Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1689/17.7T8BGC.G1
Relator: SANDRA MELO
Descritores: COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
REGULAMENTOS EUROPEUS
DOMICILIO DO DEMANDADO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/24/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.º SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (da relatora):

.1- Para a determinação da competência internacional, só se aplicam os critérios de conexão a que se refere o artigo 59º do Código de Processo Civil se não existirem tratados, convenções, regulamentos comunitários ou leis especiais ratificadas ou aprovadas, que vinculem internacionalmente os tribunais portugueses, porque estes prevalecem sobre os restantes critérios.

.2- No âmbito do Regulamento (UE) 1215/2012, o domicílio do demandado no território dos Estados–Membros da União Europeia desempenha a função não só de critério geral de competência, mas também de condição para aplicar as regras de competência direta previstas no próprio Regulamento, nos termos do artigo 4.º, nº 1.

.3- Aplica-se este Regulamento quando o demandado se encontre domiciliado no território do Estado-Membro da União Europeia, independentemente da sua nacionalidade, mesmo que outros fatores de conexão apontem apenas para outros Estados que não o subscreveram (como o ...).

.4- As “competências especiais” previstas na secção 2ª do Regulamento (UE) 1215/2012, entre as quais as relativas a matéria contratual e extracontratual, previstas no artigo 7º do Regulamento, são apenas critérios alternativos ao do domicílio, não o substituindo.

.5- Assim, mantém-se a competência do tribunal do Estado-Membro onde está domiciliado o demandado, nos termos do artigo 4.º, nº 1 do Regulamento (UE) 1215/2012, mesmo que o recurso aos critérios previstos no seu artigo 7º aponte para os tribunais de outro país.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

Autor e Apelante:
Carlos (…), que apresentou como domicílio a Rua da …, (…)

Réus e Apelados:

1) Maria L. (…), viúva residente na Rua Dr. … n.º 17 – 5385-119 …
2) MARIA F. (…) residente em … – (…)
3) MARIA DE LURDES (…) residente na Rua …,
4) MARIA JOSÉ (…), residente na Rua …
5) JOSÉ (…), com domicílio profissional na Unidade (…) Av. …

Autos de: apelação (em ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum)

I. Relatório

.1- O Autor nestes autos peticionou a condenação solidária dos Réus “a pagar ao Autor a quantia global de 79.678,75€, acrescida de juros à taxa de 4% desde a citação ou, em alternativa, na hipótese de vir a considerar-se que deve ser feito o acerto de contas entre os montantes dos empréstimos feitos pelo A. aos RR., e o montante das despesas pagas em seu beneficio a terceiros, e as rendas devidas aos RR. entre Março de 2011 e Junho de 2012, a quantia global de 29.607,98€, acrescida de juros à taxa de 4% até integral pagamento.”
2- Invocou para tanto e em síntese:
.2.a) As obrigações dos RR. perante o Autor resultam, ainda que indireta ou reflexamente, de um contrato de arrendamento celebrado em território português, datado de 1 de Outubro de 1996.
.2.b) Esse contrato foi celebrado entre os Réus e o A., enquanto sócio gerente de uma sociedade comercial denominada P., com sede na Republica ..., pelo qual os Réus deram de arrendamento comercial uma loja sita no ... a essa sociedade.
.2.c) A partir de Março de 2011, a primeira R., com o acordo e no interesse dos restantes RR., em Lisboa, acordou com o A., a título pessoal e individual, que este lhe fosse adiantando dinheiro para as variadas despesas que o prédio originava, sendo depois essas despesas deduzidas ou compensadas nas rendas devidas.
.2.d) Os RR. habitam com permanência em Portugal e o A. só esporadicamente vai ao ....
.2.e) Os RR. já alienaram, entretanto, esse imóvel de B. e deixaram de ter qualquer ligação pessoal ou real à Republica ..., por não terem residência nem qualquer património naquele país que responda pelas suas obrigações ou responsabilidades.
.2.f) Todas as partes são de nacionalidade portuguesa e residem em Portugal.
.2.g)O direito que o A. pretende fazer valer (restituição de sucessivos empréstimos) não pode tornar-se efetivo senão por meio de ação proposta em Portugal, não só por facilidade de citação dos RR., como porque é aqui que eles têm o seu património, o que torna menos onerosa e muito menos complexa a prossecução contra eles de uma eventual execução”.
.2.h) A ação destinada a exigir o cumprimento de obrigações (como é o presente) nos termos do artº 71 do C.P.C., é proposta no domicílio do R., ou seja, em Mirandela.

Foram apresentadas duas contestações nos autos, tendo todos os Réus, com exceção da segunda, invocado (entre o mais) a exceção da incompetência internacional dos Tribunais Portugueses, porquanto, em súmula, os contratos foram celebrados no ... e o Autor reside habitualmente no ..., remetendo para a inexistência de elementos ponderosos de conexão pessoal ou real entre o objeto do litígio e a ordem jurídica portuguesa nos temos do artigo 62º alínea c) do Código de Processo Civil.

Foi, em sede de audiência prévia proferida decisão julgando “procedente a exceção da incompetência deste tribunal em razão da nacionalidade” e consequentemente absolvendo os Réus da instância.

No recurso que interpôs, pugnando pela revogação dessa decisão e sua substituição por outra que julgue internacionalmente competente esta Instância Central de (…) para julgar a presente ação, ordenando o prosseguimento dos autos, o Autor formulou as seguintes conclusões:

1) A presente ação trata apenas do cumprimento de obrigações estabelecidas entre as partes, discutindo-se a título principal o dever dos RR. restituírem ao A. os montantes por si pagos a terceiros em beneficio daqueles, emprestando-lhes dinheiro para os satisfazerem.
2) Dada a forma como o A. configura esta ação, a sua causa de pedir principal funda-se num acordo entre as partes feito em Lisboa que legitima o A. a cobrar os montantes emprestados aos RR. quer por força das regras do mútuo, quer por via do instituto do enriquecimento sem causa.
3) Só a titulo subsidiário o A. pede a compensação com rendas por si devidas, sendo que só neste segmento a causa de pedir tem alguma conexão com um contrato de arrendamento referente a um imóvel situado em país estrangeiro, mas que o A. nada tem a opôr que não seja apreciado, remetendo-se o seu conhecimento para ação posterior a instaurar nesse país.
4) Não podendo um direito obrigacional decorrente de um crédito de empréstimos ser confundido com um direito pessoal ou real de gozo sobre esse imóvel, a competência para julgar esta ação é indiscutivelmente dos tribunais portugueses, atentas as regras dos artº 62, al a), 71, nº. 1 e 80 do CPC, e o domicílio dos RR., todos eles residentes em Portugal.
5) Só se estivéssemos perante uma ação de despejo ou de qualquer outro direito real ou pessoal de gozo sobre tal imóvel – o que não é o caso - é que seria competente o Tribunal da sua situação, o da República ... (artº 70 do CPC)
6) Para além da competência internacional desta Instância Central de Bragança resultar da regra da al a) do artº 62 do CPC, ela também se reforça pela aplicação da al. c) desse mesmo artigo, porquanto foram alegados factos nos pontos 11 a 15 da p.i. que indiciam com clareza que o direito invocado pelo A. não pode tornar-se efetivo se não por meio de ação proposta em território português, dada a dificuldade apreciável na propositura e na exequibilidade dessa ação e de uma eventual execução no ..., onde os RR já nada têm.
7) Por outro lado, existe um ponderoso elemento de conexão entre o objeto do litígio e a ordem jurídica portuguesa, quer pela nacionalidade das partes, quer pela sua residência habitual em Portugal, quer pela celebração no nosso país do acordo que legitimou a propositura desta ação, quer por existirem pagamentos operados através do BANCO ... em …, local da residência do A. – vide artº 10 da p.i.
8) Mesmo que ao caso seja aplicável o regime substantivo do artº 42 do C. Civil– o que se duvida -, é a p.i. que baliza os factos que devem ser atendidos pelo Tribunal para fixação ou afastamento da sua competência.
9) Assim sendo, não havendo dúvida nenhuma que o A. se apresentou a residir em …, distrito da Guarda, e que apresentou os RR. A residirem, todos eles, também em Portugal, hão que concluir que a residência habitual comum de todos é no nosso país, o que torna o nosso direito aplicável ao caso dos autos.
10) Mas mesmo que não houvesse residência comum entre A. e RR., a lei do lugar da celebração do contrato que tipicamente dá origem à instauração da presente ação é a portuguesa, por este ter sido outorgado em Lisboa (e já agora em língua portuguesa), como é dito nos artºs 9 e 10 da p.i., o que afasta a competência internacional dos Tribunais da Republica ....
11) O facto de existirem nos autos alguns documentos em que consta a morada do R. como sendo em B., apenas significa que à data em que os mesmos foram elaborados foi essa a residência indicada e não que fosse essa a sua residência habitual, tanto assim que há também documentos no processo que indicam como domicílio do A. a freguesia de ….
12) Esta duplicidade de residências apenas poderia suscitar ao Tribunal dúvidas acerca da verdadeira residência habitual do A., caso em que deveria tê-lo convidado para fazer prova cabal dessa sua residência, em vez de proferir a precipitada decisão que proferiu.
13) A decisão recorrida violou ou interpretou incorretamente os artº 62, al a) e c), 70, 71, 80 e 611 do CPC e os artº 42, 405, 474 e 1142 do CC.

Os 1º, 3º, 4º e 5º Réus apresentaram resposta, concluindo pela manutenção do decidido, com as seguintes conclusões:

1. A decisão ora recorrida traduz, na sua plenitude, o entendimento devido das normas legais ao caso aplicáveis, e atentos muitos dos factos pelo próprio recorrente alegados.
2. Os documentos em análise nos presentes autos foram, todos eles, redigidos e outorgados em B. (capital ...) e, sempre, redigidos em francês, que é a língua oficial daquele país.
3. Mesmo os documentos juntos pelo recorrente com a sua p.i. para comprovar o pagamento de quantias à Ré Maria L. são, todas elas, operadas pelo …Bank, e donde consta que as transferências são ordenadas pelo ora recorrente, com domicílio na ....
4. Todos estes factos, invocados pelo próprio recorrente, demonstram inexistir qualquer ligação ao território português, seja pessoal e, muito menos, a nível real, sendo certo ainda que o imóvel dado de arrendamento e que foi propriedade dos recorridos se situa no ....
5. Certo, também, que o Autor, ora recorrente, veio, com a presente acção, pretender fazer valer direitos emergentes de contrato de arrendamento do prédio sito em B., no ..., pretendendo operar um verdadeiro acerto de contas através de uma compensação entre as rendas em dívida aos recorridos e um alegado e eventual mútuo entre eles estabelecido.
6. Refere o recorrente, nas suas doutas alegações, tratar-se, na presente acção, apenas do cumprimento de obrigações, estabelecidas entre as partes; pois bem, neste particular teremos que ter em conta a lei reguladora das obrigações, no caso o n.º 2 do art. 42 do Cód. Civil.
7. Dado que o próprio recorrente reconhece estarmos, alegadamente, em presença de contratos onerosos, deverá ser aplicada ao caso a lei do lugar da celebração dos contratos em causa que sempre foi a cidade de B., no ....
8. Daí que a causa de pedir predominante e central nos presentes autos seja um conjunto de factos ou circunstâncias decorrentes de um contrato de arrendamento de um imóvel sito no ..., contrato este que foi outorgado em B., ..., em língua francesa e estipulado o pagamento das rendas em fracos C.F.A.
9. Se atentarmos no teor do documento junto a fls. 214 dos autos, concluímos, sem margem para dúvidas, que o mesmo mais não é do que um acordo sobre pagamento de rendas, não sendo feita qualquer referência a um eventual mútuo ou empréstimo efectuado pelo recorrente às recorridas por causa das despesas originadas com a gestão do prédio, onde se encontra a loja locada ao recorrente.
10. Portanto, e atentando no teor dos documentos e elementos constantes dos autos, a conexão mais relevante em termos pessoais e reais no que diz respeito à competência internacional e prevista no art. 62º do C.P.C. é a jurisdição ....

II. Objeto do recurso

O objeto do recurso é definido pelas conclusões das alegações, mas esta limitação não abarca as questões de conhecimento oficioso, nem a qualificação jurídica dos factos (artigos 635º nº 4, 639º nº 1, 5º nº 3 do Código de Processo Civil).

Este tribunal também não pode decidir questões novas, exceto se estas forem de conhecimento oficioso ou se tornaram relevantes em função da solução jurídica encontrada no recurso e os autos contenham os elementos necessários para o efeito. - Artigo 665º nº 2 do mesmo diploma.

É apenas uma a questão a apreciar nestes autos: se os tribunais portugueses são competentes, em razão da nacionalidade, para conhecer deste litígio.

III. Fundamentação de Facto

Com interesse para a decisão da causa, além do teor do relatório enunciado supra, verifica-se que se encontram provados por acordo das partes expresso nos articulados os seguintes factos com relevo para a decisão da causa:

1. Todas as partes têm nacionalidade portuguesa;
2. Os Réus residem em Portugal;
3. Não têm bens no ...;
4. O imóvel objeto do contrato de arrendamento celebrado entre os Réus e uma sociedade de que o Autor é representante situa-se no ...;
5. O Autor com dinheiro próprio, pagou algumas das despesas que o mesmo refere na petição inicial.

IV. Fundamentação de Direito

Da competência internacional

Como se escreveu na sentença recorrida, “a competência internacional designa a fração do poder jurisdicional atribuída aos tribunais portugueses no seu conjunto, em face dos tribunais estrangeiros, para julgar as ações que tenham algum elemento de conexão com ordens jurídicas estrangeiras» - Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in ‘Manual de Processo Civil’, 2.ª edição, pág. 198. A sua falta traduz-se numa exceção dilatória que obsta que o tribunal conheça do mérito da causa.

Quando a causa tem conexão com outras ordens jurídicas, o tribunal português, se nele foi intentada a ação, tem que decidir se é competente para a apreciar e decidir, apurando se o poder jurisdicional para aquela ação é atribuído aos tribunais portugueses.

Antes de mais, cumpre realçar que nestes autos todas as partes têm nacionalidade portuguesa, os Réus estão domiciliados em Portugal, mas o domicilio do Autor é discutido, e estão em causa contratos cujo lugar de celebração se discute, centrando o Autor a ação na obrigação de restituição pelos Réus do valor que este alega ter despendido e ter-lhes emprestado para pagamento de despesas relacionadas com um imóvel sito no ..., arrendado a uma sociedade com sede no ..., que foi pertença dos Réus, que ainda têm rendas a haver, aceitando o Autor que se deduza tal montante no seu crédito, por força da sua ligação com essa sociedade. Enfim, este conflito é plurilocalizado.

É atendendo ao pedido e à causa de pedir vertidas na petição inicial que se afere da competência internacional do tribunal face ao litígio. A mesma fixa-se, como regra, no momento em que a ação se propõe e afere-se pelos termos em que a ação foi proposta (cf. a mero título exemplificativo, visto que é noção pacífica: Prof. Manuel de Andrade, "Noções Elementares de Processo Civil", Coimbra Editora, 1976, p. 90/91 e Ac Trib. Relação de Coimbra, de 03-24-2009 no processo o nº 220/07.7TBVZL-A.C1, (sendo este e todos os demais acórdãos citados sem menção de fonte, consultados in dgsi.pt com a data na forma ali indicada: mês/dia/ano). “A competência material do tribunal afere-se pelos termos em que a ação é proposta e pela forma como se estrutura o pedido e os respetivos fundamentos, atendendo-se, apenas, aos factos articulados pelo autor na petição inicial e à pretensão jurídica por ele apresentada, ou seja, à causa de pedir invocada e aos pedidos formulados”, escreveu-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09/12/2013 no processo 204/11.0TTVRL.P1. S1.

O artigo 59º do Código de Processo Civil determina que “Sem prejuízo do que se encontre estabelecido em regulamentos europeus e em outros instrumentos internacionais, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes quando se verifique algum dos elementos de conexão referidos nos artigos 62.º e 63.º ou quando as partes lhes tenham atribuído competência nos termos do artigo 94.º”.

Assim, antes de mais, há que averiguar se existem tratados, convenções, regulamentos comunitários ou leis especiais ratificadas ou aprovadas, que vinculem internacionalmente os tribunais portugueses, porque prevalecem sobre os restantes critérios (o que resulta, além do mais, patente desta norma e do artigo 8.º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa, que esclarece que as regras internacionais se integram no ordenamento jurídico do Estado).

Desta forma, se o conflito preenche a previsão de algum regulamento comunitário, quanto ao seu âmbito de aplicação temporal (em regra a partir do dia 10-1-2015), objetivo e subjetivo, são as regras desse regulamento que devem ser aplicadas, sem se atender aos elementos de conexão a que alude o artigo 59º deste diploma (neste sentido também o acórdão do Tribunal da Relação de Évora no processo 1330/16.5T8FAR.E1 de 12/15/2016).

Do âmbito de aplicação do Regulamento(UE) n.º 1215/2012

O Regulamento(UE) n.º 1215/2012, de 12 de Dezembro, relativo à competência judiciária, reconhecimento e execução de decisões em matéria civil e comercial, no que toca ao seu âmbito de incidência objetiva, aplica-se em matéria civil e comercial, independentemente da natureza da jurisdição, mas não abrange, nomeadamente, as matérias fiscais, aduaneiras ou administrativas, nem a responsabilidade do Estado por atos ou omissões no exercício da autoridade do Estado («acta jure imperii»), como decorre do seu artigo 1º..

Quanto ao âmbito subjetivo há que recorrer ao artigo 4.º, que estabelece como critério geral da competência o do domicílio do Réu: como regra, as pessoas domiciliadas num Estado-Membro devem ser demandadas nos tribunais desse Estado-Membro, independentemente da sua nacionalidade.

O domicílio do demandado no território dos Estados–Membros da União Europeia desempenha a função não só de critério geral de competência, mas também de condição para aplicar as regras de competência direta previstas no próprio Regulamento.

Da mesma forma, também se aplica este Regulamento quando o demandado se encontre domiciliado no território do Estado- Membro da União Europeia, mesmo que outros fatores de conexão apontem para outros Estados que não a subscreveram.

Sobre o âmbito de aplicação da Convenção de Bruxelas de 27 de Setembro de 1968, relativa à competência judiciária e à execução de decisões, que precedeu o presente regulamento, sendo os mesmos os princípios gerais que lhe subjazem, pronunciou-se o TJ no Processo C-281/02 Andrew Owusu contra N. B. Jackson, agindo sob o nome comercial «Villa Holidays Bal-Inn Villas», em pedido de decisão prejudicial apresentado pela Court of Appeal (England & Wales) Civil Division, nos seguintes termos: “O artigo 2.° da Convenção de 27 de Setembro de 1968 relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial, com as alterações introduzidas pela Convenção de 9 de Outubro de 1978 relativa à adesão do Reino da Dinamarca, da Irlanda e do Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte, pela Convenção de 25 de Outubro de 1982 relativa à adesão da República Helénica e pela Convenção de 26 de Maio de 1989 relativa à adesão do Reino de Espanha e da República Portuguesa, é aplicável num litígio que opõe nos órgãos jurisdicionais de um Estado contratante partes domiciliadas nesse Estado e tem elementos de conexão com um Estado terceiro e não com outro Estado contratante e aplica-se a uma situação que abranja as relações entre os órgãos jurisdicionais de um único Estado contratante e as de um Estado não contratante e não as relações entre os órgãos jurisdicionais de diversos Estados contratantes. Com efeito, embora na verdade a própria a aplicação das regras de competência da Convenção exija a existência de um elemento de estraneidade, o carácter internacional da relação jurídica em causa não tem de necessariamente decorrer, para efeitos da aplicação da referida disposição, da implicação de diversos Estados contratantes, devido ao mérito da questão ou ao domicílio respetivo das partes no litígio. A implicação de um Estado contratante e de um Estado terceiro, em virtude, por exemplo, do domicílio do demandante e de um demandado no primeiro Estado e da localização dos factos controvertidos no segundo, também é suscetível de conferir natureza internacional à relação jurídica em causa.”

Compreende-se esta jurisprudência. Dado que as decisões proferidas pelos tribunais dos Estados-Membros circulam livremente no espaço europeu, é desejável que a competência internacional dos tribunais de origem seja determinada pelas mesmas regras em todo esse espaço. Particularmente indesejável seria que a competência internacional desse tribunal se baseasse numa competência exorbitante decorrente do direito interno de um Estado-Membro.”, afirmou Miguel Teixeira de Sousa, em comentário disponível em https://blogippc.blogspot.pt/2016/ 07/jurisprudencia-414.html, que continua “O que é referido quanto ao art. 2.º CBrux deve ser dito quanto ao correspondente art. 4.º, n.º 1, Reg. 1215/2012, pelo que a circunstância de a acção ter conexão com um Estado terceiro (Moçambique) não é suficiente nem para afastar a aplicação do Reg. 1215/2012, nem para excluir a competência internacional dos tribunais do Estado do domicílio do demandado que é atribuída pelo art. 4.º, n.º 1, Reg. 121572012 (na doutrina, cf. Kropholler/von Hein, Europäisches Zivilprozessrecht. 9.º ed. (2011), vor Art. 2 EuGVO 8; Schlosser/Hess, EuZPR, 4.ª ed. (2015), Vor Art. 4-35 EuGVVO 5). Noutros termos: a circunstância de a opção ser entre a competência internacional dos tribunais portugueses ou a competência internacional dos tribunais moçambicanos não é suficiente para excluir a aplicação do Reg. 1215/2012, pelo que teria bastado a aplicação do disposto no art. 4.º, n.º 1, Reg. 1215/2012 para justificar a competência internacional dos tribunais portugueses.”

Dos critérios do Regulamento(UE) n.º 1215/2012

Como se viu, o domicílio do requerido no território dos Estados–Membros da EU desempenha a função não só de critério geral de competência, mas também de condição para aplicar as regras de competência direta previstas no próprio Regulamento.

O recurso ao critério do domicílio como fator de atribuição da competência internacional tem exceções no campo do direito de consumo, trabalho, nos casos em que os Estados-Membros da União Europeia tenham competência exclusiva (artigo 24º) ou tenha sido celebrado pacto de jurisdição.

Por outro lado, o artigo 7º do Regulamento prevê, na parte que aqui nos interessa que “ As pessoas domiciliadas num Estado-Membro podem ser demandadas noutro Estado-Membro:

1) a) Em matéria contratual, perante o tribunal do lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão;
b) Para efeitos da presente disposição e salvo convenção em contrário, o lugar de cumprimento da obrigação em questão será:

— no caso da venda de bens, o lugar num Estado-Membro onde, nos termos do contrato, os bens foram ou devam ser entregues,
— no caso da prestação de serviços, o lugar num Estado-Membro onde, nos termos do contrato, os serviços foram ou devam ser prestados;

c) Se não se aplicar a alínea b), será aplicável a alínea a)”.

Do seu próprio teor resulta que aquele que demanda “pode” escolher o foro contratual ali especificado, assim não se afastando o critério geral previsto no artigo 4º, apenas se prevendo uma opção ao demandante. Tal resulta também, aliás, do Considerando 16 dos do Regulamento 1215/2012 (sublinhado nosso): “O foro do domicílio do requerido deve ser completado pelos foros alternativos permitidos em razão do vínculo estreito entre a jurisdição e o litígio ou com vista a facilitar uma boa administração da justiça. A existência de vínculo estreito deverá assegurar a certeza jurídica e evitar a possibilidade de o requerido ser demandado no tribunal de um Estado-Membro que não seria razoavelmente previsível para ele.”

Assim, o artigo 7º do Regulamento apenas estabelece um critério alternativo ao do domicílio, não o substituindo.

Há que concluir que, visto que o critério previsto neste artigo 7º não derroga o estabelecido no artigo 4º nº 1, relativo ao domicílio do demandado, bem podia o Autor demandar os Réus domiciliados em Portugal em tribunal português.

Cumpre ainda referir que também este regulamento estipula competências exclusivas para os Estados Membros, as quais se mostram previstas no artigo 24º, afastando, aí sim, esses casos da possibilidade de aplicação da regra geral. Estabelece esta norma, além de outros casos que aqui nunca poderiam ter qualquer implicação, que “Têm competência exclusiva os seguintes tribunais de um Estado-Membro, independentemente do domicílio das partes: 1) Em matéria de direitos reais sobre imóveis e de arrendamento de imóveis, os tribunais do Estado-Membro onde se situa o imóvel.” No entanto, a mesma não atribui aos Estados não membros qualquer exclusividade para o conhecimento de tais questões, pelo que o caso não cabe no âmbito desta norma.

Mas será que estamos perante um caso que versa sobre matéria de arrendamento de imóveis?

Do caso concreto

Entende o Autor, em primeiro lugar, que está em causa um contrato de empréstimo, não um arrendamento: esta é uma ação destinada a exigir o cumprimento de obrigações, pelo deve ser proposta no tribunal do domicílio do réu. A decisão recorrida e os Réus conduzem a situação a um contrato de arrendamento.

De toda a petição inicial, supra resumida, resulta que o Autor não funda o seu direito no contrato de arrendamento (do qual não é parte, embora esteja disposto a aceitar que no seu crédito seja compensado determinado montante a título de rendas devidas pela sociedade arrendatária com a qual tem especiais relações) esclarecendo, sim, que as despesas feitas pelo Autor relacionadas com o prédio só reflexamente têm a ver com esse contrato (incluindo aqui várias prestação de serviços que afirma ter pago, relativa a segurança e apoio jurídico e contabilístico).

Alega, como decorre límpido do pedido efetuado na petição inicial, supra reproduzido, que entende que terão existido empréstimos feitos pelo A. aos RR., e o montante das despesas pagas em seu benefício a terceiros, as quais admite que venham a ser acertadas com o crédito que os Réus têm sobre a sociedade de que o Autor é representante.

Enfim, a questão aqui em debate centra-se nos pagamentos de contas efetuadas pelo Autor terceiros, em benefício dos Réus, no âmbito do que o Autor classifica como um contrato de empréstimo.

O contrato de arrendamento apenas surge porquanto o Autor admite que seja efetuado um acerto de contas com os créditos que os Réus terão no âmbito deste contrato, mas que não peticiona.

Não está em causa qualquer questão arrendatícia, tanto mais que o prédio já foi vendido a terceiros e apenas se poderá eventualmente discutir se há lugar à compensação no crédito invocado pelo Autor do montante das rendas em dívida e quanto perfazem, não a validade, a manutenção, a vigência ou qualquer outra questão relativa a esse contrato.

Assim, dúvidas não se têm que os tribunais portugueses são os competentes para o conhecimento deste litígio, por força do artigo 4º nº 1 do Regulamento (EU) 1215/2012.

Do resultado da aplicação ao caso do Código de Processo Civil

Mesmo que assim não seja e se sigam as normas estabelecidas no Código de Processo Civil, tal como o fizeram as partes e a sentença recorrida, quid iuris?

Importa a apreciação desta questão, porquanto se se alcançar a mesma solução que agora encontrámos torna-se despiciendo a audição prévia das partes em face da aplicação de diferente legislação face à discutida na primeira instância e nas suas alegações, por, também com os seus pressupostos, se obter a mesma conclusão.

O artigo 59º do Código de Processo Civil remete a competência internacional dos tribunais portugueses para a verificação de algum dos elementos de conexão referidos nos artigos seus 62.º e 63.º do Código de Processo Civil ou para a existência de pacto das partes.

Por seu turno, o artigo. 62.º, al. a), estabelece que os tribunais portugueses são competentes quando a ação deva ser proposta em Portugal, segundo as regras de competência territorial estabelecidas na lei portuguesa. A alínea b) remete para a prática em território português o facto que serve de causa de pedir na ação, ou algum dos factos que a integram e a alínea c) estabelece a competência para os casos em que o direito invocado não possa tornar-se efetivo senão por meio de ação proposta em território português ou se verifique para o autor dificuldade apreciável na propositura da ação no estrangeiro, desde que entre o objeto do litígio e a ordem jurídica portuguesa haja um elemento ponderoso de conexão, pessoal ou real.

Decorre desta norma que basta o preenchimento de uma das suas alíneas para que se atribua competência ao tribunal português para a apreciação da questão.

Face ao já explanado, visto que está em causa a exigência do crédito que o Autor invoca ter sobre os Réus, por força de contratos de empréstimos e pagamentos de diversas despesas no âmbito de um acordo nesse sentido, é diretamente aplicável a esta questão o artigo 71º do Código de Processo Civil, o qual estabelece que a ação destinada a exigir o cumprimento de obrigações é proposta no tribunal do domicílio do réu ” (podendo o credor optar pelo tribunal do lugar em que a obrigação deveria ser cumprida, em determinados casos).

Em conclusão, seja pela aplicação do artigo 4º nº 1 do Regulamento (EU)1215/2012, seja por força da remissão do artigo 62º alínea a) para o artigo 71º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, o critério de competência a atender é o domicílio dos Réus; porque este domicílio se situa em Portugal, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes para o conhecimento desta ação.

Desta forma, caem por terra, todos os argumentos que pretendem, com base na exclusividade dos tribunais portugueses para conhecer de arrendamentos de imóveis situados em Portugal, afastar a sua competência para apreciar esta ação (em que o arrendamento que é apenas mencionado nos autos incide sobre um imóvel sito no estrangeiro).

Assim, neste caso, pouco releva, para apurar da competência dos tribunais portugueses, se o contrato de arrendamento foi celebrado em Portugal ou no ..., em que língua, onde foram entregues as quantias aos terceiros a título de empréstimos aos Réus ou, mesmo, onde deve ser cumprida a obrigação da sua restituição, exigida nestes autos pelo Réu. É que a ação foi deduzida no tribunal competente internacionalmente pela aplicação do critério que foi previsto imediatamente para o caso em questão - o domicilio dos demandados, sem ser necessário recorrer a esses outros elementos.

Nada obsta a que outros tribunais, de outras ordens jurídicas, sejam também competentes para a apreciação da questão, importa, sim, é apurar se Portugal tem jurisdição para apreciar da questão trazida aos autos pelo Autor.

V. Decisão

Por todo o exposto, julga-se a apelação procedente e em consequência revoga-se a decisão proferida, julgando-se os tribunais portugueses internacionalmente competentes para julgar a presente ação.
Custas da apelação pelos Recorridos (artigo 527º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil)
Guimarães, 24 janeiro de 2019

Sandra Melo
Conceição Sampaio
Elisabete Coelho de Moura Alves (que não assina por não estar presente, mas deu o seu voto de conformidade, nos termos do artigo 153ºnº1 do Código de Processo Civil)