurso consiste em saber se, face à matéria considerada indiciariamente provada, se pode concluir pela probabilidade séria de inexistência de justa causa.

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.

A 1ª instância considerou indiciariamente provada a seguinte matéria de facto:

1. O Requerente foi admitido ao serviço da Requerida em 1 de Julho de 2009, através da celebração de contrato de trabalho sem termo;
2. Para sob autoridade, direcção e fiscalização da Requerida, exercer as funções decorrentes da categoria profissional de Operador Ajudante de 1º Ano;
3. Tendo-lhe sido atribuído como local de trabalhado as instalações da Requerida na Amadora;
4. O horário de trabalho era definido pela Requerida e comunicado ao Requerente todos os meses, em função dos turnos e folgas assim determinadas;
5. Ultimamente, o Requerente auferia a retribuição mensal de € 560,50 (quinhentos e sessenta euros e cinquenta cêntimos);
6. Subsídio de alimentação na quantia diária de € 5,40 (cinco euros e quarenta cêntimos): por acordo e doc. n.º 2.
7. Quando se encontrava em período de gozo de férias, concretamente no dia 26 de Fevereiro de 2015, o Requerente foi notificado, através de carta registada da existência de processo disciplinar - nota de culpa com intenção de despedimento;
8. Por não concordar com o teor da nota de culpa, o Requerente exerceu o direito ao contraditório, tendo para o efeito expedido resposta nos termos do disposto no artigo 355º, n.º 1 do Código do Trabalho;
9. Em 09 de Abril de 2015, o Requerente foi chamado ao gabinete da Dra. CC, tendo-lhe sido entregue em mão relatório e decisão final de despedimento, o qual, na óptica da Requerida, com fundamento em justa causa;
10. Na data em que foi instaurado o procedimento disciplinar, não tinha ainda sido colocada à disposição do Requerente qualquer quantia resultante da cessação do contrato de trabalho, a título de créditos laborais, tendo entretanto, no dia 25 de Abril, sido efectuado um pagamento ao requerente desconhecendo-se a que créditos reporta;
11. A Requerida não entregou ao Requerente nenhum dos documentos elencados no artigo 341º do Código do Trabalho;
12. Igualmente a Requerida não facultou ao Requerente o modelo 5044 a ser entregue no Centro de Emprego;
13. O Requerente em sede de resposta à nota de culpa manifestou a sua não concordância com a intenção de despedimento promovida pela Requerida;
14. Onde sustentou que a Requerida agiu ilegitimamente porquanto, o seu direito de acção para instauração de procedimento disciplinar) havia já caducado;
15. A Requerida Justificou o despedimento do Requerente com base nas seguintes faltas interpeladas injustificadas, concretamente, em: 31/01/2014 - dia completo; 25/02/014 - abandono do serviço entre as 12h e as 16h (4 horas); 7/03/2014 - abandono do serviço entre as 18h02 e as 18H45 (43 minutos); 17/03/2014 - abandono do serviço entre as 07H36 e as 16h (8 horas e 24 minutos); 29/03/2014 - abandono do serviço entre as 07h15 e as 07h26 (9 minutos); 13/04/2014 - abandono do serviço entre as 14h53 e as 15h12 (19 minutos); 18/04/2014 - abandono do serviço entre as 07H15 e as 07H27 (12 minutos); 20/04/2014 - abandono do serviço entre as 14H50 e as 15h04 (14 minutos); 30/05/2014 – dia completo; 2/06/2014 - dia completo; 11/06/2014 - apenas compareceu no local de trabalho desde as 17H30 e as 19H30; 12/06/2014 – dia completo; 25/06/2014 - dia completo; 4/07/2014 – dia completo; 6/07/2014 - dia completo; 9/07/2014 - dia completo; 28/07/2014 - dia completo; 30/07/2014 - dia completo.
16. O Requerente foi notificado da nota de culpa em 26 de Fevereiro de 2015;
17. A Requerida deu início ao procedimento já em 2015;
18. As faltas e ausências do Requerente foram descontadas, aquando do pagamento do vencimento do mês seguinte àquele a que tais circunstâncias dizem respeito;
19. A Requerida não comunicou ao Requerente qual a relevância que atribuía às faltas em apreço.
A Requerida apresentou uma testemunha, a Sr.a D. DD, responsável de mercado da requerida, que depôs no sentido de confirmar factualidade já indiciariamente provada por acordo: a existência das faltas.
Do depoimento da testemunha resultou também que as faltas causaram transtorno no serviço, tendo a D. DD, com um horário já muito preenchido, de assegurar a reposição dos congelados, tarefa da Requerente.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.

Como dissemos atrás, a questão que se suscita neste recurso consiste em saber se, face à matéria considerada indiciariamente provada, se pode, ou não, concluir pela probabilidade séria de inexistência de justa causa.

A decisão recorrida considerou que sim, alegando que não bastam as 12 faltas interpoladas dadas no decurso do ano de 2014 para não poder concluir pela probabilidade séria de inexistência de justa causa. É necessário ainda que a entidade empregadora alegue e prove factos dos quais resulte, inequivocamente, a impossibilidade de manutenção da relação de trabalho.

A recorrente discorda.

Alega que a decisão recorrida contraria o artigo 39º do CPT em matéria de poderes de cognição e escopo da decisão do tribunal em matéria de procedimento cautelar de suspensão de despedimento e que nela não foi feita a interpretação adequada do disposto no art. 351º, n.º 2, al. g) do CT. Para a maioria da doutrina que se debruçou sobre esta questão, não pode escamotear-se a força normativa da objectivação feita na alínea g) do n.º 2 do art. 351º do CT, que revela uma intenção do legislador, seja de permitir que sobre esta apenas prevaleçam causas excepcionais de justificação ou escusa (Menezes Cordeiro), de inverter o ónus da prova de justa causa, atribuindo-o ao trabalhador (Luís Silva Morais e Pedro Madeira de Brito) ou, simplesmente, de dispensar a aferição de verificação de justa causa por qualquer outro critério (Bernardo Lobo Xavier). O legislador, no CT de 2009, alterou deliberadamente a redacção da alínea g) do n.º 2 do artigo 351º, deixando as demais disposições da norma intocadas, para alterar a disjuntiva da referida alínea “Faltas não justificadas ao trabalho que determinem directamente prejuízos ou riscos graves para a empresa, ou cujo número atinja, em cada ano, cinco seguidas ou dez interpoladas, independentemente de qualquer prejuízo.” Assim, a disjuntiva é agora entre faltas injustificadas causadores de prejuízos ou riscos graves, por um lado, e faltas injustificadas que atinjam 5 seguidas ou 10 interpoladas por ano, por outro lado, sendo o complemento “independentemente de quaisquer prejuízos ou riscos” referido exclusivamente à segunda das condutas ali tipificadas. A interpretação sufragada pelo tribunal a quo comporta, pelo menos na aparência, uma contradição: se não tem de provar-se qualquer prejuízo grave ou risco sério, como ali se sustém, é porque se presume a existência dos mesmos, pelo que o juízo sobre a impossibilidade prática de subsistência da relação laboral já não será matéria de facto, mas um juízo normativo; não faz sentido dispensar a entidade empregadora de alegar prejuízos ou riscos para depois ter de alegar outros factos que permitam concluir pela impossibilidade de subsistência da relação laboral, pois esses pretensos factos seriam, na realidade, conclusões.

Vejamos se lhe assiste razão.

O procedimento cautelar de suspensão de despedimento individual está regulado nos art. 34º a 40º do CPT e no art. 39º, n.º 1 a lei estabelece que a providência cautelar de suspensão de despedimento (sanção) só pode ser decretada se o tribunal, ponderadas todas as circunstâncias relevantes, concluir pela probabilidade séria de ilicitude do despedimento, designadamente, se o juiz concluir:

a) Pela provável inexistência de processo disciplinar ou pela sua provável nulidade;
b) Pela provável inexistência de justa causa.

Trata-se de uma providência cautelar que se destina (apenas) a sustar o despedimento promovido pela entidade empregadora, com a consequente reintegração do trabalhador, até à decisão final da acção de impugnação (acção principal), só podendo ser decretada se se verificar o condicionalismo previsto no aludido art. 39º do CPT.

Assim, no procedimento cautelar de suspensão de despedimento cabe apenas ao tribunal verificar se o despedimento foi precedido de processo disciplinar; se este enferma de alguma irregularidade que o invalide e, se existir processo disciplinar e este for válido, verificar, depois de ponderar todas as circunstâncias relevantes, se há, ou não, probabilidade séria de inexistência de justa causa.

É este o âmbito do procedimento cautelar de suspensão de despedimento e é dentro deste âmbito que o trabalhador deve mover-se ao servir-se deste meio processual.

O despedimento, como se sabe, só é lícito se houver justa causa e se for precedido de processo disciplinar válido.

E o procedimento cautelar de suspensão de despedimento tem (apenas) como objectivo obter uma decisão sumária e necessariamente provisória ou perfunctória, sobre a verificação destes elementos, devendo ser decretada, se não tiver sido instaurado processo disciplinar, se este for nulo ou se, ponderadas todas as circunstâncias relevantes, se concluir pela probabilidade séria de inexistência de justa causa.

A lei, atendendo à “sumario cognitio”, própria dos procedimentos cautelares, apenas permite, neste procedimento cautelar especificado, discutir e apreciar a factualidade inerente à eventual inexistência ou nulidade do processo disciplinar e à (eventual) probabilidade séria de inexistência de justa causa.

Assim, neste procedimento cautelar, o tribunal apenas pode verificar se o processo disciplinar instaurado ao recorrente enferma de alguma das irregularidades previstas no n.º 2 do art. 382º do CT e, não enfermando de nenhum desses vícios, verificar se, face aos elementos de facto fornecidos pelo processo, se pode concluir, ou não, pela probabilidade séria de inexistência de justa causa.

Em relação à justa causa, é entendimento pacífico, tanto na doutrina como na jurisprudência, que no procedimento cautelar de suspensão de despedimento, o tribunal não tem que se pronunciar sobre se existe ou não justa causa. Isso é uma questão a dirimir na acção principal (na acção de impugnação de despedimento). No procedimento cautelar o juiz só tem que verificar se os factos imputados ao trabalhador na decisão final do processo disciplinar, vistos sob o ponto de vista objectivo, são ou não susceptíveis de integrar justa causa de despedimento.

Ao decidir, o juiz não pode nem deve antecipar o julgamento da questão substancial que lhe é (ou será) submetida na acção de impugnação de despedimento, mas formular apenas um juízo de probabilidade, isto é, dizer se, segundo os dados fornecidos pelo processo, se pode concluir pela probabilidade séria de inexistência de justa causa. Como providência cautelar de natureza excepcional, a suspensão de despedimento só é atendível quando a inadequação do despedimento à falta ou faltas verificadas seja evidente e possa logo concluir-se pela probabilidade séria de inexistência de justa causa.

Em caso de dúvida, o julgador deverá aguardar melhores elementos informativos na acção de impugnação, indeferindo o pedido de suspensão de despedimento.

No recurso interposto, não está em causa a validade e regularidade do processo disciplinar. A recorrente defende apenas que não se pode concluir, como concluiu o Mmo Juiz a quo, pela probabilidade séria de inexistência de justa causa.

Vejamos, então, se face aos elementos fornecidos pelo processo, se não se pode concluir, como se concluiu na sentença recorrida, pela probabilidade séria de inexistência de justa causa.

Dispõe o art. 351º, n.º 2, al. g) do CT que constitui, nomeadamente, justa causa de despedimento as faltas não justificadas ao trabalho que determinem directamente prejuízos ou riscos graves para a empresa, ou cujo número atinja, em cada ano civil, cinco seguidas ou dez interpoladas, independentemente de prejuízo ou risco.

Numa primeira leitura da 2ª parte desta alínea g) podemos ser tentados a admitir que, perante a literalidade da norma, o legislador se ficou pela exigência da simples materialidade do comportamento do trabalhador para integrar a noção de justa causa de despedimento, nos casos de as faltas injustificadas atingirem, em cada ano civil, 5 seguidas ou 10 interpoladas.

Mas não é assim.

Nestes casos, para o preenchimento de justa causa de despedimento não basta a simples materialidade das faltas injustificadas ao trabalho dadas durante certo número de dias – sejam elas seguidas ou interpoladas – é ainda necessária a demonstração do comportamento culposo do trabalhador; que este se revista de gravidade e torne, pelas suas consequências, imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.

Como se sabe, os comportamentos descritos, a título exemplificativo, no n.º 2 do art. 351º do CT de 2009, não devem ser apreciados isoladamente, mas devem ser conjugados com a cláusula geral constante do n.º 1 desse mesmo preceito.

Assim, os 12 dias de faltas interpoladas injustificadas dadas pela apelada, no ano civil de 2014, só podem constituir justa causa de despedimento, independentemente de qualquer prejuízo ou risco para a empresa, se se considerar que essas faltas revelam um comportamento gravemente culposo, por parte da trabalhadora e que esse comportamento tornou imediata e praticamente impossível a subsistência da relação da relação de trabalho.

No caso em apreço, resulta da matéria de facto provada que a recorrida, entre 31/01/2014 e 30/07/2014, não compareceu ao serviço, pelo menos, em 12 dias completos, sem informar previamente a sua entidade empregadora, o seu superior hierárquico ou quem o substituísse de que iria faltar e sem ter apresentado, posteriormente, qualquer justificação ou satisfação na empresa.

Tal ausência implicou, segundo prova indiciariamente colhida, no decurso da audiência, a não execução, pela recorrida, do seu trabalho, e alguma perturbação no funcionamento do serviço, tendo a responsável de mercado da apelante, com um horário já muito preenchido, de alterar os seus planos de trabalho, e assegurar, nessa ausência, a reposição dos congelados, tarefa recorrida.

À primeira vista, o comportamento da recorrida revela, em nosso entender, indiciariamente, não só uma violação culposa, grave e reiterada do dever de assiduidade (arts. 799º, n.º 1 do Cód. Civil e 128º, n.º 1, al. b) do CT), como também um total e repetido desprezo pelas regras que disciplinam a organização e o bom funcionamento da empresa, o que, por regra determina a perda da confiança que a entidade empregadora deposita naquela trabalhadora.

Perante tal comportamento, qualquer entidade empregadora, no lugar da recorrente, deixará, por regra, de poder contar com a trabalhadora, ora recorrente, já que faltas idênticas (não previamente comunicadas nem posteriormente justificadas) poderão surgir a qualquer momento.

E não se diga que sendo a recorrida uma grande empresa, todos os dias há trabalhadores que faltam, o que implica que a entidade empregadora já se organiza em conformidade com tal situação. É que é exactamente por existirem muitas faltas que aquelas que não são comunicadas nem justificadas assumem uma gravidade superior. Se há trabalhadores que por motivos vários e justificados não podem ir trabalhar e a empresa os tem de substituir, então a substituição de quem nem sequer se preocupa em comunicar à empresa as suas faltas, nem tem justificação para elas, tem consequências muito mais graves, uma vez que, sendo inesperadas, implicam uma perturbação muito maior na organização e no funcionamento do serviço.

No caso em apreço, porém, há dois factos que consideramos muito relevantes e que a sentença recorrida e a apelante não levaram em linha de conta: o comportamento das partes, após 30/07/2014, e o facto de a entidade empregadora não ter comunicado à trabalhadora a relevância que atribuía às faltas em apreço, não tendo esta, por essa razão, tido oportunidade de se pronunciar sobre essa matéria no processo disciplinar nem no procedimento cautelar.

Tal matéria não pode, assim, ser levada em consideração na decisão do procedimento cautelar.

Mais, as ausências ao serviço ocorreram entre 31/01/2014 e 30/07/2014 e a partir desta última data, a apelada continuou a trabalhar, não tendo dado, até ao final desse ano civil, qualquer outra falta ao serviço.

A justa causa consiste no “comportamento culposo do trabalhador que pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho” (art. 351º, n.º 1 do CT).

Como dissemos atrás, os comportamentos descritos, a título exemplificativo, no n.º 2 do art. 351º do CT, não devem ser apreciados isoladamente, como fez a recorrente, mas devem ser conjugados com a cláusula geral constante do n.º 1 desse mesmo preceito.

Assim, as 12 faltas interpoladas injustificadas que imputou à apelada, no ano civil de 2014, só podiam constituir justa causa de despedimento, independentemente de qualquer prejuízo ou risco para a empresa, se essas faltas revelassem um comportamento gravemente culposo, por parte da recorrida e que esse comportamento tornasse imediata e praticamente impossível a subsistência da relação da relação de trabalho.

Ora, no caso em apreço, não ficou, de modo algum, indiciariamente demonstrado que o comportamento da apelada (ocorrido até 30/07/2014) foi gravemente culposo e tornou imediata e praticamente impossível a subsistência da relação da relação de trabalho.

Antes pelo contrário, tudo leva a crer que tal não sucedeu, pois a recorrente não reagiu disciplinarmente de imediato contra a trabalhadora, tendo esta continuado a trabalhar, não tendo dado, desde 30/07/2014 até ao final desse ano civil, qualquer outra falta ao serviço, afigurando-se indiciariamente que terá passado por um período conturbado, nos primeiros 7 meses de 2014 e que, a partir daí tudo terá voltado à normalidade.

Se as faltas dadas até 30/07/2014 tivessem tornado imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, a recorrente teria, por certo, instaurado, de imediato, processo disciplinar à trabalhadora em causa, não aguardando pelo final do ano civil para apreciar a gravidade da violação do dever de assiduidade daquela.

Temos, assim, de concluir, como concluiu a decisão recorrida, embora com fundamentos diferentes, pela probabilidade séria de inexistência de justa causa.

IV. DECISÃO:

Em conformidade com os fundamentos expostos, nega-se provimento ao recurso e confirma-se a decisão recorrida.
Custas, em ambas as instâncias, pela recorrente.
Notifique e registe.


Lisboa, 18 de Novembro de 2015


José Joaquim Ferreira Marques
Maria João da Graça Romba
Maria Paula Moreira Sá Fernandes



Decisão Texto Integral: