Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
672/11.0YRLSB-6
Relator: TERESA SOARES
Descritores: CONVENÇÃO DE ARBITRAGEM
DECISÃO SURPRESA
REAPRECIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ABUSO DE REPRESENTAÇÃO
ABUSO DE POSIÇÃO DOMINANTE
REDUÇÃO DO NEGÓCIO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/03/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I) O âmbito em que se movem os tribunais arbitrais define-se pelas competências conferidas pelas partes, mas não pode ser-lhes coartada a possibilidade de enquadrar os factos no direito sem sujeição ao direito invocado.
II) A convenção de arbitragem está submetida às regras de interpretação do negócio jurídico, pelo que, estabelecendo como objeto a validade ou invalidade do contrato tem de entender-se que abrange qualquer vício que possa inquinar a força vinculativa do contrato.
III) A proibição de “decisões surpresa” emana do princípio constitucional do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva através de um processo equitativo e obriga ao respeito do princípio do contraditório ao longo de todo o processo; porém, não impõe que o juiz tenha que auscultar as partes, antecipando-lhes todo e qualquer juízo que pretenda levar a cabo no processo.
IV) A “decisão-surpresa” não se afere pelas expetativas das partes mas por aquilo com que elas deveriam contar em face das questões que vinham debatendo nos autos e das soluções jurídica que era exigível que equacionassem.
V) A reapreciação da decisão de facto de um tribunal arbitral implica a consideração das regras processuais civis no respeito pela natureza privada e mais informal daqueles tribunais e do princípio geral de obtenção da verdade material de forma a alcançar uma decisão consentânea com a realidade dos factos.
VI) É admissível a aplicação do instituto do abuso de representação à representação orgânica das sociedades comerciais, decorrendo o abuso de pressupostos objetivos - falta de poderes ou atuação contra os interesses da representada – e subjetivos - consciência do representante e conhecimento ou dever de conhecimento da parte contrária.
VII) É excessivo o preço quando fixado desajustado para a realidade, nomeadamente como contrapartida para um serviço que não tem em atenção o valor efetivo despendido pelo prestador do serviço e o valor de mercado.
VIII) As regras do Direito Comunitário da Concorrência, de acordo com os artigos 85.º e 86.º do Tratado da União só regulam as restrições da concorrência suscetíveis de afetar o comércio entre os Estados Membros; não se aplicando tais normas quando se trate de um contrato válido apenas numa área territorial nacional.

IX) Se o Tribunal nacional considera que o litígio deve ser decidido tão só em conformidade com o direito interno não está obrigado ao reenvio prejudicial.

X) A noção de “posição dominante” impõe a delimitação do “mercado relevante” onde a empresa atua.

XI) Embora não se prove a exata quota de mercado, pode extrair-se noção aproximada da prova de que a empresa integra como suas associadas 97% das entidades que atuam no mercado em causa; o TJUE tem identificado como presunção de dominância uma quota de mercado de 50% e de super-dominância quota acima de 75%.
XII) Inexistindo prova sobre a vontade das partes se tivessem previsto a invalidade de cláusulas negociais, o princípio da manutenção do negócio implica a prevalência da redução sobre a invalidade total.
(AAC)

Decisão Texto Parcial:ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

1. A… e F…, S.A. iniciaram processo arbitral contra I…, Lda.

Na sua petição alegam as demandantes, em síntese, que:

- a A... celebrou com a I..., em 18 de Dezembro de 2008, um contrato pelo qual a A..., através da F..., disponibilizaria à I... os dados fornecidos pelas f... suas associadas sobre o consumo de medicamentos e outros produtos de saúde, contra o pagamento pela I... à F... de 255 € mensais, por cada f... cujos dados lhe fossem transmitidos.

- a I... obrigou-se, no mesmo contrato, a pagar à F... uma compensação relativa à diferença entre as receitas projectadas, no âmbito de um anterior contrato, celebrado entre a A... e a I..., em 22 de Dezembro de 2006 e as receitas efectivas, relativas aos anos de 2007 e 2008;

- A I... não pagou as facturas emitidas, correspondentes às referidas compensações e ao preço dos dados, enviados em Janeiro, Fevereiro e Março de 2009, constituindo-se em situação de incumprimento.

            Pedem a condenação da I... no pagamento de:

-- € 7.488.710,69, correspondentes às facturas não pagas;

-- acrescidos de juros mora vencidos, à data de 31.12.2010, no valor de € 538.621,95, e vincendos até integral pagamento;

-- € 10.801.035, a título de lucros cessantes, acrescidos de €
2.160.207 de IVA  e juros de mora a apurar na decisão final.

     2. A I... contestou, dividindo o seu articulado, denominado “contestação com reconvenção”, em três partes –Capítulos- que se discrimina:

I – Enquadramento;

II – Por excepção;
A-Acordo de 2006 - expectativas por ele geradas e à sua execução;
B-Acordo de 2008 - nulidade/invalidade por abuso de representação  e usura;
C- Ilícitos de concorrência: Abuso de Posição Dominante/Abuso de dependência económica/Acordo Anti-concorrencial;
D- Inexistência de direito a indemnização por dano contratual positivo;
III – Por impugnação e
IV –Por reconvenção - a fls. 652 -, desenvolvendo o articulado sob as invocações:
- concorrência desleal/partilha de segredos de negócio e actos de desorganização interna da I...;
- invocação abusiva da excepção de incumprimento, por parte das demandantes, tendo colocado a demandada numa situação de incumprimento quase generalizado, perante os seus clientes;
- desvio de clientela com a criação de nova empresa por parte das demandantes, com a contratação do ex-director geral da demandada e impossibilidade de negócio causador dum prejuízos que estima, considerando a facturação de 2008 a 2011, em €14.023.838,00.
Conclui assim:
- a actuação da A...  causou-lhe danos não patrimoniais que quantifica em €5.000.000;
- as demandantes assumiram conduta ilícita e culposa, causadora de danos à demandada, que as constituem em responsabilidade civil extra-contratual (art.º 825.º da reconvenção).
Termina pedindo a procedência da reconvenção, com a condenação das reconvintes “no pagamento de uma indemnização por actos de concorrência desleal, no montante de € 19.023.838,00”.

         3. Foi apresentada réplica, tendo as demandantes, além do mais, invocado a excepção de incompetência do tribunal arbitral para conhecer do pedido reconvencional, defendendo que os factos que suportam o pedido reconvencional ficam fora da cláusula compromissória que está na base do processo arbitral.

4. Na tréplica, a I... pronunciou-se pela competência do Tribunal Arbitral para conhecer da reconvenção.

5. O Tribunal Arbitral pronunciou-se pela sua competência para conhecer do pedido reconvencional (com um voto de vencido).

6. Após produção de prova e alegações das partes, foi decidida a matéria de facto e proferido Acórdão Arbitral, no dia 05 de Maio de 2011, com o dispositivo seguinte:

“1.º Não conhecer autonomamente a excepção de inexistência de expectativas dignas de tutela jurídica (cfr. 2.1.);

2.º Julgar improcedentes as excepções fundadas em falta de função económico-social, usura, coacção moral e erro (cfr. 2.2., 2.3. e 2.4.);

3.º Julgar improcedente a excepção de abuso de representação, enquanto fundada na actuação fora dos poderes do representante da Demandada nos termos das políticas internacionais do grupo I... (cfr. 2.5.5.);

4.º Julgar procedente a excepção de abuso de representação, enquanto fundada na actuação do representante da Demandada contra os interesses desta, com conhecimento da outra parte, a A..., no que respeita à cláusula 10.ª e ao preço constante da cláusula 6.ª, n.º 1, do contrato que a A... e a I..., Lda. celebraram em 23 de Dezembro de 2008, com a consequente ineficácia destas cláusulas em relação à Demandada (cfr. 2.5.8.);

5.º Julgar procedente a excepção de abuso da posição dominante da A..., por indução artificial do preço em alta, com a consequente nulidade das mesmas cláusulas 6.ª, n.º 1 (quanto ao montante do preço) e 10.ª do referido contrato (cfr. 2.6.3.1.),

6.º Julgar improcedentes as excepções de abuso da posição dominante, na parte em que se funda em preço discriminatório, recusa de fornecimento e recusa de acesso a uma infra-estrutura essencial (cfr. 2.6.3.2.);

7.º Julgar improcedentes as excepções de abuso de dependência económica (cfr. 2.7.) e de acordo anti-concorrencial (cfr. 2.8.);

8.º Julgar procedente o pedido das Demandantes quanto ao montante de €896.400 (oitocentos e noventa e seis mil e quatrocentos euros), condenando a Demandada a pagar esta quantia às Demandantes (cfr. 3.2.);

9.º Julgar improcedente o pedido das Demandantes em tudo o resto, com a consequente absolvição da Demandada (cfr. 3.2. e 3.3.);

10.º Reafirmar a competência do Tribunal Arbitral para decidir o pedido reconvencional (cfr. 4.3.);

11.º Julgar improcedente o pedido reconvencional de indemnização por danos não patrimoniais (cfr. 4.5.);

12.º Julgar improcedente o pedido reconvencional de indemnização por danos patrimoniais em relação à Demandante F..., absolvendo-a integralmente do pedido (cfr. 4.5.);

13.º Julgar procedente o pedido reconvencional de indemnização por danos patrimoniais em relação à Demandante A..., condenando-a a pagar à Reconvinte o valor dos prejuízos patrimoniais, passado[s] e futuros, resultantes das perdas de receitas da Reconvinte, que tenham resultado ou venham a resultar da perda de clientela causada pela suspensão de dados fornecidos pelas f..., que as Demandantes deveriam disponibilizar em conformidade com a cláusula 1.ª do contrato referido no n.º 4.º (cfr. 4.2. e 4.5.);

14.º Remeter a liquidação destes prejuízos, até ao limite do pedido, para execução de sentença (cfr. 4.5.) (…)”.

Nota: por comodidade de identificação iremos, ao longo do processo, designar as demandantes por A.../F... e a demandada por I....

           7. Desta decisão interpuseram recurso de apelação as demandantes, apresentando alegações –Volume 11/fls. 3852- nas duas vertentes de recurso de facto e recurso de direito, constando as suas conclusões de fls. 4140 e sgs.:

(Omissis)

Salvo o devido respeito, a decisão recorrida violou as seguintes disposições legais: o artigo 20.º da CRP; o artigo 102.º do Tratado sobre o funcionamento da União Europeia; os artigos 1.º, 11.º, 16.º e 21.º, da LAV; os artigos 10.º, 227.º, 238.º, 262.º, 269.º, 280.º, 281.º, 342.º, 428.º, 564.º, 570.º, 798.º, 805.º, 808.º e 841.º e ss. do Código Civil; os artigos 3.º, 264.º, 467.º, 498.º, 513.º, 514.º, 646.º, 661.º e 668.º do CPC; os artigos 260.º, 262.º, 488.º e ss., 493.º e ss. e 498.º e ss. do CSC; e o artigo 6.º da Lei da Concorrência (Lei n.º 18/2003).

Termos em que, deverá o presente recurso ser julgado inteiramente procedente, revogando-se a decisão proferida em 1ª Instância e substituindo-a por outra que, quanto à Reconvenção, absolva as Recorrentes da instância ou do pedido, consoante o caso e, quanto à matéria da acção, que condene a Recorrida a indemnizar as Recorrentes pelos danos emergentes e lucros cessantes sofridos, tal como peticionado na Petição Inicial.

As apelantes procederam à junção de

-Pareceres dos Professores– Vols 12 e 13

- - Lebre Freitas –  4176

- -Menezes Cordeiro – 4246

- -Pinto Monteiro/Pedro Maia -4314

- -Jorge Padilla/Watson/Lorenzo – 4408

- Transcrição de todos os depoimentos

8. A  I... apresentou contra-alegações- vol 14/fls. 5114-  onde:

8.1 Apresenta como questão prévia um erro de cálculo (já decidido supra);

81. pugna pela manutenção da decisão de facto e direito;

8.2. ampliação do objecto do recurso, para o caso de se proceder à alteração da decisão arbitral, julgando-se improcedentes as excepções de abuso de representação e  de abuso de posição dominante, por indução artificial do preço em alta, pede alteração da decisão de facto no tocante aos pontos 61, 66, 71 e 75 da BI - fls. 5467:

8.2.1. procedência da excepção de usura;

8.2.2. procedência do abuso de representação, decorrente de actuação do representante contra instruções expressas da representada;

8.2.3. procedência do abuso deposição dominante por recusa da fornecimento, com a consequente nulidade do acordo de 2008.

8.3. recurso subordinado, restrito à matéria de direito, pretendendo ver declarada a ineficácia total do contrato 2008 – fls. 5518;

8.4. pede a prestação de caução por parte das recorrentes, em valor não inferior a €14.023.838,00- fls. 5533.

Sendo as suas conclusões as que constam de fls. 5536 e sgs:
(Omissis)

Termos em que, com o douto suprimento de V. Ex.ªs,

a) deve o Recurso ser indeferido in totum, pela verificação de alguma das excepções alegadas ou sempre por improcedente, de facto e de direito, confirmando-se inteiramente a Douta Sentença do Tribunal Arbitral a quo, ou, apenas para o caso de V. Ex.ªs considerarem verificados alguns dos vícios apontados pelas Recorrentes à Douta Sentença do Tribunal a quo,

b) deve o recurso ser ampliado, nos termos do artigo 684º-A, do CPC, com os fundamentos expostos, absolvendo-se a ora Recorrida inteiramente dos pedidos, e, em consequência, julgar procedentes por provadas as execpções: (i) de usura; (ii) de abuso de posição dominamente por recusa de fornecimento e (iii) de anti-concorrêncialidade do acordo ao abrigo do art. 4º da LdC, por preço excessivo, indução artificial em alta de preço e recusa de fornecimento, imputadas ao Contrato de 2008;

ainda,

c) deve ser julgado procedente o recurso subordinado da Recorrida e revogada a Douta Sentença Arbitral na parte em que condenou a Recorrida a pagar às recorrentes com base no Contrato de 2008.

Procedeu à junção de

- Pareceres dos Professores – vol. 15 e 16 -:

-- Roman Martinez

--Paz Ferreira/ Morais/ Mateus

- -Ribeiro Mendes

- -Engrácia Antunes –

-Transcrição de depoimentos que haviam sido prestados em língua inglesa, com a respectiva tradução.

            9. A.../F... apresentaram articulado denominado “Resposta à Ampliação do Objecto do Recurso, Ampliação do Objecto do seu Recurso”com vista a alteração das respostas aos arts.º 76.º e 78.º- vol 17/fls. 6214 e juntaram documentação em dois momentos distintos - (ampliação e documentos não admitidos por despacho da relatora proferido nestes autos de recurso).

9.1. Defendem que o Tribunal de recurso não tem competência para apreciar a questão do abuso de posição dominante, por recusa de fornecimento, decorrente do facto do objecto deste litígio se circunscrever à validade ou invalidade do Acordo celebrado em 23.12.2008 e não, propriamente, às questões jus-concorrenciais.

9.2 para o caso de assim se não entender, defendem  que não se verificam os pressupostos necessários para se considerar ter existido um abuso de posição dominante por recusa de fornecimento, nos termos e para os efeitos da alínea f) do n.º 1 do artigo 4.º por remissão expressa da alínea a) do n.º 3 do artigo 6.º da Lei da Concorrência.

9.3 Reenvio prejudicial

A propósito da “posição dominante” e da definição “mercado relevante”  defendem as demandantes que o Tribunal a quo violou o artigo 6.º da Lei da Concorrência, por ter desrespeitada as directrizes estabelecidas na Comunicação relativa à definição do mercado relevante.

Para o caso este tribunal de recurso ter dúvidas quanto às mencionadas violações do artigo 6.º da Lei da Concorrência pelo Tribunal a quo, por desrespeito das orientações estabelecidas na Comunicação relativa à definição do mercado relevante, as Recorrentes requerem que se proceda ao reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia, nos termos e para os efeitos do artigo 267.º do TFUE, através da formulação das seguintes perguntas:

1. “Na aplicação do artigo 102.º do TFUE e do correspondente artigo 6.º da Lei n.º 18/2003 de 11 de Junho no ordenamento jurídico português, onde se prevê o ilícito de abuso de posição dominante, as autoridades dos Estados-Membros responsáveis em matéria de concorrência e os respectivos tribunais com competência para aplicar aquela legislação, quando procedem à definição do mercado relevante, estão obrigados a efectuar um exercício em que se formula uma hipótese de uma pequena variação duradoura dos preços relativos (em torno dos 5 a 10%) de modo a perceber se os clientes das partes transfeririam rapidamente a sua procura para os produtos de substituição disponíveis, tal como previsto na Comunicação da Comissão – Orientação sobre as prioridades da Comissão na aplicação do artigo 82.º do Tratado CE a comportamentos de exclusão abusivos por parte de empresas em posição dominante, JOUE C 45/02, de 24.02.2009?

2. Na aplicação do artigo 102.º do TFUE e do correspondente artigo 6.º da Lei n.º 18/2003 de 11 de Junho no ordenamento jurídico português, onde se prevê o ilícito de abuso de posição dominante, as autoridades dos Estados-Membros responsáveis em matéria de concorrência e os respectivos tribunais com competência para aplicar aquela legislação são obrigados a aferir a dimensão total do mercado e a apurar as quotas de mercado das empresas alegadamente infractoras tal como previsto na Comunicação da Comissão – Orientação sobre as prioridades da Comissão na aplicação do artigo 82.º do Tratado CE a comportamentos de exclusão abusivos por parte de empresas em posição dominante, JOUE C 45/02, de 24.02.2009?”

10. A I... responde, pugnando pelo indeferimento da ampliação, por legalmente inadmissível e pela não admissão dos documentos ; 

            - contra-alega a referida “ampliação”;

                       

 11. As demandantes apresentam contra-alegações ao recurso subordinado onde, além do mais, invocam a extemporaneidade do recurso subordinado, por versar apenas matéria de direito facto e ter sido interposto fora do prazo dos 30 dias, pugnando pela sua rejeição.

           Juntam Relatório -fls. 6449-, denominado «Observações sobre o “Parecer” dos professores Abel Mateus, Eduardo Paz Ferreira e Luís morais»             

12. I... responde, pedindo a não admissão do Relatório supra e o seu desentranhamento, defendendo que os pareceres apenas podem ser juntos com as alegações de recurso e/ou contra-alegações e não em momento posterior, por aplicação conjugada dos arts.º 525.º e 693.ºB do CPC, invocando também a violação dos princípios da igualdade e do contraditório.

A... responde, defendendo que é de admitir a junção do Parecer, dado que foi apresentado com as suas Contra-alegações ao Recurso Subordinado.

13. Foi, pela aqui relatora, proferido despacho que admitiu a junção do Parecer e não admitiu nem a junção dos documentos, nem a ampliação do objecto do recurso, apresentado pelas demandantes.

14.Relativamente ao recurso de apelação interposto pelas demandantes, no tocante ao pedido reconvencional, defende a recorrida que a F... não tem legitimidade para correr, dado que foi absolvida desse pedido.

Efectivamente assim é. A F... foi absolvida, tendo esse segmento da decisão transitado em julgado. Donde, carece a mesma de legitimidade para recorrer da decisão, na parte relativa ao pedido reconvencional - art.º678.º CPC-.

O recurso será atendido apenas quanto à recorrente A....

No mais, nada obsta ao conhecimento dos recursos acima enunciados.

15. O âmbito do recurso determina-se pelas conclusões dos recorrentes (artigos 684º, n.º 3 e 690º, n.º 1 CPC– sendo a decisão recorrida anterior à data da entrada em vigor do novo CPC, aplica-se o regime anterior, por interpretação decorrente do art.º 7.º da L.41/2013 de 26/6  ), só abrangendo as questões que nelas se contêm, ainda que outras tenham sido afloradas nas alegações propriamente ditas, salvo tratando-se de questões que o Tribunal deva conhecer oficiosamente (artigo 660º, n.º 2, ex vi artigo 713º, n.º 2 CPC)

Os recursos não visam o exame da causa julgada na instância inferior sem limites mas sim e apenas, como é entendido de forma unânime, a reapreciação da questão com os condicionalismos e pressupostos em que o foi, no Tribunal recorrido, no momento em que proferiu a decisão.

Como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal recorrido.

No caso, estamos perante decisão provinda de Tribunal Arbitral.

16. Questões de cariz processual suscitadas pelas recorrentes A.../F...
16.1. Que regime processual para orientar as diversas análises que se nos colocam?

A arbitragem iniciou-se em 2009, portanto sob a égide da Lei 31/86.

Este diploma atribui às partes a liberdade de fixarem as regras do formalismo pelo qual se irá reger o processo arbitral, podendo essa fixação resultar da escolha de um regulamento de arbitragem, proveniente de entidade com competência legal – arts.º 15.º e 38.º.

Tal liberdade está limitada pelo respeito dos princípios fundamentais do processo arbitral, fixados no art.º 16.º (sendo a sua violação susceptível de afectar  a validade da decisão arbitral), dispondo-se assim:
a) As partes serão tratadas com absoluta igualdade;
b) O demandado será citado para se defender;
c) Em todas as fases do processo será garantida a estreita observância do princípio do contraditório;
d) Ambas as partes devem ser ouvidas, oralmente ou por escrito, antes de ser proferida a decisão final.

Elementos relevantes:

A –A... e I... subscreveram, com data de 18 de Dezembro de 2008 o documento denominado “Acordo” ( que de ora em diante será designado de Contrato de 2008), que se encontra junto com a p.i como doc.1 –fls 41 dos autos - , tendo a cl.ª 11.ªn.º3 o seguinte teor: Para apreciar qualquer litígio que as partes não consigam resolver amigavelmente, será constituído um Tribunal Arbitral, nos termos da legislação em vigor”.

B- Com vista à instauração de litígio arbitral:
B.1. as demandantes enviaram à demandada I... carta datada de 04 de Junho de 2009, onde se lê:
”Sem prejuízo de melhor detalhe e de quantificação na fase do articulados, o litígio arbitral tem por objecto:
· o apuramento e reconhecimento da situação de incumprimento do Contrato e das respectivas obrigações, por parte da I...;
· a condenação da I... a indemnizar a A... e a F... pelos prejuízos decorrentes desse incumprimento contratual, incluindo danos emergentes e lucro cessantes;
· a condenação da I... no pagamento de juros de mora, vencidos e vincendos, sobre as quantias em cujo pagamento venha a ser condenada;
· a condenação da I..., Lda., no pagamento das custas do litígio arbitral, incluindo honorários e despesas devidamente documentadas de árbitros, peritos e técnicos”.
B.2. A I... respondeu, por carta datada de 02 de Julho de 2009, donde consta:
“Em relação ao objecto da arbitragem, sem prejuízo de melhor detalhe e de quantificação na fase dos articulados, cumpre desde já ampliar o objecto indicado por V.Exas nos termos que se expressam infra:
· A Validade do Contrato de Prestação de Serviços, datado de 18 de Dezembro de 2008, entre a A…, F... SA e I... Lda. ou de algumas das suas cláusulas”.

B.3. As Recorrentes, por carta datada de 17 de Julho de 2009, responderam “ nada têm as minhas Constituintes a comentar quanto ao objecto do litígio”.

C. - A 22 de Dezembro de 2009 foi elaborado o “Auto de Instalação e Regras de Funcionamento de Tribunal Arbitral”, junto a fls 3, datado de e assinado pelos Exmos Árbitros, pelas Demandantes e pela Demandada donde consta:

1. Por carta de 4 de Junho de 2009, a A... e a sociedade F..., SA notificaram a sociedade I... Lda de que, nos termos da cláusula 11.º, n.º 3, do contrato celebrado em 18 de Dezembro de 2008 entre a A..., "em seu nome e a favor da F...", e a I..., pretendiam instaurar litígio arbitral tendo como objecto o reconhecimento do incumprimento daquele contrato pela I..., a condenação desta em indemnização à A... e à F..., assim como nos respectivos juros de mora e custas do litígio arbitral.

2.º Na mesma carta, a A... e a F... declararam que o tribunal haveria de ser constituído por três árbitros e designaram como árbitro o professor Doutor Paulo Mota Pinto.

3.º A I... respondeu por carta de 2 de Julho de 2009 na qual declarou pretender ampliar o objecto do litígio de modo a incluir a validade do referido contrato ou de algumas das suas cláusulas e não aceitar que os árbitros decidam sobre o pagamento de custas do litígio arbitrai, propondo que as partes acordem no pagamento em partes iguais.

4.º Na mesma carta, I... aceitou que o tribunal arbitral fosse constituído por três árbitros e designou como árbitro o professor Doutor Luís Menezes Leitão.

5.º Por carta de 17 de Julho de 2009, o advogado representante das requerentes da arbitragem declarou "nada ter a comentar quanto à ampliação do objecto do litígio" e considerou que deveria ser o tribunal a decidir em relação à parte do objecto que a requerida recusou.

6.º Os árbitros designados pelas partes escolheram para árbitro presidente o professor Doutor Carlos Ferreira de Almeida, que aceitou a função.

7.º Considerando que antecede, os signatários declaram instalado Tribunal Arbitral constituído pelo professor Doutor Carlos Ferreira de Almeida (presidente), com domicílio profissional na Rua Maria Brown, n2 9, 12-C, 1500-431, Lisboa, pelo professor Doutor Paulo Mota Pinto, com domicílio profissional na Faculdade de Direito de Coimbra, Pátio da Universidade, 3004-545, Coimbra, e pelo professor Doutor Luís Menezes Leitão, com domicílio profissional na Avenida António Augusto de Aguiar, 163, 32 Dto, 1050-014, Lisboa.

8.º A convenção arbitral em que se funda a competência do Tribunal Arbitral consta do n.º 3 da cláusula 12 do contrato que a A… e a sociedade I...Lda celebraram com data de 18 de Dezembro de 2008, que é do seguinte teor:

"Para apreciar qualquer litígio que as partes não consigam resolver amigavelmente, será constituído um Tribunal Arbitrai, nos termos da legislação em vigor”

9.º O processo arbitral tem por objecto dirimir o litígio emergente do referido contrato, no que respeita à sua validade ou invalidade, total ou parcial, cumprimento ou incumprimento das obrigações dele decorrentes e ao eventual pagamento de indemnização e de juros de mora. Nos termos do artigo 23.º, n° 4, da Lei n.º 31/86, de 29 de Agosto, o tribunal decidirá quanto à fixação e repartição pelas partes dos encargos resultantes do processo.

10.º O Tribunal Arbitral tem a sua sede no Centro de Arbitragem Comercial, na Rua das Portas de Santo Antão, n.º 89, em Lisboa.

11.º As requerentes apresentarão a petição inicial no prazo de 30 dias contados da data em que for aposta no presente acto a última assinatura, dispondo a requerida de igual prazo a contar da sua citação para contestar e apresentar eventual reconvenção. Para resposta à reconvenção e a excepções, dispõe qualquer das partes do prazo de 15 dias contados da data da notificação do articulado a que respondem.

12.º Em tudo o mais, e com ressalva dos números 13.º e 14.º, aplicam-se as regras de processo constantes do Regulamento do Centro de Arbitragem Comercial da Associação Comercial de Lisboa, em vigor desde 1 de Setembro de 2008, cabendo ao Tribunal Arbitral as competências aí atribuídas ao Presidente do Centro de Arbitragem.

13.º As partes não renunciam ao recurso da decisão arbitral.

14.ºOs prazos processuais suspendem-se durante os períodos de férias judiciais.

15.º Em relação a aspectos processuais omissos no presente acto ou no citado Regulamento do Centro de arbitragem, o Tribunal decide, ouvidas as partes.

16.º Aos encargos, despesas e provisões, aplicam-se as regras e tabelas do citado Regulamento do Centro de Arbitragem da Câmara de Comércio Indústria Portuguesas.”

D- O Regulamento do Centro de Arbitragem Comercial da Asssociação Comercial de Lisboa, dispõe sobre os trâmites do processo arbitral nos seus arts.º 14.º a 31.º.
No seu art.º 16.º, sob a epígrafe “Fixação de Regras de Processo” dispõe no n.º1 “As partes podem, na convenção de arbitragem ou ulteriormente estabelecer regras processuais que não contenham com as disposições inderrogáveis do presente regulamento”
No art.º 18.º n.º 3 dispõe-se que ”o demandado pode reconvir, se se verificarem os requisitos da admissibilidade fixados na lei e a reconvenção couber na convenção de arbitragem.”
No art.º 40.º consagra-se a “irrecorribilidade da decisão arbitral.”

Defende a I..., acompanhada pela voz do Prof Ribeiro Mendes, no Parecer junto aos autos, que as partes “excluíram a aplicação das regras do Código de Processo Civil, em absoluto e mesmo a título subsidiário”. Defende-se que a lei de processo só poderá ser convocada se para elas remeterem as normas do Regulamento ( avançando com o caso do art.º 18.º, n.º 3) ou da LAV.
Trata-se de uma conclusão que o Professor alcança, em face do teor do “Acto de Instalação” conjugado com o Regulamento do Centro de Arbitragem e com a LAV (Lei 32/86).
Mas um obstáculo logo se impõe.
A partir do momento em que as partes não renunciam ao recurso para a instancias judiciais e nem sequer restringem essa possibilidade de recurso apenas às questões de direito (o que lhes seria possível), donde também a apreciação da matéria de facto ficou incluída no âmbito possível do recurso (como se veio a  concretizar, sem que alguma oposição tenha sido levantada a essa possibilidade) não vemos como é que as normas processuais que regem no direito adjectivo vigente no ordenamento possam ser tidas por “expressamente” afastadas.
Por isso não vemos pois como julgar em sede de recurso se não se admitir como aplicável, embora a título subsidiário, o CPC. Ou seja, onde os árbitros, a LAV e o Regulamento não dispõem de forma a responder às questões que se coloquem, teremos que convocar o CPC, sob pena de ausência de regras que presidam à discussão e decisão.
E no tocante à reconvenção, temos por evidente que terão que reger as normas de processo civil, pois é o próprio regulamento que assim o dita, no n.º3 do art.º 18.º. Embora aí não se aluda expressamente ao CPC, temos para nós que só a ele se pode reportar, dado que é nesse diploma que os ditos requisitos de admissibilidade estão fixados (este caso é o expressamente admitido no parecer referido).

16.2. Admissibilidade da reconvenção/competência do Tribunal – cls.º1. a 4.
De acordo com o artº 18.ºn.º4 do Regulamento citado, o reconvinte deve, na dedução da reconvenção, observar as seguintes regras:
- descrição precisa do pedido e dos seus fundamentos;
-quantificação do valor do pedido.
A I..., como já acima relatado, desenvolve a reconvenção - a fls. 652 -, sob as invocações:
- concorrência desleal/partilha de segredos de negócio e actos de desorganização interna da I...;
- invocação abusiva da excepção de incumprimento, por parte das demandantes, tendo colocado a demandada numa situação de incumprimento quase generalizado perante os seus clientes;
- desvio de clientela com a criação de nova empresa por parte das demandantes, com a contratação do ex-director geral da demandada e impossibilidade de negócio causador dum prejuízos que estima, considerando a facturação de 2008 a 2011, em €14.023.838,00.
Conclui assim:
- a actuação da A...  causou-lhe danos não patrimonais que quantifica em €5.000.000;
- as demandantes assumiram conduta ilícita e culposa causadora de danos à demandada, que as constituem em responsabilidade civil extra-contratual (art.º 825.º da reconvenção).
Termina pedindo a procedência da reconvenção, com a condenação das reconvintes “no pagamento de uma indemnização, por actos de concorrência desleal, no montante de € 19.023.838,00”.

O Tribunal Arbitral pronunciou-se pela sua competência para conhecer do pedido reconvencional (com um voto de vencido), nos moldes seguintes:

“A questão consiste em saber se esta reconvenção em concreto é admissível. A resposta afirmativa depende de dois requisitos cumulativos: 1°) que pedido reconvencional tenha adequada conexão com o objecto da acção; 2°) que pedido reconvencional se contenha dentro dos limites da competência do Tribunal Arbitral, por sua vez definido pela convenção arbitral.

Em relação ao 1° aspecto, é omissa a legislação sobre arbitragem voluntária, como omissos são o referido Acto de Instalação e o Regulamento do Centro de Arbitragem da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa, para que aquele Acto subsidiariamente remete. Mas não se vê como prescindir, a propósito, das regras do artigo 274° do Código de Processo Civil, que, embora não aplicável ao presente processo, recolhe o essencial da cultura jurídica portuguesa sobre a admissibilidade de reconvenção. Para o caso concreto, interessa em especial apurar se a reconvenção deduzida nesta acção "emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção ou à defesa" (alínea a) do n° 1 do citado artigo 274°).

Em relação ao 2° aspecto, tem de ser considerada a convenção arbitral em que se funda a competência deste Tribunal. Ora, no caso, tal convenção formou-se em dois momentos e consta de dois documentos:

– em primeiro lugar, o compromisso arbitral que consta do n° 3 da cláusula 11a do contrato que a A… e a sociedade I... Lda celebraram em 18 de Dezembro de 2008, que é do seguinte teor: "Para apreciar qualquer litígio que as partes não consigam resolver amigavelmente, será constituído um Tribunal Arbitral, nos termos da legislação em vigor".

– em segundo lugar, o n° 9 do citado Acto de Instalação, redigido nos seguintes termos: "O processo arbitral tem por objecto dirimir o litígio emergente do referido contrato, no que respeita à sua validade ou invalidade, total ou parcial, cumprimento ou incumprimento das obrigações dele decorrentes e ao eventual pagamento de indemnização e de juros de mora".

Esta cláusula do Acto de Instalação teve como função estabilizar o objecto do processo, sobre o qual não havia plena concordância das partes, num tempo em que já se desencadeara o litígio e com a colaboração dos jurisconsultos que haveriam de constituir o Tribunal Arbitral. Por isso, e embora tenha como fonte o compromisso arbitral, deve compreender-se como o enunciado que o interpreta e concretiza, valendo como a convenção pela qual se rege e se delimita a competência deste Tribunal.

Cruzando os dois requisitos, conclui-se que a reconvenção será admissível e susceptível de decisão neste processo arbitral se emergir do facto jurídico que serve de fundamento à acção ou à defesa e se respeitar à validade ou invalidade, total ou parcial, ao cumprimento ou incumprimento das obrigações decorrentes do contrato que a A... e a sociedade I...Lda celebraram em 18 de Dezembro de 2008 ou ao pagamento de indemnização fundada em invalidade ou incumprimento do mesmo contrato.

O fundamento da acção posta pelos Demandantes, isto é, a sua causa de pedir, é formado por um conjunto de factos, dos quais são factos principais o mencionado contrato de 18 de Dezembro de 2008 e o seu incumprimento. A defesa da Demandada por excepção assenta, no essencial, na invalidade deste contrato para a qual se alegam três fundamentos: abuso de representação de um ex-gerente da Demandada em conluio com Demandantes, com o objectivo de prejudicar a Demandada; usura por aproveitamento da situação de inferioridade negocial da Demandada; e ilicitude por violação de leis de defesa da concorrência.

O pedido deduzido na reconvenção assenta, no essencial, nos seguintes factos, que seriam ilícitos e fundamento de indemnização: actuação das demandantes em conluio como o referido ex-gerente com o objectivo de prejudicar a Demandada através da celebração do contrato de 18 de Dezembro de 2008; partilha e aproveitamento pelas Demandantes, ao abrigo de tal contrato, de segredos de negócio da Demandada; divulgação da lista de clientes da Demandada; invocação abusiva de excepção de incumprimento do referido contrato.

Verifica-se assim que a reconvenção se baseia, no essencial, num facto (o alegado conluio) que é igualmente o facto principal alegado como excepção peremptória e ainda que há um facto principal comum às duas contra-pretensões (o mencionado contrato de 2008). A reconvenção é portanto admissível, segundo os critérios geralmente aceites no direito português para a adequada conexão com o objecto da acção (cfr. Lebre de Freitas, Código de Processo Civil anotado, vol. l °, 2a ed., Coimbra, 2008, p. 530; Mariana França Gouveia, A causa de pedir na acção declarativa, Coimbra, 2004, p. 270).

Resta apreciar a admissibilidade em função do âmbito da convenção arbitral e da consequente competência do Tribunal Arbitral.

A reconvenção, já se disse, baseia-se, no essencial, no alegado conluio na celebração do contrato de 2008. O pedido insere-se pois no quadro da situação litigiosa gerada pelo mesmo contrato. Na tese da Demandada e Reconvinte, tal conluio é fundamento de invalidade e causou prejuízos à Demandada. Na reconvenção, alega adicionalmente factos ilícitos e lesivos praticados pelas Demandantes após a celebração do mesmo contrato. Sob este aspecto, o litígio emerge pois da invalidade do contrato e (parece) de comportamento ilícito sequente à sua celebração. O pedido reconvencional consiste em indemnização pelos prejuízos causados por tais actos ilícitos.

Parece pois, numa apreciação preliminar com aquela que para este efeito o Tribunal pode fazer, que a reconvenção tem como causa de pedir a invalidade total do referido contrato e o incumprimento de obrigações dele decorrentes, consistindo o pedido no pagamento de indemnização pelos prejuízos causados pela invalidade e pelo incumprimento (em itálico as expressões constantes da convenção arbitrai, tal como esclarecida pelo Acto de Instalação).

A reconvenção está portanto compreendida no âmbito da convenção arbitral.

Em sentido contrário, alegam as Demandantes que "o pedido reconvencional assenta num suposto incumprimento do Acordo de 2006 e em supostos actos de concorrência desleal praticados pelos Demandantes". Não seria por isso o Tribunal competente para decidir a reconvenção, porque a responsabilidade contratual por violação do contrato de 2006 não está compreendida na convenção arbitrai, que respeita ao contrato de 2008, e a concorrência desleal é fonte de responsabilidade extra-contratual, que também está fora daquela convenção arbitrai (cfr. contestação da reconvenção, n°s 546 a 550).

Em relação ao primeiro aspecto, o Tribunal esclarece que não se considera competente para dirimir questões emergentes do contrato de 2006, o qual só pode considerado, tanto na acção como na reconvenção, enquanto facto instrumental do litígio emergente do contrato de 2008.

Em relação ao segundo aspecto, o Tribunal lembra que o princípio do dispositivo impõe restrições quanto ao pedido e aos factos em que se baseia, mas não limita o Tribunal na qualificação jurídica desses factos (cfr. Código de Processo Civil, artigo 664°). Ora, tanto o pedido formulado na reconvenção (indemnização) como os factos em que baseia são susceptíveis de inclusão no conteúdo da convenção arbitral, não havendo nesta fase processual necessidade de decidir sobre qual possa ser o exacto e rigoroso enquadramento jurídico daquele pedido de indemnização e, ainda menos naturalmente, tomar posição sobre a sua procedência”

Na decisão final o Tribunal Arbitral reafirmou a sua competência para conhecer do pedido reconvencional, nos moldes seguintes:

  “O Tribunal enquadrou o pedido reconvencional no instituto da responsabilidade civil por culpa na formação dos contratos, que, apesar da sua corrente designação como responsabilidade civil pré-contratual, se aplica também ao acto de celebração do contrato. A competência para o Tribunal Arbitral conhecer e decidir do pedido nestes termos advém, como é necessário, da concreta convenção arbitral acordada para o caso, que, recorde-se, menciona a invalidade e a indemnização fundada em invalidade, sem referência específica à responsabilidade contratual e/ou pré-contratual.

Como a ilicitude a que o Tribunal atendeu decorre tanto da nulidade provocada como do conhecimento colaborante dos requisitos de ineficácia, poder-se-ia, em relação a esta, duvidar da competência do Tribunal por a ineficácia não estar expressamente enunciada na convenção arbitral. Julga-se que, no âmbito da convenção arbitral, a ineficácia se pode incluir na invalidade, interpretada esta palavra extensivamente. Mas, ainda que assim não seja, a nulidade decorrente do abuso de posição dominante é bastante para cobrir a competência do Tribunal no que respeita ao acto ilícito em que se baseia a imputação da responsabilidade civil.

Quanto à suspensão de fornecimento de dados pelas Demandantes, que a Demandada qualificou como recusa de fornecimento, o Tribunal Arbitral não a atendeu como pretenso incumprimento do contrato de 2006 (que o contrato de 2008 revogou). Antes a considerou, no quadro deste contrato, como acto injustificado, por derivar da invocação de cláusulas inválidas, preenchendo assim um dos elos da cadeia causal entre o facto ilícito e o dano.

O Tribunal Arbitral reafirma pois a sua competência para decidir o pedido reconvencional.”

Não assiste razão à recorrente A... quando defende – conclusão 1. – que estes autos não contemplavam a possibilidade de dedução de pedidos reconvencionais.

Nada em contrário resulta do Acto de Instalação, antes se alude no art.º 11.º desse auto ao prazo para a requerida contestar e “apresentar eventual reconvenção”.

O Regulamento também admite a dedução de reconvenção.

Assim, em abstracto, nada obsta, no caso, à dedução de pedido reconvencional, ponto é que o pedido reconvencional observe dois requisitos: respeite as exigências previstas na lei processual e caiba no âmbito da convenção arbitral.

Quanto ao primeiro requisito, de acordo com as regras de direito adjectivo vigentes – art.º 274.º CPC - julgamos que o pedido reconvencional era admissível, dado emergir dos fundamentos apresentados pela reconvinte na sua defesa à acção, sendo que as partes também não questionam a verificação deste requisito.

Quanto ao segundo requisito:

No tocante à competência do tribunal arbitral e seguindo Manuel Barrocas, in Manual da Arbitragem/2010: “Do confronto das posições das partes sobre o objecto do lítigio definido por elas na Notificação para Arbitragem e na Resposta, tendo sempre presente que essas posições se devem conter no objecto da convenção de arbitragem, pode suceder que não se revelem de acordo. Pode tornar-se pois necessário um terceiro momento para que o objecto do litígio arbitral fique definitivamente fixado. E esse momento ocorrerá já na instância arbitral mediante decisão do árbitro” p.397

O âmbito da convenção arbitral ficou assim fixado pela cláusula compromissória, completada pelo Acto de Instalação, sendo os seus termos:

"O processo arbitral tem por objecto dirimir o litígio emergente do referido contrato, no que respeita à sua validade ou invalidade, total ou parcial, cumprimento ou incumprimento das obrigações dele decorrentes e ao eventual pagamento de indemnização e de juros de mora" –contrato de 2008.

Fixado assim o objecto do litígio, a competência do tribunal arbitral ficou também delimitada nesses mesmos termos.

Donde, apreciar a admissão da reconvenção e a competência do tribunal para dela conhecer, são dois lados da mesma moeda.

O Tribunal Arbitral, defendendo a sua competência para apreciar a reconvenção, numa primeira abordagem, afirma que “ a reconvenção tem como causa de pedir a invalidade total do referido contrato e o incumprimento de obrigações dele decorrentes, consistindo o pedido no pagamento de indemnização pelos prejuízos causados pela invalidade e pelo incumprimento.”

Não nos merece concordância tal discurso.

Embora seja certo que o tribunal não está adstrito à qualificação jurídica dada pelas partes, não nos surge qualquer dúvida que o enquadramento feito pela reconvinte está perfeitamente consentâneo com os factos que alegou; invocou a existência de responsabilidade civil que qualificou como extra-contratual, porque derivada de actuações estranhas ao contrato propriamente dito.

Não é do contrato que a reconvinte retira responsabilidades indemnizatórias, mas sim da actuação concertada, entre as demandantes e o seu ex-director, que levou à celebração do contrato do contrato e à criação pelas demandantes de empresa concorrente.

A reconvinte é explícita ao pedir a condenação das reconvindas no pagamento de uma indemnização por “Actos de Concorrência Desleal”.

Não podendo ser despicienda a referência que faz, para justificar o seu pedido, ao facto de ainda não ter decorrido o prazo de 3 anos que a lei prevê para ser pedida indemnização por responsabilidade civil decorrente de factos ilícitos –art.º 498.º CC

Ainda que se esqueça a qualificação da responsabilidade como sendo “extra-contratual”, dado que outra qualificação poderia o tribunal vir a fazer, não podemos ignorar que a causa de pedir do pedido reconvencional serão os concretos factos alegados que integrarão o conceito de “concorrência desleal”.

Lida a peça processual, não se nos colocam dúvidas que não está em causa o contrato celebrado, algum dos seus efeitos, ou o cumprimento ou incumprimento dele, mas sim as condutas imputadas às demandantes, bem como ao ex- director da reconvinte, que rodearam a celebração desse contrato, assim como comportamentos posteriores, completamente estranhos ao contrato, como seja a criação de nova empresa concorrente.

Assim, o mais que a alegação da reconvinte poderia configurar era uma situação de responsabilidade pré-contratual, no tocante ao conluio e já extra- contratual no tocante à concorrência desleal.

Não se vislumbra que a causa de pedir da reconvenção radique na “invalidade do contrato” nem “no incumprimento de obrigações dele decorrentes”, nem que o “pedido no pagamento de indemnização tenha suporte nos prejuízos causados pela invalidade e pelo incumprimento”, como entendeu o tribunal arbitral.

Além disso, no Acto de Instalação do Tribunal, quando a demandada já havia anunciado que pretendia ampliar o objecto do lítigio, para ser discutida a validade do contrato, tendo o objecto inicial sido definido por “indemnização por incumprimento contratual”, veio a fixar-se ser o objecto do processo arbitral “dirimir o litígio emergente do referido contrato, no que respeita à sua validade ou invalidade, total ou parcial, cumprimento ou incumprimento das obrigações dele decorrentes e ao eventual pagamento de indemnização e de juros de mora”

Atendendo ainda a que na ampliação se alude apenas à “validade do contrato”, sem qualquer indicação de se pretender vir a obter qualquer indemnização e que se usou a expressão “Indemnização” no singular, na definição do objecto do litígio (Auto de Instalação supra descrito), quando o litigio se iniciou com as demandantes a exigirem indemnização, tudo inculca que nem a apreciação da responsabilidade contratual da demandante ficou contemplada no objecto do litígio (acompanhamos aqui o desenvolvimento a este propósito feito pelo Prof. Lebre de Freitas, a fls. 32/35 do seu parecer), e muito menos a responsabilidade extra-contratual.

Neste contexto, o tribunal arbitral, ao admitir e conhecer do pedido reconvencional extravasou a sua competência, dado que se tratava de matéria situada fora do âmbito do objecto do litígio, tal como ficou definido na cláusula compromissória, completada pelo Acto de Instalação.

Termos em que se terá que julgar o tribunal incompetente para conhecer, como conheceu, do pedido reconvencional.

Ficam assim prejudicadas todas as questões suscitadas em sede de recurso que digam respeito ao conhecimento e decisão sobre o pedido reconvencional, como sejam:

-capitulo III e V das conclusões de recurso.

16.3. Ineficácia do contrato/competência do tribunal 

Defendem as recorrentes que o objecto do litígio e a competência do Tribunal estavam limitadas ao conhecimento das invalidades do Contrato de 2008, não já das eventuais ineficácias, para daí voltar a pugnar pela incompetência do tribunal arbitral para ter decidido, como decidiu, pela ineficácia devendo ser revogada a decisão de ineficácia das cláusulas 6.ª e 10.ª do Contrato de 2008.
Como já enunciado pelo Acto de Instalação e Regras de Funcionamento do Tribunal o objecto de litígio ficou definido para dirimir, além do mais, da questão da  “validade ou invalidade” do Contrato de 2008.
 Defende a recorrida que esta questão, independentemente da falta de razão, não pode integrar o objecto do recurso, dado que não foi questão suscitada pelas demandantes, na fase dos articulados, como impunha ao art.º 27.º 1 b) e, 2 e 3, da LAV. 
Respondemos já à recorrida que a questão não foi suscitada nem o podia ser, como bem saberá, dado que o tribunal ainda não tinha feito uso de qualquer dessas figuras jurídicas.
Quanto à argumentação das recorrentes, apraz-nos considerar que, quando o objecto do litígio ficou definido, nele se incluindo a questão da “validade ou invalidade, total ou parcial ”do contrato, não estavam as partes, a nosso ver, a fazer qualquer delimitação quanto às figuras jurídicas que o tribunal se poderia socorrer, sendo certo que aqui também tem que valer a máxima: “dá-me os factos e eu dou-te o direito”.
Por mais que se defenda que o âmbito em que se movem os tribunais arbitrais tem que estar bem definido e que não podem extravasar as competências que lhe estão conferidas pelas partes, não é admissível que se coarte ao tribunal, como tribunal que é, a possibilidade de enquadrar os factos no direito, não estando sujeito ao direito invocado.
Sobre a interpretação da convenção arbitral citamos, a propósito, o AC. STJ de 20/1/2011, proc. 2207/09.6TBSTB.E1.S1, acessível na base da dos da DGSI:
“Ora é justamente no domínio da aplicação de tais critérios jurídicos que nos encontramos, pois, como escreve Manuel P. Barrocas na sua obra de referência Manual de Arbitragem, «a convenção de arbitragem está submetida às regras de interpretação do negócio jurídico. Avultam, assim, as regras contidas nos artigos 236º, número 1, e 238º, número 1, do CC: a convenção vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir da posição do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele; e sendo um negócio formal, não pode valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento» (M. P. Barroca, Manual de Arbitragem, Almedina, 2010, pg. 171).
Como ensinou o saudoso civilista Prof. Mota Pinto, na interpretação da declaração da vontade das partes serão atendíveis «todos os coeficientes ou elementos que um declaratário medianamente instruído, diligente e sagaz, na posição do declaratário efectivo, teria tomado em conta» (Carlos Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 1980, pg. 421).
Por sua vez, Antunes Varela assim explica a ratio daquela teoria:
«O objectivo da solução aceite na lei é o de proteger o declaratário, conferindo à declaração o sentido que seria razoável presumir em face do comportamento do declarante, e não o sentido que este lhe quis efectivamente atribuir» e, mais adiante, acrescenta: «a normalidade do declaratário, que a lei toma como padrão, exprime-se não só na capacidade para entender o texto ou o conteúdo da declaração, mas também na diligência para recolher todos os elementos que, coadjuvando a declaração, auxiliem a descoberta da vontade real do declarante» (P.Lima e A. Varela,
Código Civil anotado, vol. I, anotação ao artº 236º).”
Indo ao caso, é por demais evidente que qualquer declaratário normal interpretaria a fórmula “validade ou invalidade” em sentido amplo, de modo a abranger qualquer vício que possa inquinar a força vinculativa do contrato, e  não de forma restrita, limitando a apreciação a determinada construção jurídica, no caso “invalidade” versus “ineficácia”. Idêntico entendimento se seguiu na decisão arbitral –ver fls 64 da sentença – onde se escreve: “Como a ilicitude a que o Tribunal atendeu decorre tanto da nulidade provocada como do conhecimento colaborante dos requisitos de ineficácia, poder-se-ia, em relação a esta, duvidar da competência do Tribunal por a ineficácia não estar expressamente enunciada na convenção arbitrai. Julga-se que, no âmbito da convenção arbitrai, a ineficácia se pode incluir na invalidade, interpretada esta palavra extensivamente. Mas, ainda que assim não seja, a nulidade decorrente do abuso de posição dominante é bastante para cobrir a competência do Tribunal no que respeita ao acto ilícito em que se baseia a imputação da responsabilidade civil.” (sublinhado nosso).
De qualquer modo, sempre se que diga que a construção desenvolvida pelas recorrentes não é inquestionável, pois também se nos afigura perfeitamente válida a argumentação desenvolvida pelo Prof. Ribeiro Mendes, no Parecer junto, quando afirma “Seja como for, a ineficácia em sentido estrito é um minus em relação à invalidade. Se a parte sustentar que determinado negócio jurídico é inválido e o tribunal entender que a consequência de certo vício, como o abuso de representação, é a ineficácia, seguramente que pode decidir nesse sentido, visto se tratar de matéria de direito, importando apenas que os factos hajam sido alegados pela parte em causa: é a aplicação da velha regra iura novit curia.”
Aqui poder-se-á ainda acrescentar que a “ineficácia” tanto é usada em sentido restricto como em sentido amplo. Sendo vista em sentido amplo, a “ineficácia” é uma espécie, sendo a “invalidade” um dos seus géneros; contudo, se vista for em sentido restricto, já a “ineficácia” (também dita ineficácia relativa), a par da nulidade e da anulabilidade, é uma espécie do género “invalidade”.

A propósito destas figuras e suas distinções citamos dois Acordãos do STJ porque elucidativos, ambos acessíveis na base de dados da DGSI:

-AC. Uniformizador de 31 de Janeiro de 1996, DR IIS DE 1996-06-07

“ I - Da validade e da eficácia:

A tendência mais reflectida na doutrina tende a considerar a ineficácia como a "mãe de todas as invalidades", ou, dito mais juridicamente, como sendo a invalidade uma espécie de ineficácia (v.g. Prof. Doutor M. Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 2.ª ed., 591; Prof. Doutor M. Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, 11, 411).

Mas, se assim pode ser em termos de construção conceptual, também é possível uma construção que, tendo em atenção as causas e as consequências de invalidades e de ineficácias distinga uma das outras, e até eleja aquelas como, lato sensu, o género dos vícios negociais, entre as quais se podem encontrar as ineficácias stricto sensu.

Aliás, aqui como em tudo o que é o mundo do direito, na vida real de que se deve ocupar a jurisprudência, relevam muito mais as causas e as consequências do que as denominações formais mais ou menos globais dos institutos.

E é assim que se pode ter por inválido (nulo ou anulável, conforme as circunstâncias) o negócio que não respeita a lei, e por ineficaz aquele que é inoperante, irrelevante, praticamente um nada jurídico no que concerne a consequência ou a certas consequências.

Simplesmente, sendo perspectivável esta distinção, a invalidade ou é ou não é (e, aliás, sempre ressalvados os efeitos explícitos de eventual evolução legislativa e, até, o âmbito restrito da anulabilidade - v. g. artigo 287 do Código Civil); enquanto, no concernente à ineficácia ou inoponibilidade, tal é perfeitamente compaginável com efeitos relativamente a umas pessoas e não relativamente a outras, e até com alteração ao longo do tempo, conforme os dados concretos a ponderar.

-Ac. STJ, Relator Torres Paulo, proc.01A2110 de 2001/7/5:

“Assim diremos, em resumo, que dentro do quadro dos valores negativos do negócio temos a ineficácia em sentido amplo e a irregularidade.

A irregularidade acarreta a aplicação de uma sanção ao negócio pleno de eficácia de efeitos, mas que está viciado por alguma desconformidade.

Se o vício - desconformidade entre o negócio em concreto e a norma - afecta a produção de plenitude dos efeitos, que lhe deviam corresponder, surpreendida fica a ineficácia em sentido amplo.

Esta abarca duas espécies: invalidade e ineficácia do sentido restrito. Ela compreende, assim, todas as hipóteses em que, por causas intrínsecas ou extrínsecas, o negócio não deve produzir os efeitos que deveria, sendo a invalidade apenas a ineficácia que provém de uma falta ou irregularidade dos elementos internos - essenciais, formativos - do negócio. A mera ineficácia autonomiza-se por a inviabilidade de produção dos efeitos não ter na sua origem factos que determinem a imperfeita génese do negócio, mas eventos supervenientes: a impossibilidade absoluta da prestação, a alteração das circunstâncias que constituem a base do negócio, a não verificação de condição suspensiva, a verificação da condição resolutiva. Por sua vez a invalidade abrange, no que agora nos interessa, a nulidade e a anulabilidade. Ensina-se desde Coviello - Doutrina Geral Direito Civil - Pag. 368 - que o contrato nulo é um nado-morto, enquanto que o contrato anulável é um nado-vivo diminuído na sua vitalidade e ameaçado de morte. A nulidade é assim característica do negócio que, ab initio, não produz, por força do vício, os efeitos que lhe corresponderiam - quod nullum est, nullum perderecit effectum. É a consequência ou a sanção que o ordenamento jurídico liga às operações contratuais contrárias aos valores ou objectivos de interesse público - art. 294 CC - por ele prosseguidos, ou àqueles que o Direito não considera justo e oportuno, no interesse público, prestar reconhecimento e tutela.

Nulidade emergente da aplicação da teoria da responsabilidade e imposta pelos princípios da boa fé e equidade. Não a equidade espécie - art. 4 CC - que visa corrigir a generalidade abstracta da lei por meio de apreciação das particularidades da espécie. Mas a geral, visando aproximar-se do ideal de justiça e, como tal, recebida pelo sistema. Como projecção da "Jurisprudência do presente", filtrada pela incorporação no sistema de princípios assumidos com base numa casuística. Ou, como dizia Esser, como Topoi, "uma necessária perspectiva social dentro do sistema". Por outro lado a anulabilidade é a característica do negócio que, apesar do vício, produz efeitos correspondentes, os quais, no entanto, são rectroactivamente destituídos pelo exercício - anulação - de um direito potestativo de anular, que em virtude do vício uma das partes possa ter. Funda-se, assim, na infracção de requisitos dirigidos à tutela de interesses privados.

O CC - art. 285 a 291 - traça um quadro que leva a doutrina dominante a autonomizá-las, em regimes completamente diferentes: reputa de nulidade a invalidade absoluta, insanável e de eficácia automática e de anulabilidade a invalidade relativa, sanável e de eficácia não automática.

Só que a própria lei, casuisticamente, opera desvios a tal regime. A doutrina e jurisprudência normalmente apelidam tais casos de invalidades mistas ou híbridas. Seriam vistas como um regime assimétrico "pouco harmonioso e elegante, sob o aspecto lógico ou formal, mas útil e acomodado às exigências de justiça".

Não é necessário criar este tertio genus entre nulidade e anulabilidade - Rui Alarcão, "Sobre Invalidade" , Pag. 13 a 15, 21 e 22 e Carvalho Fernandes, "A Conversão", Pag. 230 a 234, em nota e Teoria Geral, 2ª ed., Vol. II, pág. 388. Igualmente tem sido a orientação sempre seguida pelo relator desde o Ac. do S.T.J. proferido no Proc. 86099, em 1995.

Com efeito nada impõe que aquele regime diferencial atrás traçado para a nulidade e a anulabilidade, seja considerado, face aos casuísticos desvios legais, essencial ou estrutural ao respectivo conceito.

Essencial a ambas é a natureza genética da sua causa. Assim se a nulidade e a anulabilidade apresentam aqueles traços atrás expostos serão típicas; caso contrário serão atípicas.”

           Neste enquadramento, alcançamos que a inclusão no objecto do litígio a dirimir pelo tribunal arbitral «além do mais da questão da  validade ou invalidade do contrato de 2008» não limitou, de forma alguma , o enquadramento que o tribunal pudesse vir a fazer na sua decisão. Quer recorrendo à impressão do destinatário da declaração, quer às várias construções doutrinárias que se podem convocar, nenhuma restrição resulta, a nosso ver, que impeça a opção pelo tribunal arbitral da figura da “ineficácia” parcial do contrato.


16.4. Decisão surpresa/violação do princípio do contraditório
As recorrentes imputam à decisão a violação do princípio do contraditório, por constituir uma “decisão surpresa”, em duas vertentes: ter configurado a responsabilidade civil subjacente ao pedido reconvencional como pré-contratual e ter aplicado a figura da redução do negócio.
Quanto ao enquadramento na figura responsabilidade pré-contratual, ele foi feito no âmbito do reconhecimento do pedido reconvencional.
Como julgamos não ser de admitir tal pedido, torna-se irrelevante apreciar da invocada decisão surpresa, neste ponto.
Quanto à redução do negócio/declaração de nulidade das cláusulas 6.º e 10.º do contrato de 2008:
O princípio do contraditório, do qual a proibição de “decisões surpresa” é uma sua concretização -com assento no art.º 3.º do CPC- emana do princípio constitucional consagrados no art.º 20.º da CRP., por via do qual se assegura a todos os cidadãos o “acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos” -n.º 1- sendo que essa defesa deve ser feita através dum “processo equitativo” –n.º 4.
Não suscita assim qualquer dúvida que o juiz, ao longo de todo o processo, está obrigado a fazer respeitar o princípio do contraditório, dando possibilidade a cada parte de se pronunciar sobre a pretensão da sua contra-parte e auscultando as partes sobre questões relevantes que tenha para decidir, quando elas ainda não o fizeram, não porque não quiseram, mas porque não equacionaram a questão, nem era exigível que a tivessem equacionado.
Estas regras não podem, contudo, impor que o juiz tenha que auscultar as partes, antecipando-lhes todo e qualquer juízo que pretenda levar a cabo no processo.
Como diz Lopes do Rego, Comentários ao CPC, pag. 34 – “Em suma: não deverá, na nossa perspectiva, “banalizar-se” a audição atípica e complementar das partes, ao abrigo do preceito ora em análise, de modo a entender-se que toda e qualquer mutação do estrito enquadramento legal das partes deram às suas pretensões passa necessariamente pela actuação do preceituado no art. 3/3 –“
Julgamos que esse princípio não pode ser invocado para todo e qualquer normal andamento do processo, nomeadamente quando o juiz, na sua decisão, está a actuar em conformidade com o que se dispõe no art.º 664.º do CPC.
Como se fez constar no acórdão do STJ de 11.3.2010, processo 1860/07.OTVLSB.S1, “o art. 664º consagra o princípio do conhecimento oficioso do direito: o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito. A articulação deste princípio com a regra da proibição das decisões-surpresa, contida no n.º 3 do art. 3º, significa tão só que, antes de proferir a decisão, deve o julgador facultar às partes o exercício do contraditório, apenas quando a qualificação jurídica a adoptar ou a subsunção a determinado instituto não correspondam, de todo, àquilo com que estas, pelas posições assumidas no processo, possam contar. Trata-se, a nosso ver, de um princípio que não pode ser levado tão longe que esqueça que as partes são representadas por técnicos que devem conhecer o direito e que, por isso, conhecendo ou devendo conhecer os factos, devem igualmente prever todas as qualificações jurídicas de que os mesmos são susceptíveis.”
A decisão-surpresa não pode ser confundida com as concretas expectativas que cada uma das partes foi adquirindo quanto áquilo que viria a ser a decisão.
O que importa não é aquilo com que as partes contavam mas aquilo com que elas deveriam contar, dado constituírem desenvolvimentos jurídicos possíveis, em face das questões que as partes vinham debatendo nos autos e obviamente, com suporte nos factos que elas próprias haviam carreado para o processo.
Decisão surpresa haverá – não questionando aqui se o art.º 3.º do CPC é ou não aplicável aos autos –quando se trate duma solução jurídica que as partes, em face da unidade do sistema jurídico, não era exigível que equacionassem.
Na sequência do que se vem dizendo, não se compreende onde está a surpresa/violação quando se encontrava fixado como objecto do litígio apreciar a validade ou invalidade total ou parcial do contrato.
O tribunal limitou-se a aferir dessa validade e, concluindo pela procedência das excepções de abuso de representação e abuso de posição dominantes, decidiu  pela “ineficácia stricto sensu” das ditas cl.ª 6.ª e 10.ª
Quanto à cl.ª10.ª- que respeitava aos valores dos diferenciais pedidos pelas demandantes – em decorrência, tanto da ineficácia como da nulidade, a consequência foi a absolvição do pedido.
Quanto à cl.ª 6.ª – porque a ineficácia ou nulidade apenas decorriam do “preço excessivo”, operou-se a redução do negócio, ao abrigo da figura prevista no art.º 292.º do CC, fazendo-se uma redução quantitativa do preço.
Desde o início do processo que as recorrentes sabiam que estava em discussão a validade (total ou parcial) do contrato, donde teriam que ter equacionado que, a proceder alguma invalidade, daí havia o tribunal, no exercício das suas funções de julgar, de retirar as necessárias ilações jurídicas, sendo a “redução do negócio” uma decorrência legalmente prevista para a nulidade ou anulação parcial do contrato, conforme consagrado no art.º 292.º do CC.
As partes podem não ter previsto a aplicação de tal figura, mas era exigível essa previsão, porque era uma decorrência legalmente prevista, no caso de proceder a invalidade invocada.
Para além e independentemente disso, como bem nota a recorrida, não é qualquer violação dos princípios do art.º 16.º da LAV que levam à anulação da decisão; necessário é que essa violação “tenha influência decisiva na resolução do litígio” .Ora, tal influência não se vislumbra.
Depois de todas as argumentações expendidas ao longo do processo, não alcançamos utilidade em que o tribunal notificasse as partes para lhes dar oportunidade de se pronunciarem sobre as possíveis consequência da declaração de nulidade/invalidade/ineficácia de algumas cláusulas, onde se incluiria a redução do negócio.
Violação não ocorreu. Mas ainda que se entendesse de modo diverso, não era fundamento para anulação, por não se vislumbrar qualquer influência decisiva no desfecho do processo.

17. Impugnação da matéria de facto
Invocando contradições, incorrecções e erros de julgamento pedem as recorrentes a alterações das respostas dadas a determinados pontos da Base Instrutória.

A decisão recorrida ancora-se nos meios de prova produzidos, constituídos por prova testemunhal- cuja transcrição integral foi junta aos autos pelas recorrentes, tendo a recorrida transcrito e traduzido os depoimentos prestados em língua inglesa – e abundante prova documental, elementos probatórios estes que foram sujeitos ao contraditório e à livre apreciação do tribunal.
Aqui, alguns considerandos se impõem.
Temos por norte que as recorrentes foram notificadas da selecção dos factos, tendo-lhes sido dada oportunidade para chamarem à atenção para eventuais lapsos –fls 2030.
As partes deram uso a tal faculdade –req. fls 2079 e fls 2103-, sendo que das correções pedidas nenhuma se reporta à natureza da matéria inclusa como sendo “conclusiva” ( de facto ou de direito) e como tal devendo ser eliminada ou reformulada.
Realizado o julgamento vieram as partes alegar de facto e de direito.
No tocante aos factos, as agora recorrentes indicaram de forma exaustiva quais eram as respostas que deviam ser dadas aos factos e que pugnavam como sendo as correctas, em função da prova feita, sendo que em momento algum questionaram a correcção das perguntas, na vertente de deverem ou não serem consideradas como “elementos de facto”, tendo proposto respostas concretas às mesmas perguntas que agora, em sede de recurso, defendem dever serem dadas como “não escritas” por conclusivas.
Não podemos deixar de consignar esta realidade pois, tratando-se, além do mais, dum tribunal de natureza privada, de raiz contratual, onde as partes quiseram dirimir os seus litígios, através de juízes privados em detrimento dos juízes estaduais, mal se compreende que não tenham tido a hombridade de alertar os seus árbitros para as ditas incorreções, de forma a obviar aos sérios prejuízos (tempo e dinheiro) advindos de possíveis “anulações”.
Trata-se uma actuação processualmente censurável, onde impera falta de boa fé e falta a transparência de actuação, tendo deixado “guardada na manga” argumentação adjectiva para obstar a todo um trabalho desenvolvido, no caso da solução não ser de feição.
 
Neste enquadramento, diremos já e também porque se tratam de tribunais arbitrais, onde impera um menor rigor processualista, como decorre da maior  simplificação das normas regentes, em comparação com o processo civil, não deverá este tribunal de recurso actuar, como agora pretendem as recorrentes, de acordo com padrões rígidos.
Não será despiciendo convocar a ordem adjectiva provinda do Novo CPC, onde se deixaram de lado os rígidos conceptualismos para uma melhor adequação do direito à realidade da vida, não havendo agora preceito equivalente ao art.º 646º do CPC, onde se dizia ter “por não escritas as respostas do tribunal colectivo sobre questões de direito e bem assim as dadas sobre factos que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes”.
Sendo que daqui se vinha extrapolando ( e bem, em certos caso, não todos) que também os juízos de valor ou conclusivos  deveriam ter-se por não escritos.
Sobre facto matéria de facto/matéria de direito/ juízos conclusivos e actuações processuais veja-se, porque pertinente para o caso e elucidativo o Ac. do STJ de 2012/2/9, proferido no processo 3208/04.6TBBRR.L1, relatado pelo Exmo. Cons. Gabriel Catarino, acessível na base de dados da DGSI: “Numa demonstração despida de construções epistemologicamente elaboradas,  como acontece na doutrina indígena, Michele Taruffo centra a distinção entre questão de facto e questão de direito no plano da actividade probatória. Para este autor “o princípio geral comummente aceite é que o direito não pode ser “provado” em sentido próprio e especifico da palavra: iura novit curia, e corresponde ao juiz conhecer o direito aplicável para decidir o caso. Só os factos (quer dizer os enunciados sobre os factos) são objecto de prova. Os enunciados relativos aos aspectos jurídicos do caso podem ser objecto de decisão, de interpretação, de argumentação e de justificação mas não podem ser provados. Também os enunciados relativos aos factos são matéria de decisão, de interpretação, de justificação e de argumentação mas sobre tudo pode-se provar se são verdadeiros ou falsos”. “Um facto não é nunca uma entidade simples e homogénea, definível de forma exaustiva através de um enunciado elementar do tipo “x existe”. Cada facto se identifica através de uma variedade de circunstâncias de (tempo,lugar, detemperatura, de cor, de som, de conduta e conexão com outras circunstâncias) que, por assim dizer, compõe o facto de que se trata”. [ 4]De notar que a distinção entre questão de facto e questão de direito não possui contornos tão claros e precisos que não deva o interprete buscar uma compreensão mais polissémica do significado a atribuir ao que deve ser interpretado como realidade sensível e apreensível pela percepção humana do que deve ser um puro e singelo exercício de razoamento lógico-indutivo. [5/6]Tendo como parâmetro de compreensão e cognoscibilidade o quadro hermenêutico alinhado, afigura-se-nos que os juízos conclusivos que foram levados à base instrutória adquiriram uma pré-compreensão da realidade factual de modo a poder dizer-se que, embora empregues na caracterização e definição normativa e como indutor conceptual de uma realidade jurídica, são inteligíveis e apreensíveis pelo comum dos cidadãos tendo adquirido uma concepção factual impressiva e condutora deuma percepção real-factual de emanações vivenciadas e experienciadas no quotidiano. Não sendo, no purismo dos critérios e regras de percepção e selecção factológica, um exemplo, não pode dizer-se que a sua inclusão numa base instrutória seja de todo inviável e possa ancorar um pedido de nulidade da decisão de facto proferida por um tribunal. Acresce que a nulidade acoimada à decisão revidenda é totalmente extemporânea e carecida de razão. Como se escreveu num recente acórdão deste Supremo tribunal “[tendo] inocorrido reclamação a que alude o art.º 511.º n.º 2 do CPC contra a base instrutória, defeso é ao não reclamante inserir conclusão na sua alegação de recurso que constitua autêntica reclamação supracitada.” [7]A recorrente não reclamou da selecção efectuada pelo tribunal da matéria de facto inerida na base instrutória, pelo que lhe está vedado, nesta sede, prevalecer-se de razões que deveriam ter sido aduzidas no momento próprio e referente à peça processual que continha as entorses ou desvios de técnica jurídica que agora pretendem ver corrigidos.”
Este último segmento é assaz pertinente para no caso, atendendo ao silenciamento das recorrentes no momento oportuno, como já aludido.
 Cada vez mais a jurisprudêncuia se vai afastando dos rigores conceptualitas, das amarras do processo, para se lançar naquilo que é a construção do caso concreto e da obtenção da verdade material de forma a alcançar uma decisão consentânea com a realidade dos factos e não com a realidade do processo.
O que se impõe e aí todos seremos intransigentes é que o facto provado não contenha em si aquilo que constitui a essência da norma, pois se assim fosse a actividade judicial de aplicar a norma ao facto ficaria esvaziada de conteúdo.
Outra achega relevante é o Acórdão do STJ de 19 Outubro 2004 (JusNet 4936/2004) “se qualquer pessoa medianamente instruída e diligente, mesmo não sendo jurista, pode apreender o significado e discorrer em juízo sobre o conteúdo de termos como empréstimo, arrendamento, benfeitorias, cheque, letra, factura, etc, etc - tudo realidades que, sem qualquer dúvida, apresentam uma conotação jurídica impossível de negar e ignorar - assim também, por idêntica razão, poderá fazê-lo relativamente ao que seja uma "contrapartida" num qualquer negócio. Nisto, como em tudo aquilo que se relaciona com o problema, nunca definitivamente resolvido, da distinção entre matéria de facto e matéria de direito, há que agir com cautela e circunspecção. Não pode perder-se de vista que é praticamente impossível formular questões rigorosamente simples, que não tragam em si implicados, as mais das vezes, juízos conclusivos sobre outros elementos de facto; e assim, desde que se trate de realidades apreensíveis e compreensíveis pelos sentidos e pelo intelecto dos homens, não deve aceitar-se que uma pretensa ortodoxia na organização da base instrutória impeça a sua quesitação, sob pena de a resolução judicial dos litígios ir perdendo progressivamente o contacto com a realidade da vida e assentar cada vez mais em abstracções (e subtilezas jurídicas) distantes dos interesses legítimos que o direito e os tribunais têm o dever de proteger.”
Acresce ao ponto em reflexão que, extinguindo-se o poder jursidicional dos árbitros com o depósito da decisão, como decorre do art.º 25.º da LAV, não contrariado pelo Reg. – parece-nos que não tem o tribunal da relação a possibilidade de fazer uso dos poderes conferidos pelo art.º 715.º n.º4 do CPC, inseridos nos âmbito da reapreciação da matéria de facto, dado que não pode  reenviar o processo para que o julgamento seja repetido, caso tal se mostre necessário - ver  Paula Costa e Silva,  Revista da AO ano 52, 1992, pag. 1001.

Pertinente  também a opinião expressa por esta autora, no mesmo local, p.1002/1003, quando diz: “se o recurso funciona como fase de reapreciação, esta reapreciação, bem como o exame do bem ou mal julgado pela instância arbitral, só fazem sentido se a relação os apreciar tendo em atenção os princípios e as normas, que levaram à adpoção de determinada solução pelos árbitros. Assim , só existindo um critério de decisão uniforme é legítimo afirmar que o recurso funciona como meio de reapreciação de uma decisão “.

Esta opinião, que partilhamos, impõe que nos afastemos do entendimento que vem sendo seguido, em várias decisões dos tribunais das relações,  que fazem uma rigorosa aplicação das regras de processo, na análise da decisão arbitral, tratando-as nos exactos moldes em que se tratam as decisões judiciais.

A proceder-se assim subverte-se a filosofia inerente a esta ordem de tribunais que visam uma justiça abreviada e informal, logo liberta de muitos dos  apertados espartilhos do CPC.

E a consequência, como se vê da análise dessas decisões, é que a generalidade das decisões arbitrais “vêm morrer à praia”. Ou seja, todo o esforço desenvolvido fica perdido, pois a consequência é sistemeticamente a anulação da decisão arbitral. Mais negativamente impressivo é o entendimento de que as decisões arbitrais estão sujeitas à “fundamentação da decisão de facto” nos exactos moldes que as decisões judiciais, levando a sua omissão ou insuficência à anulação da decisão decorrida. –ver, por todos, acordão da Relação do Porto de 2012/12/3, proferido no processo 227/12.2YRPRT, acessível na base da dados do ITIJ.

Em sentido contrário, vejam-se as decisões jurisprudenciais que vêm referidas nesse mesmo acordão, entre os quais três acordãos do STJ.

Esta a posição que também este mesmo colectivo já tomou no acordão de 21/2 de 2013 proferido na apelação 1139/12.5YRLSB ( não publicado, ao que se saiba)
Aqui chegados diremos que na reapreciação da matéria de facto, não vamos usar dos canones estreitos do processo civil, antes faremos uma leitura tanto quanto possível consentânea com a que as partes e os Exmos. Árbitros fizeram, quando organizaram os factos assentes e aqueles que eram a provar, produziram e decidiram a prova, sem que algum obstáculo ao uso dos “conceitos de facto” tenha sido levantado.

No tocante à reapreciação da matéria de facto, os poderes do tribunal de recurso resultam da conjugação do disposto no art.º 712.º com o art.º 685.º-A.

Deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição do recurso – art.º 685.º-B n.º 1 CPC (a expressão”obrigatoriamente” foi introduzida nesta nova redacção, não existindo no preceito anterior correspondente  –art.º 690.ºA- expressão equivalente):

a) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

b) os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnada diversa da recorrida.

A parte que impugna a decisão proferida sobre matéria de facto tem, assim, um duplo ónus: circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso, indicando claramente qual a parcela ou segmento da decisão proferida que considera viciada por erro de julgamento; fundamentar, em termos concludentes, as razões por que discorda do decidido, indicando ou concretizando os meios probatórios (constantes de auto ou documento incorporado no processo ou de registo ou gravação nele realizada) que implicavam decisão diversa da tomada pelo tribunal, quanto aos pontos da matéria de facto impugnados - veja-se Carlos Lopes do Rego, Comentários ao Código do Processo Civil, Almedina, pág.465.

De acordo com os princípios gerais adjectivos (que não podemos deixar de ter em consideração), as provas são livremente apreciadas pelo juiz, decidindo este segundo a sua prudente convicção, acerca de cada facto -nº 1, do art. 655, do CPC-, excepcionando-se desta regra os factos em que, por lei, a sua existência ou prova dependa de qualquer formalidade especial, caso em que esta não pode ser dispensada –nº 2 do mesmo preceito.

           No caso em apreço, os factos controvertidos não dependem, seja quanto à sua existência (formalidade substancial) seja quanto à sua prova (formalidade probatória) de qualquer forma especial, designadamente documental ou pericial. Donde, a força probatória dos depoimentos das testemunhas sobre eles produzidos e dos documentos particulares apresentados é criticamente analisada e livremente apreciada pelo tribunal (art. 396.º do CC).
Estando assim, no caso, os factos controvertidos apenas sujeitos ao regime da livre apreciação do juiz, tem o julgador liberdade para formar a sua convicção sobre os mesmos, mas o que é necessário e imprescindível é que, no seu livre exercício de convicção, o tribunal indique «os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto como provado ou não provado» - Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, pág.348.
Neste caso dos autos, porque nos deparamos com uma fundamentação, que as mais das vezes remete para a simples indicação dos meios de prova, terá este tribunal que aferir se os meios indicados fornecem suporte suficiente que permita que se retire a convicção que se retirou, o que impõe uma análise detalhada da globalidade dos depoimentos prestados, o que faremos de seguida.

(Omissis)

18.Factos
A matéria de facto a ter em consideração configura-se então do seguinte  modo (vamos manter a organização feita pelo tribunal arbitral para obviar a maior confusão):

I - A Demandante A... é uma associação patronal, com sede na Rua…., constituída nos termos do Decreto-Lei n° 215-C/75, de 30 de Abril, representativa de 2679 f…, o que corresponde a mais de 90% das f… portuguesas (FA 1).

II - A Demandante F..., S.A., é uma sociedade comercial, com sede na Travessa…., que concentra e gere as participações do universo empresarial da A..., e que, no âmbito do contrato assinado entre a A... e a I... com data de 18 de Dezembro de 2008, disponibilizava, mediante pagamento, os dados fornecidos à I..., Lda (FA 2).

III - A..., por intermédio da F... e de outras sociedades por esta participadas, desde há muitos anos que presta um leque de serviços às f… suas associadas (FA 3).

IV - No âmbito destes serviços foi desenvolvida pela A..., por intermédio da F...., uma rede e um conjunto de ferramentas, em constante desenvolvimento, que permitem às f... beneficiarem (i) de um sistema informático adequado ao seu exercício profissional, (ii) de informação permanentemente actualizada sobre produtos e medicamentos existentes no mercado, (iii) sua composição e (iv) informação actualizada relativamente a regras de comparticipações pelo Estado e restantes entidades privadas (BI 1).

V - O desenvolvimento e o custeio de tal rede, com um custo anual de cerca de 5 milhões de euros, dos quais cerca de 1,4 milhões de euros suportados pelas f..., só foram possíveis na medida em que a A... e a F.... conseguiram financiar os serviços que prestam, reduzindo a parcela dos custos a suportar pelas f... suas associadas através da comercialização dos dados relativos às vendas das f... (BI 2).

VI -A A... realizou diversos investimentos que contribuíram para o mercado de produtos baseados nos dados das f..., nomeadamente o desenvolvimento novas versões de software, a optimização da infra-estrutura de comunicações e criação do sistema S… e do suporte K… (BI  89).

VII - As Demandantes detêm uma rede informática própria, que está ainda em expansão e que lhes permite estarem ligadas às f... suas associadas e, assim, receber instantaneamente a informação sobre as vendas de cada f… que depois vendiam à Demandada (FA 27 e BI 44).

VIII - No mercado relativo aos dados das vendas das f... em Portugal, necessários para os estudos de f… market intelligence, nalguns segmentos de mercado, a A... detém uma quota esmagadora, reunindo no seu âmbito como associadas 97% das f... portuguesas, sendo difícil a outras empresas obter aqueles dados (BI 76).

IX - Os dados relativos às vendas das f... são necessários para, em Portugal, operar com efectividade e qualidade nalguns segmentos de mercado dos serviços de f… market intelligence (BI 77).           

X - Neste mercado incluem-se dados fornecidos pelas f... e pelos grossistas e, com menor relevância, pelos médicos e pelos hospitais (BI 78).           

XI - A A... centraliza o fornecimento dos dados de grande maioria das f... suas associadas e é fornecedora das f... associadas noutros mercados (BI 80 e 82).

XII - A A... goza de grande poder económico e actua, em larga medida, independentemente dos seus concorrentes (BI 79).

XIII - Algumas f... associadas da A... não lhe cedem dados e algumas cedem dados a outras entidades (BI 85).           

XIV - Nalguns segmentos de mercado não é possível suprir a ausência de dados com as f... não associadas à A... (BI 84).

XV - A Demandada I..., Lda (I...) é uma sociedade por quotas, com sede na Alameda …, cuja actividade de estudos de mercado se centra no tratamento e na sistematização de informação sobre consumo de medicamentos em Portugal, tendo como principais clientes as empresas da indústria f… que operam no nosso País (FA 4 e doc. n° 55 junto pelas Demandantes).

XVI - A Demandada é uma sociedade que tem por objecto: (i) a consultoria e a elaboração de estudos de mercado, quantitativos e qualitativos, na área da saúde, nomeadamente estudos relacionados com a indústria e o comércio de especialidades farmacêuticas, parafarmacêuticas, dermocosméticas e veterinárias, bem como a prestação de serviços e acções de formação no âmbito desses estudos; (ii) o desenvolvimento e a comercialização de programas informáticos com as inerentes actividades de formação e assistência técnica dos seus clientes; (iii) a sociedade poderá adquirir e alienar participações em quaisquer outras sociedades (FA 5).

XVII - A Demandada é uma sociedade que se estabeleceu no mercado português há mais de 30 anos e está integrada no grupo internacional de sociedades I..., que opera em mais de 100 países, com 50 anos de experiência e um portfólio amplo e global de produtos e serviços (FA 6).

XVIII - A Demandada, entre outras actividades, desenvolve e fornece estudos de mercado ao sector …. (BI 3 e 4).

XIX - A A... contribuiu para a criação de um mercado para produtos baseados nos dados das f... e incentivou a recolha dos dados necessários (BI 88)

Antecedentes do contrato de 2008

XX - Em 1987 foi celebrado entre a I..., Lda e a A... o contrato reproduzido pelo documento n.º 2 junto com a Pl. (FA 7).  

XXI - Em 25.09.2003 foi celebrado entre a A... e a I... o contrato reproduzido pelo documento n.º 3 junto com a PI (doravante designado por contrato de 2003) (FA 8).

XXII - No período de vigência deste contrato, a informação agregada era fornecida por f..., por semana e por produto e respeitava ao produto, ao número de unidades vendidas, sem receita e com receita, ao número de actos de venda, com receita e sem receita, ao número unidades compradas, ao número de actos de compra, ao stock no final do período e ao preço médio de venda (FA 9).           

XXIII - Ao abrigo deste contrato, a I... pagou às Demandantes as seguintes verbas: € 386.700 em 2004, € 1.121.400 em 2005 e € 1.294.500 em 2006 (FA 10).           

XXIV - Considerando o valor mensal por f... de € 100, o número médio de f... que em cada ano forneceu dados foi de 322,3 f... em 2004, 934,5 f... em 2005 e 1078,8 f... em 2006, havendo a expectativa (que se veio a confirmar) de continuar a aumentar (FA 11).

XXV - Em meados de 2006, a A... informou a I... de que estava em condições de passar a fornecer dados numa base diária, em vez de semanal, bem como outro tipo de informação mais detalhada, pretendendo em contrapartida rever os termos do contrato existente (FA 12).

XXVI - Durante o segundo semestre de 2006, começou a ser discutido e negociado um novo contrato, assinado em 22.12.2006, que está reproduzido pelo Doc. N.º 4 junto com a PI (doravante designado por contrato de 2006, acordo de 2006, parceria ou joint venture) (FA 13 e BI 9, 1.ª parte).           

XXVII - As Demandantes receberiam 50% do valor da receita, pelo que, no cenário mais pessimista (previsão de 15 de Dezembro de 2006), receberiam, em 2007, € 2.761.000 e, em 2008, € 3.511.550 (FA 14).

XXVIII - O contrato de 2006 teve como pressuposto projecções, que foram sendo progressivamente revistas e que as partes estimaram alcançar, conforme o seguinte quadro (BI 5 e 9, 2.ºparte, e 11):

20072008200920102011
Previsão de 15.12.20065.522.000,007.023.100,007.916.755,008.985.780,0010.270.979,00
Previsão de 10.11.20066.122.000,007.615.600,008.496.380,009.546.199,0010.804.759,00
Previsão de 07.09.20066.552.000,008.067.100,008.970.455,0010.043.978,0011.327.427,00

XXIX - As previsões relativas ao contrato de 2006 tinham por pressuposto o desenvolvimento de novos produtos e serviços, cuja parcela fundamental dizia respeito, pelo menos nos primeiros anos, aos produtos já comercializados pela I..., nomeadamente os produtos até então produzidos com base na informação oriunda dos armazenistas, prevendo-se a diminuição dos valores oriundos do painel armazenista e o aumento dos valores do painel das f..., de tal modo que, a partir de 2008, este valor ultrapassaria o valor oriundo do painel armazenista (FA 15 e BI 6).

XXX - Nas negociações do contrato de 2006, a A... pretendeu fixar um limite mínimo para as suas receitas igual ao que auferiu ao abrigo do contrato anterior, pretensão que foi recusada pela Demandada (BI 10)

XXXI - A facturação era num primeiro momento efectuada pela F...., mas, a partir de Março de 2008 (factura emitida em Maio de 2008), a facturação passou a ser feita pelo C…, um centro de estudos na área do medicamento e da saúde que é propriedade da IN…LDA., por sua vez detida a 100% pela F.... (FA 16).           

XXXII - As receitas não evoluíram como se esperava: em 2007 e 2008, as demandantes apenas receberam € 819.386,97 e € 966.150,76, respectivamente, ou


seja, menos de um terço do valor previsto na mais conservadora das previsões constantes do FP XXVIII e pouco mais de metade do que receberiam pelo contrato de 2003 (BI 8 e FA 17,  1.ª parte).

XXXIII - As Demandantes haviam recebido em 2006, com base no contrato de 2003, € 1.295.640 (FA 17, 2.ª parte).

XXXIV - Houve dificuldades de implementação do Acordo de 2006 e não alcançar as previsões da joint venture importou prejuízos para ambos os contraentes (BI 13 e 13-A)

XXXV - As Demandantes passaram a disponibilizar a partir de Janeiro de 2007 informação diária, mas a Demandada só teve meios para processar essa informação em Junho de 2007 (BI 23).

XXXVI - O serviço X… contribuiria significativamente para as receitas da parceria, mas só foi implementado em Junho de 2008, alguns meses mais tarde do que estava previsto (BI 14).

XXXVII - No início de 2008, a A... escreveu às suas associadas propondo a adesão ao X… em contrapartida de uma redução de € 50 mensais no preço que pagavam em contrapartida do F…, que não foi criado para a recolha de dados para o X…, mas permitiu essa recolha (BI 49).

XXXIX - O X… só em Junho de 2008 estava em condições de funcionar devidamente, porque:

a)Só em Setembro de 2007 é que a Demandada entregou às Demandantes a última versão do ficheiro DLL e um ficheiro das especialidades médicas;

b)A informação sobre locais de prescrição, essencial para o produto, só ficou concluída em 2008, com a colaboração das Demandantes;

c) Só em Março de 2008 foram levantadas as objecções suscitadas prestados pelo INF... e pela Ordem dos Médicos (BI 15).

XL - A Demandada desenvolveu para a joint venture uma biblioteca (DLL - Dynamic Link Library) que convertia o número de cédula do médico num código fictício (abstracto), tornando possível recolher a especialidade médica prescritora, sem identificação da origem e sem conhecimento da chave de encriptação DLL I...Coding.dll por qualquer parceiro de negócio ou tecnológico (FA 33).

XLI - A DLL I...Coding.dll, que está instalada no sistema de recolha de informação das f... aderentes e associadas da A..., é um mecanismo essencial à encriptação da informação recolhida nas f... que permite que essa informação seja tratada sem infracção de regras deontológicas e normas legais, nomeadamente no que respeita à protecção de dados pessoais (FA 34).

XLII - Além do atraso no lançamento do X…, não foram implementados outros novos produtos da joint venture acordada em 2006, como, por exemplo, a avaliação de investimento promocional, dos estudos dos subsistemas de saúde, dos estudos qualitativos e quantitativos e dos estudos FAST (FA 20).

XLIII - Durante a execução dos negócios abrangidos pela joint venture, as partes tiveram sempre uma sã comunicação, reuniram com uma base mensal para avaliação da execução do contrato e elaboraram actas e relatórios (BI 16).

XLIV - Foram enviados os e-mails e respectivos anexos reproduzidos pelos Docs. 5 a 22, assim como os e-mails reproduzidos pelos docs. N.ºs 26, 28, 35, 43, 44, 48, 49, 50, 52, 53 e 57 (original em inglês), todos juntos com a Contestação (FA 18 e 21).

XLV - As fotografias reproduzidas pelo doc. n2 23 junto com a Contestação foram tiradas no acto de assinatura do contrato de 2006 (FA 19).

XLVI - A Demandada continuou a usar informação oriunda dos armazenistas (sell in) em parte significativa (BI 17).

XLVII - A Demandada não procedeu ao switch de sell-in para sell-out na dimensão constante das previsões, mantendo uma parte significativa dos produtos por si comercializados com base na informação dos laboratórios, usando, nalguns casos, a informação das f... para verificar e validar os dados oriundos dos armazenistas (BI 21).

XLVIII - Ao não utilizar os dados das Demandantes na escala constante das previsões, a Demandada impediu que a parceria tivesse facturação mais elevada (BI 22).

XLIX - A informação recolhida nas f..., que documenta as vendas efectivas para o mercado (sell out), é mais esclarecedora do que a informação das vendas dos armazenistas às f... (sell in), porque esta não reflecte a dimensão do inventário (stocks) nem as compras pelos clientes finais nem os prescritores e respectiva especialidade (BI 19).

L - O número de f... que forneciam informação assegurava o grau de cobertura do território com o pormenor desejado (BI 20).

LI - A informação facultada pelas f... é informação que precisa de ser trabalhada para ser usada nos produtos e serviços comercializados pela Demandada (BI 24).

           

LII - A informação recebida do painel armazenista abrange 99% do mercado dos medicamentos vendidos pelos armazenistas, enquanto a informação das f... fornecida pela A... teria como base uma amostra de cerca de 2000 f..., o que representa uma cobertura média de dados de vendas, a nível nacional, de 70% do total dos produtos comercializados pelas f... (BI 25).

LIII - A informação das f... não fornece em separado as compras directas e as compras via armazenista (BI 26).

LIV - A Demandada usava habitualmente um histórico com o mínimo de 24 meses para fornecer dados aos seus clientes (BI 27).

           

Negociação do contrato de 2008

LV - Em datas incertas do 22 semestre de 2008, mas antes de Outubro, J…, presidente da Direcção da A..., manifestou a C…, gerente da Demandada, a sua insatisfação com o resultado da parceria (BI 28).

LVI - A reacção das Demandantes aos maus resultados da parceria não colheu de surpresa a Demandada (BI 57).

LVII - Em meados de 2008, J... comunicou a C... que a A... queria, até ao final desse ano, pôr termo ao contrato em vigor (BI 29).

LVIII - As negociações entre o Director-Geral da Demandada, C..., e o presidente da Direcção da A..., J..., para revogação do contrato de 2006 e celebração de um novo contrato, tiveram início em Outubro de 2008 e, no decurso das negociações, foram redigidas três minutas do contrato (BI 30).

LIX - Na sequência da primeira reunião formal entre C... e J..., onde este anunciou que pretendia rever os termos do contrato, C... apresentou uma proposta às Demandantes por e-mail enviado em 21.10.2008, a qual contemplava duas hipóteses:

-a manutenção do Acordo de 2006, garantindo a Demandada uma receita mínima (a repartir) de 3 milhões em 2009, 5 milhões em 2010 e 6,5 milhões em 2011, ou

- o pagamento de € 150/mês/f..., ou seja, de entre 2,5 e 3 milhões de euros por ano (consoante o número de f...), caso em que o novo contrato "seria em tudo idêntico ao que foi estabelecido anteriormente ao que está actualmente em vigor" (BI 58).

LX - As compensações resultantes da cláusula 10.º do contrato de 2008 foram calculadas pela A... e aceites por C..., sem qualquer análise financeira por parte da estrutura interna da Demandada (BI 65, 2.ª parte).

LXI - Nos termos das políticas internacionais do Grupo, que foram comunicadas a todos os colaboradores do Grupo e eram conhecidas de todas as chefias, os poderes dos gerentes da Demandada eram limitados e delimitados pelas chefias, de quem dependiam e a quem reportavam (BI 50 e 50-A).

LXII - C..., o único dos gerentes da Demandada residente em Portugal, não tinha, nos termos do doc. N.º 54 junto com a Contestação, poderes perante a hierarquia internacional para assinar contratos acima de determinados valores sem pedir autorização a essa mesma hierarquia (BI 51).

LXIII - O negócio que culminou no Acordo de 2008, com valor muito superior ao referido no n.º anterior, não foi objecto de qualquer pedido de autorização internacional para a sua celebração (BI 52).

LXIV - Os valores do Acordo de 2008 não foram provisionados nas contas da Demandada nem C..., no relatório relativo ao 4.º trimestre de 2008, datado de 13.01.2009, fez qualquer referência às responsabilidades nele assumidas (BI 53).

LXV - Em 2008, a estrutura internacional da I... só tinha efectivo conhecimento de negociações para potenciais alterações da joint venture, mas, até 09.02.2009, não tinha conhecimento da negociação de um contrato que revogasse a joint venture em curso (BI 54).

LXVI - Na preparação e negociação do novo contrato com a A..., interveio, por parte da I..., apenas C..., não tendo participado Directores e demais colaboradores da Demandada (BI 55, 1.ªparte, e 65, 1.ª parte).

LXVII - A assinatura do contrato, que apanhou de surpresa a hierarquia internacional, contraria as políticas comerciais do Grupo I... (BI  55, 2.º parte).

LXVIII - Em 16 e 17 de Dezembro de 2008, foram enviados os e-mails constantes do Doc. n2 57 junto com a Contestação, tendo A… advertido C... de que não poderia incluir nas negociações os outstanding receivables (facturas em dívida) nem conceder à A... condições mais favoráveis do que as que resultam do contrato em vigor em troca do pagamento dessas facturas (BI 69).

LXIX - Dois desses e-mails foram trocados, em 16 de Dezembro de 2008, entre R… e A…., com conhecimento de C..., neles se fazendo referência a uma minuta do contrato em português (BI 56).

LXX - Em vésperas da assinatura do contrato de 2008, as Demandantes confirmaram os poderes de C... para celebrar o contrato, através de consulta ao registo comercial (BI 63).

Contrato de 2008

LXXI - O contrato com data de 18 de Dezembro de 2008 (doravante designado por contrato de 2008 ou acordo de 2008), reproduzido pelo doc. N.º 1 junto com a PI, foi assinado, em 23 de Dezembro de 2008, por C..., gerente da I..., que já havia subscrito os contratos de 2003 e 2006, e por J... e G…, em nome das Demandantes (FA 22 e BI 37).

LXXII - O contrato de 2008 voltava ao modelo de 2003, embora com diferenças substanciais no que respeitava à quantidade (e qualidade) da informação vendida, que passou também a incluir informação diária e detalhada por f... (embora sem a sua identificação) e por acto de venda, com o seguinte conteúdo: data/hora da venda, especialidade médica, local de prescrição, linha da venda, código de produto, pvp, valor pago pelo utente, quantidade, stock mínimo, stock máximo, posição de stock, comparticipação, código de organismo, valor da comparticipação (BI 31).

LXXIII - No preço dos dados, fixado em € 255/f.../mês e calculado pela A..., o valor de € 200/f.../mês, componente desse preço, teve como base o valor das receitas esperadas pela A... para os anos 2009, 2010 e 2011, segundo as estimativas relativas ao contrato de 2006 realizadas em 07.09.2006, a que se refere a resposta ao n° 5 da BI, dividindo 50% da média desses valores pelo número médio de f... (computado em 2100) que se previa viessem a fornecer dados nesses três anos (BI 32).

LXXIV - O valor médio da informação por f... assim calculado seria de € 200, ao qual acresciam os custos do desconto que era concedido às f... aderentes ao X… (€ 50/f.../mês), acrescidos de € 5 pelos custos da linha instalada pela PT. (BI 33)

LXXV - A compensação de € 2.291.613,03, relativa a 2007, foi calculada a partir do montante de € 2.761.000 (valor de 50% da previsão de receita feita em 15.12.2006), acrescido de € 350.000 (valor igual ao de facturas emitidas e contabilizadas pela I..., que a A... não reconhecia) e deduzido de € 819.386,97 (valor já pago à A...) (BI 34, a).

LXXVI - O valor da compensação de 2.440.399,24, relativo a 2008 (correspondente ao valor, sem IVA, da factura n.º GER - 0900002 emitida pela A... “pelo diferencial relativo a 2008"), foi calculado a partir do montante de € 3.511.550 (valor de 50% da previsão de receita feita em 15.12.2006), deduzido de € 105.000 (valor igual a metade da contribuição em serviços a prestar pela A..., que esta afinal não disponibilizou) e de € 966.150,76 (valor já pago à A...) (BI n° 34, b).

LXXVII –

O preço de 255€ fixado na cláusula 6.º, n.º 1, do contrato de 2008 não tem em conta o custo directo para a A... e é o valor mais alto conhecido, várias vezes superior ao preço praticado noutros mercados para serviços equivalentes. (BI 87)

LXXVIII - O pagamento de diferenciais, previsto na cláusula 10.º, conferia às Demandantes uma vantagem sem qualquer justificação económica plausível (BI 73).

LXXIX - O contrato contraria os interesses da Demandada, no que respeita ao preço e ao pagamento de diferenciais (BI 55, última frase).

LXXX - A contradição com os interesses económico-financeiros da Demandada, considerados globalmente, era evidente para qualquer pessoa conhecedora daquela área de negócio, em especial, para C... e para as Demandantes e seus legais representantes, profissionais altamente qualificados BI 60).

Factos posteriores ao contrato de 2008

LXXXI - Em 23.01.2009, a Demandada e C… assinaram o acordo de cessação de contrato de trabalho reproduzido pelos docs. 59 junto com a Contestação e 49 junto com a Resposta à Reconvenção, tendo C... renunciado ao cargo de gerente da Demandada (FA 30 e BI 70, a).

LXXXII - C... convocou, na manhã de 09.02.2009, uma reunião com todos os colaboradores da Demandada, no decurso da qual referiu que estava a considerar a possibilidade de criar um concorrente alternativo à I...; na tarde do mesmo dia, C... deu a conhecer o acordo de 2008 aos trabalhadores da Demandada com funções de gestão (BI 72).

           

LXXXIII - Em 18.02.2009 foi enviada por um alto quadro do Grupo I... uma comunicação em que informava que C... já não exercia funções na Demandada e que o assunto passaria, em consequência, a ter outro responsável (FA 312).

LXXXIV - Conhecido o contrato de 2008 e analisado o seu impacte, considerado desastroso pela estrutura internacional da I..., a Demandada comunicou a C..., por carta da mesma data, a decisão de instaurar procedimento disciplinar contra ele e de o suspender preventivamente do exercício de funções de Director Geral (FA 31-A e BI 70, b).

LXXXV - A Demandada, por deliberação de 17.03.2009, levada ao registo em 18.03.2009, alterou o seu pacto, nos seguintes termos "Forma de obrigar: a) Em actos de valor igual ou superior a 200.000,00€, pela assinatura conjunta de dois gerentes" (BI 64.º)

.LXXXVI - A Demandada, em 21.04.2009, apresentou participação criminal contra C..., que, em 12.12.2009, foi constituído arguido em auto de inquérito nos termos constantes do documento n.º 2 junto com a Contestação (BI 70 c) e FA 32-A).

LXXXVII - Após a entrada em vigor deste contrato, em 1 de Janeiro de 2009, continuaram as Demandantes a fornecer dados, do mesmo modo que antes, até 09.04.2009 (por referência a 31 de Março), tendo a partir desse dia suspendido o envio de quaisquer dados (BI 38 e FA 23).

LXXXVIII - 0 número de f... sobre o qual as Demandantes enviaram informação foi de 1.931, 1.968 e 2.017 em Janeiro, Fevereiro e Março de 2009, respectivamente, sendo expectável que continuasse a crescer (BI 45).

LXXXIX - Após o envio à Demandada, em Janeiro de 2009, de facturas e, em Fevereiro seguinte, de cartas destinadas a apurar o fundamento da falta de pagamento das quantias em dívida, as Demandantes, face ao silêncio da Demandada, insistiram em 19 e 20 de Fevereiro pelo pagamento da primeira das facturas vencidas (BI 39).

XC - Em resposta a insistências das Demandantes, um representante local da Demandada, D…, escreveu às Demandantes em 20.02.2009 dizendo:

"Conforme é de conhecimento de V. Exas., o Dr. C... não se encontrava autorizado a celebrar qualquer contrato do tipo em questão e nunca dispôs da autoridade para agir com este tipo de autonomia" (FA 32).

XCI - Em 27.02.2009 as Demandantes responderam à Demandada insurgindo-se contra as insinuações feitas na referida carta e solicitando que esta confirmasse se pretendia ou não, na sequência das afirmações proferidas, cumprir com o acordado (BI 40).

XCII - Em 25.03.2009, uma vez que nenhum dos pagamentos das facturas vencidas no valor total de € 3.340.821,60 havia sido efectuado, as Demandantes informaram que iriam suspender o fornecimento de dados que vinham realizando, com efeitos a partir de 31.03.2009 (BI 41).

XCIII - Na sequência, foi trocada a correspondência constante dos docs. N.ºs 30 e 31 juntos com a PI (BI 42).

XCIV - As Demandantes emitiram as seguintes facturas (no total de € 7.488.710,69) que a Demandada não pagou:

Factura nº GER - 0900001, no valor de € 2.749.935, 60 (diferencial relativo a 2007), vencida em 08.02.2009;

Factura nº GER - 0900002, no valor de € 2. 928.479,09 (diferencial relativo a 2008), vencida em 30.04.2009;

Factura nº GER - 0900003, no valor de € 590.886 (relativa a dados de Janeiro de 2009), vencida em 01.03.2009;

Factura nº GER - 0900050, no valor de € 602.208 (28.02.2009), vencida em 30.03.2009;

Factura nº GER - 0900082, no valor de € 617.202 (Março 2009), vencida em 29.04.2009 (BI 43).

XCV - Em 23.04.2009 e 18.05.2009, as Demandantes enviaram à Demandada as cartas reproduzidas pelos docs. N.º 35 e 36 juntos com a P.I.(FA 26)

XCVI - Em 14.04.2009, a Demandada enviou aos seus clientes cartas sobre suspensão temporária de serviço" nos termos dos docs. 34 junto com a PI e 70 junto com a contestação (FA 24)

XCVII - Em 18.05.2009, a A... enviou cartas sobre a "suspensão de prestação de dados à I... Lda" nos termos dos docs. 37 junto com a PI e 71 junto com a Contestação (FA 25).

XCVIII - A A... emitiu em 29.05.2009 a circular reproduzida pelo doc. 75 junto com a Reconvenção (FA 35)

XCIX - As Demandantes recusaram receber o pagamento dos dados fornecidos à Demandada invocando que tal pagamento não correspondia aos valores devidos segundo o contrato de 2008 (BI 104).

C - Em 02.06.2009 a Demandada apresentou no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa um processo especial de consignação em depósito contra a Demandante A..., no âmbito do qual consignou o montante de € 622.596,06 (FA 28).

Cl - Em 05.06.2009, a Demandada requereu, no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, contra a Demandante A... providência cautelar não especificada, que foi indeferida por decisão de 05.08.2009 (FA 29).

CII - A Demandada enviou em 05.06.2009 a carta reproduzida pelo doc. 76 junto com a Reconvenção (FA 36).

CIII - Por circular datada de 08.06.2009, a A... remeteu a empresas da área da indústria farmacêutica informação sobre o lançamento da sociedade H... (BI n° 109, 1.º parte).

CIV - A Demandada apresentou, em 18.06.2009, na Autoridade da Concorrência uma queixa contra a A... a quem imputou vários ilícitos de concorrência (FA 40).

           

CV - Em 21.09.2009 foi ordenado pela 3.º Secção da 3.º Vara Cível de Lisboa, a instância das Demandantes, o arresto dos saldos de 2 contas bancárias da Demandada, bem como os créditos que a mesma detivesse sobre um conjunto de empresas farmacêuticas, tendo a Demandada, citada em 07.10.2009, deduzido oposição, que foi julgada improcedente por decisão do mesmo tribunal proferida em 11.02.2010 (FA 419

           

Factos relacionados com a H…

CVI - Em 26.06.2009, constituiu-se a sociedade H…, Lda, cujo capital social é detido, em 90%, pela Demandante F..., a qual é, por sua vez, detida a 100% pela Demandante A... (FA 37 e BI 66).

CVII - Na gerência da H... estão representantes legais das Demandantes (BI 109, 2.ª parte).

CVIII - A H... tem objecto social semelhante ao da Demandada, presta o mesmo tipo de serviços oferecidos pela Demandada, que é o seu principal concorrente (FA 38, BI 66 e 92).

CIX - A H... começou a preparar a sua actividade em Junho de 2009 e efectuou as primeiras vendas de dados em Dezembro de 2009 (BI 111).

CX - C... assumiu as funções de Director Geral da H... desde 01.06.2009, beneficiando a H... dos conhecimentos e da experiência que adquiriu ao longo de 15 anos que colaborou com a Demandada (FA 39 e BI 112).

CXI - C... iniciou em Fevereiro de 2009 contactos com um terceiro com vista à implementação de um projecto conjunto, o qual deu origem à criação em 24.04.2009 da sociedade G…, S.A., com objecto social concorrente com a Demandada (BI 67).

CXII - Na H... trabalham várias pessoas que adquiriram conhecimentos técnicos quando estavam ao serviço da I... (BI 103).

CXIII - No âmbito da joint venture com a Demandada, a A... passou a ter acesso a informação usada pela Demandada e relativa aos serviços de market intelligence para o sector dos cuidados de saúde, incluindo o serviço X…, que a Demandada introduziu no mercado português, e a DLL I...Coding.dll, criada pela Demandada para a prossecução dos objectivos comerciais da joint venture (BI 98 e 99).

CXIV - As Demandantes beneficiaram de rendimentos provenientes dos dados das f... que eram objecto do Acordo de 2008, através de uma nova sociedade (a H...), que integra o seu universo empresarial, tendo auferido, em relação a 2009, um valor de € 20.000 e, em relação a 2010, um valor próximo de 75% do que aufeririam ao abrigo do contrato de 2008 (BI 47).

CXV - A H... beneficiou, em 2010, de um desconto de 25% em relação ao preço de € 255 acordado com a A... (BI 97).

Danos

CXVI - A execução total do contrato de 2008 até 31.12.2010 permitiria previsivelmente às Demandantes facturar o fornecimento de dados durante mais 21 meses, desde Abril de 2009 até Dezembro de 2010, em relação a 2017 f... (pelo menos), no montante de € 10.801.035, mais IVA, assim calculado: € 255 por f... x 2.017 f... x 21 meses (BI n2 46).

CXVII - Nas circunstâncias actuais, a Demandada não tem de facto condições para ser cliente da A... (BI 91).

CXVIII - Até ao 12 trimestre de 2010, a Demandada perdeu cerca de 65% dos seus clientes de consumer health (BI n2 115).

CXIX - Das circunstâncias referidas nos FP LXXXVII (última frase), XCII, CXVII e CXVIII resultaram, e é possível que resultem no futuro, perdas de receitas, das quais, por sua vez, resultaram, e podem resultar, prejuízos em montante que não foi possível ao Tribunal quantificar (BI 116).


CXX- C... assinou o Acordo de 2008 ciente de que a sua relação laboral na I... estaria a terminar.

Estes os factos.

 19.Recurso de direito 

19.A)  Apelação – demandantes

I-Abuso de representação

a)Defendem as recorrentes que não há lugar a aplicação do Artigo 269º do Código Civil, dado estarmos no âmbito da representação orgânica nas Sociedades Comerciais e não da representação voluntária, donde não são aplicáveis directamente aos gerentes as disposições dos artigos 262.º e segs. do Código Civil, mas antes o disposto no Código das Sociedades Comerciais.

b)Não há lacuna no regime do CSC. Não é mera a similitude de nomes (representação) ou de fenómenos empíricos que pode ser a base de detecção de lacuna e/ou do preenchimento da mesma através do regime do artigo 269º do CC.

Entendeu o Tribunal estarem preenchidos os requisitos do abuso de representação, bem como ser de aplicar o artigo 269º do Código Civil ao caso, por via analógica ou subsidiária.

Dispõe o art.º 260.º do CSC, sob a epígrafe “Vinculação da sociedade”:

1 - Os actos praticados pelos gerentes, em nome da sociedade e dentro dos poderes que a lei lhes confere, vinculam-na para com terceiros, não obstante as limitações constantes do contrato social ou resultantes de deliberações dos sócios.

2 - A sociedade pode, no entanto, opor a terceiros as limitações de poderes resultantes do seu objecto social, se provar que o terceiro sabia ou não podia ignorar, tendo em conta as circunstâncias que o acto praticado não respeitava essa cláusula e se, entretanto, a sociedade o não assumiu, por deliberação expressa ou tácita dos sócios.

3 - O conhecimento referido no número anterior não pode ser provado apenas pela publicidade dada ao contrato de sociedade.

4 - Os gerentes vinculam a sociedade, em actos escritos, apondo a sua assinatura com indicação dessa qualidade.

5 - As notificações ou declarações de um gerente cujo destinatário seja a sociedade devem ser dirigidas a outro gerente, ou, se não houver outro gerente, ao órgão de fiscalização, ou, não o havendo, a qualquer sócio.

           Por sua vez o art.º268º do CC sob a epígrafe:”Representação sem poderes” dispõe no seu n.º1:

”O negócio que uma pessoa, sem poderes de representação, celebre em nome de outrem é ineficaz em relação a este, se não for por ele ratificado.”

Sendo que o art.º 269.º estipula que :”O disposto no artigo anterior é aplicável ao caso de o representante ter abusado dos seus poderes, se a outra parte conhecia ou devia conhecer o abuso.”

Na decisão recorrida o tribunal discorreu assim:

”… julgamos ser claro que os n.sº 1 e 2 do artigo 260.º do Código das Sociedades Comerciais têm directamente em vista excluir as limitações estatutárias sobre o objecto social e as deliberações sociais relativas a um determinado acto, enquanto fundamentos que a sociedade possa invocar para se eximir à sua vinculação perante terceiros por actos praticados por gerentes no âmbito dos seus poderes estatutários genéricos. 

É o que resulta da fonte dos preceitos, a 1.ª Directiva comunitária sobre sociedades, de 1968, cujo artigo 9.º pretendeu harmonizar os direitos dos Estados-membros, em favor da protecção de terceiros e contra o rigor do princípio da especialidade e da doutrina ultra vires, que se mantinham vivos nalgumas correntes doutrinárias e jurisprudenciais. O mesmo artigo 92 admitiu porém uma atenuação, facultando aos Estados-membros que legislassem no sentido de manter a regra ultra vires em relação a actos fora do objecto social, se tal circunstância for conhecida ou não possa ser ignorada pela contraparte.

Assim se explica o citado n.º2 do artigo 260.º (e o n.º 2 do artigo 409.º do mesmo Código) que, em relação ao objecto social, concretiza a opção legislativa do Estado português em desfavor de terceiros de má  fé, cominando com a ineficácia esta situação específica de abuso de representação.

Se o alegado abuso de representação por parte do gerente de uma sociedade por quotas incidir sobre um qualquer outro aspecto influente na conformação e no exercício dos seus poderes perante terceiros, o regime do citado artigo 260.º não é aplicável, pelo menos directamente. Para preencher esta lacuna a solução mais adequada é a aplicação analógica do artigo 269.º do Código Civil, como têm entendido de modo quase pacífico os académicos que colocaram o problema”

Em favor deste entendimento convoca-se: RAÚL VENTURA, Sociedades por quotas, III, Coimbra, 1991, p. 175 s; J. ESPÍRITO SANTO, Sociedades por quota e anónimas. Vinculação: objecto social e vinculação plural, Coimbra, 2000, p. 446 ss; P. TARSO DOMINGUES, A vinculação das sociedades por quotas no Código das Sociedades Comerciais, Revista da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, 2004, p. 277 ss (p. 304); J. COUTINHO DE ABREU, Curso de Direito Comercial, vol. II, 32 ed., Coimbra, 2009, p. 566 ss; contra, ANA MARIA PERALTA, Vinculação das sociedades comerciais, Boletim da Faculdade de Direito de Bissau, n2 2, 1993, p. 107 ss (p. 123), admitindo porém que a aplicação dos princípios e das regras gerais levem à invalidade do negócio.

E continua o acórdão:

“Na verdade, este preceito, regulando embora directamente o abuso de representação voluntária, é o único preceito legal português com suficiente generalidade de previsão para merecer tal extensão. A representação voluntária vem sendo a matriz das outras modalidades de representação (legal e estatutária) e apresenta especial semelhança com a representação orgânica, porque uma e outra (diferentemente da representação legal) se fundam em actos jurídicos pelos quais o representado atribui poderes ao representante, a procuração e a designação, respectivamente. Assim se compreende que a aplicação analógica do artigo 268.º tenha sido recomendada para a regulação da falta de poderes dos representantes das pessoas colectivas. Ora, se o regime da falta de poderes é adequado para o efeito, adequadas serão também as regras sobre o abuso de poderes, que funcionam como seu complemento natural e correcção da vinculação pelo representante com poderes.

A alternativa seria a aplicação do n.º 2 do artigo 260.º do Código das Sociedades Comerciais, mas a marca da harmonização comunitária, estritamente ligada à questão ultra vires, dificulta a generalização. Note-se, ainda assim, que, extraindo do preceito que é essencial, fica afinal a desprotecção dos terceiros de má fé (em sentido subjectivo), que é também o essencial do artigo 269.º do Código Civil. Este coloca-se porém em vantagem pela simplicidade e clareza da sua enunciação, aliadas ao aprofundamento que lhe foram conferindo a reflexão doutrinária e a concretização jurisprudencial dos conceitos indeterminados contidos no preceito.

De qualquer modo, não se deve esquecer que tanto o n.º 2 do artigo 260.º do Código das Sociedades Comerciais como o artigo 269.º do Código Civil valem como especificações do princípio geral da proibição do abuso de direito, que, no caso, consiste simultaneamente no abuso do representante no exercício dos seus poderes e no abuso da contraparte na invocação desses poderes e da consequente vinculação do representado. O interesse de terceiros e a segurança jurídica, que são fulcrais no instituto de representação, em qualquer das suas modalidades, cedem perante o interesse do representado sempre que a protecção do terceiro conduza à extensão em benefício de quem actua de má fé (em sentido objectivo ou subjectivo).”

Contra este entendimento o Professor Menezes Cordeiro, no Parecer anexo, onde defende que o art.º 260.º CSC não contém qualquer lacuna a necessitar de ser integrada pelo art.º 268.º CC.

A ser tratada fora do âmbito previsto no art.º 260.º o Professor só equaciona a hipótese de “conluio”: se se provar que o gerente, em conluio com terceiro, concluiu um negócio puramente danoso para a sociedade a solução não há-se ser buscada no instituto da representação, mas sim no art.º 281.º do CC: o negócio é nulo porque celebrado com um fim contrário à lei, ou à ordem pública ou ofensivo dos bons costumes. 

Esta lógica estende-a a outras hipóteses de abuso manifesto.

Descendo ao caso dos autos, defende não haver qualquer prova de conluio, nem de “fim contrário” ao pretendido pelas sociedades em presença, donde conclui não ocorrer qualquer abuso de representação a justificar o recurso ao art.º 268.º do CC.

Os Professores Pinto Monteiro/Pedro Maia, no Parecer junto, pronunciam-se no sentido de ser admissível a aplicação analógica do 269.º CC à “representação” por gerentes, (que assumem ser defendida por vários autores), mas restringem-na apenas ao caso de conluio “em que o gerente e o terceiro agem conscientes de que a sua actuação é contrária ao interesse da sociedade, determinado pelo orgão competente, isto é, agem com intenção e divergiram do interesse da sociedade”.

            Indo ao caso, salientam que não provado o conluio e nem sequer provado que o gerente tivesse agido com intenção prejudicar a I..., ou seja, que tivesse identificado um determinado interesse da sociedade por si representada e tivesse agido em sentido desconforme com esse interesse, que definiu como sendo o da sociedade, não há qualquer justificação para o recurso ao art.º 269.º do CC.

            Criticam a doutrina do acórdão, com a argumentação de que a sua adopção levaria a que as sociedades tivessem a sua esfera de acção limitadas por duas vias: pelo seu fim e pelo seu interesse objectivamente definido, apontando ao acórdão o defeito de permitir que o interesse da sociedade venha ser definido, não por ela própria, mas por elementos de fora, como o próprio tribunal, que vai apreciar os concretos termos do negócio e aferir do “interesse económico objectivo da sociedade”, o que têm por desadequado, uma vez que o negócio pode ter sido previamente deliberado pela sociedade e se assim fosse, porque não contrário ao fim, não seria nulo, mas eventualmente apenas anulável; os gerentes estavam então obrigados legalmente a executar uma deliberação, mas o seu acto de representação seria abusivo e o negócio seria ineficaz.

           Concluem que o entendimento que suporta a decisão arbitral teria implicações “inteiramente contraditórias com o regime jurídico-societário vigente: desconformes quanto ao âmbito da capacidade das sociedades; desconformes quanto à competência para a definição do interesse da sociedade na celebração de determinado negócio; desconformes quanto aos poderes e às competências dos gerentes de uma sociedade por quotas”.

           Com o devido respeito diremos, desde já, que não vemos aqui a contradição que se pretende apontar, como decorrente do raciocínio por que enveredou a decisão arbitral.

           É que do entendimento do tribunal apenas se pode retirar que, em situações verdadeiramente excepcionais (que o serão), deverá funcionar uma válvula de segurança do sistema.

E o nosso, como outros sistemas, não podem jamais funcionar sem determinadas válvulas de segurança, por via das quais se impeça que o direito dê cobertura a situações iníquas.

            Tudo decorrências daquela válvula máxima que é o “abuso de direito”. O direito pode existir em toda sua plenitude, mas se a ordem jurídica considerar o seu exercício, no contexto específico do caso concreto, como abusivo, porque a aplicação desse direito concreto levaria a uma ofensa do sentimento vigente na comunidade jurídica, chocaria o sentido do “certo”, do “justo”,  então é mesma lei que “dá o direito” que também permite que, naquele concreto caso, ele seja “negado”, em nome dos princípios gerais que temos por subjacentes a qualquer ordenamento jurídico disciplinador da vida em sociedade, como sejam boa-fé, a lealdade, a transparência, o equilíbrio de interesses.

           Será que o facto duma deliberação social ter ocorrido e os gerentes a terem executado, ofenderá o regime juridico–societário vigente que essa execução concretizada num qualquer negócio, se provada que é, de forma manifesta, ostensivamente lesiva dos interesses económicos da sociedade (e que o terceiro contratante no negócio tinha conhecimento dessa lesão), possa vir a ser desautorizada, por ser julgado nulo ou ineficaz o negócio concretizado? Toda a filosofia subjacente à autonomia privada, à liberdade contratual, à liberdade de decisão das pessoas colectivas, não pode ser indiferente às excepcionais situações de “abusos”.

E se o que se tem em vista é salvaguardar a confiança, no caso das sociedades comerciais, que deve existir no mercado, no mundo económico-financeiro, essa salvaguarda da confiança deixa de ter qualquer justificação, quando o terceiro, cuja confiança de visa proteger, afinal não é o terceiro “desprotegido”, mas antes o terceiro “conivente”, “aproveitador” duma abstracta confiança que no caso inexiste, uma vez que ele bem sabia (ou não podia deixar de saber) que estava a pactuar para a lesão da sua contraparte.

    O Professor José Engrácia Antunes, no Parecer junto aos autos, coloca a questão (que é a mesma que já deixamos enunciada e que bebemos na sua fonte): com a ressalva dos casos específicos dos actos “ultra vires”, únicos contemplados no art.º 260.º n.º2, o abuso representativo é lícito no terreno das sociedades comerciais?

Desenvolve a partir daqui ampla explanação que nos merece concordância.

Faz uma resenha histórica do direito português, passa pela Directiva 68/151/CC de 9/3 que esteve na base do actual Código das Sociedade Comerciais, afirmando que “os trabalhos preparatórios da directiva comunitária mostram inequivocamente que o legislador europeu, ao mesmo tempo que pretendeu consagrar um rigoroso regime de inoponibilidade a terceiro de quaisquer limitações estatutária ou deliberativas dos poderes orgânicos, deixou de caso pensado o tratamento das patologias do exercício dos poderes representativos – em particular o abuso de representação- aos princípios gerais do direito civil comum.”

Neste Parecer é exaustivamente enunciada da doutrina portuguesa que, na sua generalidade sustenta a admissibilidade da aplicação, por analogia, do instituto do abuso de representação do CC à representação orgânica das sociedades comerciais. Elencamos apenas alguns nomes enunciados: Raul Ventura, Oliveira Ascensão e Coutinho de Abreu; no mais, remetemos para o parecer, sob pena de aqui o estarmos a repetir.

Diz o professor que a jurisprudência ainda não se pronunciou expressamente sobre a questão.

Na pesquisa que fizemos encontramos apenas o muito recente acórdão do STJ de 2014/2/27, proferido no processo 1835/07.9TBOA7.P1.S1(posterior à data do Parecer), que se pronunciou no sentido da aplicação do art.º 269.º do CC, num caso em que o gerente usou os poderes conferidos pela sociedade para fim diverso daquilo quer eram os interesses da sociedade. Aí se pode ler: ” Verifica-se pois que CC utilizou neste contrato os poderes de representação da sociedade que a qualidade de gerente lhe conferia; mas que o concreto fim desse exercício foi diverso daquele com que os mesmos devem ser exercidos, e que é a prossecução dos interesses da sociedade. O Código das Sociedades Comerciais não prevê expressamente tal situação; aplica-se o disposto no artigo 269º do Código Civil, o que significa que, “se a outra parte conhecia ou devia conhecer o abuso”, o negócio é ineficaz relativamente à sociedade.”

Não vemos que as razões avançadas pelos opositores da extensão do regime civil ao regime das sociedades comerciais sejam de se afirmar, face aos que admitem tal extensão.

Nenhuma censura a fazer pois, à aplicação analógica levada acabo na decisão recorrida.

Admitida então, em tese, essa aplicação, vejamos se no concreto houve ou não abuso de representação.

c) defendem as recorrentes que mesmo que se considerasse aplicável, por via subsidiária ou analógica, o regime do artigo 269º ao caso, a verdade é que ainda assim não haveria lugar a qualquer abuso de representação relevante. Argumentam que não existe base para aplicação do regime do abuso de representação, já que o artigo 269º do CC requer a configuração de uma vontade do representado distinta da vontade do representante (directa ou pressuposta), que foi desvirtuada por este e o próprio Tribunal reconheceu que “no caso não se reconhece qualquer vontade específica do representado”, o que mostra ela não ter havido, pelo que cai a base de aplicação do abuso de representação ao caso. (cfr. pág. 31 do Acórdão Arbitral).

De acordo com a lei civil, esse abuso pode decorrer de um de dois pressupostos: ser fundado na falta de poderes ou na actuação contra os interesses da representada.

Falta de poderes não se verificou, tal como se entendeu na decisão.

Actuação contra os interesses da sociedade representada: a decisão recorrida entendeu estar verificado este pressuposto.

 Temos para nós que a questão nem assume sequer contornos duvidosos.

A expressão supra citada, retirada do acordão recorrido, foi nele inserida no âmbito da apreciação feita sobre o regime da usura e quando se pretendia esclarecer que os requisitos dessa figura haveriam de ser aferidos apenas em relação ao representante e não à representada, uma vez que não se conhecia a sua vontade específica.

No caso do abuso de representação, não é a vontade específica da representada que tem que ser apurada, mas sim quais eram os “interesses da representada”.

E esses interesses aferiu-os o tribunal, no tocante aos valores fixados no contrato, a título de compensações e ao preço fixado para a informação de cada f....

Das compensações

Quanto a estas, diremos desde já que só o facto de, aquando das negociações do contrato de pareceria – contrato de 2006- a A... ter pretendido fixar um limite mínimo para as suas receitas e ter a I... recusado tal fixação, haveria de ter sido demonstrado que alterações substanciais ocorreram para que, aquilo que foi recusado pela sociedade, tenha mais tarde vindo a ser fixado a título retroactivo, quando se põe fim ao contrato, garantindo à A... pagamentos que equivalem à fixação duma receita certa, desvirtuando a natureza do contrato que era de parceria e, por isso, com riscos a correr por ambas as partes.

            E não se trata duma qualquer fixação, mas antes dum valor que erige em certeza para a A... aquilo que eram para ambas as partes, meras e mais optimistas expectativas.

As recorrentes entendem que tinham expectativas que mereciam tutela.

Não será demais relembrar que é o gerente da I..., que nem sequer logrou explicar, de forma minimamente compreensível porque razão aceitou estes preços (impostos unilateralmente pela A...) que acabou por dizer que não visavam tutelar espectativas porque estas não são para tutelar, mas sim para compensar a A... por um uso indevido de dados por parte da I...; mas depois, questionado se eram valores que a I... estivesse obrigada a pagar, de acordo com o contrato então vigente, acabou por dizer que não, mas que “moralmente” eram devidos pela I....

Ora, montantes como os aqui em jogo, não se pode compreender que um gerente minimamente diligente decida a eles obrigar a entidade que representa, sem que se trate de uma obrigação inequívoca, suportada em relações contratuais que não suscitem dúvidas sérias quanto ao acerto da decisão assumida, sob pena de lhe serem imputadas motivações obscuras, nomeadamente a procura de favorecimento da parte contrária, na perspectiva de angariar novo emprego, como é avançado pela sua ex-entidade patronal.

 Não se compreende como é que as recorrentes pretendem que esta actuação não possa ser considerada lesiva e até pretendem antes demonstrar que foi a melhor decisão para salvaguardar os interesses da recorrida, invocando que estava em causa a cessação imediata dos fornecimentos. Essa cessação, a ocorrer e a ser válida, o mais que significava era a perda de clientes para a I..., perda que sempre acabou ocorrer, mas pelo menos não a obrigava a desembolsar, a troco de “nada”. a quantia de 4,7 milhões de euros, ou seja, apenas a troco de poder continuar a actividade que vinha tendo, a coberto de contrato em plena vigência.

No acórdão arbitral discorreu-se assim: “As projecções não passaram pois de um pressuposto sem estipulação quanto aos efeitos da sua não verificação. Como pressuposto não é condição de eficácia e, no caso, nem sequer gerou uma expectativa (cfr. resposta negativa ao n.º 35 da BI), a sua consideração jurídica poderia, quando muito, valer para o efeito de alteração das circunstâncias justificativa da resolução ou da modificação do contrato.

Ora, as coisas não correram pelo melhor para o consórcio, que enfrentou dificuldades de implementação, com a consequente falha das previsões, que importou prejuízos para ambos os contraentes (FP e XXXIV e XXII). Mas não se apurou quais foram exactamente as causas do fracasso nem se este se ficou a dever a incumprimento dos deveres de cooperação dos consorciados (cfr. FP XXXV a XXXIX e XLII), que mantiveram "sempre uma sã comunicação" (FP XLIII). Não se provou em especial que tenha havido "locupletamento ilegítimo" pela Demandada, como pretendem as Demandantes, sendo para tanto insuficientes os FP XLVI a XLVIIf (conjugados com as respostas parcialmente negativas aos n2s 17, 18, 21 e 22 da BI).

Neste quadro, o impacte jurídico da frustração do pressuposto c fundamento para a resolução ou modificação do contrato por alteração das circunstâncias dependeria da verificação cuidada, em princípio por um tribunal, dos restantes requisitos exigidos pelo artigo 4372 do Código Civil: a afectação da boa fé e um juízo sobre a distribuição do risco contratual.

Em vez disso, o representante da I... acedeu ao pagamento da referida compensação, no montante total de € 5.698.163,03, tal como foi calculada pela A... (cfr. FP LXXV e LXXVI), sem que o mesmo representante tenha promovido qualquer análise financeira justificativa (FP LX). Isto é, com fundamento na não verificação de um pressuposto sem reconhecimento no texto do contrato de consórcio nem enquadramento e efeito jurídico claros, acordou-se, noutro contrato, sem justificação económica ou jurídica plausível, a atribuição de um crédito com valor superior ao triplo das receitas recebidas, nos anos de referência, pelo consorciado assim beneficiado (como resulta da comparação entre o montantes dos diferenciais a pagar e o montante das receitas recebidas pela A... ao abrigo do contrato de 2006; cfr. FP XXXII).

Nestas circunstâncias, é evidente que o representante da I... no contrato de 2008 contrariou objectivamente, sob este aspecto, os interesses da sociedade em nome de quem agiu.”

A este tribunal de recurso não se apresentam razões válidas que possam contrariar o raciocínio expendido e a conclusão alcançada.

A suportar este enquadramento, as considerações do professor José Engrácia Antunes que passamos a citar: “…decorridos apenas dois anos de vigência contratual, ao aceitar pagar compensações correspondentes aos diferenciais pecuniários entre as receitas reais e as receitas projectadas (cláusula 10.ª do contrato de 2008) o gerente da I... acabou por romper o equilíbiro do contrato de consórico de 2006, transferindo exclusivamente para esta última sociedade a totalidade do risco inerente. Esta assunção da totalidade do risco negocial, ainda por cima sendo gratuita(…), rectroactiva(…) e unilateral- foi evidentemente lesiva dos interesses da sociedade I...:  a magnitude patrimonial desta lesão ou prejuízo está determinada, traduzindo-se  num débito pecuniário de 4,7 milhões de euros, sendo exactamente inversa ao benefício que tal assunção de risco ocasionou para a A...” –p.68 do parecer.

Chama-se a atenção que se “nas negociações do contrato de 2006, a A... pretendeu fixar um limite mínimo para as suas receitas igual ao que auferiu ao abrigo do contrato anterior, pretensão que foi recusada pela Demandada”- facto XXX-  e se ao abrigo do contrato de 2003 a I... pagou € 1.294.500, relativamente ao ano 2006 (nos anos anteriores pagou menos) – facto XXIII -, e se o valor fixado como “compensação” relativamente a  2007 que foi calculado sobre € 2.761.000 – facto LXXV- podemos concluir uma coisa tão simples como: em 2008 o gerente da I..., em face duma decisão da empresa de não se ter querido comprometer, em 2006, com valores fixos, reportados ao contrato de 2003, e com receitas manifestamente inferiores às estimadas pelas partes, no âmbito da parceria, decide “agraciar” a A..., pelo ano de 2007, com uma quantia superior ao dobro do que esta recebeu pelo ano de 2006.

Será pertinente também aqui acrescentar e no mesmo enquadramento que, para além da falta de contrapartidas, ainda a I... sofreu mais um prejuízo com o co-respectivo ganho para a A...: a cláusula de exclusividade que a I... detinha perante a A..., no desenvolvimento do negócio perdeu-se, passando a A... a poder vender os dados a quem entendesse ou rentabilizá-los directamente, como veio a fazer, através da H..., perdendo a I... a sua posição de “quase- domínio” no mercado .

Do preço fixado por f...

Cumpre aqui anotar que na resposta à matéria de facto eliminou-se, no tocante à questão do preço fixado por f... de €255/mês, a expressão “excessivo”, porque se tratava de matéria que, para além de conter um juízo valorativo, também integrava um conceito de direito.

Chegados à análise dos factos e à sua integração no direito é que se impõe fazer uma apreciação dos elementos pertinentes para se alcançar um juízo sobre a “excessividade” (sem prejuízo do novo juízo a fazer, no âmbito das normas da concorrência, pois outros contornos se impõem).

Provou-se: O preço de 255€ fixado na cláusula 6.º, n.º 1, do contrato de 2008 não tem em conta o custo directo para a A... e é o valor mais alto conhecido, várias vezes superior ao preço praticado noutros mercados para serviços equivalentes, (BI 87).

A estes elementos acresce apontar que para o mesmo tipo de serviços foi fixado em 2003, entre as mesmas partes, o valor de €100/mês/f... – contrato de 2003.

E que nas negociações para o contrato de 2008, a I... propôs 150/mês, tendo vindo a ser fixados os €255, sem qualquer justificação racional.   

Neste quadro, não temos qualquer dúvida em afirmar que o preço fixado é de considerar como “excessivo”, porque desajustado para a realidade que visava tutelar.

Um preço fixado como contrapartida para um serviço que não tem em atenção, nessa fixação, o valor efectivo dispendido pelo prestador do serviço para o prestar e é um valor desenquadrado do mercado, não havendo, no leque do painel do mercado, outro onde se pratique semelhante preço, ou sequer aproximado e que as mesmas partes avaliaram 5 anos antes em também menos de metade, não temos como não o classificar de “excessivo”.

Mais uma vez também neste ponto, se veio dar à A... aquilo que ela não tinha conseguido, por via do contrato cessante. Obter, no futuro e durante 2 anos, uma rentabilidade fixa, isenta de riscos, assente nas projecções que haviam sido feitas para a parceria, e na vertente mais optimista.

Alcançamos assim que as duas cláusulas 6.ª e 10.ª contém estipulações contratuais que são, a nosso ver, ostensiva e objectivamente lesivas dos interesses económicos da I..., donde está correcta a decisão arbitral quando conclui, perante tal quadro, tratarem-se  de cláusulas que contrariam objectivamente os interesses da sociedade representada.

A nível sujectivo, exige a norma que se apurem dois elementos:

-consciência do representante e conhecimento ou dever de conhecimento da parte contrária.

           Socorrendo-se do facto LXXX o tribunal logo daí inferiu a verificação dos requisitos subjectivos.

           As recorrentes insurgem-se contra essa conclusão alegando, além do mais que:

“Acresce que as Recorrentes negociaram o Contrato de 2008 com quem sempre haviam negociado os anteriores contratos com a Recorrida e tinha competência plena para tal. Negociaram com quem inclusive tinha plenos poderes para o fazer sozinho (ao contrário do que é usual em multinacionais, em que os poderes de representação ficam a cargo de duas pessoas). O que só pode ser interpretado como uma prova de confiança em C... e percepcionado por terceiros como tal.

 O mesmo C... durante as negociações tentara outros valores mais baixos (cfr. Doc. CM-3 junto à Resposta às Excepções e Contestação à Reconvenção), mas acabara por aceitar os valores propostos, que se baseavam em projecções que ambas as partes tinham acordado anos antes, pelo que não deveriam ser absurdas ou, na sua opinião, sequer inaceitáveis ou abusivas. Tal comportamento negocial do C... não levantava quaisquer suspeitas: ele fez os possíveis para reduzir os valores, tendo, ao final decidido aceitável a proposta das Recorrentes, o que mais uma vez era um sinal que estas tinham razão nas suspeitas que sempre tiveram quanto à parceria de 2006 e culpa da I... nos parcos resultados da mesma, os quais estavam fora do controlo das Recorrentes, já que era a I... quem vendia os produtos.

Como suspeitar de qualquer eventual comportamento abusivo do C...? Como suspeitar que tal seria “desastroso”, se para as Recorrentes o cenário alternativo era o da Recorrida ser confrontada com a cessação de uma parceria que violara? Como suspeitar de acto sequer de má gestão perante um gerente experiente e para mais com óbvias provas de confiança da I...?

Não se vê, desse modo, como pudessem as Recorrentes ter consciência ou dever ter consciência de factos que determinassem à luz do artigo 269º do Código Civil a existência de um qualquer de abuso de representação: não sabiam e nem sequer podiam saber se tal era ou não desastroso, não sabiam e não podiam suspeitar que a lesão era patente para o C....

E continuam hoje convictas que C... ponderou os riscos dos vários cenários e terá pensado que este era – pesado tudo – o mais favorável.

Ainda hoje não sabem as Recorrentes sequer quais sejam os impactos do Contrato na Sociedade, porque tal nunca foi devidamente provado. Como referimos a Recorrida não trouxe ao processo quaisquer dados que o permitissem aferir dos impactos negativos da assinatura do Contrato de 2008. Preferiu antes ater-se ao mais impressivo: ao abrigo do Contrato de 2006 pagava X, ao abrigo deste paga mais. Logo necessariamente é prejudicial e qualquer pessoa o poderia ver. Nada de mais errado."

           

Começando pelo fim: o impacto negativo não adviria, como é obvio, da assinatura do contrato, mas do cumprimento das obrigações que o mesmo impunha para a I... e como ela não aceitou os seus termos, nem o cumpriu, o impacto não pode ser aferido, a nosso simples ver.

           As suspeitas da culpa da I..., pelo mau funcionamento da parceria, não tinham qualquer fundamento credível, em face da prova feita  (nem o próprio C... a depor em manifesta defesa da posição a A..., conseguiu fazer tal afirmação) e não era qualquer irregularidade que poderia justificar a opção tomada em prol da salvaguarda dos interesses da I...; e quanto à aludida ameaça de cessação do fornecimento, haveria da A... ser confrontada com as consequências do incumprimento contratual a que desse lugar.

Impõe-se não esquecer que as partes tinham, em 2008, um contrato (o de 2006) em plena vigência, não havendo qualquer urgência na renegociação feita. Apenas temos a A..., na pessoa do J... a comunicar ao C... que queria pôr termo ao contrato – facto LVII.

O que os factos provados demonstram, sem necessidade de grandes construções mentais, é que o gerente da I..., sabendo que ia ser despedido, pouco se importou em zelar pelos interesses desta, sendo para nós evidente que se comportou não como verdeiro representante dos interesses da I... mas de outros interesses que nos permitimos avançar, os da A... e reflexamente os seus .

Que assim foi o demonstram os factos posteriormente ocorridos, que afastam quaisquer dúvidas sobre as propaladas “boas intenções” do C....

Se “salvou” a empresa da cessação dos fornecimentos, como se afirma, porque razão omite da hierarquia o contrato que, no ver das demandantes, o deveria ter enaltecido e omite por mais que uma ocasião e até ter a sua saída negociada e formalizada?

Na perspectiva das demandantes o contrato assinado deveria, ao invés de ter sido ocultado, ter sido usado como uma mais valia a considerar na negociação da sua saída da empresa.

Tal ocultação, para qualquer pessoa minimamente pensante, só admite uma única justificação: bem sabia o prejuízo que iria advir e que em vez de lograr obter uma cessação do seu contrato de trabalho, por acordo, com a inerente compensação, teria era sido despedido, com justa causa.

E não tem qualquer cabimento querer vir aqui fazer valer a inocência da A.... Se era evidente para qualquer pessoa daquela área de negócio a contradição com os interesses da I..., muito mais o seria para o presidente da A....

Não admitimos sequer como equacionável que tivesse negociado aqueles concretos termos só com o C..., sem sequer o ter questionado sobre a posição da hierarquia; diz-se que os outros contratos foram sempre e só negociados com o C.... Sim, mas sem qualquer comparação possível, dada a dimensão deste contrato e não falamos só em razão dos concretos montantes envolvidos, mas essencialmente das razões subjacentes à sua fixação (ou falta delas).

Os contornos do caso antes nos sugerem a hipótese da “ocultação” do contrato perante a hierarquia da I... ter sido concertada entre ambos. É evidente que prova não temos, por isso nos ficamos pela mera hipótese.   

           Aqui chegados, resta apenas confirmar o entendimento do tribunal arbitral que julgou as ditas cláusulas ineficazes, em relação à I..., por abuso de representação.

II- abuso da posição dominante


a) Lei da concorrência –aplicação pelo tribunal arbitral/ art.º 102.º do TFEU/ Reenvio prejudicial

Colocam as recorrentes a questão de saber se a ocorrer violação da Lei da Concorrência ela pode gerar, para além das coimas nela previstas, qualquer nulidade dos negócios celebrados, para defenderem que o tribunal não podia tirar a consequência que tirou, tendo violado o art.º 6.º da Lei da concorrência e o art.º 102 do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.

O tribunal arbitral apreciou a questão da possibilidade de aplicação directa da lei da concorrência nos moldes seguintes:

“Em regra, a instrução e a primeira decisão sobre ilícitos anti-concorrenciais estão cometidas a entidades administrativas especializadas, dotadas de competência própria, tanto técnica como jurídica. No direito português, a competência para instruir o processo e decidir sobre infracções anticoncorrenciais, assim como para apreciar se eventualmente algumas práticas se justificam, pertence à Autoridade da Concorrência, nos termos da Lei n.º 18/2003, de 11 de Junho. No caso, está até pendente um processo sequente a uma queixa que a Demandada apresentou, em 18 de Junho de 2009, na Autoridade da Concorrência contra a A..., a quem imputou vários ilícitos de concorrência (FP CIV), provavelmente coincidentes com aqueles que nesta acção são invocados a título de excepção.

Tal não conflitua com a competência deste Tribunal para conhecer tais actos alegadamente ilícitos e sobre eles decidir, se, e na medida em que, tenham sido invocados neste processo como questão prévia de pedidos ou de excepções compreendidos no objecto do processo. Ora, em concreto, as questões de actuação anti-concorrencial foram suscitadas pela Demandada como fundamento de invalidade do contrato em que funda o pedido das Demandantes. É neste quadro e a esse título (e só esse) que o Tribunal apreciará os actos alegadamente anti-concorrenciais. Este Tribunal não poderia, por várias razões, tomar conhecimento de tais actos para deles eventualmente extrair efeitos contraordenacionais. Mas pode, e deve, tomá-los em consideração como eventual fundamento de nulidade por violação de normas imperativas, como haveria de fazer em relação a quaisquer outras normas imperativas potencialmente determinantes da invalidade do contrato em causa.”

           Em abono da tese das recorrentes, e contra a posição do Tribunal, o Professor Menezes Cordeiro, no Parecer junto, defendendo que a proibição do abuso da posição dominante é punível com coimas e que “não podemos transformá-la numa norma delimitadora da autonomia privada, como se fez no acórdão, em termos de provocar a nulidade dos contratos que dela advirem. Na verdade, tal nulidade poderia por termo ao serviço em jogo, com danos para todos.”

E continua: ”Os tribunais não têm meios técnicos nem poderes para determinar a existência de posição dominante e de abusos que dela decorram. E muito menos têm poderes para corrigir os preços praticados em função de abusos desse tipo.”

Vindo a concluir que no direito privado português a invalidação de um contrato, por excesso de poder, só poderá ocorrer no âmbito dos negócios usurários, figura que o tribunal arbitral afastou.

Permitimo-nos discordar.

Antes de mais impõe fazer um breve périplo pela matéria.

José Paulo Fernandes Mariano Pego, in A Posição Dominante Relativa no Direito da Concorrência, Almedina, Coimbra, 2001, diz-nos que o direito de defesa da concorrência tem como função a preservação das estruturas concorrenciais do mercado contra o comportamento dos agentes económicos nesse mesmo mercado; surge como uma garantia de igualdade de oportunidades que a todo o homem assiste e de um sistema equilibrado de desconcentração de poderes, em que os particulares não possam, indevidamente, constranger, e o Estado permaneça imune ao domínio e influência de grupos de particulares- pag.11 e 12.

Ao tempo do contrato as regras da concorrência estavam disciplinadas, a nível de direito nacional, pela Lei n.º 18/2003, de 11 de junho (entretanto revogada pela Lei.º 19/2012, de 8 de maio), sendo o seu “Âmbito de aplicação”- art.º 1.º:

“1 - A presente lei é aplicável a todas as atividades económicas exercidas, com caráter permanente ou ocasional, nos sectores privado, público e cooperativo.

2 - Sob reserva das obrigações internacionais do Estado Português, a presente lei é aplicável às práticas restritivas da concorrência e às operações de concentração de empresas que ocorram em território nacional ou que neste tenham ou possam ter efeitos.”

“O respeito pelas regras da concorrência é assegurado pela Autoridade da Concorrência, nos limites das atribuições e competências que lhe são legalmente cometidas.” Artigo 14.º

As decisões proferidas pela autoridade que determinem a aplicação de coimas ou de outras sanções previstas na lei são passíveis de recurso para o tribunal da concorrência.- art.º 50.º

A matéria do abuso da posição dominante vem regulada no art.º 6.º, sendo que a definição do que se deva entender por “Posição Dominante” é dada pelo n.º2 do mesmo preceito, e as situações abusivas vem elencadas no n.º3, embora sem caracter taxativo, assim se estipulando:

1 - É proibida a exploração abusiva, por uma ou mais empresas, de uma posição dominante no mercado nacional ou numa parte substancial deste, tendo por objeto ou como efeito impedir, falsear ou restringir a concorrência.

2 - Entende-se que dispõem de posição dominante relativamente ao mercado de determinado bem ou serviço:

 a) A empresa que atua num mercado no qual não sofre concorrência significativa ou assume preponderância relativamente aos seus concorrentes;

b) Duas ou mais empresas que atuam concertadamente num mercado, no qual não sofrem concorrência significativa ou assumem preponderância relativamente a terceiros.

3 - Pode ser considerada abusiva, designadamente:

a) A adoção de qualquer dos comportamentos referidos no n.º 1 do artigo 4.º;

b) A recusa de facultar, contra remuneração adequada, a qualquer outra empresa o acesso a uma rede ou a outras infraestruturas essenciais que a primeira controla, desde que, sem esse acesso, esta última empresa não consiga, por razões factuais ou legais, operar como concorrente da empresa em posição dominante no mercado a montante ou a jusante, a menos que a empresa dominante demonstre que, por motivos operacionais ou outros, tal acesso é impossível em condições de razoabilidade.

           No art.º4.º dispõe-se sobre as “Práticas proibidas”, no âmbito do direito da concorrência, assim:

1 - São proibidos os acordos entre empresas, as decisões de associações de empresas e as práticas concertadas entre empresas, qualquer que seja a forma que revistam, que tenham por objeto ou como efeito impedir, falsear ou restringir de forma sensível a concorrência no todo ou em parte do mercado nacional, nomeadamente os que se traduzam em:

a) Fixar, de forma direta ou indireta, os preços de compra ou de venda ou interferir na sua determinação pelo livre jogo do mercado, induzindo, artificialmente, quer a sua alta quer a sua baixa;

b) Fixar, de forma direta ou indireta, outras condições de transação efetuadas no mesmo ou em diferentes estádios do processo económico;

c) Limitar ou controlar a produção, a distribuição, o desenvolvimento técnico ou os investimentos;

d) Repartir os mercados ou as fontes de abastecimento;

e) Aplicar, de forma sistemática ou ocasional, condições discriminatórias de preço ou outras relativamente a prestações equivalentes;

f) Recusar, direta ou indiretamente, a compra ou venda de bens e a prestação de serviços;

g) Subordinar a celebração de contratos à aceitação de obrigações suplementares que, pela sua natureza ou segundo os usos comerciais, não tenham ligação com o objeto desses contratos.

2 - Exceto nos casos em que se considerem justificadas, nos termos do artigo 5.º, as práticas proibidas pelo n.º 1 são nulas. 

Estas regras correspondem à transposição feita para o nosso país das normas comunitárias, sendo que, no que ao caso releva, dispõe-se no art.º 102.º do Tratado Funcionamento União Europeia:

”É incompatível com o mercado interno e proibido, na medida em que tal seja susceptível de afectar o comércio entre os Estados-Membros, o facto de uma ou mais empresas explorarem de forma abusiva uma posição dominante no mercado interno ou numa parte substancial deste. Estas práticas abusivas podem, nomeadamente, consistir em:

a) Impor, de forma directa ou indirecta, preços de compra ou de venda ou outras condições de transacção não equitativas;

b) Limitar a produção, a distribuição ou o desenvolvimento técnico em prejuízo dos consumidores;

c) Aplicar, relativamente a parceiros comerciais, condições desiguais no caso de prestações equivalentes colocando-os, por esse facto, em desvantagem na concorrência;

d) Subordinar a celebração de contratos à aceitação, por parte dos outros contraentes, de prestações suplementares que, pela sua natureza ou de acordo com os usos comerciais, não têm ligação com o objecto desses contratos.

Regressando à questão da “competência” dos tribunais nacionais –estaduais e/ou arbitrais para apreciar as matérias de direito da concorrência e aplicar aos casos concretos as normas legais vigentes – seja a legislação nacional seja a comunitária – não alcançamos as razões obstaculizantes avançadas pelo ilustre professor e pelas recorrentes.

            Aos tribunais, no exercício do poder constitucional que lhes está conferido, cabe fazer respeitar as leis. Art.º202.º CRP:1. Os tribunais são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo. 2. Na administração da justiça incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados.

A posição avançada é contrariada, desde logo, pela própria lei nacional da concorrência que remete para os tribunais a competência para conhecer, em sede de recurso, das decisões tomadas pela autoridade da concorrência.

A possibilidade de “reenvio prejudicial”, aliás suscitada pelas recorrentes,  legalmente prevista, só tem cabimento perante uma submissão de caso concreto à jurisdição dos tribunais nacionais, para cuja solução sejam convocadas as normas do direito comunitário, no caso, no âmbito da concorrência.

Para além disso não consta que se trate de verdadeira “questão”, dado termos várias decisões do nosso Supremo Tribunal de Justiça a conhecer de casos em que a violação da lei da concorrência foi invocada, em primeira mão, servindo de fundamento base a acções  declarativas, com vista à aferição da  validade de contratos de natureza civil, no âmbito de relações jurídico-privadas, tendo sido inequívoca a competência dos tribunais nacionais para dirimirem o lítigio, coenvolvendo normas de concorrência. Exemplos Ac.STJ de 2002/4/24, proc. 01B4170 e de 2013/6/20, proc. 178/07, acessíveis na base de dados da DGSI.

E por fim, é no próprio TJUE (Tribunal de Justiça da União Europeia) que vêm sendo dirimidos os litígios de âmbito transnacional, envolvendo empresas privadas e as normas do tratado que regem em matéria de direito da concorrência.

Carece assim de qualquer suporte a argumentação de que é à Autoridade da Concorrência e apenas a esta que cabe aferir da conformidade de condutas com as ditas normas.

Não se vislumbram também razões para limitar a apreciação destas questões aos tribunais estaduais, pois tratando-se de normas de ordem pública e de natureza imperativa, os tribunais arbitrais estão igualmente a ela sujeitos no exercício do seu poder se julgar.

A propósito, no Parecer junto aos autos dos Professores Paz Ferreira/ Luís Morais /Abel Mateus, dá-se nota de jurisprudência do TJUE que julgou constituir causa de anulação da decisão arbitral a não ponderação de questões do direito da concorrência subjacentes ao litígio objecto do processo arbitral- acordãos “Eco Swiss v. Benetton” e “Van Shijndel”.

No mesmo sentido Cláudia Trabuco e Mariana França Gouveia, A Arbitrabilidade das Questões de Concorrência no Direito Português, in Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Carlos Ferreira de Almeida, Coimbra, 2011, p.433 ss. (menção também feita na sentença recorrida).

Quanto à expressa pronúncia sobre a validade das cláusulas contratuais, em face das normas do direito da concorrência, julgamos não assistir razão às recorrentes, dado estarmos, de forma evidente, perante normas imperativas e de ordem pública, a caírem sobre a alçada dos arts.º 280.º e 294.º do CC, que cominam com o vício da nulidade os negócios contrários à ordem pública ou contra lei imperativa.

Sobre a invocada violação do art.º 102.º do Tratado Funcionamento União Europeia

No “direito da concorrência” há uma partilha de competências entre a União Europeia e os seus Estados Membros, nos casos em que a conduta seja susceptível de afectar o comércio entre Estados.

Se um qualquer negócio/acordo/ comportamento não tem efeitos significativos no comércio entre os estados, então o caso está fora do escopo da lei da EU e a lei nacional do Estado do litígio em apreciação é livremente aplicável.   

No caso, as normas da concorrência estão a ser convocadas para se aferir da validade do concreto contrato celebrado e já resolvido, entre empresas nacionais, sem qualquer envolvimento inter-estadual, pelo que não tem, a nosso ver, justificação a invocação de violação do tratado, dado não se tratar de situação “susceptível de afectar o comércio entre os Estados-Membros “.

 E assim sendo, nesta lógica de raciocíonio, não há justificação plausível para se fazer uso da figura do “reenvio prejudicial”.

O acórdão do STJ de 2013/6/20  e Acórdão desta Relação de Lisboa de 2013/4/9 proc. 627/09.5TVLSB.L1, mesma base de dados, pronunciaram-se sobre ambas as questões no sentido que comungamos – não aplicação das normas da união e recusa do reenvio prejudicial.

No Acordão do STJ pode ler-se: “…sendo certo que todo o funcionamento da União Europeia é de inspiração liberal, pretendendo a mesma, alem do mais, proporcionar um ambiente de paz, harmonia e equilíbrio na Europa, tendo como valores a preservar e incentivar a iniciativa privada e a economia de mercado, com uma concorrência leal e equilibrada, nela se estabelecendo um regime que garanta que a concorrência não seja falseada no mercado interno (art. 3.º, al. f), do Tratado da União Europeia)[3] – as regras contidas nos arts 81.º a 86.º desse Tratado (actualmente arts 101.º e 102.º por força das alterações do Tratado de Lisboa assinado em 13 de Dezembro de 2007, com entrada em vigor em 1 de Dezembro de 2009) estão destinadas a disciplinar as práticas das empresas que sejam susceptíveis de afectar o comércio entre os Estados-Membros. Assim, e não obstante a regra do primado do direito comunitário e da sua prevalência sobre o direito nacional[4]/[5], a verdade é que o Regulamento CE nº 1475/95, de 28/6/95, já substituído pelo Regulamento CE nº 1400/2002, de 31/7/2002, regulando a aplicação do art. 85.º, nº 3 do Tratado da União Europeia a certas categorias de acordos de distribuição e de serviço de venda e pós-venda de veículos automóveis, aplica-se apenas, como direito comunitário, quando estiverem em causa relações transfronteiriças[6]. Tudo se passando aqui entre empresas de direito português e exclusivamente em território nacional, sem projecção de quaisquer efeitos imediatos para além das fronteiras nacionais, não estando, portanto, em causa actos de comércio entre agentes de dois ou mais Estados-Membros ou qualquer elemento de conexão objectiva de carácter transfronteiriço relativo à relação jurídica em discussão.

Sendo certo que as regras do Direito Comunitário da Concorrência, de acordo com os arts 85.º e 86.º do Tratado só regulam as restrições da concorrência derivadas de certas práticas, se forem susceptíveis de afectar o comércio entre os Estados Membros[7].

Não se aplicando tais normas quando, como é o caso, se trate de um contrato para valer apenas numa área territorial nacional[8]/[9].

E, assim, se o Tribunal nacional considera que o litígio deve ser decidido tão só em conformidade com o direito interno, como ora sucede, não fica obrigado, nos termos do Tratado, a utilizar o reenvio prejudicial dirigido ao Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, solicitando-lhe interpretação de norma comunitária que em seu entender não se aplica ao caso vertente[10]/[11].”

E na nota de rodapé 9: ”O direito comunitário da concorrência co-existe com o direito dos Estados Membros. Sendo as regras comunitárias aplicáveis sempre que uma prática concorrencial afecte o comércio entre os Estados-Membros. E, assim, quando esta condição não for preenchida, porque o direito concorrencial se manifesta apenas no interior de um Estado da Comunidade, só o direito interno desse Estado, nessa matéria, tem, em princípio, vocação para ser aplicado – João Mota Campos, Direito Comunitário, III, p. 499. No mesmo sentido, Miguel Gorjão Henriques, Da Restrição da Concorrência na Comunidade Europeia: a franquia de distribuição, p. 157, 161 e 403 e ss.”

 

           Neste quadro, confirma-se a decisão do tribunal, quando defende nada obstar à aplicação que levou a cabo das normas do direito da concorrência.

           E julga-se não se verificarem os pressupostos para o “reenvio prejudicial”.

           

b) Posição Dominante

Defendem as recorrentes que o Tribunal Arbitral jamais poderia ter definido o mercado do produto relevante como o “mercado relativo à comunicação de dados sobre as vendas das f... em Portugal” e que não existem elementos que permitam quantificar a quota de mercado da Recorrente A... e, de igual modo,  nunca se demonstrou que esta pudesse optar por comportamentos independentes face aos seus concorrentes, clientes e consumidores.

Para se poder definir determinada empresa como detentora de “posição dominante” impõe-se, em primeira linha, delimitar o “mercado relevante” onde essa empresa possa actuar, por decorrência do disposto no art.º 6.º da lei 18/2003.

Diz-nos o n.º 2 a) que “dispõe de posição dominante relativamente ao mercado de determinado bem ou serviço a empresa que atua num mercado no qual não sofre concorrência significativa ou assume preponderância relativamente aos seus concorrentes”.

Na decisão recorrida o Tribunal Arbitral entendeu ser a A... detentora de “posição dominante“ no mercado, sob a seguinte apreciação:

“No caso, e conforme resulta da prova, relevante é o mercado relativo à comunicação de dados sobre as vendas das f... em Portugal, necessários para os estudos de f... market intelligence (FP VIII, 12 parte, e XIX), que, por sua vez, constituem o objecto de um mercado a jusante daquele: o mercado de estudos de mercado relativos ao consumo de produtos farmacêuticos, onde actuam, do lado da oferta, a I... e a H... (cfr. FP XV, XVI, XVIII e CVIII).

Naquele mercado de comunicação (primária) de dados incluem-se dados fornecidos pelas f... e pelos grossistas e, com menor relevância, pelos médicos e pelos hospitais (FP X). Os dados relativos às vendas das f... são necessários para, em Portugal, operar com efectividade e qualidade nalguns segmentos de mercado dos serviços de f... market intelligence (FP IX), como base que precisa de ser trabalhada para ser usada nos produtos e serviços comercializados pela I... (LI) e outras empresas com actividade similar13, que, em relação ao fornecimento de dados relativos às vendas nas f..., actuam do lado da procura.

Do que antecede resulta (e é indisputado) que o mercado geográfico relevante se circunscreve, no caso, a Portugal, porque integra apenas vendas de produtos farmacêuticos em Portugal, e que (aspecto controvertido) inclui no seu âmbito a comunicação de dados relativos às vendas das f..., fornecidos pelas próprias f... e/ou por grossistas (com exclusão de dados provenientes de hospitais e de médicos, que não contêm informação sobre as vendas das f...).

Ora, no que respeita a dados fornecidos pelas f..., a A... detém uma quota esmagadora, porque reúne no seu âmbito, como associadas, 97% das f... portuguesas, sendo difícil a outras empresas obter aqueles dados (FP VIII, 22 parte, e XIV; cfr. também FP LXXXVIII e CXVI). Tal resulta de a A... centralizar o fornecimento dos dados de grande maioria das f... suas associadas (FP X), através de uma rede informática própria, formada pelo sistema Sifarma e pelo suporte Farmalink e ligada às f... suas associadas, pela qual recebe instantaneamente a informação sobre as vendas de cada f... (FP VII, VI e IV).

Se o mercado em causa fosse formado apenas por dados fornecidos pelas f..., a posição dominante da A... aproximar-se-ia do monopólio, apesar de algumas f... associadas da A... não lhe cederem dados e algumas cederem dados a outras entidades (FP XIII). Mas é preciso contar com os dados fornecidos pelos laboratórios e armazenistas que, indirectamente, canalizam também informação sobre as vendas das f....

Do processo não constam elementos para quantificar a quota da A... neste mercado da informação sobre as vendas das f..., considerado com independência da fonte da informação (directa, pelas f..., ou indirecta, pelo fornecedores destas). Mas este elemento, a quota de mercado, sendo o mais frequente e significativo, não é requisito indispensável para qualificar como dominante a posição de uma empresa num dado mercado.14

Necessário é que, por este e/ou por outros factores, se verifique que a empresa "actua num mercado no qual não sofre concorrência significativa ou assume preponderância relativamente aos seus concorrentes" (citado artigo 6.º n.º 2, alínea a), da Lei de Defesa da Concorrência) ou, conforme a fórmula do caso United Brands pacificamente aceite, que dispõe de poder económico que lhe permite afastar a manutenção de uma concorrência efectiva no mercado em causa e lhe permite comportar-se, em medida apreciável, de modo independente em relação aos seus concorrentes, clientes e consumidores.

Ora, sucede que, no mercado em causa, a substituibilidade dos dados comunicados directamente pelas f... vendedoras e dos dados obtidos indirectamente por fabricantes ou grossistas não é perfeita. A informação proveniente das f... pode ter algumas limitações (cfr. FP LII e LIII), mas, de acordo com a prova produzida, são muito mais acentuadas as limitações da informação alternativa, porquanto a informação recolhida nas f..., que documenta as vendas efectivas para o mercado (sell out), é mais esclarecedora do que a informação das vendas dos armazenistas às f... (sell in), porque esta não reflecte a dimensão do inventário (stocks) nem as compras pelos clientes finais nem os prescritores e respectiva especialidade (FP XLIX). Daí também a vantagem em usar, nalguns casos, a informação das f... para verificar e validar os dados oriundos dos armazenistas (FP XLVII).

A concentração quase monopolista da A... neste segmento do mercado em Portugal explica que se tenha feito prova da seguinte asserção, que é quase uma definição de empresa 15 em posição dominante: "A A... goza de grande poder económico e actua, em larga medida, independentemente dos seus concorrentes" (FP XII).

Conclui-se assim que a A... dispunha, ao tempo da celebração do contrato, de posição dominante no mercado relativo à comunicação de dados sobre as vendas das f... em Portugal, necessários para os estudos de mercado relativos ao consumo de produtos farmacêuticos.

13 É interessante verificar a semelhança com os mercados relativos à informação proveniente das bolsas de valores, primeiro, fornecida em bruto, e, depois, tratada e vendida pelos chamados vendors de informação (cfr. M. MOURA E SILVA, A tipificação da recusa de acesso a infra-estruturas essenciais como abuso de posição dominante na Lei da Concorrência, Revista de Concorrência e Regulação, n2 1, 2010, p. 269 ss, p. 283-285).

14  M. MOURA E SILVA, Direito da concorrência. Uma introdução jurisprudencial, Coimbra, 2008, p. 582 s, 611 ss; I D., O abuso de posição dominante na nova economia, Coimbra, 2010, p. 59 ss, com relevo para a citação, na p. 62, do n2 39 do caso Hoffmann-La Roche. 

15 A qualificação, para o efeito, da A... como empresa não foi controvertida e infere-se dos FP III a VIII, XI, XII, XX, XXI, XXVI e LXXI, entre outros.

           Em abono da sua alegação argumentam as recorrentes, além do mais, com  o Parecer da Compass Lexecon, subscrito pelos Professores Jorge Padilla, Nadine Watson e Patrícia Lorenzo, onde se defende, em síntese, que as afirmações do tribunal arbitral sobre a temática da posição dominante e prática de preços excessivos, carecem de fundamentação e contrariam as provas disponíveis, avançando com as críticas seguintes: a) exagerou a quota de mercado detida pela A...; b) não fundamentou as suas firmações relativas à prática de preços excessivos e não demonstrou que o preço praticado não tenha correspondência razoável com o valor dos serviços prestados; c) as comparações de preços devem ser feitas para produtos da mesma qualidade e quantidades semelhantes, sendo um exercício complexo; o tribunal não realizou a devida comparação de preços internacionais, o que torna não fiáveis os resultados; d) na comparação dos preços subvalorizou os custos de manutenção do S… e do F… que em 2009 rondavam os €248/mês/f...; e) não estabeleceu uma ligação entre os preços praticados pela A... e o valor económico dos dados sales-out.

A recorrida, em defesa da decisão arbitral, argumentou, além do mais com o Parecer dos Prof. Paz Ferreira e outros, já supra aludido e com o Parecer do Prof. Manuel Lopes Porto.  

Sobre o conceito de “posição dominante”, “prácticas abusivas” e “política de preços” interessante resenha é feita no Acórdão de 17 Fev. 2011, Processo C-52/2009T, 1ª Secção do TJUE: “o artigo 102.° TFUE conta-se entre as regras de concorrência que, como as visadas no artigo 3.°, n.° 1, alínea b), TFUE, são necessárias ao funcionamento do referido mercado interno. Com efeito, essas regras têm precisamente por finalidade evitar que a concorrência seja falseada em detrimento do interesse geral, das empresas individuais e dos consumidores, contribuindo, deste modo, para o bem-estar na União (v., neste sentido, acórdão de 22 de Outubro de 2002, Roquette Frères, C-94/00, Colect., p. I-9011, n.° 42). Neste contexto, a posição dominante referida no artigo 102.° TFUE diz respeito a uma situação de poder económico detido por uma empresa, que lhe permite impedir a manutenção de uma concorrência efectiva no mercado em causa, ao possibilitar-lhe a adopção de comportamentos independentes, numa medida apreciável, relativamente aos seus concorrentes, aos seus clientes e, por fim, relativamente aos consumidores(acórdãos de 13 de Fevereiro de 1979, Hoffmann-La Roche/Comissão, 85/76, Colect., p. 461, n.° 38, e de 14 de Outubro de 2010, Deutsche Telekom/Comissão, C-280/08 P (JusNet 5248/2010), ainda não publicado na Colectânea, n.° 170). Assim, o artigo 102.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se refere não apenas às práticas susceptíveis de causar um prejuízo imediato aos consumidores (v., neste sentido, acórdãos de 16 de Setembro de 2008, Sot. Lélos kai Sia e o., C-468/06 a C-478/06 (JusNet 3642/2008), Colect., p. I-7139, n.° 68, bem como Deutsche Telekom/Comissão, já referido, n.° 180), mas também àquelas que lhes causam prejuízo por falsearem o jogo da concorrência. Se, com efeito, o artigo 102.° TFUE não proíbe que uma empresa conquiste, pelos seus próprios méritos, a posição dominante num mercado, e se, por maioria de razão, a constatação da existência de tal posição não implica, em si, qualquer censura à empresa em causa (v., neste sentido, acórdãos de 9 de Novembro de 1983, Nederlandsche Banden-Industrie-Michelin/Comissão, 322/81, Colect., p. 3461, n.° 57, bem como de 16 de Março de 2000, Compagnie maritime belge transports e o./Comissão, C-395/96 P e C-396/96 P, Colect., p. I-1365, n.° 37), não é menos verdade que, segundo jurisprudência assente, incumbe à empresa que ocupa uma posição dominante uma responsabilidade especial de não impedir, através do seu comportamento, uma concorrência efectiva e não falseada no mercado interior (v., neste sentido, acórdão de 2 de Abril de 2009, France Télécom/Comissão, C-202/07 P (JusNet 1938/2009), Colect., p. I-2369, n.° 105 e jurisprudência aí referida). No que respeita ao carácter abusivo de uma prática tarifária como a que está em causa no processo principal, refira-se que o artigo 102.°, segundo parágrafo, alínea a), TFUE, proíbe expressamente que uma empresa dominante imponha directa ou indirectamente preços não equitativos. Acresce que a lista das práticas abusivas constante do artigo 102.° TFUE não é taxativa, de modo que a enumeração das práticas abusivas contida nessa disposição não esgota as formas de exploração abusiva de posição dominante proibidas pelo direito da União (acórdão Deutsche Telekom/Comissão, já referido, n.° 173 e jurisprudência aí citada).”

A definição do que seja o “mercado de produto relevante” tem vindo a ser considerado o instrumento de trabalho principal para se aferir dos ilícitos da concorrência. Como se diz o Professor Manuel Lopes Porto no seu Parecer junto: “O principal objecto desta definição de mercado consiste em identificar de uma forma sistemática os condicionalismos concorrenciais que as empresas em causa têm que enfrentar, quer ao nível do produto quer da dimensão geográfica relevante.”

            Contudo, como nos dão a conhecer os profs. Paz Ferreira e demais, no aludido parecer, a “delimitação de mercados relevantes”, sendo um exercício importante para definir as áreas onde se desenvolve a actividade concorrencial “constitui em contrapartida, um mero referencial indicativo de análise neste plano” e explicam ”o aspecto determinante, à luz da mais moderna teoria económica e da melhor doutrina jusconcorrencial na matéria, corresponde à compreensão ou aferição da natureza  da situação concorrencial em que uma determinada empresa exerça o seu poder económico (o que não pressupõe em todos os casos uma delimitação exaustiva ou absolutamente pormenorizada de mercados relevantes que possam estar em causa. Esta lógica de análise jusconcorrencial aplica-se claramente à situação em apreço, no qual o aspecto determinante para a avaliação de práticas abusivas, assentes no controle da informação de venda das f... por parte da A... reside na aferição da efectiva necessidade essencial dessa informação de venda das f... para certas áreas de actividade, sem ser forçoso delimitar de forma mais pormenorizada  e exaustiva os mercados cobertos por essas áreas de actividade”.

           O “mercado” onde actua a I... já foi definido pela Autoridade da Concorrência na decisão  Ccent.17/2010.

Porque esta decisão tem contributos que ajudam a compreender o concreto universo onde se desenvolve o negócio subjacente aos presentes autos, passamos a transcrever:

           “A A... presta vários serviços às suas associadas, nomeadamente ao nível de disponibilização de sistemas informáticos de gestão de stocks e encomendas, através da sua subsidiária G…, SGPS, S.A. (“Glintt”), sociedade resultante da operação de fusão por incorporação da C…, Lda. , na P…, SGPS, S.A., ocorrida em meados de 2008.    

         Com efeito, a subsidiária da F..., a C…, agora incorporada na G…, detinha e  continua a deter, como actividades principais, a consultoria e desenvolvimento de software, com presença nas áreas da indústria farmacêutica, química, alimentação e bebidas, electrónica, construção, automóvel, têxtil e metalomecânica, e, em especial, na área da saúde, onde é responsável pela concepção, desenvolvimento e implementação de um sistema informático de estão de stocks e vendas (designado “S…”) e de um sistema de comunicação de dados (designado “F…”), concebidos para as f..., com forte implantação no sector farmacêutico retalhista (cerca de 87% do universo nacional de f... recorrem a este sistema informático).

Uma das actividades levadas a cabo pela G… consiste na comercialização a terceiros, mediante contrapartida financeira, dos dados de gestão de stocks e vendas das f..., recolhidos através do software S…, a empresas activas na prestação de serviços de market intelligence f…, que, por sua vez e depois de trabalharem esta informação, vendem-na a empresas que operam na área da saúde e indústria farmacêutica. De acordo com informação disponibilizada durante a instrução do presente procedimento, a venda destes dados em bruto, obtidos através do software S…, foi efectuada pela F... ao cliente I..., Lda. (“I...”), empresa activa ao nível dos serviços de market intelligence f…, desde [C…], tendo, todavia, sido cessado o fornecimento desses dados a partir de 31 de Março de 2009.

Após a constituição de uma nova sociedade no seio empresarial da A..., a H…, Lda. (“H...”), criada em Junho de 2009, a F... passou a disponibilizar estes dados à sua subsidiária. Desde 31 de Março de 2009, a H... é a única entidade que tem acesso aos dados do S…, uma vez que as relações contratuais da F... com a I... Portugal se encontram  cessadas.

A H... encontra-se activa na prestação de serviços de market intelligence f…, desde finais de 2009, produzindo estudos e relatórios, que comercializa junto de empresas que operam nos sectores da indústria farmacêutica e da saúde, através de um tratamento dos dados em bruto recolhidos pelo software Sifarma21, junto dos fornecedores de dados – as f... portuguesas -, sistema este que é detido por uma sua irmã, a sociedade G…, controlada pela F....”

            Nessa mesma decisão define-se “market intelligence f…”: «Esta actividade consiste na análise e no tratamento de dados em bruto, recolhidos através de aplicações informáticas específicas, bem como numa rede organizada de recolha de informação, visando satisfazer as necessidades de informação específicas das empresas da área da saúde e farmacêuticas, de forma a dotá-las de um conhecimento efectivo sobre os mercados onde operam. No mesmo sentido, vide decisão da AdC na Ccent. Ccent 47/2009 – F... / P…, §54 e 56, onde é feita referência  adicional à pronuncia da AdC na decisão Ccent. 15/2003 – I... / A…, pág. 5, onde os serviços de market intelligence f… são identificados como «os serviços que têm vindo a ser desenvolvidos com base em metodologias, aplicações informáticas específicas, bem como numa rede organizada de recolha de informação (visando satisfazer as necessidades de informação específicas das empresas médico - farmacêuticas) e que por tal razão não podem ser substituíveis do ponto de vista da respectiva procura por outras soluções de informação de cariz distinto e destinadas a cobrir diferentes necessidades de outras “procura”.»

Por sua vez, este mercado necessita de ser alimentado com dados fiáveis que possam dar corpo credível ao universo do market intelligence f…. Ora, a sua alimentação provirá doutro mercado que é o das vendas das f..., das vendas dos distribuidores, dados dos hospitais ou dos médicos.

Mas, tal como decorre do discurso da AdC, temos como adquirido que os dados das vendas das f... são a fonte privilegiada desta informação, daí que possa ser definido de mercado relevante o segmento de “recolha e venda de dados das f...”. A conjugação dos provados descritos sob os pontos VII, VIII, IX e X dão suporte a este entendimento.

Como diz o Prof. Lopes Porto no seu Parecer: ”deve sublinhar-se o facto que actualmente, os dados provenientes das vendas das f... têm assumido um peso preponderante como fonte de informação necessária e até única relevante (no caso dos OTC/consumer health). Assim acontece porque se referem directamente às vendas ao consumidor e porque em determinadas áreas, como é o caso dos produtos de consumer health e OTC, não existe no mercado português outra fonte relevante de acesso a tais dados.”

É assim neste mercado, a montante do market intelligence f…, que a A... detém posição dominante, no entendimento deste professor, acompanhado também dos professores Paz Ferreira/ Luís Morais/Abel Matues.

           No Parecer dos Prof. Paz Ferreira e outros faz-se, a nosso ver, um acertado desenvolvimento para se alcançar como “mercado relevante” para efeitos jusconcorrenciais, vários submercados autónomos, situados a jusante do MIP…, (aquilo que o tribunal arbitral denominou de segmentos de mercado dos serviços de f...  market intellinge), sendo um deles  o mercado de recolha e transmissão de dados de vendas das f....  

           Aceitando-se esta definição de ”mercado relevante” e a materialidade provada, não temos dúvidas em secundar a posição assumida pelo tribunal arbitral, quando decide que a A..., à data do contrato, se encontrava em “posição dominante”, dado estar verificado o condicionalismo supracitado –art.º 6.º n.º2, a) .

A alegação das recorrentes de que “não existem quaisquer elementos no processo que permitam quantificar a quota de mercado da Recorrente A... e, de igual modo, nunca se demonstrou que esta pudesse optar por comportamentos independentes face aos seus concorrentes, clientes e consumidores”, não é obstáculo à conclusão alcançada.

Em primeiro lugar, embora não tenha sido provada a exacta quota de mercado, podemos ter dela uma noção muito aproximada, quando se tem por provado que as associadas da A... representam 97% das f... portuguesas e que a A... centraliza os dados da “grande maioria” delas.

Anote-se que o TJUE tem identificado como presunção de dominância uma quota de mercado de 50% e de super-dominância quota acima de 75%.

Por outro lado, está demonstrada aquilo que o tribunal denominou e bem de “concentração quase monopolista”, em face do facto XII- “A A... goza de grande poder económico e actua, em larga medida, independentemente dos seus concorrentes”( facto que foi dado como provado, sem ter sido objecto de qualquer impugnação).  

Neste contexto, não vemos fundamentos válidos para que não se considere a A... como actuando no segmento de mercado definido em posição de dominância.

A talhe de foice sempre se dirá que não poderia ser acolhido o argumento que as demandantes esgrimiram, na resposta à ampliação o recurso, (quando pretenderam introduzir um suposto facto novo, mediante documento não admitido por este tribunal). Vieram pretender fazer prova de que a I... em Setembro de 2011 voltou ao mercado, para daí retirarem que afinal os dados da A... não eram insubstituíveis.

Trata-se de argumento falacioso. Estamos a tratar de uma situação ocorrida no início do ano de 2009 que levou a que a I... perdesse 65% dos seus clientes. O que ocorreu em dois anos e meio? Que alternativas a I... foi desencantar?  Qual a actual posição da A... no mercado em questão? Tudo respostas não dadas.

  

c) abuso de posição dominante da Recorrente A... pela prática de preços excessivos

            No âmbito da apreciação da impugnação matéria de facto eliminou-se da resposta ao art.º 87.º da BI a expressão”excessivo”, por se tratar de conceito de direito, integrante  da matéria da concorrência .

           Assim, enquanto o tribunal arbitral partiu logo da constatação desse  dado como sendo “ facto”, cabe-nos aqui emitir juízo sobre a questão.

           A propósito do “preço excessivo” é pertinente o que escreve Miguel Moura e Silva in O Abuso da Posição Dominante na Nova Economia, acessível http://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/162/1/18344_ulsd_re391_TESE_FINAL.pdf: “O principal instrumento de exercício de poder de mercado é a maximização dos lucros fazendo com que o preço suba ao nível do preço de monopólio. A al. a) do artigo 82.º visa precisamente impedir esta forma de exercício de poder de mercado seja directamente ao nível dos preços ou através da imposição de outras condições de transacção “não equitativas”. Uma forma de criar condições para a subida do preço por uma empresa dominante passa, naturalmente, pela diminuição da quantidade produzida, razão pela qual a al. b) do artigo 82.º qualifica como abusiva a conduta que consista em “limitar a produção, a distribuição ou o desenvolvimento técnico em prejuízo dos consumidores”.

Já vimos que um preço excessivamente baixo e dirigido à eliminação dos concorrentes é passível de ser qualificado como “não equitativo”. Por maioria de razão o será um preço excessivo: a única razão pela qual a empresa dominante consegue impor esse preço devese à posição dominante que ocupa.569 Não se pense, contudo, que o artigo 82.º se presta a operar como um sistema genérico de regulação de preços. A proibição de preços excessivos é raramente aplicada devido ao conjunto de dificuldades que suscita. Afinal de contas, o juízo sobre o carácter excessivo de um preço evoca os debates escolásticos sobre o preço justo. Vimos já que os primeiros casos em que foi chamado a pronunciarse sobre o artigo 82.º diziam respeito, justamente, à alegação de preços excessivos. Em causa estavam produtos patenteados e o Tribunal, mostrando particular acutilância quanto ao alcance de uma decisão que desse azo a uma aplicação descentralizada de um controlo de preços, sublinhou sempre que a existência de uma disparidade entre o preço prevalecente num país onde o produto em causa era protegido por patentes ou outros direitos de propriedade intelectual e o preço em vigor num Estadomembro onde tal protecção não estava disponível constituía um mero indício mas não um abuso por si só.“p.414.

E a propósito do caso United Brands, a que se faz alusão do acórdão recorrido, discorre o mesmo autor:

“Para o Tribunal a questão colocada consistia em saber se a United Brands se tinha prevalecido das possibilidades oferecidas pela sua posição para obter vantagens que não poderia ter auferido de outra forma. No entanto, censura a análise da Comissão por ser insuficiente, desde logo por ter sido feita uma análise da margem de lucro da United Brands face aos respectivos custos. Não se pense, contudo, que a mera existência de uma margem de lucro elevada é suficiente. O Tribunal exige um critério duplo: em primeiro lugar, a relação entre o custo e o preço deverá revelar “uma desproporção excessiva”; só depois disso se analisará se o preço deve ou não ser considerado excessivo, o que supõe uma análise do próprio produto ou uma análise comparativa com produtos concorrentes. Quanto a este último ponto, a acrescer à deficiente instrução do processo, revelavase que os preços da United Brands se situavam a cerca de 7% acima dos praticados pelos concorrentes, percentagem que “não pode automaticamente ser considerada como exagerada e, portanto, não equitativa” (considerando 266).” p.417 (sublinhado nosso).

Indo ao caso dos autos, importa atender à factualidade recolhida ( parca, diga-se desde já, aproveitando-se para anotar que os Pareceres que ambas as partes juntaram analisam o caso, socorrendo-se, bastas vezes, de muito elementos que não constam dos autos como “provados”, o que subverte em grande medida os enquadramentos feitos):

- o número de f... que fornecia dados veio aumentando em cada ano: 2004= 322,3; 2005=934,5; 2006=1.078,8, com perspectivas de novos aumentos –facto XXIV 

           - no contrato de 2003, entre a A... e a I... para o fornecimento dos dados, foi fixado o preço de €100/mês/f...;

            - nas renegociações do contrato de 2006 e que antecederam o contrato de 2008, a I... propôs o preço de €150/mês/f...;

           -a qualidade dos serviços prestados, ao nível do fornecimento de dados, foi significativamente melhorada em relação 2003;

          - o preço fixado no contrato de 2008, de €255/mês/f... não tem em conta o custo directo para a A... e foi calculado pela A... em face das receitas esperadas para os anos de 2009 a 2011 –tempo de vigência do contrato de 2008 – segundo as estimativas relativas ao contrato de 2006;

- e é o valor mais alto conhecido, várias vezes superior ao preço praticado noutros mercados para serviços equivalentes.

 Pese embora não tenha sido feita averiguação mais detalhada, porque as partes nisso não se empenharam, não julgamos, contrariamente às recorrentes, que os elementos indicados sejam insuficientes para se alcançar um juízo. Melhor e mais seguro seria se um aprofundamento dos dados tivesse sido feito, mas com o que  temos, e ponderando os diversos critérios jurisprudenciais, não sendo despiciendo notar que é unâmine o entendimento de que a solução a dar é sempre casuística, julgamos ser permitido fazer um juízo de “desproporção excessiva” entre o custo e o preço fixado de €255/mês/f....

Não se encontra justificação plausível para o aumento de preço verificado entre 2003 e 2008; se os serviços foram melhorando também o número de f... aumentou (entre 2003 e 2006 aumentou em mais do triplo)  o que levou a um considerável aumento de receita global. Menos compreensível é ainda que numa base de proposta negocial de €150 se tenha passado para a fixação de €255 (uma quase duplicação), sem qualquer alteração dos pressupostos do negócio, sem qualquer outra contrapartida visível para a I....

           Sendo o valor mais alto conhecido e várias vezes superior ao preço praticado noutros mercados para serviços equivalentes, então já considerada a “desproporção excessiva”, podemos concluir que estamos perante um “preço excessivo”.

            Sobre os diferenciais escreve-se na decisão recorrida:

“Além disso, do ponto de vista económico, o pagamento dos "diferenciais", a pagar até Abril de 2009 (contrato de 2008, cláusula 10.ª n.ºs 3 e 6), incidiria sobre o preço real dos dados fornecidos durante os dois anos de vigência do contrato (cláusula 1P, n.ª 1). Extrapolando o montante facturado, sem IVA, em relação aos três primeiros meses de 2009 (€ 1 508 580, conforme resulta dos documentos n.ªs 14, 27 e 29 PI, em que se fundou o FP XCIV), o montante total a pagar pela I... durante a vigência do contrato, ao preço unitário de € 255, seria de cerca de € 12 068 640. Adicionando a este montante o valor dos "diferenciais" (€ 5.698.163,03), o montante total a pagar aumentaria em cerca de 47%, equivalente a um preço unitário de cerca de € 374 (por f..., por mês), raiando o absurdo em relação a custos e a preços comparáveis.”

           Aqui temos por acertada a crítica feita pelas recorrentes: que “a compensação constante da Cláusula 10ª não pode, em sede alguma, ser confundida com o preço pelos dados que seriam transmitidos ao abrigo do próprio Contrato de 2008, os quais se encontram e apenas regulados na cláusula 6ª do Contrato de 2008.”

           Neste caso, a questão do preço excessivo tem que ser reportada apenas à cl.ª 6 e não à cl.ª10ª.

Argumentam as recorrentes que “os dados recolhidos sobre as vendas das f... correspondem a uma base de dados protegida pelo Decreto-Lei n.º 122/2000 e sujeita à tutela dos direitos de autor. Nestes casos, em que estão em causa direitos de propriedade intelectual, o teste associado aos preços excessivos – a aceitar-se um ilícito nestas situações, o que parece contrariar a tendência da doutrina e da jurisprudência – corresponderia à disponibilidade do comprador para adquirir os produtos e jamais o “valor económico” do produto. A disponibilidade do comprador revelou-se na altura da assinatura do Acordo de 2008, nas margens de lucro obtidas pela Recorrida I... pela venda dos estudos de market intelligence f... elaborados com base nos dados das vendas das f... e na celebração de um Acordo com a H... por um preço de €255 f.../ mês. “

            Começando pelo fim: o acordo com a H... é de irrelevância óbvia e manifesta. Trata-se de empresa detida em 90% pela F..., que por sua vez é detida a 100% pela A... e criada depois de instalado o litígio dos autos. Donde, o “preço” que aqui as partes (se é que de “parte” de pode falar) lograram consagrar não contribui com qualquer elemento sério de aferição. Foram €255 como poderiam ter sido €500. Não vale a pena esgrimir com argumentos baseados em dados viciados.

            Depois, o “preço”, como resulta à evidência dos autos, não resultou de qualquer “negociação” que como tal possa ser apelidada, nem de qualquer disponibilidade do comprador para pagar; se a I... chegou a propor €150/mês, como é que aparece o valor que acabou por constar do contrato, a não ser por imposição unilateral da A...?       

Quanto à questão das normas violadas e das sanções decorrentes, ponto em que as recorrentes também se insurgem quanto ao entendimento do tribunal diremos que, como é evidente, não cabe ao tribunal aplicar as coimas que são da competência da AdC. Ao tribunal cabe aferir da validade do contrato (ou das cláusulas contratuais) que violem as normas de direito público e imperativas como são as da Lei da Concorrência e dirimir o litígio do caso concreto, com as regras do ordenamento jurídico português, maximé, o Código Civil, que foi o caminho seguido.

Em resumo: acompanhamos o discurso da decisão quando continua:”O objecto e o efeito anti-concorrenciais deste preço excessivo são óbvios, porque o mesmo se reflecte, sem justificação, directa e decisivamente na estrutura de custos do cliente, distorcendo o acesso ao mercado, e, indirectamente, nos preços a pagar pelos consumidores. O preço estipulado pelos dados provenientes das f... no contrato de 2008 é portanto excessivo e induzido em alta pela A..., que, ao tempo, detinha posição dominante no respectivo mercado. Sendo esta prática proibida por norma legal imperativa (Lei de Defesa da Concorrência, artigo 4.º, n.º 1, ex vi do artigo 6.º, n.º 3, alínea a), as correspondentes cláusulas 6.º, n.º 1 (quanto ao montante do preço), e 10.ª do referido contrato são nulas, por força do artigo 280.º, n.º 1, do Código Civil.” (excluindo-se a alusão à cl.ª 10.ª)

Na decisão justifica-se a não aplicação da nulidade do art.º 4.º n.º2 da L 18/2003 assim:” Não se aplica ao caso a cominação de nulidade contemplada no artigo 42, n2 2, da Lei de Defesa da Concorrência, porque a prática anticoncorrencial não consiste num acordo entre empresas infractoras das regras sobre defesa da concorrência (cfr. infra 2.8.). Nem é necessário aplicar tal cominação por analogia, porquanto o mesmo efeito se obtém pela aplicação directa da citada norma civil, que fere de nulidade todo o conteúdo contratual (que, no contexto, está compreendido no objecto) contrário à lei imperativa”.

           Mantém-se a decisão sob recurso, quando decide pela procedência da excepção de abuso de posição dominante, por indução artificial de preço em alta, apenas no tocante à cl.ª 6.

           III- Incumprimento definitivo do contrato 2008 -Indemnização pelo interesse contratual positivo

           

As recorrentes imputam à Recorrida o incumprimento definitivo do Contrato de 2008, o que pretendem ver reconhecido por este tribunal.

E mais defendem dever ser reconhecido o direito à indemnização pedida pelo interesse contratual, ou seja, o valor que fruiriam até ao final do contrato, no mínimo pelo valor de € 150/mês/f..., caso se mantenha a redução de preço levada a cabo na decisão recorrida.

A decisão arbitral é muito parca de fundamentação, no tocante à questão controversa do (In)cumprimento contratual  .

Depois de discorrer sobre as excepções e ter concluído pela procedência do abuso de representação e abuso de posição dominante, por indução artificial do preço em alta, conclui, em relação às cláusulas afectadas que:

“A repercussão no pedido da ineficácia stricto sensu e da nulidade destas cláusulas não é todavia exactamente igual.

Em relação à cláusula 10.ª, sobre o pagamento de diferenciais, o efeito é simples: tanto a ineficácia stricto sensu como a nulidade tornam integralmente inexegíveis as obrigações contratuais em que, nesta parte, se fundava o pedido. A Demandada deve ser portanto absolvida, nessa parte, do pedido das Demandantes.

Mas, em relação à cláusula 6.ª, n.º 1, que fixa o preço, deve ter-se em conta que tanto a ineficácia como a nulidade decorrem de o preço ser excessivo, não obviamente de não ser devido qualquer preço. Ora, os serviços a que a Demandante se tinha obrigado foram efectivamente prestados durante os três primeiros meses de 2009 (FP LXXXVII), sendo a esses três meses que se reportam as facturas de € 590.886 (Janeiro), € 602.208 (Fevereiro) e € 617.202 (Março), conforme resulta do FP XCIV.”

Assim, opera depois a redução e fixa o valor devido pela I..., como contraprestação dos dados fornecidos, nos primeiros três meses no ano de 2009.

No mais, acrescenta-se tão somente: “O pedido baseado no incumprimento de obrigações contratuais procede portanto apenas nesta parte, mas improcede no excedente, isto é, na diferença até € 7.488.710,69, correspondente ao total das facturas não pagas.

3.3. Indemnização e juros de mora. Também nesta parte improcede o pedido das Demandantes: a indemnização, porque falta, como pressuposto da responsabilidade civil, o incumprimento de obrigações contratuais pela Demandada; os juros de mora, pela mesma razão e porque, em relação à parte em que as Demandadas vão condenadas, o crédito só se torna líquido com a presente sentença (cfr. Código Civil, artigo 805.º, n.º 3, 1.ª parte).”

         Face às alegações das recorrentes, independentemente de se alcançar, a final, concordância com a posição assumida na decisão recorrida, algo mais se impõe discorrer, quanto ao cumprimento/incumprimento contratual e quanto ao pedido das demandantes de indemnização, por danos contratuais positivos, uma vez que nas alegações se atribui a tal parca argumentação falta de suporte para a decisão alcançada.

           Como suporte da pretensão das demandantes temos, além do mais, os Prof.Pinto Monteiro/Pedro Maia, no Parecer junto, onde se defende que:

            -A ineficácia das claúsulas 6.ª e 10.ª declarada pelo tribunal não afectaria a restante parte do contrato que se manteria assim válido e eficaz; donde tal ineficácia/invalidade afectaria apenas as facturas não pagas, mas já não os benefícios que as demandantes teriam obtido se o contrato durasse até ao termo previsto- dezembro de 2010.

- Deveria o tribunal ter partido do preço reduzido e calcular qual o valor que as demandantes iriam receber até ao final do contrato, sendo esse o valor a atribuir-lhes a título de indemnização.

- O tribunal afastou este enquadramento por ter entendido não estar verificado o incumprimento das obrigações contratuais, por parte da demandada; não se pode acolher tal entendimento porque a demandada negou-se a cumprir o contrato logo o seu início, nem sequer o reconhecendo.

Conclui-se: deve ser reconhecido o pedido das demandantes de serem indemnizadas pelos lucros cessantes decorrentes do incumprimento do contrato.

Impõe-se então analisar a questão do incumprimento contratual.

Temos para nós que não podemos analisar o litígio e dele aferir como se o contrato de 2008 fosse o único vínculo que tivesse jamais unido os seus outorgantes.

Não pode ser despiciendo ter presente que desde 1987 – facto XX - as partes vinham trabalhando em conjunto, mantendo basicamente o mesmo tipo de relação contratual, embora sobre modalidades diversas -o contrato de 2006 foi uma parceria/ou consórcio, enquanto as anteriores relações se desenvolveram ao nível da prestação de serviços, modalidade a que se voltava no contrato de 2008.

O certo é que durante duas décadas ( e sem conflitos conhecidos )  a A... vendia informação que a I... lhe comprava.

A A... bem sabia que a actividade da I... em Portugal dependia da sua prestação, facto que a I... reafirma nos autos e está sobejamente demonstrado. Sem a A... a I..., enquanto empresa portuguesa, teria sucumbido se não estivesse integrada na multinacional (afirmação sem suporte fáctico concreto, mas que, afirmado pela própria, nos surge como muito plausível).

É certo que a I... assumiu declaradamente perante a sua contraparte: não reconheço o contrato de 2008; o meu gerente não tinha poderes para celebrar esse contrato; recuso pagar os valores que neles constam.

Questão: em face deste comportamento concludente da I... teria A... suporte legal para cessar os fornecimentos de dados contratualmente fixados?

Numa análise imediata, tratando-se de prestações sinalagmáticas: fornecimento de informações mediante o pagamento de determinado preço, se a parte que deve pagar se recusa fazê-lo, a lei confere à outra o direito de não efectuar a sua contra-prestação, no caso, cessar o fornecimento dos dados, com base na excepção de não cumprimento – art.º428.º CC

Mas, o não reconhecimento do contrato de 2008 levantava logo uma primeira questão para ambas as partes, em especial para a A..., antes de decidir cessar os fornecimentos.

Se a I... não reconhecia o contrato de 2008, ficava de pé, ainda que só na prespectiva da I..., o contrato de 2006.

Caso o contrato de 2008 viesse a ser considerado inválido, nulo, ineficaz ou o que quer se fosse, na sua totalidade, então poderia equacionar-se a repristinação do contrato de 2006.

Assim, antes de decidir cessar os fornecimentos, a A..., dentro dum espírito de boa-fé e lealdade que deve subjazer a todas as relações contratuais, haveria de ter equacionada esta realidade e bem teria andado se não tivesse cessado os fornecimentos. Estariamos  agora apenas a discutir se a A... tinha direito aos valores fixados no contrato de 2008, na integra ou reduzidos ou, antes, aos de 2006.

É que a excepção de não cumprimento não funciona de forma cega e automática. Impõe-se ter em conta princípios como os da boa-fé, adequação ou proporcionalidade, entre a ofensa do direito do credor e as consequências decorrentes do exercício da excepção.

A este propósito e porque melhor não diríamos, veja-se o enquadramento feito no Acordão do STJ de 2010/10/26, proferido no processo  357/1999, acessível na base dados da DGSI:

«Como ensinam PIRES DE LIMA E ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, Vol. I, 4.ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora, Coimbra, p. 406: “A exceptio não funciona como uma sanção, mas apenas como um processo lógico de assegurar, mediante o cumprimento simultâneo, o equilíbrio em que assenta o esquema do contrato bilateral. Por isso ela vigora, não só quando a outra parte não efectua a sua prestação porque não quer, mas também quando ela a não realiza ou a não oferece porque não pode (cf., quanto ao caso de falência de um dos contraentes, o disposto no art. 1196.º do Cód. Proc. Civil).

E vale tanto para o caso de falta integral do cumprimento, como para o de cumprimento parcial ou defeituoso, desde que a sua invocação não contrarie o princípio geral da boa fé consagrado nos artigos 227.º e 762.º, n.º 2, (vide, a este respeito, na Rev. de Leg. e de Jur., Ano 119.º, pp. 137 e segs., o Acórdão do STJ, de 11 de Dezembro de 1984, com anotação de ALMEIDA COSTA).”

Este instituto opera, mesmo no caso de incumprimento parcial ou de cumprimento defeituoso, sem se perder de vista, no entanto, o princípio da boa fé (artigo 762.º, n.º 2, do C.Civil). Daí resulta a exigência de uma apreciação da gravidade da falta, que não pode mostrar-se insignificante, bem como se impõe a regra da adequação ou proporcionalidade entre a ofensa do direito do excipiente e o exercício da excepção. A justificação dada para o direito de não cumprimento do contrato é a manutenção do equilíbrio do contrato, deste modo se pondo em evidência as regras da boa fé que, sempre e desde o início, deve acompanhar as várias facetas da sua concretização.

Por conseguinte, a exceptio non adimpleti contractus traduz a concretização de um elementar princípio de justiça que se exprime em que ninguém deve ser compelido a cumprir deveres contratuais, enquanto o outro não cumprir os seus já vencidos.

Consequência da interdependência e reciprocidade das obrigações emergentes de contratos sinalagmáticos, a exceptio non adimpleti contractus desempenha, assim a dupla função de meio de garantia e de meio de pressão – função cumulativa, embora consoante as circunstâncias, possa haver preponderância de uma, a coercitiva, se o devedor inadimplente é claramente solvente, ou da outra, a de garantia, se o devedor é insolvente (CALVÃO DA SILVA, Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, Universidade de Coimbra, Coimbra, 2.ª edição, pp. 337-338). Aplicando estes princípios ao exercício e actuação da excepção de inadimplência, considera GIOVANNI PERSICO (“L’ eccezione di inadempimento”, págs. 141), em formulação que JOSÉ JOÃO ABRANTES considera correcta e adequada ao sistema jurídico português, que, para que tal “exceptio” não seja julgada contrária à boa fé, deverá haver uma tripla relação entre o incumprimento do outro contraente e a recusa de cumprir por parte do excipiente: relação de sucessão, de causalidade e de proporcionalidade entre uma e outra. Por força da aludida relação de sucessão, não pode recusar a sua prestação, invocando a “exceptio”, o contraente que foi o primeiro a cair numa situação de incumprimento: a recusa de cumprir do excipiente deve ser posterior à inexecução da obrigação da contraparte, deve seguir-se-lhe e não precedê-la. E, segundo a referida relação de causalidade, deverá haver um nexo de causalidade ou de interdependência causal entre o incumprimento da outra parte e a suspensão da prestação do excipiente: esta deve ter unicamente por causa tal incumprimento, deve surgir como sua consequência imediata. Ou seja, a “exceptio” deve ser alegada, tendo em vista compelir à execução da obrigação do outro contraente: se o comportamento objectivamente manifestado pelo excipiente indicia não ser esse efectivamente o motivo da sua recusa em prestar, então a excepção é ilegítima. Finalmente (nesta perspectiva), pelo princípio da equivalência ou proporcionalidade das inexecuções, a recusa do excipiente deve ser equivalente ou proporcionada à inexecução da contraparte que reclama o cumprimento, de modo que, se a falta desta for de leve importância, o recurso à excepção pode até ser ilegítimo.

Mas, apesar da excepção em apreço ser aplicável a todos os contratos bilaterais, independentemente da estrutura particular assumida pelo nexo sinalagmático em alguns tipos desses contratos, desde que a prestação que se pretende recusar e aquela cujo incumprimento se invoca sejam as obrigações fundamentais do contrato, a respectiva invocação e procedência não tem o condão de extinguir o direito de crédito de que é titular o outro contraente, antes e apenas o paralisando temporariamente. Dito de outro modo: constituindo aquela excepção um meio de defesa que tende para a execução plena do contrato e não para a sua destruição (o que ocorre com a resolução contratual – arts. 433.º, 434.º e 289.º, n.º 1, todos do CC), o efeito principal que da mesma deriva consiste em conferir ao excipiente o direito à suspensão da exigibilidade da sua obrigação, direito que se manterá actuante enquanto se verificar o estado de recusa de cumprimento da parte contrária. Assim funcionando, pois, como meio de pressão contra o credor que reclama o seu crédito sem cumprir ele próprio e como garantia contra as consequências de uma inexecução que pode vir a tornar-se definitiva».

Indo ao nosso caso vemos que, instalado o litigio, foi o mesmo dirimido (em primeira linha), tendo o tribunal decidido que o contrato não era inválido in totum, mas apenas nas suas duas cláusulas, sendo que foi exactamente o não cumprimento pela I... das prestações fixadas nessas duas cláusulas que determinaram a A... a suspender os fornecimentos.

Donde, quer seja por não reconhecer o contrato “tout court” ou por não reconhecer a obrigação de pagar os valores nele fixados e exigidos pela A..., acompanhamos a decisão quando entendeu que a actuação I... não foi infundada, não houve incumprimento culposo, porque efectivamente se veio a reconhecer que ela não estava obrigada a cumprir naqueles moldes, mas noutros diversos. Ou seja, estava legitimada para recusar a prestação que lhe era exigida pela parte contrária.

Se assim era não podia a A... invocar, licitamente, a excepção de não cumprimento para se eximir a cumprir a sua prestação, sendo ainda de considerar que ao fazê-lo a A... não atendeu à desadequação entre a falta de pagamento (atente-se e não será demais lembrar que a I... não se recusava a pagar os serviços, mas apenas questionava os montantes que lhe eram exigidos – ver resposta ao art.º 104.º -facto XCIX) e as consequências que iriam advir da cessação dos fornecimentos e que efectivamente advieram: até ao primeiro trimestre de 2010 a I... perdeu 65% dos seus clientes. Facto CXVIII

Considerando ainda a dimensão da empresa, que não evidenciava qualquer risco de não vir a pagar o que fosse legalmente devido a final e as razões que lhe eram apresentadas para questionar os valores –abuso por parte do gerente-, padrões de seriedade, boa-fé, proporcionalidade e  adequação impunham à A... que não procedesse como procedeu.

Donde, considerando todo este contexto, julgamos ter sido ilícita a invocação da excepção como fundamento para a cessação dos fornecimentos, o que leva a que se considere tal cessação como um incumprimento injustificado da obrigação contratual, por parte da A....

Mas, dados os contornos do caso, julgamos até que não houve apenas uma suspensão do cumprimento, que é nisso que se traduz a invocação da excepção de não cumprimento  -   pressupõe a suspensão da prestação enquanto a outra parte não prestar- ; o que houve foi uma resolução tácita do contrato.

A I... não reconhece o contrato e oferece em pagamento o preço anterior; a A... defende a validade e como a I... não paga, cessa, definitivamente a prestação, pondo um termo definitivo à relação contratual, inviabilizando mesmo qualquer  repristinação de anteriores contrato- seja o de 2006, seja o de 2003 -  dado que, terminada a troca de correspondência, a I... fez consignação em depósito dos valores que entendia serem devidos pelos dados fornecidos nos primeiros meses de 2009,  conforme facto C – no dia 2/6, sendo que no dia 26/6 constitui-se a H... (detida em 90% pela demandante F... que por sua vez é detida em 100% pela A...), com objecto social semelhante ao da I..., a quem a A... passou a fornecer os dados que tinha fornecido à I... até Março .

Assim, é nosso entendimento que quem pôs um termo definitivo à relação contratual foi a A... e não a I....

Donde, incumprimento contratual imputável à I... e a justificar o direito à indemnização reclamada pelas demandantes, inexiste.

O Professor Pedro Romano Martinez, no Parecer junto, também defende que foi a A... que resolveu o contrato.

Considerando não ter havido propriamente uma invocação da excepção de não cumprimento, conclui, a fls 36 – fls 5873 verso dos autos- “…o contrato de 2008 foi resolvido pela A... mediante declaração negocial tácita. A referida declaração produz efeitos quando o declaratário (a I...) entende o comportamento concludente da A... no sentido de não mais prestar os dados das f.... Assim sendo a resolução produz efeitos a 1 de Abril de 2009.” Qualifica esta resolução como ilícita, mas não inválida, acompanhando o acórdão recorrido, no sentido de que a I... não incumpriu o contrato.

 E não havendo incumprimento, por banda da I..., cabe apenas reafirmar o que consta da decisão recorrida: não nasceu qualquer direito na esfera jurídica das demandantes para serem indemnizadas como peticionam.

No campo das obrigações, a obrigação de indemnizar radica no incumprimento. Não declarado este, não têm as demandantes fundamento para serem indemnizadas.

Mas caso se entendesse diversamente, concluindo-se dever ser o incumprimento imputável à I..., e consequentemente recair sobre si a obrigação de indemnizar as demandantes, nem por isso estas veriam satisfeita a sua pretensão, em toda a  sua extensão.

Fazendo apelo ao que consta do Parecer do Prof. Pedro Martinez diremos que o credor, em face do incumprimento definitivo da outra parte, pode:

- resolver o contrato e pedir indemnização pelo interesse contratual negativo –prejuízo tido por haver celebrado o contrato/ colocar-se na situação que estaria se não o tivesse celebrado, ou optar por;

-manter o contrato, cumprindo a sua prestação e pedir indemnização pelo interesse contratual positivo.- indemnização substitutiva da prestação incumprida ver Menezes Leitão in Direto das Obrigações  vol.II,  7.ªed.  pag. 270.

Mais modernamente- especialmente com a reforma em 2002 do CC Alemão – certa doutrina tem vindo a admitir que o credor cumule a resolução com a indemnização pelo interesse contratual positivo, doutrina essa internacional que tem encontrado seguidores em Portugal, como o próprio Pedro Martinez, Ana Prata, Ribeiro de Faria e Paulo Mota Pinto.

Menezes Leitão não adere a esta doutrina concluindo que “parece seguro que a indemnização terá que ser limitada ao interesse contratual negativo, na medida em que não pode abranger os danos resultantes da frustração das utilidades proporcionadas pela própria prestação”, invocando a seu favor, além do mais, Larenz, fazendo a pertinente citação, na nota de rodapé 551:”Shuldrecht I §22 II, 339, quem reclama a indemnização por incumprimento pretende para si as vantagens proporcionadas pelo contrato e consequentemente não se pode libertar dele. A resolução do contrato significa, pelo contrário, que oc redor se exonera da sua própria obrigação, mas que também não pode ter qualquer pretensão baseada no contrato, seja relativa ao seu cumprimento seja com base no não cumprimento.”

A nível jurisprudencial tem preponderado o entendimento de que a indemnização abrange, em princípio, apenas o dano contratual negativo, mas admite-se pontualmente indemnização também pelo dano positivo, em face dos contornos concretos do caso.- ver, por todos, Ac. STJ de 2012/10/25 proc. 2625/09.0TVLSB.L1. S1, acessível na base de dados da DGSI.

De qualquer forma, ainda que tivesse acolhimento a tese mais favorável às demandantes, aceitando-se a indemnização pelo interesse contratual positivo, sempre haveria que atentar que no cômputo da indemnização teria que ser levado em conta, para ser descontado (sob pena de enriquecimento infundado do credor), os ganhos que o credor obteve como decorrência do incumprimento do contrato.

No caso, haveria desde logo que atender aos ganhos que as demandantes alcançaram a partir de Junho de 2009, provenientes da venda dos dados à H..., ganhos esses que as demandantes ignoraram no valor peticionado.

Assim, caso se entendesse haver incumprimento imputável à I... e se aceitasse a indemnização pelo interesse contratual positivo, nem por isso as demandantes teriam direito à indemnização na medida pedida, mas apenas na medida correspondente à diferença entre aquilo que teriam auferido, se o contrato tivesse seguido os seus normais termos e aquilo que efectivamente auferiram com o fornecimento a outrém dos dados que teriam fornecido à I..., caso o contrato tivesse perdurado.

Concluindo: em face dos contornos do caso, entendemos não ter ocorrido incumprimento contratual imputável à I... que a tenha feito incorrer na obrigação de indemnizar as demandantes.

 B-  Ampliação do Objecto do Recurso- Demandada

           

A ampliação circunscrevia-se ao conhecimento da excepção de usura, para o caso de se alterar a decisão recorrida, no tocante à procedência das excepções de abuso de representação e de posição dominante.

Tendo este tribunal de recurso confirmado a decisão recorrida, nestes pontos, fica prejudicado o conhecimento da ampliação ( sendo certo que a impugnação da matéria de facto neste âmbito foi já acima conhecida).

C- Recurso subordinado -Demandada

Ineficácia total do Contrato de 2008

Defende a aqui recorrente que a decisão recorrida dever ser alterada ao nível do direito, devendo concluir-se pela ineficácia total do contrato de 2008, como decorrência do abuso de representação, sendo a solução jurídica mais ajustada ao caso em concreto como sanção ao abrigo do disposto nos arts. 268.º e 269.º do CC.

Invoca que as duas cláusulas que foram atingidas (a 6.ª e a 10.ª do Contrato de 2008) são elementos essenciais do Contrato de 2008 e que o contrato nunca foi ratificado pela I... ( 268º do CC). Socorre-se, em defesa deste entendimento, do Parecer do Prof. Engrácia Antunes invocando o segmento seguinte: “Enfim, e por último, numa ordem diferente de considerações mas apontando para idêntico resultado, sempre se poderia ainda sustentar que a solução da ineficácia global do contrato de 2008 é aquela que melhor se coaduna com a “ratio” e o regime da sanção de ineficácia cominada nos arts. 268.º n° 1 e 269.º do CCivil para os negócios celebrados com abuso de representação. Enquanto desvio culposo do representante aos interesses do representado, conhecido da contraparte negocial, o abuso macula todo o negócio representativo com uma espécie de “pecado original” (...)”.

Pugna assim para que este Tribunal julgue pela ineficácia total do contrato de 2008, com a sua inerente absolvição total do pedido.

Partindo da procedência da excepção de abuso de representação, no tocante às cls.ª 10.º e 6.ª (esta apenas quanto ao preço fixado) e no tocante 10.ª com a consequente ineficácia dessa parte do contrato em relação à demandada e da excepção de abuso de posição dominante, por indução artificial do preço em alta, com a consequente nulidade dessas mesmas duas cláusulas, veio o tribunal recorrido a entender que:

- em relação à cláusula 10.ª - pagamento de diferenciais-  quer por via da  ineficácia stricto sensu quer da nulidade a consequência é a inexigibilidade da obrigação.

- em relação à cl.ª 6.ª discorreu-se que “deve ter-se em conta que tanto a ineficácia como a nulidade decorrem de o preço ser excessivo, não obviamente de não ser devido qualquer preço. Ora, os serviços a que a Demandante se tinha obrigado foram efectivamente prestados durante os três primeiros meses de 2009 (FP LXXXVII), sendo a esses três meses que se reportam as facturas de € 590.886 (Janeiro), € 602.208 (Fevereiro) e € 617.202 (Março), conforme resulta do FP XCIV.”

Nesta linha veio a proceder à redução do negócio, com a fixação do preço que julgou equitativo, tendo condenado a demandada no pagamento às demandantes dos fornecimentos efectuados ao abrigo do contrato de 2008, de acordo com o preço reduzido.

Os argumentos esgrimidos pela recorrente- subordinada para atacar a opção seguida pelo tribunal não são, a nosso ver, de acolher.

Julgamos ser de manter a orientação seguida pelo tribunal arbitral, sendo ela a que resolve de forma mais equilibrada o litígio dos autos.

Sabendo-se que a nulidade parcial não determina a invalidade total do negócio, a não ser que se demonstre que o negócio não teria sido concluído sem a parte viciada- art.º 292.º do CC - discorre-se assim no acórdão: “Não é, portanto, necessária a demonstração da vontade de limitar os efeitos do negócio à parte não viciada, mas a de que o mesmo não teria sido celebrado sem a parte viciada.  A lei consagra abertamente o princípio do favor negotii, privilegiando a manutenção da parte sã do negócio, fazendo apelo à vontade conjectural dos contraentes, no sentido de fazer valer o que elas teriam querido se se tivessem apercebido de que o negócio era parcialmente inválido, não podendo manter-se integralmente. A redução só não deve operar-se se e quando se deva ter por demonstrado que as partes não teriam celebrado o contrato sem a parte inválida. “ (sublinhado nosso).

Inexistindo prova feita sobre qual teria sido a vontade das partes se tivessem previsto a invalidade das apontadas cláusulas e considerando o princípio da manutenção do negócio, subjacente ao art.º 292.º CC, deve então prevalecer a redução, em detrimento da invalidade total. 

Importa também ter aqui em vista que não estamos a defender a vinculação as partes à manutenção dum concreto negócio, o que imporia maior indagação, mas apenas a alcançar um critério para definir as obrigações últimas das partes, em face dum contrato do qual as partes já se desvincularam e que já não está em vigor.

Quanto à cl.ª 10.ª, em face do exposto, a consequência é a sua irradicação do âmbito do contrato, sendo que ela consubstanciava uma obrigação perfeitamente autonomizável do contexto do contrato, nada obstando pois à redução.   

Quanto à cl.ª 6.ª, como se salienta no acórdão recorrido, “tanto a ineficácia como a nulidade decorrem de o preço ser excessivo, não obviamente de não ser devido qualquer preço”.

Porque assim é e sob pena da questão ter que voltar a ser dirimida noutra sede, a solução prática que logo se nos sugere, é que se fixe o valor devido pelos dados que a A... forneceu à I..., na vigência do contrato de 2008.

Não vemos qual a utilidade prática que a recorrente subordinada pretende alcançar com a posição que defende. Não ignora que os dados fornecidos teriam que ser pagos, sendo que ela própria assim o considerou, ao fazer a consignação em depósito.

Entendemos pois ser de manter a orientação seguida no acórdão recorrido, sendo que nenhuma cesura nos merece o critério utilizado para alcançar o valor final dessa prestação.

           Partindo do preço praticado em 2003, considerando a inflação e a melhoria dos serviços prestados entendeu-se equitativo fixar o valor em €150/mês/f....

Na decisão recorrida afastaram-se os eventuais obstáculos à redução nos moldes seguintes: “Para que a redução em geral, incluindo a redução quantitativa, se possa operar não é indispensável, como na conversão, apurar, pela positiva, a vontade hipotética das partes quanto ao resultado. Basta não encontrar obstáculo erguido pela vontade hipotética, que presume juris tantum. Ora, nenhuma das partes alegou no decurso no processo, nada em contrário de uma hipotética redução, sem esquecer que a vontade hipotética (qualquer vontade hipotética) não pode contrariar a lei e a boa fé. A Demandada admitiu até a redução do contrato por efeito da usura, o que, se esta excepção fosse procedente, redundaria em resultado equivalente ao da nulidade ou ineficácia do preço. Poder-se-ia inquirir ainda se a redução conflitua com o princípio dispositivo, uma vez que não foi pedida pelas Demandantes. A favor da admissibilidade processual basta lembrar a regra estabilizada segundo a qual é permitido condenar em valor inferior ao pedido (cfr. Código de Processo Civil, artigo 668, n.º 1, alínea e), 1.ºparte, contrario). Não decidir neste processo qual o valor a pagar pelos serviços efectivamente prestados pelas Demandantes à Demandada no 12 trimestre de 2009, relegando a decisão implicitamente para outra acção (porventura baseada no mesmo contrato ou em enriquecimento sem causa) teria um efeito prático próximo de non liquet, que é vedado aos tribunais, judiciais ou arbitrais.”

            Aderindo-se ao critério, que a recorrente não questiona, o valor devido como contrapartida para os dados fornecidos no primeiro trimestre de 2009 é assim de € 887.400,00 (valor resultante da correcção feita no início do presente acórdão), valor que a I... terá que pagar às demandantes.

Pelo exposto acorda-se em:

- não conhecer da ampliação do recurso deduzido pela demandada I...;

- julgar improcedente ao recurso subordinado;

- julgar a apelação parcialmente procedente e em consequência, altera-se a decisão recorrida nos moldes seguintes:

a) em face da não admissão do pedido reconvencional, vai a demandante/ reconvinda A... absolvida da instância reconvencional;

b) no mais, mantém-se a decisão recorrida, com a correcção de que o valor a pagar nos termos do ponto 8.º do dispositivo do acórdão recorrido é de € 887.400,00.

Custas na proporção de 2/3 para as recorrentes e 1/3 para a recorrida.

Dada a especial complexidade desta instância de recurso, de acordo com o  art.º 6.º n.º5º do Regulamento das Custas Processuais, a taxa de justiça será calculada nos termos da Tabela I-C .

                                    

Lx, 3 de abril de 2014

 

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Teresa Soares

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Ana Lucinda Cabral

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Maria de Deus Correia












Decisão Texto Integral: