Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
474/08.1TYLSB.L1-8
Relator: ILÍDIO SACARRÃO MARTINS
Descritores: MARCAS
FUNÇÃO DISTINTIVA DA MARCA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/25/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1. Os requisitos previstos no artigo 245º nº 1 do Código da Propriedade Industrial (conceito de imitação ou de usurpação) são cumulativos.
A função primordial da marca consiste em distinguir, entre produtos ou serviços ou entre as empresas que os produzem, em ordem a evitar a confusão do consumidor.
2. Apesar das semelhanças fonéticas e gráficas entre as marcas registada “PICK&GO” e registanda “PIKENGO”, destinadas a assinalar serviços da mesma Classe 39 não existe identidade ou afinidade geradora de confusão se uma se destina a assinalar serviços de recolha domiciliada de correspondência e outra se destina a assinalar transporte de passageiros e de mercadorias, embalagem e armazenamento de mercadorias, organização de viagens, excursões e cruzeiros, reserva de lugares de viagem e de transporte, serviços de táxi, reboque, serviços de informação relacionados com viagens e agências de turismo (com excepção de reserva de hotéis e pensões).
(AP)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa
I – RELATÓRIO
“C... – ..., SA” veio, ao abrigo do disposto no artº 39 e segs do Código da Propriedade Industrial, interpor recurso do despacho do Director do I.N.P.I. que deferiu parcialmente o pedido de registo da marca nominativa internacional nº ... “PIKENGO”, pedido pela sociedade francesa “L....com, SA”.          
Alega ser titular do registo da marca nacional nº ... “PICK&GO”, ser o registo mais antigo, destinar-se a assinalar produtos afins, e existir entre ambas semelhanças gráficas, figurativas e fonéticas capazes de induzir o consumidor em erro ou confusão ou risco de associação, potenciadora de concorrência desleal.
Pede que seja revogado o despacho recorrido e ordenando-se a recusa de protecção ao registo da marca internacional nº ... “PIKENGO”, também para todos os serviços da classe 39 e não apenas para os referentes a “ services de livraison de produits à domicile”.

Citada a parte contrária nos termos do artº 44 nº1 do Código da Propriedade Industrial, não respondeu.

Foi proferida sentença que julgou improcedente o recurso interposto.

Não se conformando com a douta sentença, dela recorreu C... ..., SA, tendo formulado as seguintes CONCLUSÕES:
1ª - A sentença proferida aplicou, em singelo entendimento, erroneamente, regras de direito, mormente no que concerne à interpretação dos art°s 1º, 24°, n° 1 alínea d) (conjugado com o art° 317°), 239°, alínea m), 245°, n° 1, alíneas b) e c), todos do CPI na versão aplicável ao caso sub judice (CPI de 2003).
2ª - O presente recurso visa questionar a consideração da sentença, que entendeu não estar verificado o segundo e terceiro requisitos do conceito de imitação, [alíneas b) e c) do n° 1 do art° 245° do CPI], bem como a possibilidade de existência de concorrência desleal.
3ª - A anterioridade do registo da marca da ora recorrente é questão pacífica nestes autos, assim tendo-se por verificado o primeiro dos pressupostos da verificação do conceito de imitação, previsto no art° 245° do CPI.
4ª - Já no que tange à existência de identidade ou afinidade entre os serviços assinalados pelas marcas em confronto, urge apelar aos ensinamentos jurisprudenciais e doutrinários, uma vez que o conceito de afinidade é um conceito indeterminado.
5ª - Ora, na sequência das transcrições supra operadas e interpretação do espírito da norma (in casu, a alínea b) do n° 1 do art° 245° do CPI), importa analisar se os serviços das marcas em confronto são ou podem ser oferecidos nos mesmos locais e circuitos comerciais, partilhando os mesmos canais de comércio.
6ª - Assinalando a marca da recorrente (Marca Nacional n° ...) serviços de recolha domiciliária de correspondência e a Marca Registanda (Marca Internacional n° ...), entre outros serviços, transporte de mercadorias, embalagem e armazenamento de mercadorias; reserva de lugares de viagem e de transporte, é imperioso reconhecer que há um elevado grau de contacto entre as mesmas e, aplicando as regras de experiência comum, ter como muito provável que os referidos serviços serão oferecidos nos mesmos locais e nos mesmos circuitos comerciais.
7ª - Na verdade, a recolha domiciliária de correspondência está, como é bom de ver, intimamente ligada ao transporte de mercadorias e, inerentemente, ao seu armazenamento e respectivo embalamento.
8ª - Conforme acima se aventou, não raras as vezes, como nas agências de viagem (localizadas por exemplo em estações de comboio, aeroportos ou outros locais de interface) ou nos postos das agências de aluguer de veículos automóveis, é frequente visionar-se publicidade relativa à expedição de encomendas postais ou de mercadorias, já que se pressupõe a distância geográfica entre o adquirente deste tipo de serviços e, por exemplo, o eventual destinatário da correspondência.
9ª - Destarte, consideramos verificado o seguindo requisito do conceito de imitação, na modalidade de afinidade entre serviços.
10ª - Temos igualmente por verificado a semelhança entre os sinais em confronto, porquanto entre "PICK&GO" e "PIKENGO", as semelhanças são quase absolutas.
11ª - Além da forte parecença ao nível visual, a fonética dos sinais (e sublinhe-se que são sinais verbais) assume uma relevância incontornável e que deverá ser factor decisivo na confrontação dos sinais. O som da palavra é absolutamente essencial, neste caso.
12ª - As marcas têm em comum a parte inicial: "PICK" versus "PIK", bem como a terminação em "GO" e existe ainda a similitude ideológica entre as marcas, ambas apelando à ideia de recolha e entrega/despacho.
13ª - Esta semelhança conceptuológica é adensada pela utilização do símbolo "&" que significa "e" (origem no Latim: "et"), sendo que na marca registanda existe, em maiúsculas, um "E".
14ª - O próprio despacho do INPI é cristalino em identificar a semelhança dos sinais em confronto, conforme citação feita na motivação do recurso.
15ª - Assim, temos que o terceiro pressuposto do art° 245° n° 1 do CPI se encontra verificado, dado que a semelhança gráfica, fonética e até mesmo conceptuológica induz os consumidores em erro ou confusão ou risco de associação de grupos empresariais distintos.
16ª - Subsiste ainda o motivo de recusa de concessão do registo da Marca Internacional n° ..., já que a sua concessão potenciará situações de concorrência desleal, ainda que não seja essa a vontade do requerente da marca registanda.
17ª - Em causa saber se a recorrida tem ou não essa intenção desleal, mas apenas que esse resultado é objectivamente concebível e provável, atenta a manifesta afinidade entre os serviços e a possibilidade de confusão entre os sinais das marcas em confronto.
18ª - Daí que, também pela potencial ocorrência de situações de concorrência desleal, deva o registo da Marca Internacional n° ... ser recusado, nos termos do art°s 24°, n° 1, alínea d) e 317°, ambos do CPI.
19ª - Havendo, destarte, que revogar a sentença prolatada e decidir pela recusa da concessão do Registo da Marca Internacional n° ....
Termina, pedindo que seja revogada a sentença recorrida.

Não houve contra-alegações.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II – FUNDAMENTAÇÃO
A) Fundamentação de facto
A matéria de facto a considerar é a seguinte:
1º - Por despacho datado de 22.01.2008, o Director da Direcção de Marcas e Patentes do Instituto Nacional da Propriedade Industrial, no uso de subdelegação de competências do Conselho de Administração, deferiu parcialmente o pedido de registo da marca internacional nº ... “PIKENGO”;
2º - A referida marca destina-se a assinalar os seguintes serviços, na classe 39ª: transport de voyageurs et de marchandises; emballage et entreposage de marchandises; organisation de voyages, d’excursions, de croisières; réservation de places de voyage et de transport; services de táxi; remorquage; services d’informationss concernant des voyages; agences de tourisme (à l’exception de la réservation d’hôtels, de pensions);
3º - É composta pelo vocábulo Pikengo em letras impressas regulares;
4º - A Recorrente é titular da marca nacional nº ... “PICK&GO”, pedido em 6.02.2006 e concedido em 2.02.2007;
5º - E destinada a assinalar, na classe 39ª, serviços de recolha domiciliada de correspondência;
6º - É composta pelos vocábulos Pick & Go em letras impressas regulares.

B) Fundamentação de direito
A legislação aplicável aos autos é o Código da Propriedade Industrial, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 36/2003, de 5 de Março, dado que o pedido de registo da marca foi apresentado antes das alterações entretanto introduzidas pelo Decreto-Lei nº 143/08, de 25 de Julho, as quais entraram em vigor em 1 de Outubro de 2008, conforme resulta dos artigos 4º e 16º deste diploma.
Dispõe o 222º do CPI, sobre a epígrafe “Constituição da marca”, que a “A marca pode ser constituída por um sinal ou conjunto de sinais susceptíveis de representação gráfica, nomeadamente palavras, incluindo nomes de pessoas, desenhos, letras, números, sons, a forma do produto ou da respectiva embalagem, desde que sejam adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas”, bem assim que “(..) pode, igualmente, ser constituída por frases publicitárias para os produtos ou serviços a que respeitem, desde que possuam carácter distintivo, independentemente da protecção que lhe seja reconhecida pelos direitos de autor”.
A doutrina e a jurisprudência desenvolveram em construção teórica o conceito de marca, considerando de forma uniforme que “marca é um sinal distintivo de produtos ou serviços, visando individualizá-los no mercado, perante o consumidor e em relação aos demais, com os propósitos de assegurar e potenciar a clientela, simultaneamente protegendo o consumidor do risco de confusão ou associação com marcas concorrentes”. Neste sentido, remete-se para o Acórdão do STJ, de 11-01-2011[1], no qual se invoca o conceito de marca dado pelo Professor Ferrer Correia[2].
Conforme decorre do artº 224º nº1, o direito de propriedade de determinada marca é conferido através do seu registo.
A sua função essencial é a distintiva, ou seja, a marca distingue e garante que os produtos ou serviços se reportam a uma pessoa que assume pelos mesmos o ónus de uso não enganoso, nessa medida cumprindo uma função de garantia de qualidade dos produtos e serviços, por referência a uma origem não enganosa e podendo, ainda, contribuir para a promoção dos produtos ou serviços que assinala[3].
A composição das marcas é em princípio livre, embora haja restrições impostas por lei ou pelos princípios da eficácia distintiva da verdade, novidade, independência e licitude - artigos 238º e 239º).
Uma vez registada, a marca confere ao seu titular o direito de impedir a terceiros, sem o seu consentimento, de usar, no exercício de actividades económicas, qualquer sinal igual, ou semelhante, em produtos ou serviços idênticos ou afins daqueles para os quais a marca foi registada e que, em consequência da semelhança entre os sinais e da afinidade dos produtos ou serviços, possa causar um risco de confusão, ou associação, no espírito do consumidor – artº 258º.
O titular da propriedade industrial dispõe das garantias estabelecidas por lei para a propriedade em geral, para além de beneficiar dos regimes especiais de protecção, estabelecidos no CPI e demais legislação e convenções em vigor (artº 316º). Assim, obtido o registo e conferido o direito de propriedade, o seu titular passa a dispor do exclusivo da “marca para os produtos e serviços a que esta se destina” (mesmo n.º1 do artº 224º).
A protecção legal concedida ao titular da marca prioritária traduz-se, também, no direito de se opor a que outrem a use sem o seu consentimento, bem como a impedir que o seu uso possa ser confundido ou associado àquela que lhe pertence, semelhança essa que pode ser gráfica, fonética ou figurativa[4].
A atribuição deste direito insere-se no âmbito da função da propriedade industrial, assinalada no artº 1º do CPI, onde se lê que é a de “ (..) garantir a lealdade da concorrência, pela atribuição de direitos privativos sobre os diversos processos técnicos de produção e desenvolvimento da riqueza”.
O sentido da protecção atribuída por lei, vem desde logo evidenciado no preâmbulo do Decreto-Lei nº 36/2003, de 5 de Março, onde se refere o seguinte: “É conhecida a importância do sistema da propriedade industrial para o processo de desenvolvimento económico, nomeadamente quando associado ao desenvolvimento científico e tecnológico e ao crescimento sustentado e sustentável da economia, inspirando e protegendo os resultados das actividades criativas e inventivas.
Constituindo um dos factores competitivos mais relevantes de uma economia orientada pelo conhecimento, dirigida à inovação e assente em estratégias de marketing diferenciadoras, a propriedade industrial assume-se, igualmente, como mecanismo regulador da concorrência e garante da protecção do consumidor.
O sistema da propriedade industrial está, assim, ligado, mais do que nunca, aos vectores essenciais de políticas macroeconómicas ou de estratégias empresariais, modernas e competitivas, condicionadas por uma sociedade de informação e por uma economia globalizada”.
É justamente aquele direito de oposição que a recorrente, enquanto titular do direito de propriedade industrial da marca “PICK&GO” pretende exercer, para obstar à concessão do registo e consequente protecção legal da marca “PICKENGO” que no seu entendimento deveria ter sido recusado.

O artigo 239º, nº 1 alínea m) do Código da Propriedade Industrial (CPI) estipula que o registo da marca deve ser recusado quando, em todos ou alguns dos seus elementos, contenham “ reprodução ou imitação no todo ou em parte, de marca anteriormente registada por outrem, para produtos ou serviços idênticos ou afins que possa induzir em erro ou confusão o consumidor ou que compreenda o risco de associação com a marca registada”.
Por seu turno, preceitua o artigo 245º, nº 1, sobre o conceito de imitação, o seguinte:
“1 – A marca registada considera-se imitada ou usurpada por outra, no todo ou em parte, quando, cumulativamente:
a) A marca registada tiver prioridade;
b) Sejam ambas destinadas a assinalar produtos ou serviços idênticos ou afins;
c) Tenham tal semelhança gráfica, figurativa, fonética ou outra que induza facilmente o consumidor em erro ou confusão, ou que compreenda um risco de associação com marca anteriormente registada, de forma que o consumidor não as possa distinguir senão depois de exame atento ou confronto”.
Ora, relativamente ao artº 239º alínea m) do CPI com redacção semelhante ao artº 189º  nº 1 alª m), é pacificamente aceite pela doutrina e pela jurisprudência que esta disposição se aplica quando se verifique, cumulativamente:
‑ semelhança gráfica, figurativa ou fonética;
‑ identidade ou afinidade de produtos, e
‑ possibilidade de indução fácil do consumidor em erro ou confusão.
A marca, segundo estipula o artigo 222º, nº 1 do CPI, “ pode ser constituída por um sinal ou conjunto de sinais susceptíveis de representação gráfica, nomeadamente palavras, incluindo nomes de pessoas, desenhos, letras, números, sons, a forma do produto ou da respectiva embalagem, que sejam adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas”.
A função primordial da marca consiste em distinguir, entre produtos ou serviços ou entre as empresas que os produzem. É a consagração do princípio da especialidade: a marca deve ter eficácia distintiva de qualquer outra já existente ou adoptada por qualquer outro comerciante ou industrial destinada ao seu produto ou serviço, em ordem a evitar a confusão do consumidor.
Ora, segundo o critério de apreciação sintetizado pelo Acórdão do STJ de 17.5.1960, in BPI, n° 10/1960, pág. 1610:
" Aquilo que cumpre ter em atenção para estabelecer a semelhança entre duas marcas não são pormenores isolados de cada uma delas. Há que atender, especialmente, ao conjunto, pois este é que, como é natural, impressiona e chama a atenção do consumidor e o pode induzir em erro".
“Sendo a imitação a mais perigosa das fraudes, o imitador pretende aproveitar‑se ilicitamente do crédito e da notoriedade de uma marca de outrem, mas, para poder defender‑se, não a reproduz perfeitamente, limita‑se a imitá‑la para poder sempre alegar que a sua marca é diferente daquela de que se diz ser a imitação "[5].

A primeira conclusão a retirar dos preceitos legais acima é a de que a marca tem de ser nova. Essa novidade não implica que seja inédita. A novidade da marca significa que esta não pode ser idêntica nem semelhante a outra anteriormente registada para produtos iguais ou afins, isto é, que o sinal não esteja a ser empregue como marca na mesma actividade.
São dois, portanto, os requisitos que excluem a novidade da marca: um dos quais se reporta aos sinais em confronto e o outro aos produtos ou serviços a que se destinam.
No que toca ao primeiro dos requisitos indicados, exige a lei que os sinais em confronto sejam idênticos ou por tal forma semelhantes que possam induzir em erro ou confusão o consumidor.
Se os sinais em confronto são idênticos, não se suscitam dificuldades práticas no que toca à aplicação da lei.
 Dificuldades surgem já quando haja que definir se, no confronto entre dois sinais, existe, ou não, semelhança susceptível de induzir em erro ou confusão no mercado.
O Código actual (como o anterior) dá-nos a definição de imitação.
Segundo essa definição, para haver imitação, a marca deve ter tal semelhança gráfica, figurativa ou fonética com outra já registada que induza facilmente em erro ou confusão o consumidor, não podendo este distinguir as duas senão depois de exame atento ou confronto.
A comparação que define a semelhança verifica-se entre um sinal e a memória que se possa ter doutro. É que o consumidor médio quase nunca se defronta com dois sinais, um perante o outro, no mesmo momento; a comparação que entre eles pode fazer não é assim simultânea, mas sucessiva.
Se os dois sinais são comparados um perante o outro, são as diferenças que ressaltam, ao passo que, quando dois sinais são vistos sucessivamente, é a memória do primeiro que existe quando o segundo aparece, pelo que nesse momento, apenas as semelhanças ressaltam.
Por isso, é por intuição sintética e não por dissecação analítica que deve proceder-se á comparação entre marcas.
Daí que a imitação deva ser aferida pela semelhança que resulta do conjunto dos elementos que constituem a marca, e não pelas diferenças que poderiam oferecer os diversos pormenores considerados isolados e separadamente.
Daí também que, quanto às marcas nominativas, o aspecto a considerar em primeiro lugar seja o da semelhança fonética, uma vez que os elementos nominativos são retidos na memória sobretudo pelos fonemas que os compõem, em detrimento da respectiva grafia .
De acordo com o artº 245º do CPI, a susceptibilidade de erro ou confusão deve ser aferida em face do consumidor, em termos de este só poder distinguir os sinais depois de exame atento ou confronto. Esse consumidor é o consumidor de atenção média, excluindo-se, assim, quer os peritos na especialidade quer o consumidor particularmente distraído ou descuidado.
Para definir o consumidor médio, importa ter em conta entre outros factores, o produto ou produtos em questão, bem como a condição social e a cultura do público a que esses produtos são destinados.

Há que cotejar as marcas em causa, à luz dos critérios expostos.
 No caso dos autos coloca-se a questão de saber se a marca registanda “PIKENGO”, da recorrida, destinada a assinalar produtos da classe 39ª, acima identificada), constitui, apreciada no seu conjunto, imitação da marca nacional, anterior, nº ... “PICK&GO” que se destina assinalar produtos da classe 39ª.
A marca titularidade da apelante assinala, na classe 39º, serviços de recolha domiciliada de correspondência. A marca recorrida, na mesma classe, assinala transporte de passageiros e de mercadorias; embalagem e armazenamento de mercadorias; organização de viagens, excursões e cruzeiros; reserva de lugares de viagem e de transporte; serviços de táxi; reboque; serviços de informação relacionados com viagens; agências de turismo (com excepção de reserva de hotéis e pensões).
Na classe 39ª da marca registanda constava ainda “services de livraison de produits à domicile”, que estabeleciam um elo de manifesta afinidade/identidade com os produtos ou serviços relativamente aos quais a marca registada se encontra registada (classe 39ª: “Serviços de recolha domiciliária de correspondência “.
Todavia, o despacho do Director do INPI, reputando preenchido o conceito de imitação do direito pertencente à sociedade reclamante, ora apelante, indeferiu parcialmente o pedido de registo para individualizar os serviços: “services de livraison de produits à domicile” na classe 39ª.
No mais, foi deferido o pedido do registo formulado pela sociedade francesa “L....com, SA” para assinalar os demais produtos ou serviços da classe 39ª.

Pretende a apelante que o conceito de imitação se mostre preenchido mesmo em relação aos demais produtos ou serviços da marca registanda e que o Director do INPI considerou como válidos.
Conforme vem referido na sentença, acertadamente, não existe entre os serviços assinalados com a marca da recorrente e os assinalados na classe 39ª da classificação de Nice com a marca recorrida – acima descritos - identidade ou afinidade. Os serviços assinalados com uma e outra marca não têm a mesma finalidade ou utilidade, o mesmo circuito e hábitos de distribuição, a mesma natureza ou características ou uma natureza ou características próximas, vizinhas, contíguas ou semelhantes; nem finalidades idênticas ou semelhantes; não se trata de bens “concorrentes”, intermutáveis ou substituíveis, nem o resultado alcançado por um serviço assinalado com uma das marcas pode razoavelmente ser substituído pelo resultado de outro, assinalado com a outra. Nem se afigura que o público destinatário seja levado a crer, de forma razoável, que os produtos assinalados com uma e outra marca têm a mesma origem”.
Alega a Recorrente que os serviços cuja marca recorrida se destina a assinalar têm a mesma utilidade e fim dos serviços que a sua marca assinala, existindo o perigo de os consumidores  hes atribuírem a mesma origem empresarial. Na verdade, refere que a recolha domiciliária de correspondência está intimamente ligada ao transporte de mercadorias e, inerentemente, ao seu armazenamento e respectivo embalamento
Ora, a recolha domiciliada de correspondência, consubstancia, no dizer da douta sentença, um serviço tão específico que não se afigura que exista o apontado risco de associação dos serviços de transporte de mercadorias assinalados com a marca recorrida PIKENGO, com os prestados pela recorrente “C... – ..., SA” e assinalados com a marca PICK&GO.
Não se vislumbrando por isso que se verifique o apontado risco de o consumidor ser facilmente induzido em erro ou confusão sobre a origem dos serviços em questão, que não são afins, ou de associação dos serviços prestados pela recorrida com os assinalados pela marca da recorrente.
 Deste modo, pode concluir-se que a marca registanda “PIKENGO” não constitui imitação da marca anteriormente registada “PICK&GO”.

No caso " sub judice", não se verificam os requisitos de aplicação do artº 239º alinea m) e 245º, nº 1 do Código da Propriedade Industrial.
Improcedem, assim, as conclusões da apelante.

SÍNTESE CONCLUSIVA
- Os requisitos previstos no artigo 245º nº 1 do Código da Propriedade Industrial (conceito de imitação ou de usurpação) são cumulativos.
- A marca titularidade da apelante assinala, na classe 39º, serviços de recolha domiciliada de correspondência. A marca recorrida, na mesma classe, assinala transporte de passageiros e de mercadorias; embalagem e armazenamento de mercadorias; organização de viagens, excursões e cruzeiros; reserva de lugares de viagem e de transporte; serviços de táxi; reboque; serviços de informação relacionados com viagens; agências de turismo (com excepção de reserva de hotéis e pensões).
- Não existe entre os serviços assinalados com a marca da recorrente e os assinalados na classe 39ª com a marca recorrida, identidade ou afinidade.
- Os serviços assinalados com uma e outra marca não têm a mesma finalidade ou utilidade, o mesmo circuito e hábitos de distribuição, a mesma natureza ou características ou uma natureza ou características próximas, vizinhas, contíguas ou semelhantes; nem finalidades idênticas ou semelhantes.
- Não se trata de bens concorrentes, intermutáveis ou substituíveis, nem o resultado alcançado por um serviço assinalado com uma das marcas pode razoavelmente ser substituído pelo resultado de outro, assinalado com a outra.
- Nem se afigura que o público destinatário seja levado a crer, de forma razoável, que os produtos assinalados com uma e outra marca têm a mesma origem.
- A recolha domiciliada de correspondência, consubstancia um serviço tão específico que não se afigura que exista o apontado risco de associação dos serviços de transporte de mercadorias assinalados com a marca recorrida PIKENGO, com os prestados pela recorrente “C... – ..., SA” e assinalados com a marca PICK&GO.

III - DECISÃO
Face ao exposto, julga-se improcedente a apelação, mantendo-se a sentença recorrida.
Custas pela apelante.

Lisboa, 25 de Outubro de 2012

Ilídio Sacarrão Martins
Teresa Prazeres Pais
Isoleta de Almeida Costa 
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[1] Proc.º 627/06.7TBAMT.P1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj
[2] Lições de Direito Comercial, Vol. I, pág 253
[3] Luís Couto Gonçalves, in Direito das Marcas, ps. 17 a 30.
[4] Ac. STJ, de 13-07-2010, Proc.º 3/05.9TYLSB.P1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.
[5] Pinto Coelho, Lições de Direito Comercial, pág. 396.