Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
| Processo: |
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| Relator: | CARVALHO MARTINS | ||
| Descritores: | CADUCIDADE GARANTIA BANCÁRIA VERIFICAÇÃO DE CRÉDITOS | ||
| Nº do Documento: | RG | ||
| Data do Acordão: | 04/21/2004 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
| Sumário: | O aval é uma garantia que se reporta à dívida cambiária, não pretendendo o avalista vincular-se ao pagamento como obrigado principal. Daí que o aval se encontre dependente da sorte da obrigação avalizada (suposto que esta não esteja ferida de nulidade estranha a um vício formal), e, assim, extinguindo-se a obrigação do devedor também se extinguirá a do avalista. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam, em Conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I - A Causa: "A", residente na Rua ..., em Barcelos veio intentar a presente acção comum sob a forma ordinária contra o Banco "B", com sede na Av° ... Lisboa, pedindo a declaração de que não é devedor ao réu de qualquer quantia enquanto avalista, fiador ou garante da sociedade "C" e que, nessa qualidade de avalista, não deve ao réu o montante titulado pela livrança identificada no art.° 3° da petição inicial e a que se refere a carta do réu aludida no art.° 13°, do mesmo articulado. Alega, em síntese, que o autor deu o seu aval à referida sociedade em favor do réu em livrança por aquela subscrita, a qual se destinava a servir de caução à garantia prestada pela réu ao IAPMEI, por financiamento concedido por esta entidade à aludida "C". Posteriormente, o autor encetou negociações com o réu, representado pela gerência da sua Agência de Barcelos, com vista à sua liberação e total desoneração das responsabilidades que lhe advinham da qualidade de avalista daquela sociedade, tendo sido acordado então em efectuar o pagamento ao réu de vários milhares de contos, saldando todas as dívidas da citada sociedade nas quais figurava como avalista ou fiador e como contrapartida o réu assegurou ao autor que o liberava de toda e qualquer responsabilidade que tivesse assumido perante ele, réu, enquanto avalista fiador ou garante da mencionada sociedade "C", designadamente a titulada pela livrança em causa nos autos e garantindo o réu ao autor que mais nada lhe seria de futuro exigido por ele réu, enquanto avalista, garante ou fiador da sobredita sociedade. Porém, em Agosto de 2002, o autor foi confrontado com uma carta do réu na qual lhe era exigido o pagamento da quantia de 17.282.392$00, enquanto avalista ou fiador da mencionada "C", alegando o réu para tanto que iria preencher a dita livrança. E apesar do autor ter respondido à carta do réu, invocando o acordo acima referido celebrado entre o autor e o réu com vista à liberação e desoneração daquele, o réu insistiu no pagamento do aludido montante, pelo qual preencheu a livrança. Acrescenta ainda que a garantia prestada ao IAPMEI tinha a duração do contrato de concessão do incentivo garantido, e só podia ser accionada até 30 dias após a verificação da caducidade do mencionado contrato, e no caso a garantia foi accionada para além dos 30 dias após a verificação da caducidade do contrato de concessão ao incentivo celebrado entre o IAPMEI e a aludida sociedade "C", pelo que não deveria ter sido paga pelo réu. Citado, veio o réu contestar, alegando que o dito acordo não engloba a quantia titulada pela mencionada livrança dado se tratar de uma responsabilidade não vencida e eventual. Mais alega que a caducidade do contrato de concessão ao incentivo celebrado entre o APMEI e a aludida sociedade "C" só ocorreu em 9.02.02, data em que foi declarada a falência desta. O autor apresentou réplica, mantendo o alegado na petição inicial, acrescentando ainda que a sentença que declarou a falência daquela sociedade foi proferida em 9.01.2002 e que o réu, que era e é credor daquela sociedade falida, reclamou aí, nesse processo de falência, o respectivo crédito, e sabia por isso da prolação da sentença e da sua data e o IAPMEI, igualmente credor da citada falida, sabia também da sentença que decretou a falência, e tanto o sabia que até reclamou o seu crédito nos citados autos de falência, razão pela qual no momento em que o IAPMEI, igualmente credor da citada falida, sabia também da sentença que decretou a falência, e tanto o sabia que até reclamou o seu crédito nos citados autos de falência, razão pela qual no momento em que o IAPMEI reclamou o pagamento da garantia ao réu, 12 de Março de 2002, já tinha expirado o prazo da sua validade. Findos os articulados, e por se afigurar possível conhecer do pedido foi realizada uma audiência preliminar, onde se tentou a conciliação das partes, sem que tenha surtido qualquer efeito. Foi elaborado despacho saneador, nos termos do art.° 510°, do C. P. Civil. Oportunamente, foi proferida decisão , onde se consagrou que: Pela exposto, julgo procedente a acção e em consequência, declaro que a autor, na qualidade de avalista, não deve ao réu o montante titulado pela livrança identificada nas pontos 3. e 9. da matéria de facto provada. Custas a cargo do réu, nos termos do art,° 446°, n° 1 e 2, do C. P. Civil. Registe e Notifique. Inconformado,o Réu, Banco "B", veio dela interpor recurso ( de apelação ), alegando e formulando as seguintes conclusões: 1.º A questão central do presente recurso é, por um lado, a de saber qual a natureza da garantia n.° 233 166, prestada pelo Banco apelante a favor do Instituto de Apoio a Pequenas e Médias Empresas (IAPMEI), designadamente se se trata de uma fiança ou de uma garantia bancária autónoma; e por outro lado; saber se a prolação da sentença declaratória da falência •da sociedade ordenadora ("C"), determina ou não a caducidade daquela por força do regime previsto no art.° 151 do CPEREF 2.° Pela fiança, um terceiro (fiador) assegura com o seu património, o cumprimento da obrigação do devedor, ficando pessoalmente obrigado perante o respectivo credor — cfr. art.° 627 e seguintes do Código Civil. 3º Além de acessória a obrigação do fiador, é também subsidiária, pois este goza normalmente do direito de recusar o cumprimento enquanto não for excutido todo o património do devedor (benefício da excussão) - cfr. art.° 638 n.°1 e 640 do mesmo diploma. 4º A garantia bancária — simples ou automática, - é aquela, através da qual um Banco assume perante o credor uma obrigação própria e autónoma da obrigação do devedor (principal) 5.° Os elementos da estrutura da garantia bancária são: o contrato - base celebrado entre o credor e o devedor, ou seja, a relação jurídica principal ou subjacente; o contrato de mandato celebrado entre aquele devedor e um Banco, pelo qual este se obriga, mediante retribuição, a prestar a garantia ao credor (beneficiário); e o contrato autónomo de garantia celebrado entre o Banco (garante) e o credor (beneficiário), mediante o qual o primeiro se obriga a entregar ao segundo determinada quantia em dinheiro, logo que este comprove o incumprimento da relação subjacente (garantia autónoma simples) ou, simplesmente o interpele para o pagamento (garantia automática ou à primeira solicitação — “first demand”) 6.° À luz do critério interpretativo consignado no n.°1 do art.° 236 do Código Civil — sentido da declaração negocial por um declaratário normalmente diligente, sagaz e experiente, colocado na posição do declaratário efectivo (teoria da impressão do destinatário), - conjugadamente com os termos da garantia “subjudice”, tem de concluir-se que não se trata de fiança, pois o Banco ora apelante obrigou-se a entregar ao IAPMEI dentro do valor respectivo, quaisquer importâncias no prazo de 20 dias, a contar de qualquer pedido escrito. 7.° Porque à simples interpelação, por incumprimento do contrato - base celebrado entre a sociedade (entretanto falida) "C" e o IAPMEI, tinha o Banco apelante que pagar (sem que aquele tivesse de comprovar tal incumprimento) conclui tratar-se de uma garantia autónoma e automática 8.° O clausulado expresso na garantia “subjudice” — designadamente, que se mantinha firme e válida ainda que o contrato a que respeita se extinguisse por efeito de rescisão ou invalidade, e que o Banco se obrigou a fazer entrega ao IAPMEI, das importâncias que este solicitar ao primeiro pedido escrito, no prazo de 20 dias, - impedia o Banco apelante de não corresponder ou recusar a solicitação de pagamento do beneficiário IAPMEI 9º A interpelação do IAPMEI — v.d. ponto 12 da matéria dada como provada, - teve como consequência afastar o prazo de caducidade mencionado (contraditoriamente), no último parágrafo da garantia. 10ºA previsão do art.° 151 do CPEREF, tem como pressuposto a existência de uma obrigação creditícia 11º“In casu”, dizendo a garantia bancária (n.°233 166) respeito a um contrato de concessão de incentivos financeiros adjacentes a um projecto de investimento a executar pela sociedade de "C"., tal incentivo ou subsídio só era devido, se não fosse executado integralmente tal projecto de investimento. 12.° Ao tempo da prolação da sentença declaratória da falência (9.Janeiro.2002), não havia ou não estava ainda constituída a obrigação de reembolsar o IAPMEI, do que quer que fosse 13.° Quando o IAPMEI apresentou a reclamação do crédito no processo de falência n.° 567/01, do 4.° Juízo Cível de Barcelos, limitou-se a alegar que “tinha pendente um procedimento administrativo tendente à rescisão do contrato supra referido” 14.° O crédito alegado pelo credor IAPMEI, era uma obrigação futura e eventual, pelo que não podia considerar-se automática e imediatamente exigível por aplicação do regime previsto no art.° 151 do CPEREF 15.° E bem se compreende que assim seja, pois, nos termos do disposto no art.° 205 do CPEREF, é ainda possível reconhecer novos créditos contra o falido, após o termo do prazo legal de reclamação, por meio de acção a propor contra os credores, no prazo de um ano, subsequente ao trânsito em Julgado da sentença de declaração de falência 16.° Neste entendimento, que sufragamos, - era ainda possível ao IAPMEI, após a decisão de rescisão ou resolução do contrato (de incentivos financeiros) reclamar tal crédito no âmbito do mencionado processo falimentar assim como era também possível ao Banco apelante instaurar idêntico procedimento, se não tivesse constituída a seu favor a contra garantia (livrança — caução) prestada pelo autor ora apelado. 17º A garantia “subjudice” — de natureza automática e à “primeira solicitação” — não havia caducado em 12. Março.2002, pelo que sendo válida e exigível, assistia ao Banco apelante o direito de preencher, como preencheu, a livrança — caução confessadamente assinada pelo apelado 18º A aliás douta sentença recorrida, fez errada interpretação dos princípios invocados e violou o art.° 236 n.°1 do Código Civil, e ainda os art.° 151 n.°1 e 205 n.°1 e 2 ambos do CPEREF. II. Fundamentos: Colhidos os vistos legais, cumpre decidir: Matéria de facto assente na 1ª Instância, e que consta da sentença recorrida, ao abrigo do disposto no art.713º, nº6, do CPC: 1. Encontra-se matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Barcelos, uma sociedade comercial por quotas denominada "C", NIPC ..., sob o n° ..., conforme certidão junta a fIs. 12 a 18 e cujo teor se dó por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. 2. Esta sociedade tem o capital social de 50.000.000$00, correspondente a € 250.000,00, dividido em duas quotas iguais e de que são titulares actualmente José ... e Maria .... 3. Em Novembro de 1995, o autor deu o seu aval pessoal à referida sociedade em favor do réu em livrança por aquela subscrita. 4. Esta livrança destinava-se a servir de caução à garantia bancária prestada pelo réu ao IAPMEI, por financiamento concedido por esta entidade a "C", nos exactos termos que constam do documento junto fls. 20 e 2] e que dó como integralmente reproduzido. 5. Tal garantia só podia ser accionada até 30 dias após a verificação da caducidade do mencionado contrato. 6. Em Outubro de 1997, a sociedade "D", cedeu sua quota a Maria ..., cessando nessa mesma data o exercício da gerência. 7. Posteriormente, o autor, que havia prestado antes o seu aval e fiança perante o réu em diversas operações efectuadas perante o réu pela "C", encetou negociações com o réu, representado pela gerência da sua Agência de Barcelos, com vista à sua liberação e total desoneração das responsabilidades que lhe advinham dessa qualidade. 8. Acordou então em efectuar o pagamento ao réu de vários milhares de contos, saldando todas as dívidas do citada sociedade nas quais figurava como avalista ou fiador e como contrapartida o réu assegurou ao autor que o liberava de toda e qualquer responsabilidade que tivesse assumido perante ele, réu, enquanto avalista fiador ou garante da mencionada sociedade "C". 9. Em Agosto de 2002, o réu enviou ao autor uma carta na qual lhe era exigido o pagamento da quantia de 17.282.392$00, enquanto avalista ou fiador da mencionada "C", conforme documento junto a fls. 22 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido. 10. O autor respondeu à carta do réu, nos termos da comunicação que em 12 de Agosto de 2002 enviou ao réu e que este recebeu e na qual, essencialmente invocava o acordo acima referido celebrado entre o autor e o réu com vista à liberação e desoneração daquele, conforme documento junto a f ls.23 a 26 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido. 11. Entretanto o réu insistiu no pagamento do aludido montante pelo qual preencheu a livrança. 12. O IAPMEI reclamou o pagamento da garantia aludida em 4 ao réu em 12 de Março de 2002. 13. A sociedade "C" foi declarada falida em 9.01.2002, conforme certidão junta a fls. 71 a 74 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido. 14. O réu reclamou nesse processo de falência o respectivo crédito, e sabia por isso da prolacção da sentença e da sua data. 15. A aludida sentença foi publicada num jornal diário em 16.01.2002. Nos termos do art.684ª, nº3 e 690º, nº1, do CPC, o objectivo do recurso acha-se delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo do disposto na última parte do nº2 do art.660º, do mesmo Código. Das conclusões, ressaltam as seguintes questões: 1.º A questão central do presente recurso é, por um lado, a de saber qual a natureza da garantia n.° 233 166, prestada pelo Banco apelante a favor do Instituto de Apoio a Pequenas e Médias Empresas (IAPMEI), designadamente se se trata de uma fiança ou de uma garantia bancária autónoma? 2º e por outro lado, saber se a prolação da sentença declaratória da falência da sociedade ordenadora ("C"), determina, ou não, a caducidade daquela por força do regime previsto no art.° 151 do CPEREF? Apreciando, diga-se que o avalista garante o pagamento da livrança como se prescreve no artigo 30º da Lei Uniforme, aplicável ex-vi do seu artigo 77º. O Código Comercial ( § único do artigo 336º, aplicável às livranças por força do artigo 343.°) considerava o aval como uma verdadeira fiança, definindo que ao seu dador aproveitava a nulidade da obrigação do afiançado, excepto se tal nulidade se fundasse na incapacidade pessoal deste. O aval estava intimamente ligado à obrigação afiançada. Mas face ao artigo 32º da Lei Uniforme o aval assume a natureza de uma garantia especial por isso que a obrigação do avalista permanece íntegra ainda que a obrigação garantida seja nula por qualquer razão que não um vício de forma. É uma garantia que se insere ao lado da obrigação de um determinado subscritor, caucionando-o, e porque a extensão e conteúdo da garantia se aferem pela do avalizado nos termos do nº 1 do citado artigo 32º, tem carácter formalmente acessório ; materialmente é autónoma porque prevalece apesar de nula a obrigação garantida. Tem também carácter acessório a fiança, mas diferentemente do que sucede quanto ao fiador, que exerce direitos contra o devedor, o avalista pode accionar em via de regresso não só o avalizado, mas também os subscritores anteriores a ele conforme o nº 3 daquela norma. E a obrigação do avalista é solidária, pois como qualquer outro signatário do título pode ser reclamado pelo credor para pagamento da prestação (artigo 47º), não gozando de benefício da excussão que o artigo 638º do Código Civil confere ao fiador. Aval e fiança apresentam-se, portanto, como figuras distintas, com natureza, essência e regimes diversos (cfr. Prof. Ferrer Correia, em Lições de Direito Comercial, tomo 3º, págs. 201 e 207). Certo é que a solidariedade apontada se afirma imperfeita porque, além do mais, o obrigado cambiário não está sujeito a regime idêntico ao estabelecido no artigo 524º do Código Civil — mesmo quando dispõe do direito de regresso contra todos os demais obrigados exerce-o para haver a totalidade da prestação que satisfez — mas nem por isso o traço característico deixa de existir. Não parece, assim, dentro deste quadro, que o aval possa considerar-se como uma fiança, embora com regime jurídico, específico, aplicando-se-lhe os princípios fundamentais reguladores desta, que as disposições próprias da lei cambiária não afastem de modo explícito, como opinou o Prof. Pinto Coelho (Lições de Direito Comercial, vol. 2º, fascículo 5º, pág. 14). A perfilhar-se esse entendimento a questão suscitada no recurso encontraria a sua solução no preceito do artigo 651.” do Código Civil: a extinção da obrigação principal determina a extinção da fiança, e, assim, o parcial pagamento invocado conduziria à correlativa redução da responsabilidade do avalista. E poderia dizer-se que em via de excepção ao ora recorrido (avalista) seria permitido opor ao recorrente (credor), como meio de defesa que compete ao devedor, o pagamento realizado, isso nos termos do n.° 1 do artigo 637º do mesmo Código por não ser caso de observar a ressalva feita pelo texto legal. Todavia, ainda que rejeitando, como se rejeita, a tese da equiparação, chegar-se-á a solução idêntica. O aval, como se viu, é uma garantia que se reporta à dívida cambiária, não pretendendo o avalista vincular-se ao pagamento como obrigado principal. Daí que o aval se encontre dependente da sorte da obrigação avalizada (suposto que esta não esteja ferida de nulidade estranha a um vício formal), e, assim, extinguindo-se a obrigação do devedor também se extinguirá a do avalista. E nada obstará a que este, valendo-se das regras próprias das obrigações solidárias — artigos 47º da Lei Uniforme e 514º, nº1, do Código Civil — possa opor ao credor a excepção de liberação por extinção total ou parcial da obrigação do avalizado se este pagou toda a sua dívida ou parte dela ou a satisfazer, nessas medidas, por dação em cumprimento ou compensação, posto que o portador do título seja o mesmo em relação ao qual o avalizado fez operar o cumprimento. Em tal caso, o avalista usa um meio de defesa que, longe de ser pessoal do principal obrigado (atende-se na regra específica das obrigações cambiárias expressa no artigo 17 º da Lei Uniforme) se comunica aos que solidariamente se acham adstritos também ao pagamento da prestação (cfr. Prof. Vaz Serra, em Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 113º, pág. 186 e notas). De resto, a não se aceitar a oponibilidade, permitir-se-ia que o credor recebesse mais do que lhe era devido, e forçar-se-ia o avalizado, sujeito ao exercício dos direitos emergentes da livrança por parte do avalista que pagará e neles ficara sub-rogado, a demandar aquele, o credor, pelo recebimento obtido sem causa (Sobre a distinção entre o aval e a fiança, ver os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 30 de Outubro de 1979, e da Relação do Porto, de 3 de Março de 1976, publicados, respectivamente, nos BMJ nºs 290, pág. 434, e 257, pág. 193. No que se refere à Doutrina ver, além dos autores e locais citados no texto do acórdão, Paulo Cunha, Garantia das Obrigações, designadamente , 2º, págs. 36 e 85. Pires de Lima e Antunes Varela, Noções Fundamentais de Direito Civil, 4ª edição, vol. 1,pag.. 342, e Almeida Costa, Direito das Obrigações, 3ª edição, pag. 626). A resolução do problema terá de ser encontrado «através da consideração da função económica do aval e da que diferencia a obrigação do avalista das outras obrigações cambiárias» . A função do aval, é uma função de garantia, inserida ao lado da obri gação de um certo subscritor cambiário, a cobri-Ia e caucioná-la, sendo por isso, e citando Ferrer Correia, que a «extensão e o conteúdo da obrigação do avalista aferem-se pela do avalizado» e aquele «fica na situação de devedor cambiário perante aqueles subscritores em face dos quais o avalizado é responsável e na medida cm que aquele o seja» (Lições de Direito Comercial, 975, vol. III, págs. 207 a 215).(O que consubstancia resposta à 1ª questão). Perante esta função do aval, daí decorreria que a obrigação do avalista tem de estar dependente da sorte da obrigação avalizada (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de Janeiro de 1986) e «tudo o que favoreça ou desfavoreça o avalizado estende-se ao avalista», por idêntica responsabilidade, salvo nos casos especialmente previstos nos artigos 7.° e 32°, 2 parte (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Maio de 1966). Desta dependência conclui que, na «falta de obrigação expressa que consagre a excepção, seria de manter que essa relação existirá, também, para efeito de prescrição e que a obrigação do avalista apenas subsistirá enquanto se mantiver a obrigação cambiária do avalizado». Traga-se à colação a circunstância de a própria interrupção da prescrição da obrigação cambiária, em relação ao subscritor de uma livrança , produzir, também, efeitos em relação ao respectivo avalista, e isto, sobretudo, porque o aval é uma garantia da obrigação cambiária de natureza subsidiária (artigo 30.° da Lei Uniforme), e porque a obrigação do avalista se afere pela obrigação do avalizado, respondendo, nos mesmos termos, que o avalizado (artigo 32.° da Lei Uniforme), como decidiu o Supremo Tribunal de Justiça (assentos de 9 de Março de 1988, de 17 de Dezembro de 1991 e de 23 de Janeiro de 1992, respectivamente, Boletim do Ministério da Justiça, n.° 375, pág. 385, n.° 412, pág. 504, e n.° 413, pág. 457). Aval e fiança apresentam-se como figuras distintas, com natureza, essência e regimes diversos, não podendo o aval considerar-se como uma fiança, embora com regime específico, aplicando-se-lhe os princípios fundamentais reguladores desta que as disposições próprias da lei cambiária não afastam de modo explícito. Mas sendo o aval uma garantia que se reporta à dívida cambiária, não pretende o avalista vincular-se ao pagamento como obrigado principal, encontrando-se aquele dependente da sorte da obrigação avalizada. Assim, nada obsta a que o avalista, valendo-se das regras próprias das obrigações solidárias — artigos 47º da Lei Uniforme e 514º, nº 1, do Código Civil — possa opor ao credor a excepção de liberação, por extinção total ou parcial da obrigação do avalizado (por pagamento, dação em cumprimento ou compensação), posto que o portador do título seja o mesmo em relação ao qual o avalizado fez operara cumprimento. Em tal caso o avalista usa, pois , um meio de defesa que se comunica aos que solidariamente se acham adstritos também ao pagamento da prestação (Ac. STJ, de 23 de Janeiro, de 1986, Processo nº 72.918, BMJ 353, pag. 482 – 485). Com tais pressupostos, é inarredável convocar, tal como se observou, no decisório, que: neste caso, o autor, para além do mais, veio alegar que a garantia que o referido título visava caucionar não era devida pelo réu, pois já havia caducado, em virtude da declaração de falência da sociedade "C". A este propósito resultou demonstrado que a livrança em apreço destinava-se a servir de caução à garantia bancária prestada pelo réu ao IAPMEI, por financiamento concedido por esta entidade à” "C", nos exactos termos que constam do documento junto e que tal garantia só podia ser accionada até 30 dias após a verificação da caducidade do mencionado contrato. Ora, a sociedade, "C", foi declarada falida em 9.01.2002, sendo o que o réu tinha conhecimento da referida sentença e da sua data, dado que reclamou nesse processo de falência o respectivo crédito. Assim sendo, e de harmonia com o disposto no art.° 151º, do C.P.E.R.E.F. a caducidade da aludida garantia verificou-se 30 dias após a prolação da dita sentença, uma vez que a declaração de falência torna imediatamente exigíveis todas as obrigações do falido. E uma vez que o IAPMEI apenas reclamou o pagamento da garantia ao réu em 12 de Março de 2002, a mesma já não era devida, pelo que o réu não podia ter preenchido a livrança como o montante que terá pago ao IAPMEI. Ou seja, o preenchimento da referida livrança viola o acordado. O contrato de preenchimento é o acto pelo qual os partes ajustam os termos em que deverá definir-se a obrigação cambiária. A sua inobservância é inoponível ao portador mediato, o único a quem aproveita a boa fé, conforme resulta do texto do art.° 10°, da LU, a menos que se verifique a ‘exceptio doli”, prevista no art.° 17°, in fine, da LU. Certo é, porém, que o réu sabia, ou tinha obrigação de saber que a garantia havia caducado (aliás tal matéria não foi objecto de impugnação, pois não foi apresentada tréplica), pelo que, é manifesto que violou o referido pacto ao preencher a referida livrança, procedendo assim, desde logo, e por esta via, a pretensão do autor. De resto, pode, sempre, existir a letra em branco sem ter havido contrato de preenchimento. Porém, quando o haja, o preenchimento tem de fazer-se nos limites e termos ajustados. Não deixando o contrato de preenchimento de ser, pois, o acto pelo qual as partes ajustam os termos em que deverá definir-se a obrigação cambiária, tais como, a fixação do seu montante, as condições relativas ao seu conteúdo, o tempo do vencimento, a sede do pagamento, a estipulação de juros, etc. O próprio acordo, mesmo quando exista, não precisa ser expresso. Sendo que, mesmo na falta de acordo prévio, o preenchimento está sujeito a limites, derivando uns da relação fundamental que determina a criação cambiária e outros da lei supletiva e dos usos da praça (Vide Ac. do S. T. J., de 21-3-950, in BMJ, 18º,455; 4. Rev. Leg. Jur., 77º-78; F. CORREIA, Lições, pag.126; Vaz SERRA, Rev. Leg. Jur., 90°-323; Abel Pereira Delgado, Lei Uniforme Sobre Letras e Livranças, Anotada, 4ª Edição, actualizada, pag. 63). Assim sendo, tudo visto, e de harmonia com o disposto no art.° 151º, do C.P.E.R.E.F. a caducidade da aludida garantia verificou-se 30 dias após a prolação da dita sentença, uma vez que a declaração de falência – haverá de insistir-se - torna imediatamente exigíveis todas as obrigações do falido ( Resposta à 2ª questão ). Tanto mais que o art.º 236º, nº1, do CC, formula duas regras : a da interpretação objectivista ou normativa da declaração negocial, nos termos da chamada doutrina da impressão do declaratário (nº1) e a da interpretação, segundo a vontade real do declarante quando o declaratário tenha conhecido essa vontade (nº 2). Não parece bastar, para que seja aplicável o critério objectivista ou normativo do nº1, do art. 236º, que a declaração não tenha sido entendida pelo declaratário com o sentido querido pelo declararante, pois o declaratário é obrigado pela boa fé a, baseando-se nas circunstâncias por ele conhecidas ou cognoscíveis por um declaratário normal , colocado na sua posição concreta, procurar determinar o sentido querido pelo declarante. A boa fé obriga o declaratário a procurar entender a declaração como o faria um declaratário normal colocado na sua posição concreta, atendendo, por isso, às circunstâncias por ele conhecidas e às que seriam conhecidas por um tal declaratário, de modo a determinar o sentido querido pelo declarante ( Vaz Serra, RLJ, 111º- 220 ). Do mesmo modo, de acordo com o nº1 do art. 205.° do CPEREF(Verificação ulterior de créditos ou de outros direitos), findo o prazo das reclamações, é possível reconhecer ainda novos créditos, bem como o direito à separação ou restituição de bens, por meio de acção proposta contra os credores, efectuando-se a citação destes por éditos de 10 dias . Todavia, se agora, independentemente das circunstâncias que ocasionaram a falta de reclamação atempada, é sempre possível ao credor e ao titular do direito à restituição ou separação de bens formular o pedido que lhes interessa, desde que o façam, impreterivelmente, até ao limite de um ano subsequente ao trânsito em julgado da sentença declaratória da falência (Carvalho Fernandes, João Labareda, CPEREF, Anotado, 3ª edição, 2ª reimp.,pag. 493), certo é que de novos créditos se haverá de tratar, como tal se não configurando os que se configuram em referência. Pode, assim, concluir-se que: 1. O aval, como se viu, é uma garantia que se reporta à dívida cambiária, não pretendendo o avalista vincular-se ao pagamento como obrigado principal. Daí que o aval se encontre dependente da sorte da obrigação avalizada (suposto que esta não esteja ferida de nulidade estranha a um vício formal), e, assim, extinguindo-se a obrigação do devedor também se extinguirá a do avalista. 2. A obrigação do avalista tem de estar dependente da sorte da obrigação avalizada (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de Janeiro de 1986) e «tudo o que favoreça ou desfavoreça o avalizado estende-se ao avalista», por idêntica responsabilidade, salvo nos casos especialmente previstos nos artigos 7.° e 32°, 2 parte. 3. A sociedade em causa, foi declarada falida, em 9.01.2002, sendo que o réu tinha conhecimento da referida sentença e da sua data, dado que reclamou nesse processo de falência o respectivo crédito. Assim e de harmonia com o disposto no art.° 151º, do C.P.E.R.E.F., a caducidade da aludida garantia verificou-se 30 dias após a prolação da dita sentença, uma vez que a declaração de falência torna imediatamente exigíveis todas as obrigações do falido. E uma vez que o organismo referenciado apenas reclamou o pagamento da garantia ao réu em 12 de Março de 2002, a mesma já não era devida, pelo que o réu não podia ter preenchido a livrança como o montante que terá pago a tal instituto. 4. O preenchimento da referida livrança, nos termos expostos, viola o acordado. 5. Mesmo na falta de acordo prévio, o preenchimento está sujeito a limites, derivando uns da relação fundamental que determina a criação cambiária e outros da lei supletiva e dos usos da praça. 6. A sentença recorrida não fez errada interpretação dos princípios invocados e nem violou o art.° 236 n.°1 do Código Civil, nem os art.s 151 n.°1 e 205 n.°1 e 2 ambos do CPEREF. III. A Decisão: Pelas razões expostas, nega-se provimento ao recurso interposto, confirmando-se a decisão recorrida. Custas pelos recorrentes. |