Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1286/10.8TBVCT.G1
Relator: MARIA LUÍSA RAMOS
Descritores: DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO
ACIDENTE DE VIAÇÃO
CULPA
RISCOS COBERTOS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/19/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I. “O duplo grau de jurisdição em matéria de facto não visa a repetição do julgamento na 2ª instância, dirigindo-se somente ao reexame dos erros de procedimento ou de julgamento que tenham sido referidos em recurso e às provas que impõem decisão diversa (…) “Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, 4/11/09-P.680/07.6GCBRG.G1.S1,in, www.dgsi.pt.
II. Invocada a culpa deverá proceder-se à análise do acidente e responsabilidade civil pelos danos do mesmo decorrentes à luz da Responsabilidade Civil por Factos Ilícitos nos termos do art.º 483º-n.º1 do Código Civil.
E, não provada a culpa, haverá, então, que averiguar se subsiste e responsabilidade civil pelo risco do condutor, nos termos dos art.º 503º-n.º1 do Código Civil, caso tal possibilidade não resulta afastada do pedido e causa de pedir formulados na petição inicial.
III. Sendo o acidente exclusivamente imputável à Autora, em termos de causalidade e de culpa mostra-se excluída a responsabilidade civil pelo risco da condutora decorrente do n.º1 do art.º 503º do Código Civil, nos termos do disposto no art.º 505º, do citado código.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

S… , propôs acção declarativa de condenação, com processo ordinário, n.º1286/10.8TBVCT, do 2º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Viana do Castelo, contra Companhia de Seguros… , S.A., pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe a título de indemnização por acidente de viação, a quantia de € 45.127,40, acrescida de juros à taxa legal, desde a citação até integral pagamento, alegando que no dia 26 de Julho de 2009, cerca das 4h30m, seguia a Autora na Av. Santiago de Compostela, Monserrate, Viana do Castelo, a pé, pela berma da estrada, e, subitamente, foi colhida pelo veículo automóvel ligeiro de passageiros, com a matrícula ...-LX, pertencente a Ana Maria Veiga Martins, e segurado na Ré, tendo-lhe sido causados danos, imputando a Autora a culpa na produção do acidente e respectivos efeitos danosos à condutora do veículo ...-LX.
Regularmente citada, veio a Ré apresentar contestação, por excepção, invocando a ineptidão da petição inicial, e, por impugnação, imputando à própria Autora a responsabilidade pela verificação do atropelamento de que foi vitima.
A Autora apresentou réplica.
Foi proferido despacho saneador, seleccionou-se a matéria de facto assente e elaborou-se a base instrutória.
Realizado o Julgamento foi proferida sentença a julgar a acção improcedente por não provada, absolvendo-se a Ré Companhia de Seguros do pedido formulado pela Autora.
Inconformada veio recorrer a Autora, interpondo recurso de apelação.

O recurso foi recebido como recurso de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

Nas alegações de recurso que apresenta, a apelante formula as seguintes conclusões:
(…)
Foram proferidas contra – alegações.
O recurso veio a ser admitido neste tribunal da Relação na espécie e com os efeitos e regime de subida fixados no despacho de admissão do recurso na 1ª instância.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Delimitação do objecto do recurso: Questões a decidir.
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, tal como decorre das disposições legais dos artº 684º-nº3 do CPC, não podendo o tribunal conhecer de quaisquer outras questões “salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras “( artº 660º-nº2 do CPC).
E, de entre estas questões, excepto no tocante aquelas que o tribunal conhece ex oficio, o tribunal de 2ª instância apenas poderá tomar conhecimento das questões já trazidas aos autos pelas partes, nos termos dos artº 664º e 264º do CPC, não podendo a parte nas alegações de recurso e respectivas conclusões vir suscitar e requerer a apreciação de questões ou excepções novas.

Atentas as conclusões da apelação deduzidas, e supra descritas, são as seguintes as questões a apreciar e que a recorrente invoca:

- reapreciação da matéria de facto:
deverão alterar-se as respostas dadas aos artigos 1º, 2º, 5º, 6º, 7º, 8º, 9º, 14º, 15º, 16º, 17º, 18º, 19º, 21º, 23º, 24º, 25º, 26º, 27º, 28º da Base Instrutória ?

- Por se tratar de um acidente causado por veículo automóvel deveria, antes de mais, ter-se enquadrado o acidente na res-ponsabilidade pelo risco prevista no artigo 503º do Código Civil e não à luz dos pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos prevista no art. 483º- nº 1, do citado código ?

- Mesmo que se entendesse que a responsabilidade na ocorrência do atropelamento é imputável à Autora, a título de culpa, mantém-se a responsabilidade pelo risco da Ré nos termos do artigo 505º do Código Civil ?



Fundamentação.
I) OS FACTOS ( factos declarados provados na sentença recorrida):
A) - No dia 26 de Julho de 2009, cerca das 4h30m, na Avenida Santiago de Compostela, freguesia de Monserrate, Viana do Castelo, a Autora, que seguia a pé, foi colhida pelo veículo automóvel ligeiro de passageiros com a matrícula ...-LX, conduzido por A… , que conduzia o referido veículo no sentido de marcha Caminha – Viana do Castelo.
B) - Em frente ao local onde a Autora foi colhida, do lado esquerdo atento o mesmo sentido de marcha, situa-se a discoteca “Off – Dance Club”.
C) - O local do evento configura uma estrada sem separadores, encontrando-se a faixa de rodagem dividida em duas hemi-faixas destinadas ao trânsito de veículos nos dois sentidos de marcha, tendo a faixa de rodagem a largura de 6,40 m.
D) - No local, a velocidade máxima permitida é de 50 km/h.
E) - À data e hora do evento o piso da referida estrada, asfaltado e liso, estava seco.
F) - A Autora foi socorrida pelos Bombeiros Municipais de Viana do Castelo, que lhe colocaram colar cervical e a transportaram, de ambulância, do local do acidente para o Centro Hospitalar do Alto Minho – Santa Luzia, onde deu entrada às 5h01m.
G) - A Autora nasceu em 1 de Outubro de 1990.
H) - Ao tempo do acidente, a Autora trabalhava como aprendiz de servente de mesa no restaurante de “A… , Lda.”, em Ponte de Lima, onde auferia o salário mensal de €479,00.
I) - A Autora recebeu da Segurança Social e a título de subsídio de doença a quantia de € 66,36.
J) - A condutora do LX possuía carta de condução emitida em 8 de Julho de 2004.
L) - A responsabilidade civil emergente de danos causados pela circulação do veículo automóvel de passageiros de matrícula ...-LX foi transferida para a Ré por contrato celebrado entre esta e A… , titulado pela apólice n.º 8416403.
2.º - Com o atropelamento, a Autora foi projectada no ar, caiu e perdeu a consciência.
4.º - No momento e local do acidente, havia trânsito de veículos automóveis, bem como pessoas que saíam da discoteca.
20.º - Atento o sentido Caminha – Viana e no momento do acidente, havia veículos estacionados na berma, em frente à discoteca referida em B).
21.º - O LX circulava sensivelmente a meio da hemifaixa direita, atento o seu sentido de marcha.
22.º - O LX seguia com os faróis na posição de médios.
23.º - O LX seguia a cerca de 40 km/h.
24.º - Quando o LX passava em frente à discoteca referida em B), a Autora saiu de entre os veículos estacionados do lado direito.
25.º - A Autora entrou na hemifaixa por onde circulava o LX quando este se encontrava a cerca de 3 m de si.
26.º - Por isso, o LX embateu na Autora com o farol dianteiro do lado direito.
27.º - O LX não deixou rasto de travagem na faixa de rodagem.
28.º - Antes de iniciar a travessia, a Autora podia avistar as luzes dos faróis do LX a uma distância não inferior a 50 m.
5.º - O LX parou mais à frente, em relação ao local do embate.
8.º - Com o acidente, a Autora sofreu um susto.
9.º - Quando a Autora foi assistida no local, colocaram-lhe um colar cervical.
10.º - No hospital, a Autora apresentava amnésia para o ocorrido e queixava-se de dores no ombro direito e no tornozelo esquerdo.
11.º - No mesmo hospital, a Autora foi submetida a RX da coluna cervical, RX do tornozelo esquerdo e TAC crânio-encefálico.
12.º - Esteve em soroterapia e foram-lhe ministradas injecções analgésicas.
13.º - Manteve-se em observações todo o dia e às 19h07m foi-lhe dada alta hospitalar.
14.º - À data do acidente, a Autora era saudável e saía com amigos.
15.º,19.º - Como sequelas do acidente, a Autora apresenta dificuldade de concentração e uma cicatriz linear com 3 cm na face interna do antebraço esquerdo, o que lhe provoca uma incapacidade permanente geral de 2 pontos e um prejuízo de afirmação pessoal de 2, numa escala de 1 a 5.
16.º - A Autora tem desgosto por essas sequelas.
17.º - Em consequência do acidente, a Autora esteve com baixa médica até 6 de Agosto de 2009, inclusive.
18.º - Por causa do acidente, a Autora teve um quadro depressivo, para o qual foi medicada.


II) O DIREITO APLICÁVEL
1. Reapreciação da Matéria de facto
(…)
Nestes termos, não merecendo censura o despacho de fixação da matéria de facto proferido pelo tribunal de 1ª instância, deverá manter-se nos seus precisos termos.
2. Tendo a Autora/apelante S… , instaurado acção declarativa de condenação contra a Companhia de Seguros… , S.A., pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe a título de indemnização por acidente de viação, a quantia de € 45.127,40, acrescida de juros à taxa legal, acidente este ocorrido no dia 26 de Julho de 2009 e a que se reportam os autos, veio a acção a ser julgada improcedente e não provada, absolvendo-se a Ré do pedido, considerando-se na sentença recorrida dever, em primeira linha, analisar-se o acidente à luz dos pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos prevista no art. 483º- nº 1 do Código Civil, concluindo-se ser a responsabilidade na ocorrência do atropelamento unicamente imputável à Autora, a título de culpa, e assim, se impondo a absolvição da Ré seguradora do pedido.
Alega a apelante, nas alegações do recurso de apelação, que por se tratar de um acidente causado por veículo automóvel deveria, antes de mais, ter-se enquadrado o acidente na responsabilidade pelo risco prevista no artigo 503º do Código Civil e não à luz dos pressupostos da Responsabilidade Civil por factos ilícitos prevista no art. 483º- nº 1, do citado código.
Carece de razão a Autora.
Com efeito, e como se deduz do teor da petição inicial, a Autora e ora apelante, veio a instaurar a acção em curso com vista a apurar a responsabilidade civil da Ré pelos efeitos danosos do acidente dos autos, invocando actuação culposa da condutora do veículo ...-LX, seguro na Ré, baseando, consequentemente, o pedido formulado na Responsabilidade Civil por Factos Ilícitos da condutora do veículo LX emergente do art.º 483º-n.º1 do Código Civil.
Acresce que, e como expressamente decorre do disposto no n.º 2 do art.º 483º do Código Civil, a responsabilidade objectiva pelo risco é excepcional, só existindo obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei.
Assim, invocada a culpa deverá proceder-se à análise do acidente e responsabilidade civil pelos danos do mesmo decorrentes à luz da Responsabilidade Civil por Factos Ilícitos nos termos do art.º 483º-n.º1 do Código Civil.
E, não provada a culpa, haverá, então, que averiguar se subsiste e responsabilidade civil pelo risco do condutor, nos termos dos art.º 503º-n.º1 do Código Civil, caso tal possibilidade não resulta afastada do pedido e causa de pedir formulados na petição inicial.
“ Invocada a culpa, a falta de prova em relação ao circunstancialismo em que a mesma assentava, não impede a apreciação de uma eventual responsabilidade pelo risco, já que, apesar de a acção assentar na culpa do lesante e não no risco, deve entender-se que, presuntivamente, o autor pretende que o efeito jurídico visado seja obtido, ainda que em parte, com base na responsabilidade peio risco, no caso de a culpa se não provar, a não ser que da petição inicial resulte o contrário “ – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 9/12/2010, e, de 24-11- 1977: “ Ignorada a culpa na eclosão do acidente de viação, há que lançar mão da teoria da responsabilidade objectiva, nascendo a obrigação de indemnização do risco próprio de certas actividades perigosas, como é a circulação rodoviária» (disponível, em sumário, in www.dgsi.pt, Pº 066830”;
“se, em acção destinada a obter a reparação de danos, o autor invocar a culpa num caso em que excepcionalmente vigore o princípio da responsabilidade objectiva, mesmo que não se faça prova da culpa do demandado, pode o tribunal averiguar se o pedido procede à sombra da responsabilidade pelo risco, salvo se dos autos resultar que a vítima só pretende a indemnização se houver culpa do Réu» (Op. cit, 506)
No seu reputado Manual, o referido Professor assim explica a razão dessa sua posição que, aliás, é largamente seguida: «Quando o autor pede em juízo a condenação do agente na reparação de um dano, num dos domínios onde vigora a responsabilidade objectiva, mesmo que invoque a culpa do demandado, ele quer presuntivamente ( a menos que haja qualquer declaração em contrário) que o mesmo efeito seja judicialmente decretado à sombra da responsabilidade pelo risco, no caso de culpa não se provar» (A. Varela, Das Obrigações em Geral, vol I, 6º edição, pg 662) “ – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 9/12/2010, supra citado.
“A causa de pedir, nas acções de indemnização por acidente de viação, é o próprio acidente, e abrange todos os pressupostos da obrigação de indemnizar. Se o autor pede em juízo a condenação do agente invocando a culpa deste, ele quer presuntivamente que o mesmo efeito seja judicialmente decretado à sombra da responsabilidade pelo risco, no caso de a culpa se não provar. E assim, mesmo que não se faça prova da culpa do demandado, o tribunal pode averiguar se o pedido procede à sombra da responsabilidade pelo risco, salvo se dos autos resultar que a vítima só pretende a reparação se houver culpa do réu “ – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 4/10/07.
3. Mais alega a apelante que mesmo que se entendesse que a responsabilidade na ocorrência do atropelamento é imputável à Autora, a título de culpa, se mantinha a responsabilidade pelo risco da Ré nos termos do artigo 505º do Código Civil, pressupondo a apelante a possibilidade de verificação de culpa e risco com base no citado preceito legal.
Também relativamente a este fundamento de recurso não assiste razão à apelante.
Não existindo a responsabilidade civil por facto ilícito da condutora do veículo LX, mas tratando-se de acidente causado por veículo, traduzido, no caso sub judice, no atropelamento da Autora, poderia subsistir a responsabilidade civil pelo risco da condutora, nos termos dos art.º 503º-n.º1 do Código Civil, nos termos do qual “Aquele que tiver a direcção efectiva de qualquer veículo de circulação terrestre e o utilizar no seu próprio interesse (…) responde pelos danos provenientes dos riscos próprios do veículo, mesmo que este não se encontre em circulação”, sendo que, no caso sub judice, e como claramente resulta dos factos provados, sendo o acidente exclusivamente imputável à Autora, em termos de causalidade e de culpa ( factos provados n.º 24, 25 e 21, 22, 23, 26, 27, 28 ) mostra-se excluida a responsabilidade civil pelo risco da condutora decorrente do n.º1 do art.º 503º do Código Civil, nos termos do disposto no art.º 505º, do citado código, o qual dispõe que : “Sem prejuízo do disposto no art.º 570º, a responsabilidade pelo risco fixada pelo n.º1 do artigo 503º, só é excluída quando o acidente for imputável ao próprio lesado ou a terceiro, ou quando resulte de causa de força maior estranha ao funcionamento do veículo”.
No caso em apreço, ocorre culpa exclusiva da lesada na produção do acidente, o que exclui a responsabilidade pelo risco contemplada no art. 503°, nos termos decorrentes do citado art.º 505º do Código Civil.
Com efeito, mesmo segundo a tese que vem sendo desenhada na doutrina e jurisprudência, nomeadamente, do Supremo Tribunal de Justiça, e em que se baseia a recorrente, e segundo a qual, numa interpretação actualista da norma do art.º 505º citado, o texto do art. 505º do CC deve ser interpretado no sentido de que nele se acolhe a regra do concurso da culpa do lesado com o risco próprio do veículo ( Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 4 de Outubro de 2007, relatado pelo Juiz Conselheiro Santos Bernardino e anotado pelo Prof. Calvão da Silva, na RLJ, ano 137º, nº 3946, pag.35; e Acs. Supremo Tribunal de Justiça de 15/8/2008, 3/12/2009, 22/1/2009, in www.dgsi.pt), entende-se que a responsabilidade objectiva do detentor do veículo é excluída quando o acidente for devido unicamente ao próprio lesado ou a terceiro, ou quando resulte exclusivamente de causa de força maior estranha ao funcionamento do veículo.
“O texto do art. 505º do CC deve ser interpretado no sentido de que nele se acolhe a regra do concurso da culpa do lesado com o risco próprio do veículo, ou seja, que a responsabilidade objectiva do detentor do veículo só é excluída quando o acidente for devido unicamente ao próprio lesado ou a terceiro, ou quando resulte exclusivamente de causa de força maior estranha ao funcionamento do veículo – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 4/10/2007.
“ O art. 505º do CC deve ser interpretado no sentido de nele se admitir a concorrência da culpa do lesado com o risco próprio do veículo, dele resultando que a responsabilidade objectiva do detentor do veículo, a que se reporta o n.º 1 do art. 503º, só é excluída quando o acidente for devido unicamente ao próprio lesado ou a terceiro, ou quando resulte exclusivamente de causa de força maior estranha ao funcionamento do veículo. - Ac. Supremo Tribunal de Justiça, de 22/1/09.
Como claramente decorre dos factos provados nenhum dos elementos factuais que determina a aplicação do art.º 483º do Código Civil se mostra existir, não integrando a factualidade no caso concretamente apurada a legal previsão do citado art.º 483º, não decorrendo dos factos provados, por forma alguma, a responsabilidade civil extracontratual da condutora do veículo LX relativamente ao acidente que vitimou a autora, e, a responsabilidade civil pelo risco da indicada condutora nos termos do art.º 503º-n.º1 do Código Civil, mostra-se, no caso sub judice, excluída por força do disposto no art.º 505º, do citado diploma legal, resultando dos factos provados ser o acidente exclusivamente imputável à lesada, nos termos já acima assinalados, nomeadamente, na medida em que resulta dos factos provados que “Quando o LX passava em frente à discoteca referida em B), a Autora saiu de entre os veículos estacionados do lado direito; “ A Autora entrou na hemifaixa por onde circulava o LX quando este se encontrava a cerca de 3 m de si.”
Como referem P.Lima e A.Varela, in Código Civil, anotado, pg. 444, “ A simples leitura do art.º 483º mostra que vários pressupostos condicionam, no caso da responsabilidade por factos ilícitos, a obrigação de indemnizar imposta ao lesante, cabendo a cada um desses pressupostos um papel especial na complexa disciplina das situações geradoras do dever de reparação do dano. “
É necessário, desde logo, como referem ainda os autores citados, que haja um facto voluntário do agente; que esse facto do agente seja ilícito por violar direitos alheios ou disposição legal destinada a proteger esses direitos; que haja um nexo de imputação desse facto voluntário e ilícito ao agente em termos de dolo ou mera culpa; que dessa violação decorrente de actuação voluntária, ilícita, culposa, decorram danos para terceiros e que se demonstre existir um nexo de causalidade adequada entre o facto praticado pelo agente e o dano sofrido pela vítima, de forma a poder concluir-se que o dano é resultante da violação.
Como claramente se deduz do factualismo exposto, de nenhum dos factos provados resulta que a condutora do veículo LX haja praticado qualquer acto voluntário violador do direito de outrem ou de disposições legais destinadas a proteger tais interesses, nomeadamente, que haja infringido qualquer norma estradal, reguladora do trânsito de veículos na via pública.
Assim, desde logo, não prova a existência de facto voluntário e ilícito do agente, o condutor do veículo, não se mostrando verificado o primeiro dos requisitos de responsabilidade civil por factos ilicitos nos termos do art.º 483º do Código Civil.
Igualmente, e consequentemente, não se provando a existência do próprio facto ilícito, não se prova, nem se pode falar em acto culposo ou negligente do agente, nem decorre a existência de nexo de causalidade em relação aos danos ocorridos.
Assim se conclui, nos termos expostos, que dos factos não resulta provada a alegada e declarada responsabilidade civil por facto ilícito do condutor do veículo, não se mostrando verificados os legais pressupostos do art.º 483º do Código Civil.
Improcede, consequentemente, a apelação, devendo manter-se a sentença recorrida a qual não merece censura.

DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação, em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pela apelante.
Guimarães, 19 de Dezembro de 2011
Luísa Duarte
Raquel Rego
António Sobrinho