Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
6970/21.8T8LSB.L1-8
Relator: CARLOS CASTELO BRANCO (VICE-PRESIDENTE)
Descritores: CONFLITO DE COMPETÊNCIA
RECLAMAÇÃO
ARTIGO 105.º N.º 4 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
REFORMA
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
ERRO MATERIAL
RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/19/2024
Votação: DECISÃO INDIVIDUAL
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: CONFLITO DE COMPETÊNCIA
Decisão: INDEFERIMENTO
Sumário: 1) Não se dirigindo a alguma das situações passíveis de reforma – não se tratando de reforma quanto a custas ou multas, nem ocorrendo a situação de manifesto lapso a que se reporta o n.º 2 do artigo 616.º do CPC -, o requerimento de reforma formulado pela ré, não pode obter fundamento de procedência.
2) Tendo existido expressa opção relativamente à questão em discussão, não se mostra ter sido omitida a pronúncia devida tendo, ao invés, sido formulado entendimento qualificativo da situação apresentada pela ré, em moldes diversos do instituto invocado por esta.
3) O erro material só pode ser retificado se for ostensivo, evidente e devido a lapso manifesto, sendo necessário que, ao ler o texto, se veja que há erro e logo se entenda o que se queria dizer.
4) A respeito da reclamação referida no artigo 105.º, n.º 4, do CPC, apresentado que seja o requerimento de reclamação e observado o contraditório exigível (cfr. artigo 3.º, n.º 3, do CPC), não estatui o legislador qualquer específica tramitação para além da decisão da questão objeto da reclamação.
5) A definitividade da decisão singular proferida, nos termos do artigo 105.º, n.º 4, do CPC, por um lado, decide em último termo e de forma definitiva a reclamação e, por outro lado, obsta quer à consideração do regime previsto no artigo 666.º do CPC, quer do previsto no n.º 3 do artigo 652.º do CPC, sendo que, relativamente ao primeiro preceito, está em questão uma decisão singular e, não, um acórdão e, quanto ao segundo preceito, prevendo a lei um regime específico para a decisão da reclamação pelo Presidente do Tribunal da Relação, com ele não se coaduna tal disposição referente à emissão de decisões por relator em sede recursória.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: I. Considerando o que se documenta dos autos, mostra-se apurado o seguinte:
1) No despacho saneador, datado de 12-07-2023, foi proferida, nomeadamente, a seguinte decisão:
“.... Pelo exposto, julgo improcedente a excepção de incompetência internacional dos Tribunais Portugueses, julgando este tribunal competente para conhecer a presente acção.”
2) A ré nos autos à margem referenciados (…), notificada do despacho saneador, apresentou, em 14-09-2023, reclamação, nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 105.º do CPC, para o Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa da decisão proferida no Despacho Saneador sobre a “...competência do tribunal em razão do território”.
Alegou, para tanto e em suma, que:
“1. Este Douto Tribunal proferiu Despacho Saneador, pelo qual apreciou e decidiu um conjunto de exceções dilatórias arguidas pelas Rés nas respetivas contestações.
2. Por Requerimento apresentado em 20.07.2023, a aqui Ré (…) requereu a este Douto Tribunal que:
a) esclarecesse se, no Despacho Saneador, julgara improcedente a exceção de incompetência territorial arguida pela Ré (…) e se a omissão a essa improcedência na parte decisória do Despacho Saneador se devera a lapso; e
b) caso assim fosse, retificasse o Despacho Saneador proferido, por forma a que constasse do mesmo, de forma expressa, a decisão sobre a exceção de incompetência territorial invocada pela aqui Ré (…).

3. Por Requerimento de fls, a Autora nos autos veio pronunciar-se sobre o Requerimento da Ré (…), pugnando pelo seu indeferimento por considerar que o “Tribunal proferiu decisão (expressa) sobre a competência territorial”.
4. Até à presente data, não foi proferido despacho sobre o requerimento da Ré (…).
5. Pelo exposto e porque a Ré (…) não pode deixar esgotar o prazo para apresentar reclamação da decisão sobre a competência territorial, nos termos e para os efeitos do artigo 105.º, n.º 4, do CPC – sob pena de correr o risco de se entender que o Despacho Saneador decidiu a exceção de incompetência interna e que a referida decisão transitará em julgado na falta de tal reclamação –, a Ré (…) vem por este meio apresentar a sua reclamação, sem com isso renunciar a quaisquer direitos e atos por si praticados, nomeadamente e sem excluir, requerer a realização de audiência prévia, recorrer, reclamar ou de qualquer outra forma impugnar as decisões proferidas no Despacho Saneador”.
3) Em 15-09-2023, a ré apresentou alegações de recurso de apelação, do despacho saneador proferido, na parte em que julgou improcedente a exceção de incompetência em razão da matéria, nos termos do disposto nos artigos 638.º, n.º 1, e 644.º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo Civil, com subida em separado e com efeito meramente devolutivo, de acordo com os artigos 645.º, n.º 2, e 647.º, n.º 1, ambos do CPC, recurso esse que deu origem ao apenso A aos autos acima identificados.
4) No referido apenso A foi proferido despacho, em 22-01-2024, a admitir o recurso como apelação, subida imediata, em separado e efeito meramente devolutivo.
5) Em 26-01-2024 foi proferido, nos presentes autos, despacho de onde consta, nomeadamente, o seguinte:
“Requerimento apresentado pela Ré (…):
Tendo presente que a Ré requer subsidiariamente, na sua contestação, que seja julgada procedente a excepção de incompetência territorial do tribunal para conhecer a presente acção e que o despacho saneador, apesar da sua fundamentação, apenas se refere na parte decisória, expressamente à excepção de incompetência internacional do tribunal, ao abrigo do disposto no art.º 614º, nº1 CPC, rectifico a parte decisória respectiva de maneira a que dela passe a constar expressamente: “Pelo exposto, julgo improcedente a excepção de incompetência internacional dos Tribunais Portugueses e a excepção de incompetência territorial do Tribunal, julgando este tribunal competente para conhecer a presente acção.”
Notifique”.
6) Em 12-02-2024 foi proferida a seguinte decisão sumária:
“(…), Ré nos autos à margem referenciados, em que é Autora (…), tendo sido notificada do Despacho Saneador com a referência apresentou Reclamação para o Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa da decisão proferida no Despacho Saneador sobre a “...competência do tribunal em razão do território.”, segundo o alegado.
No despacho saneador foi proferida esta decisão:
“.... Pelo exposto, julgo improcedente a excepção de incompetência internacional dos Tribunais Portugueses, julgando este tribunal competente para conhecer a presente acção...”
Nos termos do art.º 96 al. a) CPC trata-se de um caso de incompetência absoluta.
Da decisão que analisou as regras da incompetência internacional e decidiu da competência absoluta do Tribunal foi interposto recurso, à luz do art.º 644 nº 2 al. a) CPC.
Por isso, os pressupostos da reclamação são inexistentes (art.º 105 nº4 CPC)
Termos em que se indefere a reclamação.
Custas pela reclamante.”.
7) Por requerimento apresentado em juízo em 12-02-2024, a ré veio requerer o seguinte:
“a) deverá a parte da Decisão que considerou que o Tribunal a quo tem competência internacional (e territorial) ser revogada e substituída por uma decisão que julgue procedente a exceção de incompetência internacional do Tribunal a quo, em razão das regras de competência internacional (e territorial) e, em conformidade, deverão as Recorrentes ser absolvidas da instância nos termos do disposto nos artigos 96.º, alínea a), 99.º, n.º 1, 576.º, n.º 1, e 577.º, alínea a) do CPC;
e,
b) deverá a parte da Decisão que considerou que o Tribunal a quo é competente em razão da matéria ser revogada e substituída por uma decisão que julgue procedente a exceção de incompetência do Tribunal a quo em razão da matéria e, em conformidade, deverão as Recorrentes ser absolvidas da instância nos termos do disposto nos artigos 96.º, alínea a), 99.º, n.º 1, 576.º, n.º 1, e 577.º, alínea a) do CPC;
Subsidiariamente e no que respeita à competência internacional dos tribunais portugueses à luz das regras de competência internacional (e territorial), deverá ser determinado o reenvio prejudicial nos termos da alínea b) e segundo parágrafo do artigo 267.º do TFUE”.
8) Por requerimento apresentado em juízo em 29-02-2024, a ré veio requerer a reforma da decisão, invocar nulidade e invocar lapso manifesto, nos termos e com os seguintes fundamentos:
“I. Enquadramento
1. Com data de 12.07.2023 (referência (…)), o Juízo Central Cível de Lisboa proferiu Despacho Saneador nos autos da ação popular proposta pela (…).
2. No Despacho Saneador proferido, na fundamentação da decisão relativa à exceção de incompetência internacional dos Tribunais Portugueses que tinha sido arguida pelas Rés (…), o Tribunal de 1ª Instância referia o seguinte:
“No presente caso, além da materialização de danos em vários locais temos igualmente um conjunto de lesados que terão a sua residência em vários locais do território nacional Poderá esse facto retirar competência aos tribunais portugueses, nos termos expostos supra?
Cremos que não.
Nas acções populares do tipo da presente, em que o Autor é uma Associação de Consumidores que representa os interesses de um conjunto de consumidores, a Lei permite a interposição de uma única acção em prol dos interesses de todos os representados, independentemente do seu local de residência, desde que este se situe em Portugal.
A Autora propôs a acção em Lisboa, lugar onde tem a sua sede.
Assim quer em termos de competência internacional, quer em termos de competência territorial, consideramos o Tribunal de comarca de Lisboa competente para conhecer a presente acção.”
3. Todavia, na parte decisória do Despacho Saneador apenas se lia o seguinte:
“Pelo exposto, julgo improcedente a excepção de incompetência internacional dos Tribunais Portugueses, julgando este tribunal competente para conhecer a presente acção.”
4. Em face do antecedente e por meio do requerimento com a ref. (…), a aqui Reclamante requereu a retificação do Despacho Saneador proferido, por forma a que constasse do mesmo, de forma expressa, a decisão sobre a exceção de incompetência territorial que tinha sido arguida na contestação apresentada pela aqui Reclamante.
5. Considerando o prazo de impugnação da decisão sobre a competência relativa (artigos 105.º, n.º 4, e 149.º, n.º1, ambos do Código de Processo Civil – “CPC”) e por considerar que o Juízo Central Cível de Lisboa tinha conhecido da exceção de incompetência territorial (embora não de forma expressa na parte decisória), a Reclamante apresentou Reclamação da decisão sobre a exceção de incompetência territorial, sem que tivesse sido ainda proferido despacho de retificação.
6. Por meio do Despacho de 26.01.2024, com a referência (…), o Juízo Central Cível de Lisboa retificou o Despacho Saneador, admitiu a Reclamação apresentada pela aqui Reclamante e ordenou a sua subida para o Tribunal da Relação.
II. Reforma da Decisão Singular
7. Na sua Decisão Singular, a Veneranda Desembargadora indeferiu a Reclamação apresentada pela aqui Reclamante, com fundamento no facto de os respetivos pressupostos serem “inexistentes”, porquanto:
a) no Despacho Saneador foi preferida a seguinte decisão: “…Pelo exposto, julgo improcedente a excepção de incompetência internacional dos Tribunais Portugueses, julgando este tribunal competente para conhecer a presente acção…” (sublinhado nosso);
b) trata-se de um caso de incompetência absoluta, nos termos do artigo 96.º, alínea a), do CPC, da qual foi interposto recurso.
8. Com todo o devido respeito, a Decisão Singular foi proferida sem ter em conta a retificação feita do Despacho Saneador pelo Tribunal de 1ª Instância.
9. Com efeito e como consta do Despacho que admitiu a Reclamação (datado de 26.01.2024, com a referência (…) e cuja cópia se anexa ao presente requerimento), o Juízo Central Cível de Lisboa retificou o Despacho Saneador nos seguintes termos:
“Tendo presente que a Ré requer subsidiariamente, na sua contestação, que seja julgada procedente a excepção de incompetência territorial do tribunal para conhecer a presente acção e que o despacho saneador, apesar da sua fundamentação, apenas se refere na parte decisória, expressamente à excepção de incompetência internacional do tribunal, ao abrigo do disposto no art.º 614º, nº1 CPC, rectifico a parte decisória respectiva de maneira a que dela passe a constar expressamente: “Pelo exposto, julgo improcedente a excepção de incompetência internacional dos Tribunais Portugueses e a excepção de incompetência territorial do Tribunal, julgando este tribunal competente para conhecer a presente acção.” (sublinhado nosso)
10. Ou seja, o Juízo Central Cível de Lisboa não se limitou a decidir a exceção de incompetência absoluta dos tribunais portugueses, mas decidiu ainda a exceção de incompetência territorial, indeferindo-a.
11. Pelo que os pressupostos de que depende a apresentação de Reclamação encontram-se verificados in casu e apenas por lapso manifesto pôde a Decisão Singular ser proferida sem ter em conta a retificação do Despacho Saneador.
12. Ao atender ao Despacho Saneador na sua versão não retificada, e ao invocar o artigo 96.º, alínea a), do CPC, ocorreu erro, por manifesto lapso, na determinação da norma aplicável, e, por manifesto lapso, não foi tida em conta a versão retificada do Despacho Saneador quando constava do processo a referida retificação que, por si só, implicaria necessariamente decisão diversa da proferida (em termos de admissibilidade da reclamação).
13. Pelo que se requer a reforma da Decisão Singular, nos termos conjugados dos artigos 616.º, n.º 2, e 613.º, n.º 3, do CPC e nos demais de direito doutamente supridos por V. Exa..
Subsidiariamente e sem conceder,
III. Nulidade da Decisão Singular
14. Caso V. Exa. entenda que não se verificam os pressupostos da reforma da Decisão Sumária, o que apenas se admite por elevado dever de patrocínio e cautela, sempre se deverá considerar que se verifica uma nulidade da Decisão Singular, porquanto se verifica uma omissão de pronúncia quanto à Reclamação apresentada sobre a decisão que julgou improcedente a exceção de incompetência territorial, o que se invoca nos termos e para os efeitos do artigo 615.º, n.º1, al. d), e n.º 4, e 613.º, n.º 3, do CPC e nos demais de direito doutamente supridos por V. Exa.. Subsidiariamente e sem conceder,
IV. Lapso manifesto da Decisão Singular
15. O CPC não regula especificamente o regime da reclamação da decisão que se pronuncie sobre a exceção de incompetência territorial.
16. Nessa medida e conforme resulta dos capítulos anteriores, a aqui Reclamante entende que são aplicáveis as regras sobre a reforma e nulidade dos despachos/sentenças.
17. Caso V. Exa. entenda que o meio processual de reação ao lapso manifesto da Decisão Singular não poderia ser a via da reforma ou da invocação da nulidade nos termos acima referidos, com o douto suprimento de V. Exa. deverá convolar-se o presente requerimento no meio processual adequado de arguição do lapso manifesto, o que desde já se requer.
18. Conforme é hoje entendimento pacífico na nossa Jurisprudência e Doutrina, não pode o meio processual escolhido inquinar ou prejudicar a arguição e decisão sobre o mérito de uma pretensão que seja invocada.
19. E não pode o direito de uma parte a impugnar uma decisão ser coartado por um lapso manifesto na consideração da decisão objeto dessa impugnação.
Cumulativamente com todos os capítulos anteriores,
20. Por último e com o devido respeito, chama-se ainda a atenção de V. Exa. para o nosso requerimento apresentado em 12.02.2024, com a ref. (…), o qual, uma vez revogada a Decisão Sumária que foi proferida (atentos os fundamentos acima descritos), deverá ser considerado antes de ser proferida decisão final sobre a Reclamação que substitua a Decisão Sumária aqui impugnada.
V. Intervenção da Conferência
21. Caso se entenda que a presente impugnação deve obedecer ao preceituado no artigo 666.º, n.º2, do CPC, o que apenas se admite por elevado dever de patrocínio e cautela, requer-se que a mesma seja submetida à Conferência, conforme anexo.
Nestes termos e nos demais de Direito doutamente supridos por V. Exa., Veneranda Desembargadora, deverá:
a) ser julgada procedente a reforma da Decisão Singular, revogando a Decisão Singular;
subsidiariamente,
b) ser declarada a nulidade da Decisão Singular, revogando-a;
subsidiariamente,
c) ser declarada a existência de lapso manifesto da Decisão Singular, revogando-a;
cumulativamente,
d) ser apreciado e decidido o requerido em 12.02.2024, com a ref. (…), antes de ser proferida decisão final sobre a Reclamação que substitua a Decisão Sumária aqui impugnada (…)”.
9) A autora, por requerimento apresentado em juízo em 14-03-2024, veio pronunciar-se sobre o requerimento da contraparte de 29-02-2024, pugnando pelo seu indeferimento.
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II. Conhecendo:
Dispõe o nº. 4 do artigo 105.º do CPC – preceito integrado na secção intitulada “Incompetência relativa” - que, da decisão que aprecie a competência cabe reclamação, com efeito suspensivo, para o presidente da Relação respetiva, o qual decide definitivamente a questão.
Trata-se de um mecanismo expedito de resolução de conflitos sobre incompetência relativa.
A decisão que afirma ou que negue a competência relativa de um Tribunal é passível de impugnação.
Contudo, “em lugar de a sujeitar ao recurso de apelação previsto no art.º 644.º (cujo n.º 2, al. b), apenas abarca as decisões sobre competência absoluta), o CPC de 2013 prevê a reclamação dirigida ao Presidente da Relação, à semelhança do que está previsto para a resolução de conflitos de competência. Para além da maior rapidez associada a este instrumento de impugnação, colhem-se do novo regime benefícios potenciados quer pela uniformidade de critério relativamente à resolução de questões idênticas, quer pela definitividade do que for decidido” (assim, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa; Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 3.ª ed., Almedina, 2022, p. 148).
Conforme salientam os mesmos Autores (ob. cit., p. 149), o que for decidido pelo Presidente do Tribunal da Relação “resolve definitivamente a questão, sendo vedado ao tribunal para onde for remetido o processo recusar a competência que lhe tenha sido atribuída ou endossa-la a um terceiro tribunal, com ou sem invocação de outro fundamento (…)”.
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III. No caso em apreço, por decisão sumária proferida em 12-02-2024 foi decidido indeferir a reclamação apresentada, por se entender que não se verificavam os pressupostos para a procedência da reclamação.
Em suma, foi considerado, por um lado, que, nos termos do artigo 96.º, al. a) do CPC se tratava de uma caso de incompetência absoluta e, por outro lado, que da decisão que analisou tal competência, foi interposto recurso, à luz do artigo 644.º, n.º 2, al. a) do CPC.
Vem, agora, a ré suscitar diversas questões a respeito de tal decisão, das quais se conhecerá, sucessivamente.
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IV. Assim, por um lado, a ré suscita a reforma da decisão singular proferida, nos termos dos artigos 616.º, n.º 2 e 613.º, n.º 3, do CPC, por entender que a referida decisão foi proferida sem ter em conta a retificação do despacho saneador feita pela 1.ª instância, dizendo que “o Juízo Central Cível de Lisboa não se limitou a decidir a exceção de incompetência absoluta dos tribunais portugueses, mas decidiu ainda a exceção de incompetência territorial, indeferindo-a, “pelo que os pressupostos de que depende a apresentação de Reclamação encontram-se verificados in casu e apenas por lapso manifesto pôde a Decisão Singular ser proferida sem ter em conta a retificação do Despacho Saneador”.
Conclui que “ocorreu erro, por manifesto lapso, na determinação da norma aplicável, e, por manifesto lapso, não foi tida em conta a versão retificada do Despacho Saneador quando constava do processo a referida retificação que, por si só, implicaria necessariamente decisão diversa da proferida (em termos de admissibilidade da reclamação)”.
Vejamos:
Os artigos 613.º a 617.º do CPC dispõem, sucessivamente, sobre a extinção do poder jurisdicional e suas limitações, retificação de erros materiais, causas de nulidade da sentença – sendo esta nula quando, não contenha a assinatura do juiz, não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível, o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento ou quando o juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido – , reforma da sentença e seu processamento.
Com a prolação da sentença, esgota-se o poder jurisdicional – cfr. artigo 613.º, n.º 1, do CPC - sem prejuízo das exceções atinentes à retificação de erros materiais, ao suprimento de nulidades e à reforma da sentença nos termos legalmente previstos – cfr. artigos 613.º, n.º 2, 614.º, 615.º e 616.º do CPC, ex vi, do artigo 666º, n.º 1, do mesmo Código.
A requerente vem invocar que ocorreu erro, por lapso manifesto, na determinação da norma aplicável e, que, por manifesto lapso, não foi tida em conta a versão retificada.
Importa referir que, sobre a retificação de erros materiais da sentença dispõe o artigo 614.º do CPC que:
“1 - Se a sentença omitir o nome das partes, for omissa quanto a custas ou a algum dos elementos previstos no n.º 6 do artigo 607.º, ou contiver erros de escrita ou de cálculo ou quaisquer inexatidões devidas a outra omissão ou lapso manifesto, pode ser corrigida por simples despacho, a requerimento de qualquer das partes ou por iniciativa do juiz.
2 - Em caso de recurso, a retificação só pode ter lugar antes de ele subir, podendo as partes alegar perante o tribunal superior o que entendam de seu direito no tocante à retificação.
3 - Se nenhuma das partes recorrer, a retificação pode ter lugar a todo o tempo.”.
“O erro material é uma divergência entre a vontade declarada e vontade real do juiz” (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-02-2009, Pº 08A2680, rel. SEBASTIÃO PÓVOAS).
Conforme se escreveu no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 10-03-2015 (Pº 490/11.6TBOHP-D.C2, rel. CATARINA GONÇALVES), “o erro ou lapso que pode ser rectificado, ao abrigo do art. 667º, nº 1, do anterior CPC – ou 614º, nº 1, do actual CPC – é apenas o erro material cuja existência pressupõe uma divergência entre a vontade real do juiz e aquilo que escreveu na sentença (o juiz escreveu coisa diversa daquela que queria escrever) e que não se confunde com o erro de julgamento (que ocorre quando o juiz disse aquilo que pretendia, mas julgou ou decidiu mal)”.
Sucede que, atenta a dificuldade em apurar se ocorreu correta ou errada vontade real do juiz, a lei apenas releva o erro material que seja “manifesto”.
Para que seja qualificado como “manifesto” o erro material deve ser apreensível externamente através do contexto da decisão, de tal forma que possa ser percebido por outrem (que não apenas pelo juiz que a proferiu) que o julgador escreveu coisa diversa da que pretendia, não se tratando de um erro de julgamento.
O objeto do erro material – erro de escrita, erro de cálculo ou inexatidão devida a omissão ou lapso manifesto (cfr. artigo 249.º do CC) - ostensivo ou manifesto não é, pois, o conteúdo do acto decisório, mas sim, a sua expressão material.
“É manifesto o erro material que se revele no contexto do teor ou estrutura da decisão, à semelhança dos “erros de cálculo ou de escrita, revelados no contexto da peça processual apresentada” pela parte, do artigo 146.º, n.º 1” (assim, Rui Pinto; Manual do Recurso Civil, Vol. I, AAFDL Editora, 2020, p. 74).
Deste modo, “[n]ão pode ser qualificada como rectificação uma alteração da parte decisória do acórdão cuja incorreção material se não detectava da leitura do respectivo texto” (assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10-03-2015, Pº 706/05.6TBOER.L1.S1, rel. MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA).
Conforme sublinha Rui Pinto (Manual do Recurso Civil, Vol. I, AAFDL Editora, 2020, p. 75), “[a]o contrário da arguição da nulidade da decisão e do pedido de reforma da decisão (cf., os referidos artigos 615º nº 4 e 616º nº 2 parte inicial), a retificabilidade de uma decisão em nada depende da admissibilidade de recurso ordinário”.
De todo o modo, em caso de recurso, a retificação só pode ter lugar antes dele subir, podendo as partes alegar perante o tribunal superior o que entendam de seu direito no tocante à matéria da retificação (cf. artigo 614.º, n.º 2, do CPC).
A retificação é da competência do Tribunal que proferiu a decisão que deve ser retificada (“em conformidade com o n.º 1 do artigo 614.º do CPC, é um poder-dever do tribunal corrigir, por iniciativa sua, os erros e lapsos manifestos em que incorra” (cfr. Ac. do STJ de 23-04-2020, Pº 588/11.0TBCBR-B.P1.S1, rel. CATARINA SERRA), pelo que, não tendo este procedido a tal retificação, apenas a censura sobre um tal juízo poderia ser objeto de apreciação por este Tribunal de recurso, sem que a apelante tenha aduzido algum elemento a este respeito.
Por seu turno, o requerimento de reforma da decisão encontra respaldo na previsão do artigo 616.º do CPC, onde se dispõe o seguinte:
“1 - A parte pode requerer, no tribunal que proferiu a sentença, a sua reforma quanto a custas e multa, sem prejuízo do disposto no n.º 3.
2 - Não cabendo recurso da decisão, é ainda lícito a qualquer das partes requerer a reforma da sentença quando, por manifesto lapso do juiz:
a) Tenha ocorrido erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos;
b) Constem do processo documentos ou outro meio de prova plena que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida.
3 - Cabendo recurso da decisão que condene em custas ou multa, o requerimento previsto no n.º 1 é feito na alegação.”.
Conforme explica Rui Pinto (Manual do Recurso Civil, Vol. I, AAFDL Editora, 2020, p. 92), “[a]lém da reforma quanto a custas e multas, o artigo 616º admite no seu nº 2 reforma da sentença quando por “manifesto lapso do juiz” (a) tenha “ocorrido erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos” ou (b) “constem do processo documentos ou outro meio de prova plena que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida”. Trata-se de fundamentos taxativos, pelo que deve ser indeferido todo o requerimento de reforma que se apoie em razões diversas daquelas”.
Os fundamentos de reforma da sentença, previstos no artigo 616.º do CPC não admitem analogia ou interpretação extensiva.
No n.º 1 do artigo 616.º do CPC, consagra-se a reforma quanto a custas e multa.
Nos termos do n.º 2 do artigo 616.º, enuncia-se a possibilidade de reforma por manifesto lapso do juiz na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos ou se constarem do processo documentos ou outro meio de prova plena que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida.
A reforma pressupõe, como decorre do n.º 2, al. a), do artigo 616.º do CPC, que o Tribunal, por lapso manifesto, tenha errado na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos.
O “manifesto lapso” a que se refere a alínea a) do n.º 2 do artigo 616.º do CPC consiste num erro grosseiro e patente, um erro juridicamente insustentável, causado por desconhecimento ou má compreensão (“uma flagrantemente errada interpretação de preceitos legais (não por opção, por discutível corrente doutrinária ou jurisprudencial)” – assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-02-2009, Pº 08A2680, rel. SEBASTIÃO PÓVOAS) do regime legal.
Conforme sublinha Rui Pinto (Manual do Recurso Civil, Vol. I, AAFDL Editora, 2020, p. 93), este “manifesto lapso” da alínea a) do n.º 2 do artigo 616.º do CPC, nada tem a ver com o “lapso manifesto” do artigo 614.º do mesmo Código: “já não se trata de um erro na expressão do julgamento do juiz, mas de erros nesse próprio julgamento do juiz”.
Este procedimento não deve ser usado para manifestar discordância do julgado ou tentar demonstrar error in judicando, mas, para invocar erro grosseiro e patente causado por desconhecimento ou má compreensão do regime legal aplicável (assim, o Acórdão do STJ de 15-01-2019, Pº 9126/10.1TBCSC.L1.S1, rel. ROQUE NOGUEIRA).
A reforma por manifesto lapso apenas é admissível, “não cabendo recurso da decisão”, conforme resulta do n.º 2 do artigo 616.º do CPC. Se tal pressuposto não se verificar, não pode ser pedida ao tribunal que deu a decisão cuja reforma se pretende: o respetivo vício terá que ser alegado como fundamento do recurso.
Ora, não se dirigindo a alguma das situações passíveis de reforma – não se tratando de reforma quanto a custas ou multas, nem ocorrendo a situação de manifesto lapso a que se reporta o n.º 2 do artigo 616.º do CPC -, o aludido requerimento de reforma formulado pela ré, não pode obter fundamento de procedência.
Note-se que, na realidade, não é assacado qualquer erro manifesto na determinação da norma aplicável, mas sim, a circunstância de, segundo a ré, a decisão singular proferida, o ter sido sem atender à versão retificada do despacho saneador.
Contudo, tal não determina a reforma do decidido, por o erro imputado não se dirigir à norma objeto de aplicação, mas sim, ao despacho reclamado na decisão singular proferida, o qual se traduz na decisão exarada em 12-07-2023.
A reforma não é, pois, admissível, pelo que, o requerimento da ré deverá, nessa parte, improceder.
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V. Por outra parte, argui a ré, para o caso de a reforma não proceder, a nulidade da decisão singular, por omissão de pronúncia, dizendo que, “se verifica uma omissão de pronúncia quanto à Reclamação apresentada sobre a decisão que julgou improcedente a exceção de incompetência territorial”, invocando os normativos dos artigos 615.º, n.º 1, al. d), e n.º 4, e 613.º, n.º 3, do CPC.
Vejamos:
A nulidade da sentença por omissão de pronúncia só se compreende com referência às questões objeto do processo, não com atinência a todo e qualquer argumento esgrimido pela parte, supondo que o juiz silencia, em absoluto, questão de cognição obrigatória, isto é, que a questão tenha passado despercebida ao tribunal, já não preenchendo esta concreta nulidade a decisão sintética e escassamente fundamentada a propósito dessa questão (assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01-03-2007, Pº 07A091, rel. SEBASTIÃO PÓVOAS).
Caso o tribunal se pronuncie quanto às questões que lhe foram submetidas, isto é, sobre todos os pedidos, causas de pedir e exceções que foram suscitadas, ainda que o faça genericamente, não ocorre o vício da nulidade da sentença, por omissão de pronúncia. Poderá, todavia, existir mero erro de julgamento, atacável em via de recurso, onde caso assista razão ao recorrente, se impõe alterar o decidido, tornando-o conforme ao direito aplicável.
Conclui-se – como se fez no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 08-05-2019 (Processo 1211/09.9GACSC-A.L2-3, relatora MARIA DA GRAÇA SANTOS SILVA) - que: “A omissão de pronúncia é um vício que ocorre quando o Tribunal não se pronuncia sobre essas questões com relevância para a decisão de mérito e não quanto a todo e qualquer argumento aduzido. O vocábulo legal - “questões” - não abrange todos os argumentos invocados pelas partes. Reporta-se apenas às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, às concretas controvérsias centrais a dirimir”.
No caso em apreço, entende a ré que o Tribunal omitiu pronúncia quanto à reclamação apresentada sobre a decisão que julgou improcedente a exceção de incompetência territorial.
Contudo, conforme decorre da decisão de 12-02-2024, relativamente à pretensão expressa pela reclamante, entendeu-se que o que estava em questão era uma questão de incompetência absoluta e, não, relativa, que possibilitasse a reclamação, atento o disposto no artigo 105.º, n.º 4, do CPC.
Não se vê, pois, que tenha sido omitida a pronúncia devida tendo, ao invés, na decisão de 12-02-2024, sido formulado entendimento qualificativo da situação apresentada pela ré, em moldes diversos do instituto invocado por esta.
Em face do exposto, a nulidade invocada não se verifica.
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VI. Noutra perspetiva, vem a ré invocar a existência de lapso manifesto na decisão singular, nos termos e com fundamentos acima transcritos.
Ora, conforme resulta do n.º 2 do artigo 613.º do CPC é lícito ao juiz retificar erros materiais.
A retificação tem lugar nos termos do artigo 614.º do CPC.
O erro material só pode ser retificado se for ostensivo, evidente e devido a lapso manifesto, sendo necessário que, ao ler o texto, se veja que há erro e logo se entenda o que se queria dizer.
Conforme se evidenciou no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13-10-2020 (Pº 5957/12.6TBVFR-C.P1.S2, rel. HENRIQUE ARAÚJO), “ocorre erro de escrita (ou erro material) quando a vontade declarada pelo juiz diverge da sua vontade real, ou seja, quando o teor não coincide com o que se tinha em mente; ocorre erro de julgamento quando o juiz, no processo interno de formação do juízo expresso na decisão, escreve o que realmente pretende, mas decide mal, ou porque decide contra legem ou contra os factos apurados”.
Sucede que, no caso, a ré não aponta à decisão de 12-02-2024 algum concreto lapso, limitando-se a tecer considerações sobre o meio processual de reação ao lapso manifesto da decisão singular e sobre a convolação do mesmo.
E, evidenciado na decisão de 12-02-2024 não resulta algum lapso manifesto que possa ser objeto de retificação, não o patenteando o texto decisório.
Soçobra, pois, a invocação correspondentemente efetuada pela ré.
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VII. Em cumulação com as demais questões, a ré “chama a atenção” para o requerimento apresentado em 12-02-2024, o qual entende dever ser considerado antes de ser proferida decisão final sobre a decisão sumária.
Ora, conforme resulta do disposto no artigo 105.º, n.º 4, do CPC, a reclamação apresentada nos termos desse preceito para o Presidente do Tribunal da Relação “é tramitada incidentalmente nos próprios autos – não é prevista qualquer autonomia de procedimento, ao contrário do que sucede, por exemplo, no art.º 643.º -, à semelhança do que ocorre no conflito negativo de competência (art.º 111.º, nº 3)” (assim, Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro; Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, Os Artigos da Reforma, Vol. I, Almedina, 2013, p. 116).
Sucede que, apresentado que seja o requerimento de reclamação e observado o contraditório exigível (cfr. artigo 3.º, n.º 3, do CPC), não estatui o legislador qualquer específica tramitação para além da decisão da questão objeto da reclamação.
Ora, no caso, tendo o Tribunal proferido decisão em 12-02-2024, não teria que tomar qualquer específica pronúncia sobre o requerimento ulteriormente apresentado – ainda nessa data – pela ré.
Aliás, emitida que foi a decisão singular, estaria vedada a apreciação de tal requerimento, pois, por um lado, não caberia na economia do incidente em causa e, por outro, mostrava-se então já – e ressalvadas as situações contempladas no artigo 613.º, n.º 2 e 614.º e ss. do CPC – esgotado o poder jurisdicional relativamente à questão objeto da reclamação – cfr. artigo 613.º, n.º 1, do CPC.
Soçobra, pois, igualmente, o pugnado pela ré a este respeito.
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VIII. Finalmente, vem a ré, caso se entenda que a impugnação deve obedecer ao preceituado no artigo 666.º, n.º 2, do CPC, requerer seja a questão submetida à conferência.
Sucede que, conforme resulta do disposto no artigo 105.º, n.º 4, do CPC, a decisão da reclamação, nos termos aí consignados, é definitiva (cfr., também, neste sentido, Miguel Teixeira de Sousa; Código de Processo Civil online, em anotação ao artigo 105.º, p. 117, disponível em https://blogippc.blogspot.com/2024/02/cpc-online-19.html). Conforme salientam Lebre de Freitas e Isabel Alexandre (Código de Processo Civil Anotado, Vol. 1.º, 3.ª ed., Coimbra Editora, 2014, p. 216), decidindo o Presidente da Relação “definitivamente, deixou de ser admissível recurso”.
Conforme se escreveu no Acórdão do T.C. n.º 593/2007 (Pº 939/07, rel. CURA MARIANO), a respeito da razão de um tal regime referente às decisões proferidas no exercício de funções jurisdicionais atribuídas por lei aos Presidentes dos Tribunais superiores, “não justificando o cargo que estas entidades exercem que as mesmas sejam objecto duma segunda apreciação jurisidicional. Antes, pelo contrário, sendo o seu autor o Presidente do Tribunal situado no topo da hierarquia de determinada jurisdição, tal circunstância é uma razão acrescida para que a opção do legislador de estabelecer a irrecorribilidade dessas decisões não possa ser considerada arbitrária ou desproporcionada, apesar de ser proferida por juiz singular”.
A definitividade da decisão singular proferida, nos termos do mencionado preceito legal, por um lado, decide em último termo e de forma definitiva a reclamação e, por outro lado, obsta quer à consideração do regime previsto no artigo 666.º do CPC, quer do previsto no n.º 3 do artigo 652.º do CPC, sendo que, relativamente ao primeiro preceito, está em questão uma decisão singular e, não, um acórdão e, quanto ao segundo preceito, prevendo a lei um regime específico para a decisão da reclamação pelo Presidente do Tribunal da Relação, com ele não se coaduna tal disposição referente à emissão de decisões por relator em sede recursória.
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IX. Pelo exposto, de harmonia com os termos e fundamentos expendidos, indefere-se o requerimento da ré de 29-02-2024.
Notifique.

Lisboa, 19-03-2024,
Carlos Castelo Branco (Vice-Presidente com poderes delegados).