Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
7730/15.0T8LSB.L1-8
Relator: RUI DA PONTE GOMES
Descritores: TRANSPORTE RODOVIÁRIO
CONCORRÊNCIA DESLEAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/27/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: –A não observância de leis de interesse público, designadamente as que têm por objeto o licenciamento da atividade de transporte rodoviário, gera concorrência desleal com as demais empresas cumpridoras, com os atinentes danos financeiros, num mercado que o legislador quis devidamente regulamentado.

(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial: Acordam os Juizes, no Tribunal da Relação de Lisboa.


        I–RELATÓRIO:


A Associação ...  deduziu na Comarca de Lisboa, Instância Central, 1ª Secção Cível, Juiz 13, procedimento cautelar inominado contra a sociedade U... Inc., formulando os seguintes pedidos: - a) A notificação da Requerida para a sua sede sita em ... para, de imediato, encerrar a página Web, www..., em Portugal, bem como cessar a atividade de transporte de passageiros em automóveis ligeiros por meio de aplicações destinadas a esse fim, também em Portugal e, no mesmo espaço, cessar a angariação de meios e a execução de contratos de transporte de passageiros, sob a designação de “U...”, ou de qualquer outra que seja denominada, para fins idênticos; b) O encerramento e proibição em Portugal, da prestação e adjudicação do serviço de transporte de passageiros em veículos ligeiros, debaixo da denominação “U..., ou qualquer outra, que seja denominada com idênticos fins, por parte da Requerida; c) O encerramento e proibição de conteúdos, acesso e prestação do referido serviço de transporte de passageiros, em Portugal, através da página Web “www...., ou qualquer outra que seja utilizada nos mesmos termos e para os mesmos fins; d) O encerramento e proibição de qualquer aplicação “app” ou de outro qualquer suporte ou sistema tecnológico ou informático, para prestar o serviço de passageiros, em Portugal; e) A interdição de uso de cartões de crédito e sistemas de pagamento pela internet para efeito de cadastro na plataforma U... e ordem de pagamento nesse âmbito; f) Seja ordenada a tomada de medidas destinadas a garantir os efeitos dos pedidos, nomeadamente: 1. A notificação de todas as operadoras de telecomunicações, registadas em Portugal, nomeadamente das identificadas no Anexo I e outras que se relacionem com a Requerida e serviço aqui em causa, para que suspendam a transmissão, o alojamento de dados, o acesso às redes de telecomunicações ou a prestação de qualquer outro serviço equivalente de intermediação relacionado com a Requerida U... e reforçado através de pedido à ANACOM, Autoridade Nacional de Comunicações, com sede na Av. José Malhoa, 12 1099 - 017 Lisboa, para que dentro das sua competência dê cumprimento do pedido formulado em 79.º I – b) e c); 2. A notificação de todos os operadores bancários e entidades pagadoras, por meios eletrónicos, registados em Portugal, nomeadamente os/as Identificados/as nos Anexos II e III, através de solicitação ao Banco de Portugal, com sede na Rua Comércio 148, 1100-150 Lisboa e à Unicre, Instituição Financeira de Crédito, S.A. com sede na Avenida António Augusto de Aguiar 122, 1050 Lisboa, e demais entidades, para que suspendam todas as operações de registo e de pagamento, mediante cartão de pagamento ou, outro meio similar usado habitualmente pela U..., para que dentro das suas competências dê cumprimento do pedido formulado em 79.º I - d); 3. A notificação do organismo regulador da atividade de transporte rodoviário de passageiros em automóveis ligeiros, IMT - Instituto da Mobilidade e dos Transportes, I.P., com sede na Av. das Forças Armadas, 40 - 1649 – 022, LISBOA, para que dentro das suas competências, assegure o cumprimentos das medidas cautelares, nomeadamente através da atuação da sua inspeção, polícias e GNR; 4. A notificação das Câmaras Municipais de Lisboa e Porto, respetivamente com sedes na Praça do Município, 1149-014 em Lisboa e Praça General Humberto Delgado, 4049-001 Porto, com conhecimento à Associação Nacional dos Municípios Portugueses com sede Av. Marnoco e Sousa 52, 3004 – 511,em Coimbra na para que dentro das suas competências e através das respetivas policias municipais, assegurem o cumprimento das medidas cautelares; 5. A notificação da Autoridade da concorrência designadamente, a Direção Geral das Atividades Económicas, com sede na Av. Visconde de Valmor, 72, 1069 - 041 Lisboa e a ASAE - Autoridade de Segurança Alimentar e Económica, com sede na Rua Rodrigo da Fonseca, nº 73, 1269-274, Lisboa para que, dentro das suas competências e fiscalizações próprias, assegurem o cumprimento das providências cautelares; 6. A notificação da ACT – Autoridade das Condições do Trabalho, com sede na Av. Casal Ribeiro nº 18 - A. 1000-092 em Lisboa, para que dentro das suas competências e fiscalização própria, assegure o cumprimento das providências cautelares; 7. A aplicação de uma sanção pecuniária compulsória para o caso de não acatamento, à Requerida, de valor diário não inferior a 10.000,00 (dez mil euros).

Invocou, para o efeito, em súmula, que é uma associação empresarial que agrega empresas de transporte rodoviário de passageiros em automóveis, vulgo táxis, sendo a requerida uma empresa americana do sector do transporte e tecnológico, que se dedica a oferecer um serviço semelhante ao táxi tradicional, mediante o uso de aplicativos tecnológicos, pela via da internet.
Esta empresa está a explorar em Portugal a atividade de aluguer de veículos de passageiros com condutor, sob duas modalidades o U... X, e o U... Black, sendo para o efeito titular de um domínio da internet e de um sistema de descargas de aplicação para smartphone e outros, mediante o qual publicita e possibilita o cadastro de veículos e condutores e o acesso dos utilizadores a este serviço idêntico aos dos táxis, sem para tanto possuir alvará, ou licença. Nem os veículos, nem os condutores os mesmos estão obrigados, aquando da inscrição na plataforma U..., aos mesmos requisitos definidos por lei para os táxis e motoristas profissionais, sendo a atividade exercida ilegal, não licenciada nem objeto do competente seguro, nem sequer sujeita aos impostos a que estão sujeitos os demais, prejudicando o sector de transporte de passageiros, pois que a sua atividade visa o lucro puro, sem qualquer custo associado. Atividade ilegal da requerida esgota-se em cada contrato que celebra, sendo os prejuízos decorrentes da retirada de clientes do associados da requerente, real e dificilmente reparável, tendo ainda em conta que se trata de uma empresa que atua através de um domínio na internet, desenvolvendo a sua atividade a partir de um paraíso fiscal, com facilidade de deslocação e alto peso económico. A adoção da presente providência e o decretamento das medidas cautelares peticionadas, não lhe trará qualquer prejuízo, pela ilegalidade da sua atuação, sendo que para a requerente qualquer desvio de clientes é um prejuízo efetivo e difícil de reverter.

Dispensada que foi a audiência prévia da requerida, procedeu-se à inquirição das testemunhas arroladas pelo requerente e ouviu-se o requerente em declarações de parte, tendo, afinal, sido proferida decisão que decretou a presente providência cautelar.

Citado nos termos do disposto no art. 366º do C. P. Civil, veio a requerida deduzir oposição, contrapondo, em síntese, o seguinte:  

Não presta quaisquer serviços em Portugal, não tem atividade em Portugal, nem tem sucursal, filial ou escritório de representação em Portugal. Não é parte em contratos com consumidores finais ou com empresas de serviços de transporte no mercado e território nacionais. Os serviços tecnológicos U... ou a plataforma tecnológica U... suscetíveis de ser descarregada para equipamentos de comunicações eletrónicas de uso pessoal, são disponibilizados no mercado nacional pela firma U... B.V. sociedade de direito holandês. Os serviços U... consistem apenas em informações e meios disponibilizados, através de uma plataforma eletrónica, aos seus utilizadores, para que estes possam obter um transporte que é realizado por terceiros, através de uma app a que qualquer pessoa pode aceder e instalar no seu equipamento móvel, permitindo ao seu utilizador manifestar o seu interesse num serviço de transporte, permitindo ao transportador manifestar a sua disponibilidade para prestar esse serviço, ao aceitar um pedido de transporte que seja solicitado por parte de um utilizador. A U... B.V. disponibiliza os seus serviços em Portugal desde Julho de 2014, sendo estes prestados por pessoas ou profissionais liberais, não prestando serviços de táxi. Os parceiros ligados à plataforma da U... B.V. apenas podem aceitar serviços de transporte efetuados exclusivamente através da plataforma “app” operada pela U... B.V. Os transportadores que aderem a esta plataforma são essencialmente empresas de rent-a-car com motorista. A U... B.V. e a U... Portugal Lda. não são proprietárias, nem alugam nem utilizam serviços de transporte de passageiros em Portugal, nem contratam motoristas nem pagam honorários ou comissões aos condutores indicados pelos seus parceiros transportadores. Este serviço é seguro, vantajoso para as economias onde se insere porque permite a criação de emprego e uma melhor rastreabilidade das transações económicas. A U... Portugal presta apoio logístico essencialmente no que respeita a marketing e comunicação à U... B.V. A U... B:V realizou um investimento total em Portugal na ordem dos € 800.000,00. A U... Portugal Lda. emprega em Portugal 5 pessoas. Caso os serviços U... venham a ser proibidos em Portugal tal representará para a U... B.V. a perda do seu investimento e a dissolução da U... Portugal Lda. A apelante bem sabe que a sociedade que presta estes serviços em Portugal é a U... B.V., que em Portugal existe a sociedade U... Portugal Lda., que estes serviços eram prestados há mais de 10 meses em Portugal, deduzindo pretensão que bem sabia ser improcedente, mormente no que se reporta ao pedido de dispensa do contraditório da requerida.

Em sede de audiência final, veio a requerente pronunciar-se pelo indeferimento da alegada ilegitimidade da requerida, formulando afinal pedido de intervenção das firmas U... B.V. e U... Portugal Lda., com fundamento no disposto no artº 39 do C. P. Civil, o que foi indeferido.

Finalmente foi proferida a douta decisão final de 25 de Junho de 2015 (fls.688/728), que determinou a manutenção das medidas cautelares já tomadas e julgou improcedente a oposição da requerida.

Foi desta decisão que apelou U... Inc. ___ Concluindo:

1) - Os factos números 4, 9, 20, 21, 23, 24, 26, 28, 30, 31 e 32 são, na sua essência, conclusivos ou versam sobre matéria de Direito, portanto, insuscetíveis de prova, pelo que devem ser dados por não escritos. ___
2) - Para prova dos factos 5 e 6, o Tribunal a quo estribou-se em prova praticamente irrelevante e sem qualquer justificação, pelo que devem os mesmos ser considerados não provados. ___
3) - Com base nos documentos de fls.442 a 455, fls.473 a 477 (em particular fls.476), fls.493 a 495 e fls. 386 a 396, fls. 401 e 402, em especial quando confrontados com os documentos de fls. 140 a 210 e 216 e 217, mas, também, nos depoimentos das testemunhas R..., L..., J... e M..., devem ser dados com assentes os factos constantes a 1, 2, 3 e 5, dos factos não provados, bem como ao facto provado nº17, parcialmente. ___
4) - A decisão do Tribunal a quo de considerar não provados os factos nºs 4, 6, 7, 9 e 10, e ainda a matéria vertida no art. 26 º da oposição da ora apelante, está errada em consequência de uma incorreta apreciação do acervo documental junto (fls.433 e 444, fls.182), bem com da prova testemunhal produzida (R..., J..., L..., J...eM...).Outrossim, deve os mesmos ser tidos como assentes. ___ 5) - Ao julgar provados os factos nºs 22, 24, 25 e 26 da matéria de facto julgada assente, o Tribunal de 1ª instância não só apreciou incorretamente a prova, como desconsiderou sobre quem recaia o ónus de prova. Atento o depoimento de R..., J... e L..., devem se ter os mesmos com provados. ___
6) - Compulsados os autos, não foi produzida qualquer prova que permitisse dar os factos nºs 30 e 31 como provados, nem o Tribunal de 1ª instância indica qualquer fundamento para a sua decisão. ___
7) - Na relação material noticiada nestes autos, o que está em causa é o interesse individual de cada sócio, e não um interesse coletivo, seja de que natureza for, mormente laboral, este apenas conferido às associações sindicais. Ora, não tendo a recorrida esta qualidade, sempre subsistirá a sua ilegitimidade para litigar em defesa dos interesses dos associados em substituição. ___
8) - Percorrendo a douta decisão impugnada, no seu segmento de Direito, torna-se notório, não estarem preenchidos os requisitos referentes ao fumus boni iuris e periculum in mora.

Conhecendo do sobredito recurso, a saber, conclusões 1º a 6ª, este Tribunal da Relação de Lisboa julgou parcialmente procedente a apelação da U... Inc relativamente à douta decisão final de 25 de Junho de 2015 (fls.688/728), e determinou o seguinte: - 1 - O ponto nº4 será considerado facto; o ponto nº 9 também será igualmente considerado facto; o ponto 20 deverá ser eliminado; o ponto 21, também facto será considerado; já no ponto nº23 será de eliminar a parte em que se diz “...como bem entende e sem sujeição a qualquer ponderação ou definição reguladora...”; no ponto 24º será eliminado “...e sem obediência às regras de deslocação de capitais...”; o ponto 26 é todo eliminado, por conclusivo; já o ponto 28 é entendido como facto; finalmente, os pontos 30, 31 e 32 são eliminados, porque conclusivos; 2 – Deverá a Exma. Senhora Juiz a quo, proceder à devida fundamentação, ponto por ponto, facto por facto, de per se ___ sem generalizações: somente isto ___ dos seguintes pontos de facto da decisão impugnada, e que são: - 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 10, 22, 24, 25.

Sobem agora os autos de novo da 1ª Instância, com a decisão de 15 de Julho de 2017, pelo que, antes de mais, cumpre conformar o segmento de facto, desde já, com o que foi nesta Relação de Lisboa foi deliberado.

Doutra banda: atendendo a que foram corretamente supridas as deficiências invocadas perante este Tribunal superior, não havendo necessidade de mais outras observações, cumpre conhecer das demais questões que não o foram, a saber:
7) - Na relação material noticiada nestes autos, o que está em causa é o interesse individual de cada sócio, e não um interesse coletivo, seja de que natureza for, mormente laboral, este apenas conferido às associações sindicais. Ora, não tendo a recorrida esta qualidade, sempre subsistirá a sua ilegitimidade para litigar em defesa dos interesses dos associados em substituição. ___ 8) - Percorrendo a douta decisão impugnada, no seu segmento de Direito, torna-se notório, não estarem preenchidos os requisitos referentes ao fumus boni iuris e periculum in mora.
        
Os Factos.

São os seguintes:

1-A Requerente é uma Associação Empresarial que agrega empresas de transporte rodoviário de passageiros em automóveis ligeiros, conhecida, a nível nacional, por A....
2-A A... tem, entre outros, por finalidade, a nível nacional, (cf. art.º 3.º dos Estatutos) “… a defesa dos interesses comuns dos seus associados.
3-O objeto da atividade dos associados da Requerente é a atividade remunerada de transporte rodoviário de passageiros em veículos ligeiros, estes, por sua vez, designados de táxi.
4-A Requerida é uma empresa americana, do sector de transporte e tecnológico, que desde 2009, data da sua constituição, se dedica a oferecer um serviço, semelhante ao táxi tradicional, através do uso de aplicativos tecnológicos, pela via da Internet.
5-A Requerida está a explorar, em Portugal, a atividade comercial remunerada de transporte de passageiros em veículos ligeiros com condutor, sob duas modalidades, o U... black e o U... x, com maior expressão nas cidades de Lisboa e Porto.
6-Mas, também, em todo o território nacional, com modalidades de transporte para empresas.
7-A ferramenta em que a Requerida alicerça o seu serviço é designada de E- Hailing, isto é, o ato de se requisitar um táxi através de um dispositivo eletrónico, geralmente um celular ou um smartphone.
8-A Requerida é titular de um domínio na internet (www....) e de um sistema de descargas de aplicação para smartphone e outros.…”.
9-Através desse meio e com veículos e condutores que através do mesmo se cadastram, a Requerida desenvolve um serviço de transporte remunerado de passageiros em Portugal, aos utilizadores, também, aderentes.
10-Estes serviços funcionam através de um “app”, descarregada do site www..., a que qualquer pessoa pode aceder e instalar no seu equipamento móvel.
11-Uma pessoa que queira utilizar esta “app” tem de criar uma conta de utilizador, onde indicará o seu nome, endereço de correio eletrónico e número de telefone móvel, ao qual deverá utilizar um cartão bancário de pagamento válido.
12-Essa “app” permite ao seu utilizador manifestar o seu interesse num serviço de transporte indicando o local onde pretende que essa viagem tenha início e selecionando o tipo de serviço de entre os disponibilizados na cidade onde quer viajar. 13-Os motoristas cadastrados na plataforma U... manifestam a sua disponibilidade para prestarem esse serviço, ao estarem ligados à plataforma através de um dispositivo móvel e ao aceitarem o pedido de transporte efetuado por um utilizador.
14-A aplicação U..., fornece ao utilizador os seguintes dados: -a matrícula do veículo e marca do mesmo; -o nome próprio do condutor; -o período de tempo que o veículo demorará a chegar; -uma estimativa de preço da viagem, se solicitada; -o recibo; 15-Esta aplicação permite ao seu utilizador partilhar esta informação, bem como o percurso, em tempo real com família e amigos.
16-Cada utilizador da plataforma U... classifica o condutor e pode ainda apresentar reclamações, nomeadamente através do site www...
17-Ao descarregar a aplicação U..., aparece os termos e condições do usuário do utilizador.
18-Dos termos do usuário, em versão inglesa, (legal terms), é referido que o seu parceiro contratual é a U... B.V., uma empresa de responsabilidade limitada estabelecida nos países baixos, com escritórios situados na ..., registada na Câmara de Comércio com o nº 56317441.
19-Os veículos utilizados são os que através, também, da referida plataforma se cadastram, para o efeito, onde claramente apregoa estar dotada de veículos: “Melhores, mais rápidos e mais baratos do que um táxi. Um serviço de táxi, sem preocupações. Não tem de chamar ou acenar, nem de se preocupar com o troco. O seu motorista particular, à distância de um clique. Os melhores carros com preços a condizer, U...x, taxi black, suv lux ”.
20-(Eliminado).
21-A requerida não só mantem ativa uma plataforma no seu «website», o qual das várias inserções de multiplicação que gera pela Internet, permite que se cadastrem motoristas e viaturas, como define os preços dos serviços e o modo de pagamento, com os quais desenvolve a atividade de transporte rodoviário de passageiros.
22-Para o efeito a Requerida: I. explora essa ferramenta por si e não a cede a terceiros; II. A Requerida é que cadastra os veículos; III. A Requerida é que cadastra os motoristas/proprietários dos veículos e lhes paga; IV. A Requerida é que recebe o preço (não se sabendo aonde) pelo serviço, recorrendo ou utilizando um alojador, em Portugal, para emissão de um qualquer recibo; V. A Requerida, depois de pagar aos motoristas/proprietários dos veículos receberá sempre a comissão, já que, para aceder à aplicação é necessário, o utilizador/cliente registar-se, com um cartão de crédito direcionado para as contas da mesma.
23-A requerida define o preço do transporte.
24-O valor do serviço é diretamente pago, à Requerida através de um cartão de crédito, sendo este montante colocado fora do território nacional, sem pagamento de impostos em Portugal. 25-No registo de clientes, a requerida não abriu qualquer campo para o número de contribuinte fiscal do cliente, indicando como recibo, uma imagem, via internet, contendo a descrição do percurso e o preço.
26-(Eliminado).
27-A Requerida, para o exercício da referida atividade, não pediu qualquer licença, nomeadamente junto do IMT.
28-Os motoristas e veículos cadastrados pela U... para esse transporte de passageiros, não possuem licença para o efeito, nem são portadores da carta de condução averbada com o grupo 2, nem efetuaram formação, com aprovação em exame.
29-Os veículos utilizados não estão identificados como tal, nem possuem taxímetro, nem obedecem a qualquer indicação de preço tabelado.
30-(Eliminado).
31-(Eliminado).
32-(Eliminado).
33-Em 25/02/2013, foi constituída em Portugal a U... Portugal Lda., pessoa coletiva nº 510.481.442, com sede na Av. António Augusto de Aguiar, nº 17, 5º Dt.º, cujos sócios são as firmas U... B.V., e a U... B.V., contribuinte nº 980483593, com sede nos Países Baixos.
34-Esta sociedade tem como objeto “assessoria a empresas ou entidades que se dediquem á prestação de serviços através de dispositivos móveis ou por internet e outros conexos, incluindo as que se dediquem ao exercício de transporte privado; prestação de serviços e assessoria administrativa, financeira, económica e de gestão a terceiros, sejam pessoas coletivas ou singulares; a aquisição e alienação, gestão e exploração de bens móveis e imóveis, incluindo patentes, marcas, licenças, autorizações de uso e outros direitos de propriedade industrial. Todas as atividades descritas poderão ser executadas em colaboração com terceiros incluindo a execução e promoção de todas as atividades que direta e indiretamente se relacionem com o presente objeto social e tudo na mais ampla conceção possível.
35-A U... Portugal Lda. emprega cerca de cinco pessoas.

Não se provou da oposição:
1-A requerida não disponibiliza a sua app em Portugal, nem presta quaisquer serviços em Portugal.
2-A requerida não é parte em contratos com consumidores finais, ou com empresas de serviços de transporte no mercado e território nacionais.
3-Os “serviços U...” ou a plataforma tecnologia U..., passível de ser descarregada para instalação em equipamentos de comunicações eletrónicas de uso pessoal, é disponibilizada para e no mercado nacional pela sociedade U... B.V., sociedade de direito holandês, com escritórios ..., registada na Câmara de Comércio daquele país com o nº ....
4-Em todos os países em que estão disponíveis, os “serviços U...” consistem apenas em informações e meios disponibilizados, através de uma plataforma eletrónica, para que estes possam obter um transporte que é prestado por terceiros: táxis, empresas de serviços de transporte e/ou pessoas singulares disponíveis para prestar estes serviços.
5-A U... B.V. disponibiliza os seus serviços em Portugal desde Julho de 2014.
6-Ambos os serviços (U...X e U... Black) são prestados por empresas ou por profissionais liberais aptos a transportar passageiros.
7-Em Portugal não é possível a uma pessoa singular aderir à plataforma U... como transportador.
8-Em Portugal os transportadores que aderem à plataforma U... são essencialmente empresas rent-a-car com motorista.
9-A U... B.V. não transporta passageiros limitando-se a, através da sua plataforma tecnológica a tentar encontrar um transportador, para um utilizador da sua aplicação que manifeste interesse em usufruir de serviços de transporte com determinadas características e prestados por terceiros.
10-A U... B.V. e a U... Portugal Lda. não utilizam quaisquer veículos de transporte de passageiros em Portugal, nem contratam quaisquer condutores profissionais ou não para que realizem transporte de passageiros.
11-A U... Portugal presta apoio logístico à U... B.V., sobretudo no que respeita ao marketing e comunicação.
12-A U... B.V. realizou um investimento em Portugal da ordem dos € 800.000,00.
13-Caso os serviços U... venham a ser proibidos em Portugal tal representará a perda do investimento da U... B.V., e a dissolução da U... Portugal Lda., com extinção dos cinco postos de trabalho. 14-Os parceiros transportadores verão as suas receitas diminuírem e os condutores verão os seus postos de trabalho extintos.
Aceitamos os factos fixados (art. 662º do C. P. Civil).

O Direito.

Quanto à 7ª Conclusão:
Diz a apelante, U... Inc., que na relação material noticiada nestes autos, o que está em causa é o interesse individual de cada sócio, e não um interesse coletivo, seja de que natureza for, mormente laboral, este apenas conferido às associações sindicais. Ora, não tendo a recorrida esta qualidade, sempre subsistirá a sua ilegitimidade para litigar em defesa dos interesses dos associados em substituição.
Salvo o devido e muito respeito, esta conclusão não pode nem deve ser judicialmente conhecida.

Com efeito:
Como é sabido, e consabido, o recurso impugnativo visa reapreciar as questões suscitadas pelas partes e decididas na 1.ª instância, não para apreciar novas questões, que nem sequer foram suscitadas. E a verdade é que em parte algum do seu articulado de oposição (ou posteriormente) a apelante suscitou a questão trazida pela vertente conclusão, nos termos em que agora o faz. Não o tendo feito no momento e local próprio, não pode agora, pela via recursiva, suscitar tal questão.
Se bem virmos, e isso está cristalinamente espelhado na decisão impugnada, o que a recorrente opôs, e foi conhecido e decidido, é não ser ela a entidade que disponibiliza os serviços «U...» ou a plataforma tecnológica suscetível de ser descarregada para equipamentos de comunicações eletrónicas pessoais, mas antes uma empresa de Direito holandês denominada «U... B.V.», com sede em Amesterdão, e não prestar, nem ela nem a referida «U... B.V.» serviços de transporte, mas antes disponibilizando uma plataforma eletrónica que coloca em contacto utilizadores com empresas transportadoras, que, essa sim, fornecem os serviços de transportes.
Em suma: - porque a questão de o que está em causa é o interesse individual de cada sócio, e não um interesse coletivo, seja de que natureza for, mormente laboral, este apenas conferido às associações sindicais, só foi invocado na instância de recurso, trata-se indubitavelmente de questão nova e, consequentemente, dela não se conhece. É o que aqui se consigna.
Quanto à 8ª Conclusão:
Diz, por fim, a apelante que percorrendo a douta decisão impugnada, no seu segmento de Direito, torna-se notório, não estarem preenchidos os requisitos referentes ao fumus boni iuris e periculum in mora.
Também aqui não lhe assiste razão.
Revisitemos, antes de mais, os conceitos trazidos pela vertente conclusão à luz da normatividade cautelar.
Fumus Boni Iuris traduz-se, literalmente, como “...fumos do bom direito...”. É um sinal, indício ou aparência de que o Direito litigado existe. Não há, portanto, a necessidade de provar a existência do direito, bastando a mera suposição de «verossimilhança» do mesmo.
Periculum In Mora quer dizer, por seu turno, literalmente, como “...perigo na demora...”. É o receio que a demora da decisão judicial cause um dano grave ou de difícil reparação ao bem tutelado. Isso frustraria por completo a apreciação ou execução da ação principal. A configuração do periculum in mora exige a demonstração de existência ou da possibilidade de ocorrer um dano jurídico ao direito da parte de obter uma tutela jurisdicional eficaz na ação principal.

Portanto:
Juntamente com o fumus boni iuris,o periculum in moraestes requisitos são indispensáveis para decretamento de medidas com caráter urgente (medidas cautelares, antecipação de tutela).
Na situação sub iudice será que eles se verificam?
Vejamos então o primeiro requisito (fumus boni iuris):
Resulta da factualidade assente e indiciariamente demonstrada que a apelada “...1-... (...)... é uma Associação Empresarial que agrega empresas de transporte rodoviário de passageiros em automóveis ligeiros, conhecida, a nível nacional, por A.... 2-A A... tem, entre outros, por finalidade, a nível nacional, (cf. art.º 3.º dos Estatutos) “… a defesa dos interesses comuns dos seus associados 3-O objeto da atividade dos associados da Requerente é a atividade remunerada de transporte rodoviário de passageiros em veículos ligeiros, estes, por sua vez, designados de táxi...”.
Sendo escopo da apelada “… a defesa dos interesses comuns dos seus associados...”, este desiderato compreende que toda a legislação nacional que se aplica à “...atividade remunerada de transporte rodoviário de passageiros em veículos ligeiros, estes, por sua vez, designados de táxi...”, seja, em termos sócio profissionais e públicos, escrupulosamente observada por todos aqueles que prossigam tal atividade.
Não temos pois dúvidas que a apelada Antral pode e deve exigir que a legislação que aqui é chamada à colação, mormente, o Decreto-lei nº251/98 de 11-VIII, demais legislação que o alterou, e, também, lhe é suplementar, cujo objeto é o licenciamento da atividade de transporte rodoviário, posto que se insere nos direitos que constituem os seus poderes de enquadramento estatutário.
Em suma: - A recorrida goza do Direito que aqui vem suscitar contra a U... Inc., o qual, na sua aparência, parece inquestionável. 
Agora, vejamos então o segundo requisito (periculum in mora):
Com interesse para este tópico, está indiciariamente assente que a recorrente (U... Inc.) “...4-... (...)... é uma empresa americana, do sector de transporte e tecnológico, que desde 2009, data da sua constituição, se dedica a oferecer um serviço, semelhante ao táxi tradicional, através do uso de aplicativos tecnológicos, pela via da Internet. (sublinhado nosso) 5- (...) está a explorar, em Portugal, a atividade comercial remunerada de transporte de passageiros em veículos ligeiros com condutor, sob duas modalidades, o U... black e o U... x, com maior expressão nas cidades de Lisboa e Porto. 6-Mas, também, em todo o território nacional, com modalidades de transporte para empresas. 7-A ferramenta em que a Requerida alicerça o seu serviço é designada de E- Hailing, isto é, o ato de se requisitar um táxi através de um dispositivo eletrónico, geralmente um celular ou um smartphone...”.

Por outro lado, não resulta, pela positiva, que a apelante, como “...empresa americana, do sector de transporte e tecnológico, que desde 2009, data da sua constituição, se dedica a oferecer um serviço, semelhante ao táxi tradicional, através do uso de aplicativos tecnológicos, pela via da Internet...” tenha observado toda a legislação atinente ao licenciamento da atividade de transporte rodoviário (Decreto-lei nº251/98 de 11-VIII, demais legislação que o alterou, e também lhe é suplementar), legislação essa que os associados da apelada «Antral» tem de observar.

Ora:  A não observância de Leis de interesse público, como seja ao licenciamento da atividade de transporte rodoviário, por parte de uma empresa que atua totalmente à margem, não se tendo presente toda a dimensão legal e financeira que lhe é consequente, em face de outras empresas que cumprem os ditames normativos que lhe são impostos, gera uma concorrência desleal, com os atinentes danos financeiros, num mercado que o Legislador quis regulado de uma determinado modo. A não ser estancada de imediato este despeito para com a Lei, a distorção acaba por compensar a quem não está conforme com as normas de interesse geral, e a prejudicar quem cumpre a normatividade imposta.
A demora na atuação judicial faz perigar os direitos de quem cumpre e tem poder para os defender, e fazendo-o, estão cumpridos os requisitos que a apelante diz inverificados.

III–CONCLUSÃO.

Em Consequência – Decidimos:
Julgar improcedente a douta apelação da U... Inc., e confirmar a decisão cautelar de 15 de Julho de 2017
Condenar em custas a recorrente.



Lisboa, 27-04-2017



Rui da Ponte Gomes
Luis Correia de Mendonça
Maria Amélia Ameixoeira
Decisão Texto Integral: