Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2892/22.3T8CSC.L1-2
Relator: ANTÓNIO MOREIRA
Descritores: NULIDADE DE SENTENÇA
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
INCONSTITUCIONALIDADE
CONDOMÍNIO
ACTA DA REUNIÃO DA ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
ANULABILIDADE
ALOJAMENTO LOCAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/04/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1- Não se verifica a nulidade da sentença por omissão de pronúncia quando, tendo sido suscitada a questão da inconstitucionalidade de um preceito legal, segundo determinada interpretação, o tribunal de primeira instância entende que a determinação da validade da deliberação condominial impugnada não passa pela aplicação do preceito legal em questão, na identificada interpretação, assim omitindo o conhecimento dessa inconstitucionalidade.
2- Apesar de numa acta da assembleia de condóminos não ter ficado a constar o teor integral da intervenção do representante de um dos condóminos, mas apenas um resumo da mesma, do mesmo modo não sendo concedido qualquer prazo a tal condómino para se pronunciar sobre as intervenções dos demais condóminos que também foram resumidas na acta, tal circunstância não corresponde a qualquer violação do disposto no nº 2 do art.º 1º do D.L. 268/94, de 25/10, pelo que não há que falar de qualquer desconformidade legal ou regulamentar que permita afirmar a anulabilidade do que foi deliberado nessa assembleia, ao abrigo do disposto no art.º 1433º, nº 1, do Código Civil.
3- É no âmbito do procedimento administrativo a que respeita o art.º 9º do D.L. 128/214, de 29/8 (na redacção da Lei 62/2018, de 22/8) que compete apurar e decidir se a oposição ao exercício da actividade de alojamento local em fracção autónoma, manifestada em deliberação da assembleia de condóminos aprovada por condóminos que representem mais de metade da permilagem do edifício, está fundamentada com a comprovação da prática reiterada de actos que perturbem a normal utilização do prédio, bem como de actos que causem incómodo e afectem o descanso dos condóminos.
4- Inexistindo preceito legal ou regulamentar que impeça a referida maioria dos condóminos de afirmar a oposição em questão através de tal deliberação, e sendo em sede da assembleia de condóminos que tal maioria se deve formar, não se pode afirmar que a mesma deliberação, enquanto expressão colectiva da referida oposição ao exercício da actividade de alojamento local numa fracção autónoma do edifício, seja contrária à lei ou a qualquer regulamento condominial, para efeitos de ser declarada inválida a requerimento dos condóminos que votaram contra a mesma, nos termos do art.º 1433º do Código Civil.
(Sumário elaborado ao abrigo do disposto no art.º 663º, nº 7, do Código de Processo Civil)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo assinados:
I.C. e L.S. propuseram acção declarativa com processo comum contra o condomínio do prédio sito na Rua (…) (representado pela sua administradora, (…), pedindo que a deliberação da assembleia extraordinária de 30/6/2022 seja declarada “nula e anulável (…), por falta de fundamentação e de prova, anulada a Assembleia por convocatória fora de prazo dos autores e anulada a acta lavrada, por da mesma não constar o conteúdo da intervenção do representante dos autores, nem a mesma estar completamente assinada”. Pedem ainda, para o caso de “assim se não entender”, que “deve ser julgado inconstitucional o disposto no nº 2 do art.º 9º do DL 128/2014 de 29/08, na redacção da Lei 62/2018 de 22/08 (…) na interpretação feita pelo acórdão do STJ nº 4/2022 de 22/03/2022, uniformizador de jurisprudência, publicado no DRE – I série de 10/05 (…) por violação do art.º 62º - nº 1, 17 e 18 – nº 2 da Constituição da República Portuguesa”.
Alegam, em síntese, que:
. São proprietários de uma das fracções autónomas do condomínio R., onde iniciaram a exploração da actividade turística de curta duração;
. Solicitaram à administração do condomínio R. que todas as comunicações de assuntos relacionados com o condomínio fossem enviadas por correio electrónico, para o endereço que indicaram, mas a mesma administração convocou uma assembleia extraordinária e não enviou qualquer mensagem de correio electrónico, antes tendo enviado a convocatória por carta depositada na caixa de correio da fracção autónoma, o que os AA. só viram em 8/7/2022, porque residem no estrangeiro;
. A assembleia em questão ocorreu em 30/6/2022 e os AA. estiveram representados na mesma, mas se tivessem sabido da sua convocação com a antecedência que impõe o art.º 1432º do Código Civil teriam estado presencialmente e ter‑se-iam preparado convenientemente para a assembleia;
. A acta da assembleia em questão foi notificada aos AA. sem estar assinada pelos mesmos ou pelo seu representante;
. Da acta da assembleia em questão resultam expressadas por outros condóminos preocupações e reclamações pela utilização da fracção dos AA. para a actividade do alojamento local, mas nada do que é referido na mesma acta e respectiva deliberação está comprovado, não passando da manifestação de má vontade de alguns condóminos relativamente aos AA., e não estando feita prova da prática de quaisquer actos que perturbem a normal utilização do prédio e de actos que causem incómodo e afectem o descanso dos condóminos;
. Da acta da assembleia em questão não consta o conteúdo da intervenção do representante dos AA., pela qual chamou a atenção para a falta de consistência e de prova para a deliberação pretendida tomar.
Citado o condomínio R., veio apresentar contestação onde, em síntese, invocou a excepção dilatória da ilegitimidade passiva e a caducidade do direito de acção dos AA., mais invocando que:
. O pedido de envio de comunicações por correio electrónico não foi apresentado nos termos do nº 2 do art.º 1432º do Código Civil, pelo que a convocatória foi efectuada por via postal registada, nos termos do nº 1 do mesmo art.º 1432º;
. Estando os AA. representados na assembleia de condóminos, existe abuso de direito na arguição da anulabilidade da deliberação aprovada com fundamento na falta da convocatória;
. Da acta da assembleia não carece de constar a transcrição integral de tudo o que aí foi discutido, pelo que a intervenção do representante dos AA. não carecia de ser aí feita constar;
. A falta de assinatura da acta não é motivo de invalidade da deliberação constante da mesma.
Conclui pela procedência das excepções e pela improcedência da acção, com a sua absolvição dos pedidos.
Os AA. exerceram o contraditório quanto às excepções invocadas, concluindo pela improcedência das mesmas e como na P.I.
Em audiência prévia foi anunciado que o mérito da causa iria ser conhecido de imediato, tendo as partes produzido alegações, nos termos e para os efeitos do disposto na al. b) do nº 1 do art.º 591º do Código de Processo Civil.
Seguidamente foi proferido despacho saneador com valor de sentença, aí sendo julgadas improcedentes as excepções da ilegitimidade passiva e da caducidade do direito de acção, e tendo ainda a acção sido julgada improcedente, com a absolvição do condomínio R. dos pedidos formulados.
Os AA. recorrem desta sentença, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem (com excepção dos factos provados na sentença, que serão objecto de enunciação adiante):
A. Nos presentes autos, I.C., e L.S., propuseram acção declarativa comum contra o condomínio do prédio sito na Rua (…) representado pelo seu administrador (…), pedindo que:
a) a deliberação da assembleia extraordinária de 30-06-2022 seja declarada “nula e anulável (..), por falta de fundamentação e de prova,
b) que seja anulada a Assembleia por convocatória fora de prazo e ainda,
c) anulada a acta lavrada, por da mesma não constar o conteúdo da intervenção do representante dos autores, nem a mesma estar completamente assinada”
B. Na sentença recorrida, para além do mais, e no que para este recurso importa decidiu-se:
- Julgar totalmente improcedente a acção;
- Absolver o Réu de todo o peticionado;
- Condenar os A.A. nas custas processuais.
C. Nulidade por omissão de pronúncia:
D. Os autores na sua petição inicial alegaram a inconstitucionalidade do disposto no nº 2, do art.º 9º do DL 128/2014 de 29/08, na redacção da Lei 62/2018 de 22/08, na medida em que restringe o direito de propriedade, violando o princípio da proporcionalidade, relativamente a outros direitos em conflito, como o direito ao sossego e à privacidade, na interpretação feita pelo acórdão do STJ nº 4/2022 de 22/03/2022, uniformizador de jurisprudência, publicado no DRE – I série de 10/05, de que “no regime da propriedade horizontal, a indicação no título constitutivo, de que certa fracção se destina a habitação, deve ser interpretada no sentido de nela não ser permitida a realização de alojamento local”, por violação do art.º 62 – nº 1, 17 e 18 – nº 2 da Constituição da República Portuguesa.
E. Ora a presente questão apresentada ao Tribunal recorrido foi absolutamente ignorada, não havendo nada na sentença que dê resposta ao caso presente.
F. O art.º 608º, nº 2 do CPC estabelece que: "O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras;”
G. Ora a solução dada a outras questões não prejudicou o conhecimento da inconstitucionalidade levantada, pelo que deveria sim o tribunal recorrido pronunciar-se acerca da questão levantada.
H. Tudo na senda do acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, no proc.12131/18.6T8LSB.L1.S1de10.12.2020, onde se pode ler: “I -A nulidade por omissão de pronúncia, representando a sanção legal para a violação do estatuído naquele 2, do artigo 608.º, do CPC, apenas se verifica quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre as «questões» pelas partes submetidas ao seu escrutínio, ou de que deva conhecer oficiosamente, como tais se considerando as pretensões formuladas por aquelas, mas não os argumentos invocados, nem a mera qualificação jurídica oferecida pelos litigantes.”
I. A sentença é nula porquanto não se pronunciou sobre o vício da inconstitucionalidade do disposto no nº 2, do art.º 9º do DL 128/2014 de 29/08, na redacção da Lei 62/2018 de 22/08, na interpretação feita pelo acórdão do STJ nº 4/2022 de 22/03/2022, uniformizador de jurisprudência, publicado no DRE – I série de 10/05, por violação do art.º 62 – nº 1, 17 e 18 – nº 2 da Constituição da República Portuguesa.
J. Da matéria de facto, a douta sentença deu como provados os seguintes factos:
K. [ponto 1. dos factos provados]
L. [ponto 2. dos factos provados]
M. [ponto 3. dos factos provados]
N. [ponto 4. dos factos provados]
O. [ponto 5. dos factos provados]
P. [ponto 6. dos factos provados]
Q. [ponto 7. dos factos provados]
R. Por outro lado, foram tidos como não provados os seguintes factos:
S. [ponto A. dos factos não provados]
T. [ponto B. dos factos não provados]
U. [ponto C. dos factos não provados]
V. Quando à matéria de facto, este recurso versará sobre duas questões: a primeira delas:
W. Refere-se na douta sentença recorrida, trazendo à colação normas do Código das Sociedades Comerciais, em que não vislumbramos norma que imponha a possibilidade de recurso aos normativos do direito societário para apreciar a legalidade das deliberações das assembleias de condóminos, o seguinte: “Quanto aos elementos que deverão constar da acta, haverá ainda que atentar no disposto no art. 63.º do Código das Sociedades Comerciais, que por via de interpretação analógica deverá ser aplicado mutadis mutandi às assembleias de condomínio, as quais, atenta a sua natureza, consubstanciam verdadeiras assembleias gerais com similitudes claras com as assembleias das sociedades comerciais.”
X. Ora, salvo o devido respeito, os autores não podem aceitar tal interpretação, por absoluta falta de suporte legal.
Y. Assim, tal como se afirmou no art.º 48 da petição “ depois de se cumprir esta formalidade, é que se poderia avançar para a fase da decisão, pelo que a deliberação tomada é anulável por falta da audiência contraditória dos autores, constituindo tal procedimento violação do disposto no 2, do art.º do DL 268/94 de 25/10, na redacção do art.º da Lei 8/2022 de 10/01.”
Z. Nesta parte, a douta sentença recorrida padece de erro de direito, pelo que com este fundamento, o recurso deverá ser julgado procedente.
AA. Na deliberação impugnada, não se fez prova de qualquer prática de actos que perturbem a normal utilização do prédio e de actos que causem incómodo e afectem o descanso dos condóminos, previstos no nº 2, do art.º 9º do DL 128/2014 de 29/08, na redacção da Lei 62/2018 de 22/08 e que poderão fundamentar o cancelamento do AL pelo município competente, sendo que esta norma legal consagra a obrigatoriedade da deliberação ser “fundamentada, decorrente da prática reiterada e comprovada de actos que perturbem a normal utilização do prédio”.
BB. Contra todas as expectativas dos autores, a Sra. Juiz recorrida, no ponto 6) dos factos julgados como provados, fez constar o seguinte: (…)
CC. Se é aceitável que se dê como provado que esse é o conteúdo da acta e como tal foi tal facto julgado como provado, algo totalmente distinto é partir para a ilação de que os factos desse conteúdo da acta também são julgados como provados, tal como sejam o ruído, a sujidade e a falta de segurança dos condóminos, por factos imputáveis aos autores no exercício da sua actividade de alojamento local.
DD. Ora, destes factos, não produziu a Ré qualquer prova, sendo que constitutivos do direito pelo condomínio invocado, de pedir o cancelamento da licença de alojamento local dos autores, à Ré pertenceria o ónus da prova – cf. art.º 342 – nº 1 do Código Civil.
EE. Mas, pelo facto de tais afirmações constarem da acta, será que, sem qualquer produção de prova suplementar, se pode concluir, como fez o Tribunal recorrido, que foram os autores os causadores de tais factos e de que esses factos ocorreram?
FF. Parece-nos que não e aqui entramos naquilo que a jurisprudência classifica como a diferenciação ou distinção entre a prova do conteúdo das declarações vertidas em acta, e a prova ou exactidão material dos factos delas constantes.
GG. Sobre o tema, refere o acórdão do STJ de 18/04/2002, proferido no P. 02B717, que “a eficácia / força probatória de um documento particular diz apenas respeito à materialidade ou realidade das declarações no mesmo exaradas, que não à exactidão ou à verosimilhança das mesmas.”
HH. E do mesmo Tribunal, escreveu-se no acórdão de 09/12/2008, proferido no P. 08A3665: “A força probatória do documento particular circunscreve-se no âmbito das declarações (de ciência ou de vontade) que nela constam como feitas pelo respectivo subscritor. Tal como no documento autêntico, a prova plena estabelecida pelo documento respeita ao plano da formação da declaração, não ao da sua validade ou eficácia. Mas, diferentemente do documento autêntico, que provém de uma entidade dotada de pública, o documento particular não prova plenamente os factos que nele sejam narrados como praticados pelo seu autor ou como objecto da sua percepção directa. Nessa medida, apesar de demonstrada a autoria de um documento, daí não resulta, necessariamente, que os factos compreendidos nas declarações dele constantes se hajam de considerar provados, o mesmo é dizer que daí não advém que os documentos provem plenamente os factos neles referidos.”
II. E ainda o acórdão do também do STJ de 28/05/2009, proferido no P.1843/08: “a força ou eficácia probatória plena atribuída às declarações documentadas pelo n.º 1 do art.º 376 do CC limita-se à materialidade, à existência, dessas declarações, não abrangendo a exactidão das mesmas. Ou seja, ainda que um documento particular goze de força probatória plena, tal valor reportar-se-á tão‑somente às declarações documentadas, ficando por demonstrar que tais declarações correspondem à realidade dos respectivos factos materiais e, sobretudo, não sendo excluída a possibilidade de o seu autor demonstrar a inveracidade daqueles factos por qualquer meio de prova.”
JJ. Mais recentemente, o Tribunal da Relação do Porto, no seu acórdão de 07/02/2023, proferido no P. 1330/19.3T8PRT.P1, decidiu que “a força probatória plena dos documentos particulares atribuída pelo artigo 376.º, n.º 1, do CC, reporta-se à materialidade das declarações documentadas e não à sua exactidão” - todos estes acórdãos citados, estão disponíveis em www.dgsi.pt.
KK. Desta forma, entendem por consequência os autores que o Tribunal recorrido incorreu em erro de julgamento de facto, ao interpretar que a prova das declarações vertidas em acta, corresponde a prova dos factos nelas referidos, sem qualquer produção de prova por parte da assembleia de condóminos, representada pela Ré, que detinha o ónus de fazer prova desses factos, para fundamentar de facto a deliberação impugnada.
LL. E essa prova não foi feita nem extrajudicialmente, nem agora em Juízo, no âmbito da presente instância.
MM. Por erro de julgamento de facto, deve também este recurso der julgado procedente.
NN. Foram violados:
- o nº 2 do art. 608º do CPC;
- o nº 2, do art.º 1º do DL 268/94 de 25/10, na redacção do art.º 4º da Lei 8/2022 de 10/01;
- o nº 2, do art.º 9º do DL 128/2014 de 29/08, na redacção da Lei 62/2018 de 22/08; e ainda
- o nº1 do art.º 342 e o art.º 376.º, n.º 1, ambos do Código Civil.
Pelo condomínio R. não foi apresentada alegação de resposta.
No tribunal recorrido foi apreciada a nulidade imputada à sentença recorrida, nos seguintes termos:
O artigo 615.º, n.º 1, al. d) do Código de Processo Civil, prescreve que: “é nula a sentença: quando o juiz deixa de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
É pacífico quer na Doutrina, quer na Jurisprudência que o dever de decidir tem por referência as questões suscitadas e bem assim as questões de conhecimento oficioso, mas que não obriga o Tribunal a pronunciar-se sobre todos os argumentos esgrimidos pelas partes (neste sentido, e.g. o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11-10-2022, proferido no processo n.º 602/15.0T8AGH.L1-A.S1, disponível em www.dgsi.pt).
O thema decidendum dos autos, tal como configurado pelos Autores, visava determinar se a deliberação aprovada na assembleia geral de 30-06-2022 estava ferida de anulabilidade/nulidade por:
a. falta de convocatória dos Autores;
b. o conteúdo da intervenção do representante dos Autores na assembleia não ser contemplado na acta;
c. a acta não estar assinada pelo representante dos Autores; e
d. falta de fundamentação.
É no âmbito da última destas questões que os Autores invocam a alegada inconstitucionalidade do nº 2, do art.º 9º do DL 128/2014 de 29/08, na redacção da Lei 62/2018 de 22/08.
Contudo, precisamente a propósito da última das questões colocadas ao Tribunal, o Tribunal expressamente consignou na sentença recorrida, entender que “não cabe ao Tribunal conhecer do mérito da decisão da assembleia de condomínio, na qual redundaria uma pronúncia sobre a (in)suficiência da fundamentação de uma deliberação da assembleia de condóminos”.
Assim, uma vez que o Tribunal não conheceu do mérito/fundamentação da decisão da assembleia de condomínio, questão no âmbito da qual, eventualmente, poderia haver que conhecer o argumento de inconstitucionalidade invocado pelos Recorrentes, entende-se que não cabia ao Tribunal pronunciar-se sobre a suscitada inconstitucionalidade.
Na verdade, “só haverá interesse processual em apreciar a questão de constitucionalidade suscitada quando o eventual julgamento de inconstitucionalidade for susceptível de se poder projectar ou repercutir na decisão recorrida, de modo a alterar ou modificar, no todo ou em parte, a solução jurídica que se obteve no caso concreto, implicando a respectiva reponderação” (cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 475/2023, Relatora Conselheira Mariana Canotilho).
Assim, entendemos que a sentença recorrida não enferma da nulidade apontada pelos Recorrentes, contudo o Venerando Tribunal da Relação melhor decidirá”.
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Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos art.º 635º, nº 4, e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, as questões submetidas a recurso, tal como se encontram delimitadas pelas aludidas conclusões, prendem‑se com:
. A nulidade da sentença por omissão de pronúncia;
. A inobservância do disposto no nº 2 do art.º 1º do D.L. 268/94, de 25/10;
. A falta de demonstração das afirmações constantes da acta, enquanto constitutivas do direito do condomínio R. ao cancelamento do registo do estabelecimento de alojamento local na fracção autónoma dos AA.
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Na sentença recorrida considerou-se como provada a seguinte matéria de facto (corrigem-se as referências processuais):
1. Pela ap. 1050 de 28-08-2019, foi registada a favor dos AA. a aquisição da fracção autónoma AH (…) do prédio urbano sito na Rua (…), descrito (…) sob o nº (…) e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo matricial (…).
2. A fracção descrita em 1. está registada como alojamento local junto da Câmara de Cascais com o n.º (…).
3. J.D. representou os AA. na Assembleia de Condomínio extraordinária realizada a 30-06-2022.
4. Em 08-08-2022, a administração do condomínio R. enviou aos AA. um e-mail com, nomeadamente, o seguinte teor: “Na qualidade de administradores do condomínio COND PRÉDIO SITO NA RUA (…), serve o presente para enviar o link para download acta da assembleia do dia 30‑06‑2022.”
5. A referida acta estava assinada por todos os condóminos, à excepção dos AA.
6. Na referida acta consta, entre o mais, o seguinte: “Os condóminos expressaram várias preocupações, reclamações e indignação, nomeadamente; Sendo o bloco (…) ocupado maioritariamente de condóminos de avançada faixa etária, temem pela segurança devido à rotatividade de usuários da fracção AH (…), para alojamento local, passando de seguida a palavra à assembleia, para que os demais condóminos expressassem as suas preocupações e reclamações perante o exposto. Reclamam ainda que existiu uma escalada muito grande na sujidade do condomínio, que se encontrava sempre limpo graças à prestação de serviço da prestadora para o efeito e o senso comum dos moradores de manter ao máximo essa limpeza entre serviços, em que agora se tornou impossível com pessoas alheias ao condomínio deixando segundo os condóminos, beatas de cigarros, papeis, pastilhas elásticas e diversos lixos espalhados por partes comuns (patamares de escada, escadas elevador, logradouro), e por vezes até arremessados das janelas da fracção em foco, comprometendo a higiene dos terraços abaixo.
Reclamaram ainda, do ruido excessivo fora de horas, em que os demais condóminos querem usufruir do seu descanso, explanando os usuários que recorrem a alojamento local, maioritariamente encontra-se em período de férias, não tendo obrigações profissionais no dia seguinte, entregando-se mais facilmente a festividades tardias dentro da fracção, em que os condóminos ao contrário do que fariam caso ocorresse com um vizinho de longa permanência, de cordialmente ir bater à porta para sensibilizar e advertir para que o barulho cessasse, temem faze-lo pois desconhecem minimamente a índole de quem abrirá a porta, ou sequer de decorrer as autoridades, temendo represálias”.
7.Consta ainda da referida acta o seguinte: “O Sr. J.D., representante do Sr. L.S. da fracção AH (…), informou perante a intenção de pedir a revogação da licença de alojamento local, é um processo muito demorado, informando ainda que a licença de alojamento local foi concedida a 15-10-2019, com o número de processo (…) e com o número de registo de turismo (…).”.
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Na sentença recorrida considerou-se como não provada a seguinte matéria de facto:
A. Até Junho de 2022, os AA. sempre receberam por email convocatórias para reuniões, actas, pedidos de cobranças, recibos e todas as outras informações relativas ao condomínio.
B. No dia 21-06-2022, os AA. receberam um email com várias considerações acerca do Alojamento local, que se fazia acompanhar igualmente de um parecer jurídico.
C. Em Agosto de 2019 os AA. solicitaram expressamente que as convocatórias fossem enviadas por e-mail.
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Da nulidade por omissão de pronúncia
Segundo a al. d) do nº 1 do art.º 615º do Código de Processo Civil, a sentença é nula quando aí deixe de ser apreciada questão que devesse ser apreciada.
Sobre a questão da nulidade da sentença por omissão de pronúncia, refere Lebre de Freitas (Código de Processo Civil Anotado, volume II): “Devendo o juiz conhecer de todas as questões que lhe estão submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas e todas as excepções de que oficiosamente lhe caiba conhecer (art 660º/2), o não conhecimento do pedido, causa de pedir ou excepção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão constitui nulidade (…)”. Com efeito, decorre do art.º 608º do Código de Processo Civil que na sentença o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, não podendo ocupar-se senão dessas questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras questões.
No caso concreto dos autos sustentam os AA. que alegaram a inconstitucionalidade do disposto no art.º 9º, nº 2 do D.L. 128/2014, de 29/8, na interpretação feita por acórdão uniformizador de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, e que tal questão foi completamente ignorada.
Como resulta do art.º 204º da Constituição da República Portuguesa, “nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados”.
Ou seja, a apreciação da conformidade constitucional de determinado preceito legal só é feita pelos tribunais judiciais se se verificar a necessidade de aplicar tal preceito legal ao caso concreto.
O que significa, desde logo, que o pedido de declaração de inconstitucionalidade, apresentado pelos AA. na parte final da P.I. e a título subsidiário, não faz qualquer sentido enquanto tal, mas apenas e tão só na medida em que a determinação da validade da deliberação condominial convoque a aplicação do preceito legal em questão.
Dito de outra forma, e tal como ficou explicado no despacho proferido pelo tribunal recorrido, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 617º, nº 1, do Código de Processo Civil (explicação que aqui se acolhe e acompanha), só haveria lugar a conhecer da questão da inconstitucionalidade do disposto “no nº 2 do art.º 9º do DL 128/2014 de 29/08, na redacção da Lei 62/2018 de 22/08 (…) na interpretação feita pelo acórdão do STJ nº 4/2022 de 22/03/2022, uniformizador de jurisprudência, publicado no DRE – I série de 10/05”, por violação do preceituado nos art.º 62º, nº 1, 17º e 18º, nº 2, todos da Constituição da República Portuguesa, caso tivesse sido surgido a necessidade de aplicar tal preceito legal, com aquela interpretação, e para concluir pela validade da deliberação condominial impugnada.
Mas como o tribunal recorrido entendeu que a determinação da validade de tal deliberação não passava pela valoração dos fundamentos que levaram os condóminos a aprová-la, designadamente que a mesma deliberação emergia da aplicação do referido preceito legal, na identificada interpretação jurisprudencial, deixou de subsistir qualquer necessidade de ser conhecida a invocada inconstitucionalidade. O que é o mesmo que dizer que o conhecimento da referida questão da inconstitucionalidade ficou prejudicado pela forma como foram conhecidas as restantes questões, que se impuseram como precedente lógico desta última.
E tudo isto sem embargo de, caso este tribunal de recurso conclua que as afirmações factuais constantes da acta conduzem, por si só, à declaração do direito do condomínio R. ao cancelamento do registo do estabelecimento de alojamento local na fracção autónoma dos AA., poder ter de se pronunciar sobre a referida questão da inconstitucionalidade, na medida em que seja da aplicação do referido preceito legal, com aquela interpretação decorrente do AUJ 4/2022, que decorre a correspondente extinção do direito dos AA. à exploração do estabelecimento de alojamento local, enquanto proprietários da fracção respectiva e como consequência do cancelamento do registo em questão.
Em suma, improcedem as conclusões do recurso dos AA., nesta parte, não se verificando a invocada nulidade da sentença recorrida.
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Da inobservância do disposto no nº 2 do art.º 1º do D.L. 268/94, de 25/10
Na sentença recorrida ficou expresso o entendimento de que a acta da assembleia de condóminos de 30/6/2022 está conforme ao disposto no art.º 1º do D.L. 268/94, de 25/10, com recurso à seguinte fundamentação:
(…) a acta é um documento ad probationem, não se assumindo como elemento constitutivo, nem como pressuposto de validade da deliberação, tendo a força probatória de documento particular (neste sentido, veja-se o entendimento propugnado pelo Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 15-11-2007, proferido no processo n.º 0733938, disponível in www.dgsi.pt).
Já quanto às assinaturas, a verdade é que “a lei não estabelece sanção para a falta de assinatura de algum ou alguns dos condóminos que tenham participado na assembleia.”, pelo que “a falta de assinatura de todos os condóminos não afecta a validade da acta nem da deliberação.”.
No caso dos autos, os Autores alegam que só receberam a acta no dia 08‑08‑2022, tendo a mesma circulado previamente por todos os demais condóminos, faltando a assinatura do seu representante. Ora, estes factos não consubstanciam a violação de qualquer normativo (que, de resto, os Autores também não indicam), pelo que não há se verifica qualquer vício da deliberação. Ademais, o próprio regime legal consagra que “a eficácia das deliberações depende da aprovação da respectiva acta, independentemente da mesma se encontrar assinada pelos condóminos”, afastando assim qualquer vício por omissão de assinatura de uma acta por algum(ns) condómino(s).
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Quanto aos elementos que deverão constar da acta, haverá ainda que atentar no disposto no art.º 63.º do Código das Sociedades Comerciais, que por via de interpretação analógica deverá ser aplicado mutadis mutandi às assembleias de condomínio, as quais, atenta a sua natureza, consubstanciam verdadeiras assembleias gerais com similitudes claras com as assembleias das sociedades comerciais.
Neste conspecto, dispõe o art.º 63.º, n.º 2, do Código das Sociedades Comerciais que a acta deve conter, pelo menos: a) a identificação da sociedade, o lugar, o dia e a hora da reunião; b) o nome do presidente e, se os houver, dos secretários; c) os nomes dos sócios presentes ou representados e o valor nominal das partes sociais, quotas ou acções de cada um, salvo nos casos em que a lei mande organizar a lista de presenças, que deve ser anexada à acta; d) a ordem do dia constante da convocatória, salvo quando esta seja anexada à acta; e) referência aos documentos e relatórios submetidos à assembleia; f) o teor das deliberações tomadas; g) os resultados das votações; h) o sentido das declarações dos sócios, se estes o requererem.
Releva igualmente o estatuído no n.º 2, do art.º 1.º do Decreto-Lei n.º 268/94, de 25 de Outubro – diploma que aprova o regime da propriedade horizontal – que “A acta contém um resumo do que de essencial se tiver passado na assembleia de condóminos, indicando, designadamente, a data e o local da reunião, os condóminos presentes e ausentes, os assuntos apreciados, as decisões e as deliberações tomadas com o resultado de cada votação e o facto de a acta ter sido lida e aprovada.”.
Em face do regime legal apresentado, exige-se que a acta da assembleia geral contenha um resumo do que se passou na assembleia de condóminos e que se indique, designadamente, quais os assuntos apreciados, as decisões e as deliberações tomadas.
Note-se que, mesmo aplicando o regime societário, apenas deverá constar o sentido das declarações dos sócios (in casu, condómino) se tal for requerido pelo próprio.
Compulsada a acta em crise, verifica-se constar daquela, entre o mais, a intervenção/o sentido da intervenção do representante dos Autores”.
Na sua alegação de recurso os AA. entendem que a deliberação tomada na assembleia de condóminos de 30/6/2022 é inválida porque da respectiva acta não ficou a constar o teor da intervenção dos AA. (através do seu representante), que corresponde ao contraditório que lhes assistia, antes de ser tomada a referida deliberação.
Tal afirmação não faz qualquer sentido, desde logo porque não encontra qualquer acolhimento na letra ou no espírito do art.º 1º do D.L. 268/94, de 25/10, mais concretamente do seu nº 2, onde estão elencados os elementos que a acta da assembleia de condóminos deve conter e que, recorde-se, correspondem ao “resumo do que de essencial se tiver passado na assembleia de condóminos”, a par da “data e o local da reunião, os condóminos presentes e ausentes, os assuntos apreciados, as decisões e as deliberações tomadas com o resultado de cada votação e o facto de a acta ter sido lida e aprovada”.
Assim, consta da acta em questão que o ponto único da ordem de trabalhos daquela assembleia de condóminos de 30/6/2022 era a “discussão sobre alojamento local”, e que a proposta que foi levada a votação (e que foi aprovada) foi do seguinte teor: “que a administração promova (…) [através de advogado] o envio de missiva à câmara municipal de cascais, com pedido de revogação da licença de alojamento local, da fracção AH (…), com fundamento na vontade dos condóminos perante a exposição declarado na presente acta, ficando também desde já definido que o condomínio não autoriza mais propostas de fracções para alojamento local, tanto no bloco Nº (…) como no bloco Nº (…)”.
E sobre tal ponto único da ordem de trabalhos o representante dos AA. teve oportunidade de intervir na discussão prévia à votação da proposta que foi levada a votação, pois que consta da acta em questão (ponto 7. dos factos provados) que o mesmo “informou perante a intenção de pedir a revogação da licença de alojamento local, é um processo muito demorado, informando ainda que a licença de alojamento local foi concedida a 15‑10‑2019, com o número de processo (…) e com o número de registo de turismo (…)”.
Do mesmo modo, e como resulta do ponto 6. dos factos provados, consta da acta uma súmula das intervenções dos restantes condóminos, no que respeita à exposição de situações que, segundo os mesmos condóminos, seriam de imputar aos utilizadores da fracção autónoma dos AA., no âmbito da sua exploração como unidade de alojamento local, e que para os mesmos condóminos colocavam em causa a sua segurança e descanso, a par da higiene das partes comuns do condomínio.
Por outro lado, e ainda que se entendesse que o legislador disse menos que o que queria dizer, no que respeita à definição dos conteúdos da acta da assembleia de condóminos, assim sendo necessário lançar mão do disposto no art.º 10º do Código Civil, não há como não concordar com o raciocínio expresso na sentença recorrida, no sentido de ser o preceituado no art.º 63º do Código das Sociedades Comerciais a norma a aplicar por analogia.
Com efeito, resulta do art.º 1430º do Código Civil que a assembleia de condóminos é um dos órgãos da administração do condomínio, sendo composta pelo conjunto dos condóminos, aos quais assistem tantos votos quantas as unidades inteiras de permilagem ou percentagem que pertencem a cada um, relativamente ao valor total do prédio, e sendo aí que os condóminos deliberam sobre os assuntos a que respeita a convocatória da mesma assembleia.
Do mesmo modo, resulta dos art.º 53º e seguintes do Código das Sociedades Comerciais que a assembleia geral societária é composta pelo conjunto dos sócios da sociedade, sendo aí que os mesmos deliberam sobre os assuntos da sociedade a que respeita a convocatória respectiva, prescrevendo o nº 1 do art.º 63º do Código das Sociedades Comerciais que tais deliberações só podem ser provadas pelas actas das assembleias, e resultando do seu nº 2 qual o conteúdo da acta.
Ou seja, a natureza destes dois órgãos (a assembleia de condóminos e a assembleia geral societária), a par da sua composição e fim a que se destinam, permite afirmar que os requisitos das actas respectivas devem ser idênticos, designadamente no que respeita à não obrigatoriedade de constar das mesma a transcrição integral de tudo o que aí for afirmado em sede de discussão de qualquer ponto da ordem de trabalhos.
Pelo que, estando perante casos análogos, e não constando do art.º 63º do Código das Sociedades Comerciais a necessidade da referida transcrição integral, o disposto no nº 2 do art.º 1º do D.L. 268/94, de 25/10, só pode ser interpretado no sentido de o “resumo do que de essencial se tiver passado na assembleia de condóminos” se bastar com uma súmula das intervenções dos condóminos, e não com qualquer necessidade de transcrição integral das mesmas.
Dito de outra forma, para interpretar tal preceito legal pode e deve lançar-se mão de norma análoga, como é o art.º 63º do Código das Sociedades Comerciais, pelo que não faz sentido falar de qualquer “falta de audiência contraditória dos autores”, apenas porque da acta da assembleia de condóminos realizada em 30/6/2022 não ficou a constar a transcrição integral da intervenção do representante dos AA., do mesmo modo não fazendo sentido a afirmação da necessidade de concessão de prazo aos AA., para se pronunciarem sobre as afirmações dos restantes condóminos, proferidas nessa assembleia, e que igualmente foram resumidas, nos termos que constam do ponto 6. dos factos provados.
Aliás, esta afirmação da preterição do contraditório dos AA. faz ainda menos sentido quando se sabe que a razão de ser das deliberações tomadas em assembleia de condóminos não assenta na necessidade de resolver qualquer conflito de interesses entre os condóminos, mas da própria natureza colectiva do condomínio e da correspondente necessidade de formulação de declarações de vontade formadas colectivamente.
Em suma, apesar de na acta da assembleia de condóminos de 30/6/2022 não ter ficado a constar o teor integral da intervenção do representante dos AA., do mesmo modo não tendo sido concedido qualquer prazo aos AA. para se pronunciarem sobre as intervenções dos demais condóminos aí presentes (ou representados), tal circunstância não corresponde a qualquer violação do disposto no nº 2 do art.º 1º do D.L. 268/94, de 25/10, pelo que não há que falar de qualquer desconformidade legal ou regulamentar que permita afirmar a anulabilidade do que foi deliberado nessa assembleia, ao abrigo do disposto no art.º 1433º, nº 1, do Código Civil.
E, nesta medida, improcedem as conclusões do recurso dos AA., nesta parte.
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Da falta de demonstração das afirmações constantes da acta
Relativamente a esta questão, ficou expresso na sentença recorrida que “defendem ainda os Autores que a deliberação em causa carece de fundamento, violando o disposto no artigo 9.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 128/2014, de 29 de Agosto, na sua redacção actual.
Dispõe o referido normativo que “1 – O Presidente da Câmara Municipal territorialmente competente pode determinar, precedido de audiência prévia, o cancelamento do registo do respectivo estabelecimento nas seguintes condições: 2 - No caso de a actividade de alojamento local ser exercida numa fracção autónoma de edifício ou parte de prédio urbano susceptível de utilização independente, a assembleia de condóminos, por decisão de mais de metade da permilagem do edifício, em deliberação fundamentada, decorrente da prática reiterada e comprovada de actos que perturbem a normal utilização do prédio, bem como de actos que causem incómodo e afectem o descanso dos condóminos, pode opor-se ao exercício da actividade de alojamento local na referida fracção, dando, para o efeito, conhecimento da sua decisão ao Presidente da Câmara Municipal territorialmente competente.”
Assim, em face da deliberação apresentada pela assembleia de condomínio de oposição ao exercício da actividade de alojamento local numa determinada fracção é ao presidente da Câmara Municipal que caberá a decisão final sobre o cancelamento ou não do registo do estabelecimento do alojamento local. Significa isto que a competência para conhecer do mérito (incluindo a decisão sobre a suficiência ou não da fundamentação para o pedido de cancelamento) e respectivas consequências da deliberação de oposição aprovada pela assembleia de condomínio cabe ao Presidente da Câmara territorialmente competente.
Em face do que antecede, não cabe ao Tribunal conhecer do mérito da decisão da assembleia de condomínio, na qual redundaria uma pronúncia sobre a (in)suficiência da fundamentação de uma deliberação da assembleia de condóminos”.
Os AA. não concordam com esta posição, entendendo que em sede da assembleia de condóminos cabia aos condóminos que aprovaram a deliberação fazerem a prova dos factos que aí afirmaram, correspondentes a situações que colocam em causa a segurança e descanso dos mesmos, a par da higiene das partes comuns do condomínio, desde logo tendo presente o disposto no nº 2 do art.º 9º do D.L. 128/2014, de 29/8. E mais sustentam que, não tendo tal prova sido efectuada por essa via extrajudicial, era no âmbito desta acção que cabia aos condóminos (através do condomínio R.) demonstrar tal factualidade, não podendo o tribunal recorrido bastar-se com a sua afirmação na acta da assembleia de condóminos, para considerar verificados tais factos, enquanto constitutivos do direito do condomínio R. ao cancelamento do registo do estabelecimento de alojamento local na fracção autónoma dos AA.
É patente que os AA. não perceberam o que está em causa com a deliberação tomada na assembleia de condóminos de 30/6/2022 e com a sua subsequente impugnação pela presente acção, não obstante a evidência do que foi afirmado na sentença recorrida.
Assim, estando em causa uma deliberação tomada na assembleia de condóminos de 30/6/2022, nos termos da qual ficou decidido enviar uma carta à Câmara Municipal (através de advogado), pedindo o cancelamento do registo do estabelecimento de alojamento local na fracção autónoma dos AA., torna-se evidente que não é no âmbito dessa assembleia de condóminos que fica afirmado tal cancelamento desse registo camarário, mas tão só e apenas se isso for decidido pela entidade camarária competente, nos termos explicados na sentença recorrida.
Com efeito, o referido D.L. 128/2014, de 29/8 respeita ao regime jurídico da exploração dos estabelecimentos de alojamento local, dispondo o seu art.º 9º, como resulta da sua epígrafe, sobre o cancelamento do registo do estabelecimento em questão.
Assim, e de acordo com o nº 2 do referido art.º 9º (na redacção da Lei 62/2018, de 22/8, em vigor ao tempo da propositura da presente acção de impugnação da deliberação aprovada na assembleia de condóminos de 30/6/2022), nos casos em que a actividade de alojamento local esteja a ser exercida numa fracção autónoma, a assembleia de condóminos pode opor-se ao exercício de tal actividade na fracção autónoma em questão, “por decisão de mais de metade da permilagem do edifício, em deliberação fundamentada, decorrente da prática reiterada e comprovada de actos que perturbem a normal utilização do prédio, bem como de actos que causem incómodo e afectem o descanso dos condóminos”. E, nesse caso, dará conhecimento dessa decisão de oposição ao Presidente da Câmara Municipal territorialmente competente, que decidirá sobre o pedido de cancelamento (nº 3 do mesmo art.º 9º).
Ou seja, segundo o preceituado no referido art.º 9º não assiste à assembleia de condóminos o direito potestativo ao cancelamento do registo do estabelecimento de alojamento local na fracção autónoma dos AA., mas tão só o direito a deliberar no sentido da oposição à existência de tal registo, competindo a decisão sobre o cancelamento à entidade administrativa camarária referida no nº 3 do art.º 9º do D.L. 128/2014, de 29/8.
Nessa medida, a invocação de que a decisão de pedir o cancelamento do registo em questão não está fundamentada, porque faltará na mesma deliberação a prova da “prática reiterada e comprovada de actos que perturbem a normal utilização do prédio, bem como de actos que causem incómodo e afectem o descanso dos condóminos”, é questão que cabe à referida entidade administrativa apreciar e decidir, no âmbito do procedimento respectivo, a que respeita o art.º 9º do D.L. 128/2014, de 29/8.
Dito de outra forma, é no âmbito desse procedimento administrativo que será apurado e decidido se assiste ao condomínio R. o direito a tal cancelamento do registo camarário, só aí sendo de verificar se a pretensão do condomínio R. que ficou expressa na deliberação tomada na assembleia de condóminos de 30/6/2022 está fundamentada, por estar comprovada a referida prática reiterada “de actos que perturbem a normal utilização do prédio, bem como de actos que causem incómodo e afectem o descanso dos condóminos”.
Todavia, essa questão é distinta da questão relativa ao direito que assiste aos condóminos que representem mais de metade da permilagem do edifício de, em sede de assembleia de condóminos, deliberarem no sentido de pedir tal cancelamento (ou, na formulação literal do referido nº 2 do art.º 9º, de se oporem ao exercício da actividade de alojamento local na fracção “dando, para o efeito, conhecimento da sua decisão ao Presidente da Câmara Municipal territorialmente competente”).
E no caso concreto dos autos é essa deliberação, e não qualquer decisão de cancelamento do registo do estabelecimento de alojamento local na fracção autónoma dos AA., que vem impugnada.
Ora, inexistindo qualquer norma (legal ou regulamentar) que impeça a referida maioria dos condóminos do condomínio R. de afirmar a oposição em questão através de tal deliberação, e sendo em sede da assembleia de condóminos que tal maioria se deve formar, não se pode afirmar que a mesma deliberação, enquanto expressão colectiva da referida oposição ao exercício da actividade de alojamento local numa fracção autónoma do edifício, seja contrária à lei ou a qualquer regulamento condominial, para efeitos de ser declarada inválida a requerimento dos AA., nos termos do art.º 1433º do Código Civil.
Dito de forma mais simples, os AA. “adiantaram-se” relativamente à percepção dos efeitos da deliberação tomada na assembleia de condóminos de 30/6/2022, vislumbrando o cancelamento do registo do estabelecimento de alojamento local na sua fracção autónoma, quando dessa deliberação não resulta tal cancelamento, nem sequer o exercício, pelo condomínio R., de qualquer direito potestativo ao cancelamento, pois que o mesmo não surge no âmbito da assembleia de condóminos onde foi tomada a deliberação, mas de acordo com a decisão da autoridade camarária competente, e no âmbito do processo administrativo respectivo.
Pelo que não faz qualquer sentido falar da necessidade de ter sido demonstrada na referida assembleia de condóminos (ou mesmo no âmbito da presente acção de impugnação da deliberação ali tomada) a factualidade constitutiva do direito ao cancelamento do registo do estabelecimento de alojamento local na fracção autónoma dos AA.
E, do mesmo modo, não é correcto afirmar, como fazem os AA. na sua alegação de recurso, que o tribunal recorrido concluiu na sentença que os factos afirmados na acta da assembleia de condóminos de 30/6/2022 ocorreram, e que foram os AA. os causadores dos mesmos.
Com efeito, foi exactamente dessa afirmação conclusiva que se afastou o tribunal recorrido, desde logo porque se escusou a tomar posição “sobre a (in)suficiência da fundamentação de uma deliberação da assembleia de condóminos”.
Do mesmo modo, ainda, continua a estar prejudicado o conhecimento da inconstitucionalidade invocada pelos AA., na exacta medida em que a afirmação da validade da deliberação tomada na assembleia de condóminos de 30/6/2022 não passa pela aplicação do disposto no art.º 9º, nº 2 do D.L. 128/2014, de 29/8, na interpretação feita pelo AUJ 4/2022, mas tão só pela constatação de que inexiste qualquer preceito legal ou regulamentar que vede aos condóminos expressarem a sua oposição ao exercício da actividade de alojamento local na fracção autónoma dos AA., em sede de assembleia de condóminos e nos termos em que o fizeram, e sendo a formalização de tal expressão colectiva independente da comprovação (ou falta dela) dos fundamentos que utilizaram para tanto, nos termos prescritos naquele preceito legal.
Aliás, na fundamentação do AUJ 4/2022 resulta clara a distinção entre os patamares em que se move a questão da legalidade da deliberação e a questão da comprovação dos fundamentos que conduzem ao cancelamento do registo, a efectuar pelo Presidente da Câmara Municipal, aí se afirmando que a deliberação tomada para os efeitos do art.º 9º, nº 2 do D.L. 128/2014, de 29/8 “é uma medida de reacção, a posteriori, para um AL que não respeita o normal funcionamento de um condomínio”, não se tratando de um “meio susceptível de substituir os meios de tutela cível dos direitos privados dos condóminos”, mas constituindo “apenas uma tutela administrativa”.
Ou seja, é no âmbito da referida tutela administrativa que se deverá dar resposta ao pedido de cancelamento deliberado na assembleia de condóminos fundado na referida oposição ao exercício da actividade de alojamento local na fracção autónoma, sendo nessa sede administrativa que se deverá verificar a comprovação (ou não) dos factos que permitem concluir pelo desrespeito do “normal funcionamento de um condomínio” (assim desencadeando o efeito útil da oposição manifestada na deliberação), e sendo que para o âmbito da tutela cível dos direitos dos condóminos, no caso concreto através da acção de impugnação a que respeita o art.º 1433º do Código Civil, fica tão só reservada a verificação da observância das normas legais e regulamentares que estão na origem da deliberação.
Pelo que, também nesta parte, improcedem as conclusões do recurso dos AA., não havendo que fazer qualquer censura à sentença recorrida.
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DECISÃO
Em face do exposto julga-se improcedente o recurso e mantém-se a sentença recorrida.
Custas do recurso pelos AA.

Lisboa, 4 de Abril de 2024
António Moreira
Higina Castelo
Paulo Fernandes da Silva