Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
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| Relator: | GOUVEIA BARROS | ||
| Descritores: | CONTRATO-PROMESSA | ||
| Nº do Documento: | RG | ||
| Data do Acordão: | 11/29/2007 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | JULGADA IMPROCEDENTE | ||
| Sumário: | I) Deve ser liminarmente indeferida a petição de embargos de terceiro deduzidos após renovação da instância executiva sob impulso de credor cujo crédito foi graduado, se o embargante funda a sua posse em contrato promessa, celebrado há mais de 30 dias, do qual consta a menção de que o bem já então estava penhorado a pedido do primitivo exequente. II) Tendo o contrato-promessa por objecto mediato um bem penhorado, o promitente-comprador não pode invocar contra o primitivo exequente, nem contra o credor reclamante que promoveu a renovação da instância, a pretensa posse em que teria sido investido pelo executado. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães L. C. e esposa R. C., residentes na Rua…, Braga, deduziram os presentes embargos de terceiro contra a penhora de um imóvel levada a efeito em execução movida pela sociedade S. – Garagens, Veículos, Lda a M. J. mas a prosseguir, em instância renovada sob requerimento do CENTRO DISTRITAL DE SEGURANÇA SOCIAL DE BRAGA, pretendendo o levantamento da penhora porquanto, alegam, estão na posse do referido imóvel por efeito de um contrato promessa celebrado com os executados, no âmbito do qual liquidaram a dívida àquela exequente e a dívida garantida por hipoteca a favor do construtor do imóvel penhorado. Referem ainda ter procedido ao registo da promessa de aquisição a qual prevalece sobre o crédito do embargado o qual, de resto, está prescrito por força do disposto no artigo 14ºdo Decreto-Lei nº103/80, de 9 de Maio. *** Contestou o embargado para dizer que o registo da penhora é muito anterior à celebração do contrato promessa e por isso a aquisição prometida é ineficaz em relação à execução. Por outro lado – alega - o crédito em cobrança na execução renovada foi verificado e graduado por sentença proferida em 10 de Fevereiro de 2004 e, nesse contexto, não pode a pretensa prescrição ser aqui apreciada, sem prejuízo de ser insubsistente tal excepção uma vez que o prazo respectivo se interrompera com a citação nas execuções fiscais donde foi extraída a certidão que serviu de base à reclamação do crédito no processo principal. Conclui assim pedindo que se considerem extemporâneos os embargos e se absolva o embargado da instância (sic), ou, subsidiariamente, se julguem os embargos improcedentes e se absolva do pedido, prosseguindo os termos da execução renovada. *** Também o executado M. J. apresentou a peça de fls 60 a que chamou contestação, mas onde se limita a declarar verdadeiros os factos alegados pelos embargantes e a esgrimir a prescrição com o mesmo fundamento por eles invocado. *** Por saneador sentença de fls 102 foi conferida a regularidade formal da instância e julgados improcedentes os embargos de terceiro. Do assim decidido apelaram os embargantes, pugnando pela revogação da decisão e pela procedência da oposição por si deduzida “com correspondente extinção da execução”, rematando as alegações nos termos seguintes: A – Os embargantes usam e fruem do mesmo prédio, gozando de todas as utilidades por ele proporcionadas, efectuando actos relativos a consequente realização da sua vida normal, tendo até, como devido, procedido ao pagamento da respectiva SISA (actual IMT), estando também após todas as diligências necessárias isentos de pagamento de IMI por a mesma se reportar a habitação própria permanente, não pode o Estado desconhecer este facto e vir agora querer proceder a venda da casa para receber a dívida de um terceiro. B – O princípio da protecção da confiança postula um mínimo de certeza nos direitos das pessoas e nas expectativas que lhes são juridicamente criadas, censurando as afectações inadmissíveis, arbitrárias ou excessivamente onerosas, com as quais não se poderia moral e razoavelmente contar, como é o caso em apreço. C – O registo predial tem uma finalidade prioritária que radica essencialmente na ideia de segurança e protecção dos particulares, evitando ónus ocultos que possam dificultar a constituição e circulação de direitos com eficácia real sobre imóveis, bem como das respectivas relações jurídicas – que, em certa perspectiva, possam afectar a segurança do comércio jurídico imobiliário, no caso sub júdice, não há interesse atendível do Estado que legitime a venda do prédio, tanto mais que os recorrentes têm o direito de retenção sobre o prédio, no termos do disposto na alínea f) do artigo 755° do Código Civil. D – O crédito reclamado pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, reporta-se ao período compreendido de Fevereiro de 1985 até Abril de 1986, de Janeiro de 1987 até Setembro de 1987, no montante global de 6.570,70€, desta feita temos decorridos mais de 10 anos sobre a notificação da liquidação da divida, como tal a mesma encontra-se prescrita. *** Factos provados: Muito embora o Sr. juiz a quo não tivesse discriminado os factos que considerou provados (nº2 do artigo 659º ex vi do disposto no nº3 do artº 510º, ambos do CPC), resulta dos autos que: a) Em 11 de Dezembro de 2002 a sociedade S. – Garagens, Veículos, Lda instaurou execução contra M. J. para cobrança da quantia de €50.807,90, titulada por três cheques sacados pelo executado no valor global de €49.880,00 e juros vencidos no montante de €927,90; b) No âmbito de tal execução foi penhorado o prédio urbano composto por cave e rés do chão descrito na CRP de Braga sob o nº00251 da freguesia de Fraião. c) Tal penhora foi registada em 16/4/2003. d) Em 25/11/03 os embargantes celebraram com o executado o contrato promessa que se encontra junto a fls 18 e 19, tendo por objecto mediato o prédio penhorado. *** Fundamentação: Dispõe o nº1 do artigo 351º do CPC o seguinte: “1 – Se a penhora, ou qualquer acto judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens ofender a posse ou qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de que seja titular quem não é parte na causa, pode o lesado fazê-lo valer, deduzindo embargos de terceiro.” E o nº2 do artigo 353º do mesmo diploma estabelece que “o embargante deduz a sua pretensão, mediante petição, nos trinta dias subsequentes àquele em que a diligência foi efectuada ou em que o embargante teve conhecimento da ofensa (…).” Confessadamente os embargantes tiveram conhecimento da penhora (artos 5, 6 e 10 da petição), registada aliás desde data muito anterior à celebração do contrato promessa. Neste contexto, impunha-se a rejeição liminar dos embargos, porque estava claramente excedido o prazo consignado no mencionado nº 2 do artigo 353º atrás transcrito. Com efeito flui do teor da petição de embargos que os embargantes liquidaram ao executado, a coberto do contrato promessa, a totalidade do preço ajustado (€125.000), parte do qual foi pago directamente à exequente “para que desista da penhora efectuada sobre o artigo 00251 da freguesia de Fraião” (cfr.declaração de fls.32). A fazer fé na alegação do exequente ISSS foi proferida sentença de verificação e graduação do seu crédito em 10/2/2004, ignorando-se se a exequente teria nessa data formalizado a desistência a que se refere na declaração ou dado conhecimento da extinção da dívida (como seria curial, pois não é de desistência tout court que se trata). De todo o modo, nos termos do nº2 do artigo 920º do CPC o credor cujo crédito esteja vencido e haja reclamado para ser pago pelo produto de bens penhorados que não chegaram entretanto a ser vendidos nem adjudicados, pode requerer, no prazo de 10 dias contados da notificação da extinção da execução, o prosseguimento desta para efectiva verificação, graduação e pagamento do seu crédito. É precisamente esta faculdade que o ISSS veio actuar, ao requerer o prosseguimento da execução extinta que assim se renova, passando o requerente a assumir a posição de exequente e aproveitando-se “o que tiver sido processado relativamente aos bens em que prossegue a execução” (nº4 do artigo 920º). Ora, não havendo lugar à realização de nova penhora, óbvio se torna que não pode o terceiro que na pendência do processo tiver adquirido o bem penhorado (o que nem sequer é o caso dos embargantes, que apenas prometeram comprá-lo) deduzir embargos de terceiro fundados em penhora levada a efeito alguns anos antes e da qual há quase três anos têm conhecimento. Mas ainda que assim não fosse – o que se equaciona como mera hipótese de raciocínio – nunca os embargantes poderiam ver acolhidos os fundamentos por eles esgrimidos para obter o levantamento da penhora. Com efeito, aberto o concurso de credores e reclamado o crédito pelo ISSS foi o executado notificado nos termos e para os efeitos do nº2 do artigo 866º do CPC, sendo-lhe então lícito invocar os meios de defesa de que dispõe para pôr em crise a existência do crédito ou a sua extensão. Verificado e graduado o crédito por sentença transitada, está a coberto do caso julgado assim constituído, sendo irrelevante tudo quanto se alega na petição de embargos sobre a ordem de precedência no pagamento que lhe assiste, bem como sobre a sua pretensa prescrição. Por isso, além de intempestiva, a dedução de embargos configurava-se sem a mínima viabilidade, devendo, também por isso, ter sido rejeitada liminarmente. Acresce ainda que, estando o imóvel penhorado no momento em que foi celebrado o contrato promessa (e assim continuando, não obstante a extinção da primitiva execução) não podia o promitente vendedor ter transferido para os embargantes uma posse que não lhe pertencia, pois quando muito seria depositário do imóvel (nos termos previstos na alínea a) do artigo 839ºdo CPC). Por último, reiteramos aqui o que escrevemos sobre este mesmo tema no acórdão desta relação de 22 de Março de 2007 (apelação nº250/07) por ser a mesma a razão de decidir: (…) “É pressuposto da tutela jurisdicional pretendida que “ a penhora ofenda a posse ou qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência de que seja titular quem não é parte na causa” (artigo 351º, nº1 do CPC). Sem dúvida que a traditio rei operada na sequência do alegado contrato promessa entre os embargantes e o executado investe os promitentes compradores no direito da retenção mas «não confere qualquer direito de posse aos seus titulares, mas mera detenção, uso ou fruição» (citámos Ac. do STJ de 23/1/96 em CJ, STJ, 1/96, pág. 70). Tal direito de retenção, como refere o Ac. R. Évora de 12/12/96 (CJ,I/96, pag.283) existe para fazer garantir o crédito a uma indemnização por incumprimento do contrato, mas não obsta à penhora da coisa, quer a penhora seja requerida por quem tiver direito real de garantia sobre ela, quer seja promovida por um dos credores comuns do proprietário da coisa» (ver neste mesmo sentido Ac. STJ de 25/11/99 em CJ/ STJ III/99, pág. 118, Ac. R. Lisboa de 19/1/95 em CJ, 1/95,93 e Estudo do Cons. Eliseu Figueira em CJ/ STJ, II/97, pág. 5). E porque assim é, “os promitentes-compradores não podem usar embargos de terceiro, pois não podem ignorar que o imóvel por si ocupado continua a ser propriedade do promitente vendedor por não ter havido contrato translativo de propriedade» (citámos o Ac. STJ de 11/3/99, publicado na CJ/STJ, I/99, pagina 137) Como se refere no Ac. do STJ de 12/2/04 (CJ/STJ, I/04,pag.57) “os meios possessórios de que dispõe o credor garantido pelo direito de retenção só operam quando o acto lesivo prejudicar a sua garantia e não enquanto mantiver, apesar da penhora, a possibilidade de exercício do seu direito.” A lei processual impõe a citação dos titulares de direitos reais de garantia sobre os bens penhorados a fim de reclamarem a verificação e graduação dos respectivos créditos para serem pagos pelo produto da sua venda. E concede mesmo ao credor que não esteja munido de título exequível que intervenha no processo para nele ser reconhecido o seu direito ou para suscitar a sustação da respectiva tramitação em harmonia com o previsto no artigo 869º do CPC. Se ao titular do direito de retenção fosse consentido que impedisse a penhora nos termos intencionados pelos recorrentes, tal mecanismo processual não faria qualquer sentido pois, em princípio, não haveria sequer concurso de credores. Em suma, o direito de retenção que hipoteticamente aos embargantes assista não é incompatível com a realização da penhora, cabendo ao respectivo titular reclamá-lo na execução pendente (ver sobre o tema Calvão da Silva em Sinal e Contrato-Promessa, 6ªedição, página 154 e Salvador da Costa, Concurso de Credores,2ª edição, pag.230 e Lebre de Freitas, A Acção Executiva, pag.231). Só existirá incompatibilidade com a realização ou o âmbito da penhora nos casos em que os direitos de terceiro sobre os bens penhorados não devam extinguir-se com a sua venda executiva (neste sentido ver Miguel Teixeira de Sousa, Acção Executiva Singular, pag. 231 e segs). O contrato promessa só por si não tem a virtualidade de transmitir a posse ao promitente-comprador (P. de Lima e A. Varela, CCAnotado, vol. III, 2ª ed. pag. 6) e o direito de retenção não permite a dedução de embargos de terceiro,” já que a tradição da coisa não investe o accipiens na qualidade de possuidor da coisa.”(A.Varela, R.L.J., Ano 124, pag.343 e seguintes). Mas este mesmo Professor também refere (pag. 348) que em situações excepcionais com a entrega da coisa a posição do promitente-comprador se pode converter numa verdadeira situação possessória, dizendo a propósito: ”São concebíveis situações em que a posição jurídica do promitente-comprador preenche excepcionalmente todos os requisitos da verdadeira posse: “Suponha-se, por exemplo, que havendo sido paga a totalidade do preço ou que, não tendo as partes o propósito de realizar o contrato definitivo (…), a coisa é entregue ao promitente-comprador como se sua fosse já e que, neste estado de espírito, ele pratica sobre ela diversos actos materiais correspondentes ao exercício do direito de propriedade. Tais actos não são realizados em nome do promitente-vendedor, mas sim em nome próprio, com a intenção de exercer sobre a coisa um verdadeiro direito real.” Da própria petição de embargos resulta que a escritura atinente ao contrato definitivo ainda não foi outorgada por subsistir um litígio relativo ao imóvel penhorado (artigo 4º), alegação que só por si afasta a verificação da situação excepcional a que os referidos autores se referem. Todas as razões invocadas teriam, cada uma de per si, a virtualidade de legitimar o não recebimento dos embargos mas, recebidos, justificam a sua improcedência decidida no despacho saneador que por isso se confirma. *** Decisão: Face ao exposto, julga-se improcedente a apelação e, consequentemente, confirma-se a decisão sob recurso. Custas pelos embargantes. Guimarães, 29 de Novembro de 2007 |