Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2100/22.7S6LSB.L1-5
Relator: ALDA TOMÉ CASIMIRO
Descritores: CONCURSO APARENTE
CRIME DE AMEAÇA
CRIME DE ROUBO
CRIME CONTINUADO
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/09/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: I.–Para existir concurso – aparente – entre o crime de ameaça e o crime de roubo é necessário que a ameaça seja necessária ou instrumental para a prática do crime de roubo.

II.–O crime continuado (que não seja praticado contra bens eminentemente pessoais) consiste numa unificação jurídica de um concurso efectivo de crimes que protegem o mesmo bem jurídico, com execução essencialmente homogénea e fundada numa culpa diminuída.

III.–Na previsão do nº 5 do art. 50º do Cód. Penal, “o período de suspensão é fixado entre um e cinco anos”. Sendo a suspensão da execução da pena de prisão hoje entendida como uma verdadeira pena – uma pena de substituição – tem que ser fixada de molde a prosseguir os fins das penas, contida ainda nos limites da medida da culpa (art. 40º do Cód. Penal), podendo ser fixada por período superior à pena de prisão.

(Sumário da responsabilidade da relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa,


Relatório


No âmbito do processo comum, com intervenção do Tribunal Singular e nº 2100/22.7S6LSB, que corre termos no Juiz 13 do Juízo Local Criminal de Lisboa, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, foi o arguido,

AA, solteiro, nascido a ........2006 na freguesia de ..., filho de BB e de CC, residente na ..., em Lisboa,
condenado, como co-autor mediato de:
- um crime de roubo na forma tentada, p e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 210º, nº 1, 22º, 23º e 73º, todos do Cód. Penal, na pena de 8 (oito) meses de prisão;
- um crime de ameaça, p. e p. pelo art. 153º, nº 1, do Cód. Penal, na pena de 6 (seis) meses de prisão;
- um crime de roubo, p. e p. pelo art. 210º, nº 1, do Cód. Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão;
Operado o cúmulo jurídico, foi o arguido condenado na pena única de 2 (dois) anos e 7 (sete) meses de prisão, cuja execução ficou suspensa por 4 (quatro) anos, sujeita a regime de prova.
*

Sem se conformar com a decisão, o arguido interpôs o presente recurso onde formula as conclusões que se transcrevem:
1.Somente por extrema necessidade e sentido de Justiça, se apresenta Recurso, que visa a apreciação da Douta sentença,
2.O arguido foi condenado pela prática de um crime de roubo e um crime de ameaça.
3.O crime de roubo é complexo, porque para ele convergem outro tipo de crimes, que servem como meio (crime-meio) para a prática do crime fim, o Roubo.
4.Para o preenchimento do tipo de crime “roubo”, é necessária a existência de violência, ameaça para a vida ou integridade física, sem a qual o tipo de crime não se encontraria preenchido.
5.Existe um concurso de crime, entre a ameaça e o roubo, pelo qual o crime de roubo consome o crime de ameaça.
6.O roubo é um crime que engloba o furto e a violência, que precede ou acompanha a sua execução.
7.No roubo está englobado a proteção do património e os bens eminentemente pessoais.
8.Os factos provados vertidos nos autos, refletem esta situação, pela qual os arguidos decidiram apoderar-se dos artigos de valor que a vítima tivesse consigo, mediante o recurso à força física se tal se mostrasse necessário. Posteriormente, a agredir a vítima, o DD retira o blusão que a vítima trazia vestido.
9.Deve ser reconhecido que o crime de ameaça, não tem autonomia em relação ao crime de roubo, pelo qual o arguido foi condenado.
10.Entende a defesa que os factos descritos na acusação e dados como provados, indicam a prática de um único crime de roubo... senão vejamos
11.Data dos primeiros factos 6 de Novembro de 2022
12.Ofendido dos primeiros factos – EE
13.Data dos segundos factos 17 de Dezembro de 2022
14.Ofendido dos segundos factos – EE
15.A primeira situação consubstancia a prática de um crime de roubo na forma tentada, e a segunda situação a prática do mesmo crime de roubo, desta feita na forma consumada.
16.Para que a unificação das duas condutas, opere, teremos de estar perante uma conexão temporal, de factos idênticos que facilitam uma recaída.
17.A figura do crime continuado surge quando atuações diversas, são reiteradas e se repetem em função da verificação dos mesmos acontecimentos.
18.Assim, e com o devido respeito por opinião superior, entende a defesa, que os factos descritos nos autos, consubstanciam a prática de um crime de roubo, e não um crime de roubo na forma tentada, e um crime de roubo da forma consumada.
19.A medida da pena aplicada entende-se desproporcional, por excessiva, pelo que não se conforma o recorrente com a pena única de 2 anos e sete meses, suspensa na sua execução por um período de 4 anos, sujeita a regime de prova.
20.O Arguido não tem antecedentes criminais por crimes de idêntica, natureza.
21.O arguido tinha somente 16 anos de idade, na data dos factos.
22.Os fundamentos sobre que assenta a presente sentença, com o devido respeito, não respeitam os princípios da reinserção do agente na comunidade.
E o mais importante, afastar o arguido da sua esfera familiar e afetiva que é a base para a formação de carácter de uma pessoa e a sua sustentação basilar.
23.Ora, cabe ao julgador ponderar se no caso em apreço deve sacrificar o processo de reinserção do agente na sociedade em detrimento da função punitiva da pena.
24.Ou se no caso em analise é possível reinserir o agente, restabelecendo os seus laços com a sociedade.
25.A pena tem como finalidade primordial a tutela necessária dos bens jurídico-penais. Por outras palavras, a aplicação de uma pena visa acima de tudo o "restabelecimento da paz jurídica abalada pelo crime". Há uma "medida óptima de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias que a pena se deve propor alcançar".
26.Não se afigura que neste caso, se verifique um sério fator de risco para a reincidência criminal, nem que o mesmo esteja sujeito à tentação de cometimento de novos crimes.
27.Assim, no seguimento deste humilde entendimento é que estaria sempre salvaguardado o Princípio da proporcionalidade e as finalidades de prevenção das penas, respeitando assim a dignidade humana do recorrente e o Princípio da culpa.
28.Entende o recorrente, que a pena imposta é excessiva e que, misericordiosamente, espera de V. Exas. a sua redução, pois que em nada colidirá com a finalidade das penas e das medidas de segurança.
29.Acreditamos que desde forma, mediante a aplicação de uma pena prisão ainda que suspensa na sua execução, por um período inferior a 4 anos, acrescida do cumprimento de regras e deveres impostos pelo Tribunal, seria possível encontrar o equilíbrio entre as finalidades de pena, sem sacrifícios de maior, afastando as reservas quanto ao futuro do Recorrente.
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O Ministério Público junto da 1ª instância contra-alegou, defendendo a manutenção da decisão recorrida e apresentando as seguintes conclusões:
1-Nestes autos foi o arguido condenado pela prática, em autoria material, como coautor mediato de um crime de roubo na forma na forma tentada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 210º, n.º 1, 22º, 23º e 73º, do todos do Código Penal, na pena de 8 (oito) meses de prisão;
Foi ainda condenado como co-autor mediato de um crime de ameaça, previsto e punido pelo artigo 153º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 6 (seis) meses de prisão;
E ainda como co-autor mediato de um crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão;
Operando o cúmulo jurídico das penas parcelares, foi o arguido AA condenado na pena única de 2 (dois) anos e 7 (sete) meses de prisão, cuja execução se suspendeu por 4 (quatro) anos, sujeita a regime de prova.
2-O recurso do arguido centra- se na existência de um concurso aparente de crimes (entre o crime de ameaça, que diz ser crime-meio para a prática do crime de roubo); a existência de um crime continuado de roubo (ao invés de dois crimes, ainda que um deles tentado) e bem assim, na medida concreta da pena aplicada.
3-No que respeita ao concurso aparente diremos que em face dos factos provados sob os números 7, 16 e 17, o crime de ameaça não foi meio para praticar qualquer crime de roubo, antes se tratou de conduta autónoma do arguido que visava efectivamente amedrontar o ofendido EE, com conseguiu. O roubo (tentado), à data, já estava consumado (cfr. factos 2 a 5). Assim, há uma pluralidade de resoluções distanciadas no tempo (ainda que por segundos) e já após a perfeição do crime de roubo (este apenas tentado, porque o ofendido nada tinha consigo susceptível de o arguido se apoderar).
4-Há igualmente uma pluralidade de bens jurídicos ofendidos, sendo por isso duas condutas “independentes”, não sobreponíveis e que por igual devem ser objecto de apreciação e valoração.
5-Inexiste qualquer crime continuado de roubo.
6-Novamente, estamos perante duas situações diversas, ocorridas em momentos temporais – 06.11.2022 e 17.12.2022 - e espaciais - esquina da ... com a ...) e ..., junto ao ... (em Lisboa), diversos.
Novamente, estamos perante uma pluralidade de resoluções distanciadas no tempo, tratando-se assim de dois comportamentos autónomos que não se sobrepõem e que por igual devem ser objecto de valoração e decisão.
7-No respeitante à medida concreta da pena – 2 anos e 7 meses de prisão, suspensa na sua execução por 4 anos – período de suspensão este, com o qual o arguido discorda, importa referir que sendo a suspensão da execução da pena de prisão uma verdadeira pena de substituição, ela não tem que ter correspondência com o quantum da pena principal fixada, havendo apenas que respeitar os limites mínimos e máximos previstos no nº 5 do art. 50º do C.Penal.
8-Além do mais, é nosso entendimento que a personalidade do arguido, a natureza dos crimes por si praticados e a sua total ausência de arrependimento, elevam a fasquia das necessidades de prevenção especial positiva, na medida em que a socialização do arguido se revela meta difícil de alcançar, não permitindo ignorar também as de prevenção especial negativa, pela necessária advertência individual.
9-Tudo visto, concordamos na íntegra com a douta sentença proferida, por tocar todos os pontos essenciais, logrou chegar a uma boa e acertada decisão, fazendo a Justiça no caso concreto, como se impunha.
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Nesta Relação, o Digno Procurador-Geral Adjunto emitiu douto Parecer no sentido da improcedência do recurso.

Os autos foram aos vistos e à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.
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Fundamentação

Na sentença recorrida deram-se como provados os seguintes factos:
1.No dia 6 de Novembro de 2022, pela 1 hora e 44 minutos, o arguido AA, juntamente com os menores FF e GG, encontravam-se na esquina da ... com a ..., em …, quando avistaram o ofendido EE, que ali se encontrava juntamente com uma amiga.
2.Nesse momento, o arguido e os dois menores formularam o propósito de se apoderarem dos bens e valores que EE tivesse consigo, prevalecendo-se da sua superioridade numérica e inerente intimidação decorrente da mesma.
3.Na execução do referido desígnio, FF chamou EE, ordenando-lhe que se aproximasse de si.
4.Antevendo os intentos do grupo, o ofendido começou a correr, tendo sido perseguido pelo arguido e pelos outros indivíduos também em corrida, tendo sido entretanto interceptado pelo grupo.
5.O arguido AA, acompanhado pelos outros indivíduos, disse ao ofendido então, em tom sério e agressivo: Passa-me as tuas coisas e o dinheiro que tens.
6.EE referiu então que não trazia qualquer dinheiro consigo.
7.De imediato o arguido lhe disse que lhe iria bater da próxima vez que o visse.
8.Seguidamente, AA e os referidos menores ausentaram-se do local, sem qualquer bem do ofendido por este ter dito que não tinha dinheiro, ficando o ofendido desde essa data com medo e inquietação.
9.No dia 17 de Dezembro de 2022, pelas 0 horas, AA, juntamente com outros quatro indivíduos, de entre os quais os já referidos FF e GG, avistou EE quando este se encontrava no ..., junto ao ..., em ….
10.De imediato e reconhecendo o ofendido, decidiram apoderar-se dos artigos de valor que este trouxesse consigo, mediante o recurso à força física se tal se mostrasse necessário.
11.Em conformidade, o grupo acercou-se de EE, tendo o arguido e FF dito a este que não tinham gostado que tivesse ido à Polícia mentir.
12.O ofendido tentou então explicar o sucedido, momento em que o arguido lhe desferiu uma bofetada na face, após o que o menor FF e todos os demais elementos do grupo deram murros na face e no estômago, pontapés e joelhadas na cabeça e no corpo de EE.
13.Seguidamente, o DD disse ao ofendido que iria levar uma lembrança sua, no seguimento do que o grupo obrigou o ofendido a despir e a entregar o blusão que trazia vestido, no valor estimado de € 120,00 (cento e vinte euros), o que este fez, entregando o blusão.
14.Na posse do referido blusão o arguido e os demais colocaram-se em fuga, fazendo seu aquele artigo.
15.Em ambas as ocasiões, AA agiu em conjugação de esforços e de intentos com FF e GG, com o propósito de se apoderar dos bens do ofendido pelos modos descritos, muito embora soubesse que aqueles não lhe pertenciam e que actuava contra a vontade do respectivo proprietário, desiderato que, na primeira das ocasiões não alcançou por motivos alheios à sua vontade e, na segunda, conseguiu.
16.O arguido sabia que as expressões por si utilizadas, nas circunstâncias em que o foram, eram idóneas a causar medo e inquietação em EE, como veio a suceder e, ainda assim, não se absteve de agir do modo narrado.
17.Agiu sempre de forma deliberada, livre e consciente, sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.
18.Do relatório social elaborado ao arguido pela DGRSP resulta: “o arguido integra o agregado familiar de origem, o qual é constituído por avó paterna, pais e dois irmãos maiores de idade. A família reside num imóvel do Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana (IHRU) pela qual despendem 8 euros de renda mensal, situação que mantém no presente com previsão de atribuição vitalícia do imóvel. A dinâmica familiar foi descrita como harmoniosa e de cooperação entre os diferentes elementos, o que também se mantém no presente. O arguido apresenta um nível de absentismo elevado e quando está presente possui problemas de comportamento, o que em conjugação tem inviabilizado a conclusão do nível de escolaridade previsto. (…) Teve um percurso escolar com diversas dificuldades. (…) No que concerne aos comportamentos desviantes em contexto escolar contando com elevado absentismo, manifestação de atitudes desajustadas e comportamentos disruptivos, tanto em contexto de sala de aula como nos demais espaços escolares. (…) Tem vindo a privilegiar a afiliação e a lealdade a um grupo de pares do seu meio social de origem fortemente conotado com práticas desviantes e ilícitas (…) com um padrão de agressividade verbal e de insolência dirigidos aos agentes educativos, bem como uma fraca tolerância às contrariedades e à frustração, e a tendência para um agir reativo e impulsivo, com fraca capacidade de antecipação das consequências do seu comportamento. (…) uma atitude persistente de resistência ao cumprimento das regras básicas de funcionamento da escola, bem como a atitude de desafio aos limites impostos externamente naquele contexto, assim como uma aparente fraca ressonância interna face à necessidade de mudar os seus comportamentos e atitudes, tendendo a minimizar a sua responsabilidade pessoal nas condutas mais desajustadas.”
19.O arguido está a estudar.
20.Vive com os pais, que trabalham, com a avó, e ainda com 2 irmãos mais velhos.
21.O arguido não tem antecedentes criminais registados.

Na sentença recorrida considerou-se inexistirem factos não provados a elencar.
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Apreciando…

De acordo com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário das Secções do STJ de 19.10.1995 (in D.R., série I-A, de 28.12.1995), o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, das questões de conhecimento oficioso.
Assim, o recorrente alega:
- errada integração jurídica (concurso aparente entre o crime de roubo tentado e o crime de ameaça; e crime continuado de roubo);
- errada medida concreta da pena.
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Da integração jurídica
Alega o recorrente que os factos provados integram apenas a prática de um crime de roubo.
Afirma que existe um concurso de crimes entre a ameaça e o roubo e que o crime de roubo consome o crime de ameaça. E afirma também que a sua conduta integra a prática de um único crime de roubo na forma continuada, já que a data dos primeiros factos ocorreu em 6 de Novembro de 2022 e a data dos segundos factos ocorreu em 17 de Dezembro de 2022, sendo o ofendido o mesmo nas duas situações, pelo que defende existir uma conexão temporal de factos idênticos que facilitam uma recaída.

O Tribunal recorrido procedeu à seguinte integração jurídica:
O arguido vem então acusado, em co-autoria material e na forma consumada, de: um crime de roubo na forma tentada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 210º, n.º 1, 22º, 23º e 73º, do todos do Código Penal; um crime de ameaça, previsto e punido pelo artigo 153º, n.º 1, do mesmo Código; e um crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210º, n.º 1, do mesmo diploma.
Quanto ao crime de roubo.
Determina o artigo 210.º n.º 1 do Código Penal que “quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair, ou constranger a que lhe seja entregue, coisa móvel alheia, por meio de violência contra uma pessoa, de ameaça com perigo iminente para a vida ou para a integridade física, ou pondo-a na impossibilidade de resistir, é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos”.
A incriminação legal tem como escopo proteger, em primeira linha, a propriedade. Porém, e ao contrário do crime de furto, por exemplo, o tipo de ilícito protege também a vida, a integridade física e a liberdade individual. Deste modo, estamos perante um bem jurídico-penal complexo, no qual existem várias dimensões do individuo que a norma legal pretende proteger.
Nas palavras do Supremo Tribunal de Justiça, em Acórdão datado de 29 de Setembro de 2014, “o roubo é um crime complexo que ofende bens jurídicos patrimoniais e pessoais, configurados, os primeiros no direito de propriedade sobre móveis e os segundos na liberdade de acção e decisão e na integridade física, bens jurídicos postos em causa pela violência contra uma pessoa, pela ameaça com perigo iminente para a vida ou integridade física ou pela colocação da vítima na impossibilidade de resistir” (Ac. STJ, 29/09/2014, Proc. n.º 280/13.1GARMR.S1, disponível em www.dgsi.pt).
A pedra basilar do crime de roubo é a utilização de um meio coactivo para forçar a pessoa a entregar um bem. Este meio pode ser a violência (contra a própria vítima ou contra outra pessoa), a ameaça (com perigo iminente para a vida ou para a integridade física) ou uma acção que ponha a pessoa num estado em que lhe é impossível resistir.
Assim, trata-se de um crime de execução vinculada, pois somente pode ser cometido se usado um dos meios acima enumerados. É também um crime de dano e de resultado.
Com interesse para a boa decisão da causa, importa frisar que a ameaça poderá tanto ser simples como qualificada, sendo necessário que o alvo ameaçado seja a vida ou a integridade física. O perigo eminente pode ser dirigido contra o próprio ofendido ou contra terceiro, mas a ameaça em si é, necessariamente, dirigida ao ofendido.
Como afirma MIGUEZ GARCIA, “pode ser uma lesão simples, mas o comportamento do sujeito activo deve ser apropriado a afastar a resistência da vítima. Para averiguar se tal é o caso, deverá o intérprete perguntar-se se uma pessoa, colocada na perspectiva da vítima (Opfersicht), renunciaria, também ela, a resistir” (in “O Direito Penal Passo a Passo”, Vol. II, 2.ª Ed., 2015, pág. 179).
O agente não tem de estar em condições objectivas de concretizar a ameaça, mas o ofendido deverá acreditar seriamente que esta irá ocorrer.
Como já se foi referindo, o meio utilizado deverá ser adequado, o que significa que o agente deverá utilizar a violência necessária para conseguir subtrair ou constranger a vítima a entregar-lhe a coisa ou animal alheios, a ameaça deverá ser suficiente para que uma pessoa, colocada na mesma situação, se iniba de resistir e o modo utilizado para colocar a vítima na incapacidade de resistir deve ser eficaz para que esse estado de impossibilidade ocorra.
A par do elemento objectivo supra descrito, é ainda necessário que o agente aja com dolo (em qualquer uma das modalidades). Todavia, o tipo legal exige ainda um dolo específico, que se traduz na ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa de coisa móvel alheia.
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Analisando o caso concreto,

Provou-se que no dia 6 de Novembro de 2022 o arguido, juntamente com dois menores, abordaram o arguido, perseguiram-no em corrida e o arguido disse-lhe, em tom sério e agressivo: Passa-me as tuas coisas e o dinheiro que tens. Acabaram por não levar nada porque o ofendido nada tinha consigo.
Por outro lado provou-se também que no dia 17 de Dezembro de 2022 o arguido, juntamente com outros quatro indivíduos, cercaram o ofendido, desferiram-lhe uma bofetada na face, murros na face e no estômago, pontapés e joelhadas na cabeça e no corpo do ofendido. Seguidamente, obrigaram o ofendido a despir e a entregar o blusão que trazia vestido, e na posse deste colocaram-se em fuga, fazendo seu aquele artigo.
Ficou igualmente provado que o arguido sabia que aqueles objectos não lhe pertenciam e que agia contra a vontade do seu legítimo proprietário ao tentar dele se apropriar, mais sabendo que pelo uso da ofensa física, lhe seria possível obter a sua posse, a que, efectivamente, recorreu para lograr tal fim.
Dúvidas não restam, assim, que o arguido agiu no intuito de se apropriar daquele objecto, tendo-o feito através do à violência física sobre a ofendida.
Contudo, ainda que os meios fossem idóneos a concretizar os seus intentos e desencadeassem um perigo real e concreto para o fazer, certo é que o arguido não conseguiu ficar na posse de qualquer bem na primeira situação por não ter o ofendido qualquer bem de valor consigo.
Ainda assim, tal como ficou explicitado supra, os factos provados demonstram que a conduta do arguido preenche, já, elementos do tipo de crime de roubo, não preenchendo na totalidade por falta de consumação, uma vez que não conseguiu que o telemóvel entrasse no seu domínio fáctico.
Assim, consubstanciando a conduta do arguido a prática de actos de execução do crime de roubo, nos termos do artigo 22.º n.º 2 al. a) do Código Penal, estamos perante uma tentativa punível de acordo com o n.º 1 da mesma disposição legal.
Determina o artigo 22.º n.º 1 do Código Penal que “há tentativa quando o agente praticar actos de execução de um crime que decidiu cometer, sem que este chegue a consumar-se”. Assim, importa esclarecer desde logo o que são actos de execução e, de seguida, em que momento se consuma o crime de roubo.
Quando se pretende esclarecer o que são actos de execução é sempre necessário distinguir entre actos preparatórios e actos de execução, já que os primeiros não são puníveis (cfr. art. 21.º do C.Penal) e, muitas vezes, antecedem a realização dos segundos.
A doutrina e a jurisprudência têm apontado como critério diferenciador a colocação ou não do bem jurídico protegido em perigo. Ou seja, quando um acto cria uma situação de perigo para um bem jurídico-penal já podemos considerar que existe um acto de execução do tipo legal que protege esse bem. Se, pelo contrário, o acto não criar qualquer situação de perigo, ele será meramente preparatório.
Quanto a este tema, leia-se o seguinte excerto do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 11 de abril de 2018 que refere que, “Entre o momento da intenção criminosa (nuda cogitatio) e a consumação de um tipo legal de crime desenrolam-se ou podem ocorrer uma série de actos que, uma vez verificado o resultado típico, deixam de interessar já que são absorvidos pela infracção concretizada.
Todavia, não chegando a consumar-se o crime, suscita-se a questão do tratamento dos actos que ainda foram praticados no âmbito da referida resolução criminosa.
(…) Assim, o critério legal para a distinção entre actos preparatórios e actos de execução é um critério objectivo: Os actos de execução hão-de conter, em si mesmos, um momento de ilicitude, pois que ainda que não produzam a lesão do bem jurídico tutelado pela norma incriminadora do crime consumado produzem já uma situação de perigo para esse bem. E, é este perigo objectivo - embora aparente – causador de alarme e intranquilidade social que possui aptidão bastante para fundamentar a punição do agente, ao contrário dos actos preparatórios que, em regra, não possuem potencial lesivo, ou seja não constituem um perigo objectivo para o bem jurídico (…)” (sublinhado e destacado nosso; Ac. TRP 11/04/2018, Proc. n.º 216/16.8GBFLG.P1, disponível em www.dgsi.pt).
Feita a distinção, centremo-nos no tipo de actos de execução previstos na lei.
O n.º 2 do art. 22.º do C.Penal divide os actos de execução em três grupos:
a) Os que preencherem um elemento constitutivo de um tipo de crime;
b) Os que forem idóneos a produzir o resultado típico; ou
c) Os que, segundo a experiência comum e salvo circunstâncias imprevisíveis, forem de natureza a fazer esperar que se lhes sigam actos das espécies indicadas nas alíneas anteriores” (sublinhado nosso).
Verificada a existência de actos de execução, estaremos perante uma tentativa. A tentativa apenas é punida caso ao crime consumado corresponder pena superior a três anos de prisão ou se a lei expressamente o disser (cfr. art. 23.º n.º 1 do C.Penal)
No caso em concreto, o n.º 1 do art. 210.º do C.Penal estabelece uma moldura penal cujo limite máximo corresponde a 8 anos, pelo que, a tentativa é punível.
Passemos, então, à discussão quanto à consumação do crime de roubo.
O crime de roubo, tal como o de furto, consuma-se quando a coisa entra, de forma estável, no domínio de facto do agente da infracção, ou seja, a partir do momento em que o agente consegue retirar ao ofendido o objecto, substituindo a posse do ofendido sobre o aludido objecto pela sua própria posse.
O objecto passa a estar no domínio do arguido, de forma pacífica, podendo este fruir e dispor a seu bel-prazer das utilidades do bem.
No fundo, o crime consuma-se quando se logra alcançar uma tendencial estabilidade no domínio fáctico da coisa do bem.
Atente-se no seguinte excerto do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 07 de dezembro que 2010 que refere que “(…) a consumação formal do crime de roubo anda de mão dada com o momento em que o agente da infracção adquire um pleno e autónomo domínio sobre a coisa, sendo que esse momento se afere por um mínimo plausível de fruição das utilidades da coisa” (Ac. TRL 07/12/2010, Proc. n.º 698/05.3PDLRS.L1-5, disponível em www.dgsi.pt).
De todo o exposto conclui-se que o arguido cometeu um crime de roubo na forma tentada e um crime de roubo consumado.
Inexistem no caso concreto quaisquer causas de exclusão da ilicitude ou da culpa, pelo que, o arguido terá de ser responsabilizado pela sua conduta.
Quanto ao crime de ameaça.
O artigo 153.º, n.º 1 do Código Penal prevê que “quem ameaçar outra pessoa com a prática de um crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias”.
O bem jurídico protegido pela citada norma é a liberdade de decisão e acção de outra pessoa1. Isto porque, conforme descreve Taipa de Carvalho, em “Comentário Conimbricense do Código Penal”, Tomo I, Coimbra Editora, 1999, p. 442, “as ameaças, ao provocarem um sentimento de insegurança, intranquilidade ou medo na pessoa do ameaçado, afectam, naturalmente, a paz individual que é condição de uma verdadeira liberdade”.
1 Conforme refere Paulo Pinto de Albuquerque, em “Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem”, Universidade Católica Editora, 3ª edição, p. 601.
Neste seguimento, é perceptível pela observação da norma que o tipo objectivo da incriminação em causa, consiste na transmissão de uma mensagem a um destinatário que contenha a insinuação da prática futura de um mal a esse mesmo destinatário ou a um terceiro que se encontre também na mesma situação de perigo.
Ora, no caso em concreto, foi dado como provado que, o arguido se dirigiu ao ofendido e lhe disse que lhe iria bater da próxima vez que o visse.
Esta expressão consiste, sem dúvida, numa comunicação capaz de insinuar a prática futura de um mal ao destinatário da mesma, comportando, explicitamente uma ameaça à integridade física do destinatário de forma adequada a provocar-lhe medo, preenchendo-se assim o tipo legal do crime em causa, relativamente ao elemento objectivo.
Por sua vez, o tipo subjectivo da incriminação em causa pode ser preenchido por qualquer tipo de dolo (direto, indireto e eventual). Exige-se assim dolo na intenção de provocar medo ou inquietação no destinatário ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, sendo irrelevante, conforme afirma Paulo Pinto de Albuquerque, na obra citada, p. 602, que o agente tenha a intenção de concretizar a ameaça.
Ora, resulta da matéria de facto que o arguido, ao proferir aquelas expressões descritas, agiu com o propósito de provocar receio pela integridade física e inquietação a EE, o que conseguiu.
Assim, considera-se que o arguido agiu com dolo directo nos termos do nº1 do artigo 14º do Código Penal, na medida em que sabia que a sua conduta iria provocar medo e restringir a liberdade do destinatário e teve vontade de, ainda assim, praticá-la.
Pelo que, face ao que vem sendo exposto e inexistindo causas de exclusão da ilicitude ou da culpa, conclui-se que o arguido praticou, na forma consumada, um crime de ameaça, previsto e punido pelo artigo 153º, nº 1 do Código Penal.
Mais se acrescenta que o arguido agiu de forma livre e com consciência da proibição, ou seja, agiu culposamente, pelo que, dúvidas não restam que o mesmo deverá ser responsabilizado pela conduta que adoptou, que foi contra as regras do direito penal e da convivência em sociedade, quando, por outro lado, poderia ter conformado o seu comportamento de acordo com as mesmas.
Assim, conclui-se que, de acordo com a factualidade dada como provada e a apreciação aqui efectuada, subsumem-se as condutas descritas à prática do crime de ameaça, previsto e punido pelo artigo 153.º, n.º 1 do Código Penal.
Quanto à co autoria, forma pela qual o arguido vem acusado.
Dispõe o art.26.º do Código Penal: “É punível como autor quem executar o facto, por si mesmo ou por intermédio de outrem, ou tomar parte direta na sua execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros, e ainda quem dolosamente, determinar outra pessoa à prática do facto, desde que haja execução ou começo de execução”.
São requisitos essenciais para que ocorra comparticipação criminosa sob a forma de coautoria a existência de decisão e de execução conjunta. O acordo pode ser tácito, bastando-se com a consciência/vontade de colaboração dos vários agentes na realização de determinando crime. No que respeita à execução, não é indispensável que cada um dos agentes intervenha em todos os atos ou tarefas tendentes a atingir o resultado final; o que importa é que a atuação de cada um, embora parcial, se integre no todo e conduza à produção do objetivo em vista. A essência da coautoria consiste em que cada comparticipante quer causar o resultado como próprio, mas com base numa decisão conjunta e com forças conjugadas.
Por seu turno, nos termos do art.27.º do Código Penal, “é punido como cúmplice quem, dolosamente, e por qualquer forma, prestar auxílio material ou moral à prática por outrem de um facto doloso”.
A cumplicidade diferencia-se da coautoria pela ausência do domínio do facto; o cúmplice limita-se a facilitar o facto principal, através do auxílio físico (material) ou psíquico (moral), situando-se esta prestação de auxílio em toda a contribuição que tenha possibilitado o facto principal ou fortalecido a lesão do bem jurídico cometida pelo autor.
Tendo em consideração os factos dados como provados, se o arguido praticou os factos referidos, as circunstâncias em que atuaram indiciam, sem margem para dúvidas, face às regras da lógica e da experiência comum que existiu um acordo entre todos no sentido de se apropriarem dos bens pertencentes ao ofendido e de o agredirem e ameaçarem nos termos em que o fizeram.
Olhando à factualidade provada não podemos deixar de concluir que a participação do arguido não se limitou à prestação de auxílio material à prática dos factos pelos outros indivíduos, isto é, não se limitou a um papel acessório. O arguido teve uma participação idêntica à dos outros indivíduos, que foi tão relevante para a consumação do crime como a dos outros, já que tinha o domínio do facto, isto é, podia parar o desenrolar da ação típica.
O arguido é assim, coautor dos factos.

A primeira questão levantada pelo recorrente é a de que existe um concurso – aparente – entre o crime de ameaça e o crime de roubo, consumindo o crime de roubo o crime de ameaça.

A problemática do concurso de crimes resolve-se, nos termos do art. 30º do Cód. Penal, desta forma:o número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente”.

O concurso pode ser real (quando o agente pratica vários actos que preenchem autonomamente vários crimes ou várias vezes o mesmo crime – pluralidade de acções) ou pode ser um concurso ideal (quando através de uma mesma acção se violam várias normas penais ou a mesma norma repetidas vezes – unidade de acção). O critério determinante para aferir o concurso é, sempre, o que resulta da consideração dos tipos de crime efectivamente cometidos, o que aponta decisivamente para a consagração de um critério teleológico, referido ao bem jurídico violado, como mais adequado a delimitar os casos de concurso efectivo (real ou ideal) das situações em que, não obstante a pluralidade de tipos de crime eventualmente preenchidos, não existe efectivo concurso de crimes: os casos de concurso aparente e de crime continuado.

Nos casos de concurso aparente, as leis penais concorrem só na aparência, já que a integração da conduta do agente num determinado tipo de crime, exclui a integração noutro tipo que só aparentemente está também em concurso.

Nestes casos, a opção de integração da conduta do agente num determinado tipo de crime, com exclusão de outro, faz-se através do apelo a regras: regras de especialidade (quando um dos tipos aplicáveis incorpora os elementos essenciais do tipo fundamental), subsidiariedade (quando o tipo só se aplica se o facto não for punido por norma mais grave) ou consunção (quando o preenchimento do tipo legal mais grave inclui o preenchimento de outro tipo legal menos grave).

No caso em análise nos autos, não obstante o crime de roubo tentado e o crime de ameaça terem ocorrido na mesma ocasião, a ameaça punida não integra a acção punida pelo roubo, havendo duas resoluções distintas.

Efectivamente, numa primeira resolução, o arguido/recorrente, acompanhado de outros 2 indivíduos (menores) perseguem o ofendido, em corrida, interceptam-no e o arguido diz ao ofendido, em tom sério e agressivo: “passa-me as tuas coisas e o dinheiro que tens”, sendo que desta forma, agindo com ilegítima intenção de apropriação, pretendeu o arguido constranger a que lhe fosse entregue, coisa móvel alheia, prevalecendo-se da superioridade numérica para colocar o ofendido na impossibilidade de resistir, e só não logrando os seus intentos por o ofendido não trazer dinheiro consigo.

Ainda que na sequência, mas sendo evidente uma outra resolução, o arguido/ recorrente disse ao ofendido que lhe iria bater da próxima vez que o visse, ficando o ofendido desde essa data com medo e inquietação.

É patente que na 2ª ocasião o arguido/recorrente não profere a ameaça como forma de constranger o ofendido a entregar-lhe bens.

Esta ameaça não é necessária, nem instrumental, para a prática do crime de roubo, não havendo o alegado concurso aparente.

A segunda questão colocada pelo recorrente prende-se com a problemática do crime continuado, afirmando que a sua conduta integra a prática de um único crime de roubo na forma continuada, já que a data dos primeiros factos ocorreu em 6 de Novembro de 2022 e a data dos segundos factos ocorreu em 17 de Dezembro de 2022, sendo o ofendido o mesmo nas duas situações, pelo que defende existir uma conexão temporal de factos idênticos que facilitam uma recaída.

Como supra dissemos, o nº 1 do art. 30º do Cód. Penal estabelece que o número de crimes se determinapelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente”.

Como desvios a esta regra surgem o concurso aparente de normas e o crime continuado, este último previsto no nº 2 do mesmo art. 30º e assim descrito:constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente”, ressalvando o nº 3 queo disposto no número anterior não abrange os crimes praticados contra bens eminentemente pessoais”.

Em síntese, o crime continuado (que não seja praticado contra bens eminentemente pessoais) consiste numa unificação jurídica de um concurso efectivo de crimes que protegem o mesmo bem jurídico, com execução essencialmente homogénea e fundada numa culpa diminuída.

Aplicando estes conceitos ao caso concreto, é claro que o recorrente cometeu por duas vezes o mesmo tipo de crime (de roubo, p. e p. pelo nº 1 do art. 210º do Cód. Penal, um na forma tentada e outro na forma consumada).
Todavia, não se pode afirmar que existiu homogeneidade no modo de execução dos crimes, já que na primeira ocasião o arguido cometeu os factos constrangendo a entrega apenas fazendo-se prevalecer da superioridade numérica, e na segunda ocasião constrangeu a entrega, não só mediante a prevalência da superioridade numérica, mas ainda agredindo o ofendido. Mais – e sobretudo – não há razão para se poder declarar que o recorrente agiu no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminui consideravelmente a sua culpa. Não há qualquer motivo para afirmar uma diminuição da culpa e, muito menos, considerável.
Pelo que não estamos perante uma situação de crime continuado.

Da medida das penas

Alega o recorrente que a pena única de 2 anos e 7 meses de prisão, suspensa na sua execução por um período de 4 anos, sujeita a regime de prova, é desproporcional, por excessiva, atendendo a que não tem antecedentes criminais e tinha somente 16 anos de idade na data dos factos. Afirma que a decisão não respeita os princípios da reinserção do agente na comunidade e que, no caso, não se afigura existir um sério factor de risco de reincidência criminal.
Requer a redução da pena e que a suspensão da execução seja por um período inferior a 4 anos, acrescida do cumprimento de regras e deveres impostos pelo Tribunal.

Sobre a medida e escolha das penas (parcelares e única) disse o Tribunal recorrido:

2.Da escolha da pena

Preenchidos os pressupostos de que a lei penal faz depender para a verificação deste tipo de ilícito, cumpre proceder à determinação da medida da pena concreta a aplicar ao arguido.
O Código Penal traça um sistema punitivo que arranca do princípio basilar de que as penas devem ser executadas com um sentido pedagógico e ressocializador.
De acordo com o art.40.º, do Código Penal, as penas têm como finalidade a proteção de bens jurídicos (considerações de prevenção geral) e a reintegração do agente na sociedade (considerações de prevenção especial) – art.18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa. Ademais, a pena não pode ultrapassar a medida da culpa, o que significa, por um lado, que não há pena sem culpa e, por outro, que a culpa é pressuposto de validade e limite da pena em relação a cada crime.
O critério da escolha da pena e determinação da respetiva medida encontra-se limitado pelo princípio da dignidade humana.
Ademais, como determina o art.71.º, do Código Penal, para além das exigências de prevenção e da culpa do agente, o tribunal deve atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo legal, deponham a favor ou contra o agente.
O crime de ameaça é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias.
Cumpre mencionar que, contendo o Código Penal, para o tipo legal preenchido, moldura penal alternativa, possibilitando a aplicação de uma pena de prisão ou de uma pena de multa, exige-se que se opte por uma delas.
O artigo 70.º do Código Penal refere que, se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição – protecção de bens jurídicos e reintegração do agente na sociedade (cfr. artigo 40.º do Código Penal).
Estas finalidades preventivas a que o artigo se refere estão previstas no artigo 40.º, n.º 1 do Código Penal, segundo o qual a aplicação das penas "visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade".
Assim, dever-se-á ter em conta, em primeiro lugar, as exigências de prevenção geral positiva, determinando assim se uma pena não privativa da liberdade é suficiente para não pôr em causa a tutela dos bens jurídicos e obter, nas palavras do Professor Figueiredo Dias, o "restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime".
Em segundo, tem-se ainda em conta as exigências de prevenção especial positiva, averiguando se uma pena daquela natureza é adequada e suficiente à necessidade e à promoção de ressocialização do agente.
Concretizando, as exigências de prevenção geral que se fazem sentir neste caso em concreto são elevadas. Isto porque atentas as circunstâncias em que foram praticados causam alarme social, e tendo em conta que o ofendido é também ele muito jovem.
Ao nível da prevenção especial, consideram-se aquelas exigências muito elevadas atento o descrito no relatório social, sendo que é certo que o arguido não tem antecedentes criminais registados mas também é certo que tinha apenas 16 anos à data da prática dos factos.
Paulo Pinto de Albuquerque refere, na obra citada, p.358, que ”o momento relevante para o apuramento das necessidades preventivas é o do julgamento e não o da prática do facto, razão pela qual o tribunal pode ponderar factos novos que tenham ocorrido entre a prática dos factos e a audiência de julgamento que relevem uma atenuação ou um agravamento das necessidades preventivas”, como é o caso.
O mesmo encontra-se familiar e socialmente integrado, mas não confessou os factos e não mostrou arrependimento, tendo antes tentado evitar que o Tribunal descobrisse a verdade dos factos.
Mais, o contexto em que praticou os factos e a “leviandade” com que o fez permite ao Tribunal concluir que é necessária e adequada à factualidade aqui presente, a aplicação ao arguido de uma pena privativa da liberdade, pelo que opta por uma pena de prisão quanto ao crime de ameaça.
O crime de roubo consumado pelo qual o arguido vem acusado tem como moldura abstrata uma pena de prisão de um a oito anos de prisão e o crime de roubo tentado terá esta pena especialmente atenuada nos termos do artigo 73.º, do Código Penal (de 1 mês a 5 anos e 4 meses de prisão).
*
Uma vez que o arguido tinha 16 anos, à data dos factos, importa ponderar pela aplicação ou não do regime especial para jovens.
De harmonia com o disposto no art.4.º do DL nº 401/82, de 23 de Setembro, se for aplicável pena de prisão a jovem com idade inferior a 21 anos, deve o juiz atenuar especialmente a pena, nos termos dos artigos 73.º e 74.º do Código Penal, quando tiver razões para crer que da atenuação resultam vantagens para a reinserção do jovem condenado.
A aplicação deste regime não é obrigatória e muito menos automática. É necessário que se conclua, em cada caso, que há razões para crer que dessa atenuação especial resultam vantagens para a reinserção social do jovem, sem ser afetada a exigência de prevenção geral, isto é, a garantia de proteção de bens jurídicos e, por isso, a validade das normas.
Assim, a idade do jovem delinquente só será relevante se for possível fazer um juízo de prognose favorável à sua reinserção social. Nem poderia ser de outro modo. A delinquência juvenil tem vindo a aumentar e é preocupante ver jovens cada vez mais cedo, cometer crimes e tão graves como o que se deu como provado nestes autos.
No regime especial para jovens a idade apenas releva enquanto pressuposto formal, constituindo a existência de “sérias razões” que levem o julgador a concluir que da atenuação resultam vantagens para a reinserção social do condenado o pressuposto material. O prognóstico favorável à ressocialização radica na valoração - com referência ao caso concreto e com suporte fáctico - da personalidade do jovem, da sua conduta anterior e posterior ao crime, da natureza e do modo de execução do ilícito e dos seus motivos determinantes.
No caso sub judicie, para além da gravidade dos crimes em causa nos autos, temos que sublinhar que foram 3 crimes praticados, em 2 momentos separados no tempo, sendo que a segunda situação foi como que uma vingança pelos factos da queixa apresentada pela primeira situação. Mais, o arguido tem vindo a fazer um percurso de vida, apesar da sua tenra idade, muito contrário ao Direito, sendo o teor do relatório social não só muito negativo como espelho disso mesmo.
Assim, o Tribunal considera que não se encontram verificados os pressupostos para a aplicação do regime penal dos jovens adultos.
*
Há que proceder, então, à determinação concreta das penas, fixando-se os fatores que influem no seu doseamento, atentas as circunstâncias enunciadas no n.º 2 do artigo 71.º do Código Penal.
Tendo em conta:
O grau de ilicitude do facto que se apresenta elevado, em face do concreto valor subjacente ao crime e devido ao facto de não terem resultado consequências gravosas para o ofendido, agravado por ter actuado contra também outro jovem;
No entanto, temos de considerar a desenvoltura criminosa evidenciada na atuação, isto é, o facto de estar a atuar em conjunto e, como tal, em superioridade face ao ofendido e, obviamente aproveitando-se da surpresa;
As exigências de prevenção geral afiguram-se particularmente elevadas, tendo em conta os bens jurídicos atingidos e a frequência de cometimento deste tipo de crime, bem como as consequências nefastas deste tipo de ilícitos e o alarme social que causa;
Agindo com dolo direto, o mesmo tem uma intensidade elevada, assim como o grau de culpa;
O arguido não tem antecedentes criminais registados, mas também é muito jovem o que torna praticamente impossível a existência de antecedentes;
O arguido não contribuiu para a verdade dos factos, não assumindo a ilicitude da conduta;
O arguido está familiarmente inserido.
Face ao exposto, entende-se ser adequada e suficiente a aplicação, pela prática de um crime de roubo, de uma pena de 2 anos de prisão, pela prática do crime de roubo tentado de uma pena de 8 meses de prisão, e pela prática do crime de ameaça uma pena de 6 meses de prisão.
Do Cúmulo jurídico
No caso vertente e pelo supra exposto, conclui-se pela prática por parte do arguido, de um crime de roubo, um crime de roubo tentado e um crime de ameaça.
Verifica-se, pois, a existência de um concurso efectivo de crimes para o qual é necessário estabelecer o respectivo cúmulo jurídico, nos termos do artigo 77.º do Código Penal, no sentido de evitar as consequências do foro político-criminal e de prevenção geral de ressocialização que decorreriam do cúmulo material das penas aplicadas.
Seguindo as directrizes da punição do concurso efectivo de crimes previstas no citado artigo temos que a pena de síntese tem por limite máximo as somas das penas concretamente aplicadas aos vários crimes (artigo 77º, nº2 do Código Penal) – 3 anos e 2 meses de prisão – e como limite mínimo a mais elevada das penas parcelares aplicadas – 2 anos de prisão.
A determinação da medida da pena única far-se-á em função das exigências gerais da culpa e de prevenção, sendo considerados em conjunto os factos e a personalidade do agente. Assim, quanto aos factos, traduzir-se-á na ponderação dos mesmos considerando a ilicitude global de toda a actuação, observando a conexão existente entre os vários eventos factuais, relevando para efeitos de prevenção geral (por exemplo a gravidade dos vários crimes cometidos, a frequência com que ocorrem na comunidade e o impacto nela provocado). No que tange à apreciação da personalidade do agente, esta operação assume relevância para se determinar se, no caso concreto, estamos perante uma certa tendência (que no limite se identificará com uma carreira criminosa) ou se, ao invés, estamos perante uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade. Aqui entrarão os factores inerentes à prevenção especial como sejam a idade, a dinâmica familiar na vertente da existência de factores de protecção ou de exclusão e as condicionantes económicas e sociais. Em síntese, na apreciação da globalidade dos factos deverá buscar-se se os mesmos apontam para uma tendência criminosa, caso em que, ao invés da mera pluriocasionalidade, se justificará atribuir à pluralidade um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta.
Revertendo ao caso concreto, para além do que já foi apreciado para a determinação das penas parcelares, dir-se-á que embora exista um concurso de crimes, a conduta praticada pelo arguido foi em duas ocasiões diferentes, com uma separação temporal entre elas, e a segunda parece-nos por reacção à queixa da primeira.
A desfavor do arguido, os factos demonstraram total indiferença deste perante os bens jurídicos aqui em causa, o que vem corroborado pelo relatório social elaborado. Mais uma vez se salienta, a facilidade com que o arguido ameaçou e agrediu o ofendido, não se importando minimamente com o medo e susto sentidos por este.
Ponderados estes elementos, assim como as condições de socialização apuradas e dadas como assentes, tem-se por adequada a pena única de 2 anos e 7 meses de prisão. Pena que se mostra adequada a incutir-lhe a necessidade de respeitar os bens jurídicos envolvidos e se afigura consentânea com a medida da respetiva culpa.
*

Da execução da pena de prisão

O legislador não estabeleceu quais os critérios a adotar para a hipótese de serem abstratamente aplicáveis diversas penas de substituição.
Deve, contudo, ser dada preferência à medida de substituição que realizar, de forma mais adequada, as finalidades de prevenção especial, por serem estas que, nas palavras de FIGUEIREDO DIAS "justificam, em perspectiva político-criminal, todo o movimento de luta contra a pena de prisão" - cfr. Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, Parte Geral, As Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, 2009, págs. 331 a 333.
Neste âmbito, as exigências de prevenção geral funcionam apenas enquanto limite mínimo indispensável à defesa do ordenamento jurídico.
A pena aplicada ao arguido situa-se dentro dos limites quantitativos fixados para as várias penas substitutivas, pelo que cumpre escolher a medida de substituição que realize, de forma mais adequada, as finalidades da prevenção especial (cfr. artigos 45.º, n.º 1, 50.º, n.º 1, e 58.º, n.º 1, todos do Cód Penal).
In casu, importa ponderar que o arguido não tem antecedentes criminais registados e está inserido familiarmente, no entanto não assumiu a ilicitude da sua conduta nem demonstrou qualquer arrependimento.
Neste quadro fáctico, as penas substitutivas de multa e da prestação de trabalho a favor da comunidade não se afiguram suficientemente dissuasoras da prática de novos ilícitos criminais pelo arguido, para além de não surtirem efeitos ao nível da consciencialização do erro pelo arguido.
Não obstante, atenta a sua idade e a sua integração profissional, cremos que ainda é possível formular um juízo de prognose favorável quanto ao futuro comportamento do arguido.
A suspensão da execução da pena de prisão é a que melhor acautelará as finalidades de prevenção especial e que contribuirá para uma mais eficaz reintegração do arguido na sociedade, por constituir um importante incentivo para o arguido no sentido de se manter afastado da prática de crimes.
Está assim o tribunal convencido de que a simples ameaça do cumprimento de uma pena de prisão é suficiente para afastar o arguido da prática de condutas ilícitas e a incentivá-lo a pautar a sua vida de acordo com as regras impostas pela sociedade.
Esta reação penal responde adequadamente às expectativas comunitárias na manutenção (e reforço) da validade da norma violada e à proteção do bem jurídico afetado.
Pelo exposto, nos termos do disposto no artigo 50.º, n.ºs 1 e 5, do Código Penal, decide-se suspender a pena de prisão de 2 (dois) anos e 7 (sete) meses aplicada ao arguido, pelo período de 4 (quatro) anos.
Prevê o artigo 53.º, do Código Penal, que o Tribunal pode determinar que a suspensão seja acompanhada de regime de prova, se o considerar conveniente e adequado a promover a reintegração do condenado na sociedade. Mais, o n.º 3 do referido artigo refere que “o regime de prova é ordenado sempre que o condenado não tiver ainda completado, ao tempo do crime, 21 anos de idade”. No caso dos autos, em face da idade do arguido, decide o Tribunal que a suspensão da execução da pena de prisão deve ser acompanhada de regime de prova, em que deve constar como objectivo a sua integração num programa de intervenção estruturado, vocacionado para o combate à reincidência de ilícitos criminais.
De acordo com os nºs 1 e 2 do art. 40º do Cód. Penal,a aplicação de penas… visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”, sendo queem caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”.

Damos aqui por reproduzida a explanação sobre a teoria da fixação da pena que o Tribunal recorrido tão bem explicou, sem necessidade de nada mais acrescentar.

Nos termos definidos pelo art. 71º do Cód. Penal, a medida concreta da pena é determinadadentro dos limites definidos na lei… em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”, atendendo-se “a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando nomeadamente: a) o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; b) a intensidade do dolo ou da negligência; c) os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; d) as condições pessoais do agente e a sua situação económica; e) a conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.”

A medida concreta da pena será encontrada tomando em consideração todas as circunstâncias que sejam favoráveis ou desfavoráveis ao agente (desde que não façam parte do tipo do crime), atentas as exigências de prevenção (geral e especial) que no caso se façam sentir e que se encontrem contidas na culpa.
No caso concreto as exigências de prevenção geral são elevadas, em face da proliferação deste tipo de crimes e do sentimento de insegurança que sempre acarretam.
Quanto ao mais, damos por reproduzida a cuidada análise efectuada pelo Tribunal recorrido e que subscrevemos.
Subscrevemos igualmente, pelos motivos expostos na sentença recorrida, a opção pela pena detentiva no que se refere à prática do crime de ameaça e a não aplicação do Regime Penal Especial para Jovens.
Analisando as circunstâncias apuradas na sua globalidade, justificam-se plenamente as penas parcelares aplicadas, ajustadas à culpa e às exigências reclamadas pela prevenção especial e pela prevenção geral positiva (ou de integração), isto é, de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à norma violada. Do mesmo modo se justifica plenamente a pena única fixada.
Quanto ao período fixado para a suspensão da execução da pena…
Na previsão do nº 5 do art. 50º do Cód. Penal,o período de suspensão é fixado entre um e cinco anos”.
A suspensão da execução da pena de prisão é hoje entendida como uma verdadeira pena: uma pena de substituição.
Citando o Prof. Figueiredo Dias diremos que «(…) as “novas” penas, diferentes da de prisão e da de multa, são “verdadeiras penas” – dotadas, como tal, de um conteúdo autónomo de censura, medido à luz dos critérios gerais de determinação da pena (art.º 72.º) -, que não meros “institutos especiais de execução da pena de prisão” ou, ainda menos, “medidas de pura terapêutica social”. E, deste ponto de vista, não pode deixar de dar-se razão à concepção vazada no CP, aliás continuadora da tradição doutrinal portuguesa segundo a qual substituir a execução de uma pena de prisão traduz-se sempre em aplicar, na vez desta, uma outra pena» (Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime, Aequitas-Editorial Notícias, 1993, p. 90).
De acordo com o insigne Professor, a suspensão da execução da pena de prisão é mesmoa mais importante das penas de substituição(e estas são, genericamente, as que podem substituir qualquer das penas principais concretamente determinadas), sendo que «a suspensão da execução da prisão não representa um simples incidente, ou mesmo só uma modificação da execução da pena, mas uma pena autónoma e, portanto, na sua acepção mais estrita e exigente, uma pena de substituição» (cfr. ob. cit., p. 339).
Considerando que a pena de suspensão de execução da prisão é uma pena de substituição em sentido próprio, tem ela que ser fixada de molde a prosseguir os fins das penas, contida ainda nos limites da medida da culpa (art. 40º do Cód. Penal).
Assim, repristinando tudo o que acima se disse a este respeito, não obstante a juventude do recorrente e a sua integração familiar, há que não esquecer que o recorrente tem demonstrado dificuldades na integração social, tendo ficado provado queNo que concerne aos comportamentos desviantes em contexto escolar contando com elevado absentismo, manifestação de atitudes desajustadas e comportamentos disruptivos, tanto em contexto de sala de aula como nos demais espaços escolares. (…) Tem vindo a privilegiar a afiliação e a lealdade a um grupo de pares do seu meio social de origem fortemente conotado com práticas desviantes e ilícitas (…) com um padrão de agressividade verbal e de insolência dirigidos aos agentes educativos, bem como uma fraca tolerância às contrariedades e à frustração, e a tendência para um agir reativo e impulsivo, com fraca capacidade de antecipação das consequências do seu comportamento. (…) uma atitude persistente de resistência ao cumprimento das regras básicas de funcionamento da escola, bem como a atitude de desafio aos limites impostos externamente naquele contexto, assim como uma aparente fraca ressonância interna face à necessidade de mudar os seus comportamentos e atitudes, tendendo a minimizar a sua responsabilidade pessoal nas condutas mais desajustadas.”

Por isso a suspensão da execução da pena pelo período de 4 anos afigura-se ajustada à culpa e às exigências reclamadas pela prevenção especial e pela prevenção geral positiva (ou de integração).
* * *

Decisão

Pelo exposto, acordam em julgar improcedente o recurso e confirmam o acórdão recorrido.
Custas pelo recorrente, fixando a taxa de justiça em quatro (4) UCs.


Lisboa, 9.04.2024


(processado e revisto pela relatora)


(Alda Tomé Casimiro)
(Rui Coelho)
(Carla Francisco)