Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
| Processo: |
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| Relator: | CONCEIÇÃO BUCHO | ||
| Descritores: | INSOLVÊNCIA | ||
| Nº do Documento: | RG | ||
| Data do Acordão: | 12/18/2006 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | JULGADA IMPROCEDENTE | ||
| Sumário: | I – Um trabalhador , mesmo que o seu crédito ainda não esteja reconhecido por sentença do Tribunal de Trabalho, tem legitimidade para requerer a declaração de insolvência do devedor, desde que se verifique algum dos factos referidos nas diversas alíneas do artigo 20º do CIRE. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães. Proc. n.º 2338/06 Apelação Tribunal de Barcelos 4º Juízo Cível – proc. n.º 2396/06 I - A ..., residente na Rua ....., , Barcelos, veio intentar o presente processo especial de insolvência, pedindo que BB – Construções, L.da, com sede no lugar de ...., da freguesia de , no concelho de Barcelos, seja declarada insolvente. Alegou, em síntese, o seguinte: - a requerida exerce a indústria de construção civil, obras públicas e outras obras especializadas; - o requerente foi admitido ao seu serviço em 4 de Maio de 2005, tendo desempenhado sempre as funções de servente, mediante a retribuição mensal de € 393,50; - no dia 31 de Dezembro de 2005 a requerida encerrou a sua empresa, tendo despedido o requerente e os demais trabalhadores ao seu serviço; - sem lhes ter pago os créditos emergentes dos respectivos contratos de trabalho, nomeadamente férias e subsídio de férias do ano de 2005, bem como indemnização de antiguidade; - a requerida deve assim ao requerente a quantia de € 1.704,92 e quantias aproximadas aos restantes trabalhadores, num total de cerca de € 12.000,00; - a partir da mesma data a requerida cessou todos os pagamentos, quer a trabalhadores quer a fornecedores; - mantendo as suas instalações encerradas e sem qualquer actividade; - em Novembro de 2005 a requerida deixou de efectuar descontos para a Segurança Social relativos aos trabalhadores ao seu serviço; - a requerida é também devedora do Fisco. Regularmente citada, nos termos do artigo 29º do CIRE, a requerida deduziu oposição. Alegou, em síntese, o seguinte: - a competência material para esta acção cabe ao Tribunal de Trabalho de Barcelos, e não ao Tribunal de Comarca de Barcelos, pois ao intentá-la o requerente pretende o reconhecimento dos créditos resultantes de um contrato de trabalho; - o requerente não é credor da requerida; - a requerida tem como único credor a Segurança Social, a quem deve cerca de € 200.000,00, encontrando-se a negociar o seu pagamento: - porque esta acção não faz qualquer sentido, deve o requerente ser condenado como litigante de má fé. Efectuado o julgamento, foi proferida sentença na qual se decidiu o seguinte: Pelo exposto, declaro a situação de insolvência da requerida BB.... Construções, L.da. * Fixo a residência da gerente da requerida no lugar da Rua....., no concelho de .....* Para administrador da insolvência designo o Dr. C.....* Determino que a devedora entregue imediatamente à administradora da insolvência os documentos referidos no art. 24º, n.º 1, do CIRE.* Decreto a apreensão, para imediata entrega à administradora da insolvência, dos elementos da contabilidade da requerida e de todos os seus bens, ainda que arrestados, penhorados ou por qualquer forma apreendidos ou detidos.II - Inconformada a requerida interpôs recurso, cujas alegações de fls. 198 a 203, terminam com as seguintes conclusões: O autor não possui legitimidade para intentar a presente acção. Não é credor da requerida Essa sua possível qualidade está dependente da verificação, no foro laboral do seu despedimento ilícito e de eventuais créditos daí resultantes . O que ainda não aconteceu até ao momento estando pendente, ainda sem julgamento, processo laboral no Tribunal de Trabalho de Barcelos destinado a esse fim. Fazendo depender da qualidade de credor a legitimidade para intentar a acção de declaração de insolvência o artigo 20º do CIRE O Mmº juiz dos autos não podia, na presente acção, verificar a existência ou não de créditos resultantes de uma relação laboral Ao fazê-lo violou a sentença proferida o disposto nos artigos 20º do CIRE e 85º da Lei orgânica e funcionamento dos tribunais judiciais Ao não conhecer das excepções de incompetência absoluta do tribunal e ilegitimidade do autor para estes autos, violou a sentença o disposto nos artigos 101º, 102º 494º e 495º do CPC. O Ministério Público contra-alegou, conforme consta de fls. 248 a 254, e concluiu que: Qualquer credor tem legitimidade para requerer a declaração de insolvência do devedor. A lei não faz qualquer distinção em função da natureza do crédito da requerente. O recorrido alegou factos suficientes para a justificação do seu crédito, tendo provado a origem, natureza e montante daquele, pelo que tem legitimidade para requerer a declaração de insolvência da recorrente. Exigir que o recorrido se tenha de munir de uma sentença para poder provar a existência do seu crédito seria ir contra a teleologia do Código da Insolvência, que incentiva o requerimento da insolvência no momento oportuno, evitando o protelamento da mesma. Obrigar o recorrido a prévia obtenção de decisão condenatória no Tribunal do Trabalho equivaleria a retirar-lhe a possibilidade de, em tempo útil, poder requerer a aplicação do fundo de Garantia salarial, tornando-se inútil o requerimento de insolvência. O que o recorrido pretende com a propositura da acção de insolvência é a declaração de insolvência, da recorrente. Ora, os tribunais com competência para deferir ou indeferir tal pretensão não são os tribunais de trabalho, mas sim os tribunais de comércio ou, onde não os houver, os tribunais comuns. A douta sentença proferida em 1ª instância fez correcta interpretação e aplicação da lei. III - O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações, nos termos dos artigos 660º, n.º 2, 664º, 684º, n.º 3 e 4 e 690º, n.º 1 todos do Código de Processo Civil. A questão suscitada pela recorrente é a seguinte: - Se o autor é credor da recorrente e tem legitimidade para requerer a insolvência da requerida. Em 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos: 1 – A requerida exerce a indústria de construção civil, obras públicas e outras obras especializadas de construção. 2 – Encontra-se matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Barcelos, sob o n.º ....... 3 – São seus sócios DD.... e EE...., pertencendo a gerência ao primeiro. 4 – Mediante acordo verbal, o requerente foi admitido ao serviço da requerida em 4 de Maio de 2005, por tempo indeterminado, tendo desempenhado as funções de servente, mediante a retribuição mensal de € 393,50. 5 – O requerente trabalhou ao serviço da requerida desde a referida data até 31 de Dezembro de 2005. 6 – A requerida vem incumprindo com as suas obrigações para com a Segurança Social desde Junho de 2004. 7 – Em Dezembro de 2005 despediu o requerente e demais trabalhadores ao seu serviço. 8 – Não lhes tendo pago os proporcionais relativos às férias e qualquer indemnização pelo despedimento, apenas lhes tendo pago o vencimento de Dezembro e o subsídio de natal. 9 – Mantendo deste então as suas instalações encerradas e sem qualquer actividade. 10 – A requerida é ainda devedora do Fisco. Dispõe o artigo 20º do CIRE que “a declaração de insolvência de um devedor pode ser requerida por quem for legalmente responsável pelas sua dívidas, por qualquer credor, ainda que condicional e qualquer que seja a natureza do seu crédito, ou ainda pelo Ministério Público, em representação das entidades cujos interesses lhe estão legalmente confiados, verificando-se alguns dos seguintes factos : suspensão generalizada do pagamento das obrigações vencidas - alínea a)- ; falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações (....) – alínea b). Incumprimento generalizado, nos últimos seis meses, de dívidas de algum dos seguintes tipos; - tributárias, de contribuições e quotizações para a segurança social, ou da violação ou cessação deste contrato; Alínea g) . Resulta deste artigo a atribuição aos credores do direito de, por iniciativa própria requererem a insolvência do devedor, desde que se verifiquem determinados pressupostos. A legitimidade que é concedida aos credores não depende da natureza dos créditos de que são titulares. Necessário é que se verifique um dos factos referidos nas diversas alíneas do n.º 1 do artigo 20º. “O estabelecimento de factos presuntivos da insolvência tem por principal objectivo permitir aos legitimados o desencadeamento do processo, fundados na ocorrência de alguns deles (...). “ - Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, pág. 133. De acordo com o disposto no artigo 25º do CIRE quando o pedido não provenha do próprio devedor, o requerente da declaração de insolvência deve justificar na petição a origem, natureza e montante do seu crédito, ou a sua responsabilidade pelos créditos sobre a insolvência, consoante o caso, e oferecer com ela os elementos que possua relativamente ao activo e passivo do devedor . Ora, e como resulta do artigo 20º n.º 1 do CIRE além do próprio devedor, estão legitimados a requerer a insolvência, qualquer seu credor, ainda que condicional e independentemente da natureza do seu crédito. E é por isso que, quando o requerente é um credor ou o Ministério Público, para além da imprescindível alegação de um ou mais factos enunciados nas diversas alíneas do n.º 1 do artigo 20º, tem de justificar a origem, natureza e montante do crédito sob pena da petição não reunir os requisitos legais para poder sustentar o seguimento da acção. Os direitos de crédito são direitos a prestações, ou seja, direitos a uma conduta do devedor (Galvão Telles, Obrigações, pág. 19). No caso dos autos está provado que o requerente da insolvência tinha sido admitido ao serviço da requerida em 4 de Maio de 2005, com o salário de € 393,50; que em Dezembro de 2005, foi despedido, tal como os demais trabalhadores e que a recorrente não lhe pagou os proporcionais relativos a férias e as indemnizações por despedimento . A requerida desde essa data mantém as suas instalações encerradas. Está assim provado que o requerente é um credor da requerida, pelo que tem legitimidade para requerer a insolvência, face ao que dispõe o artigo 20º do CIRE. O facto da acção que corre no Tribunal de Trabalho, não estar ainda decidida não retira a qualidade de credor ao requerente (que alega dever-lhe a mesma a quantia de € 1.704,92). Está provada a existência desse crédito, de natureza laboral. E assim, não existem dúvidas de que o requerente tinha legitimidade para requerer a insolvência. Se não se verificassem os demais pressupostos, a acção poderia ser julgada improcedente. Face ao disposto no artigo 20º do CIRE, não é exigível que o requerente se tenha de munir de uma sentença para poder provar a existência do seu crédito. Por outro lado, e como bem ressalta o Ministério Público nas suas alegações, atento o disposto nos artigos 317º, 318º e 319º da Regulamentação do Código de Trabalho e como o Fundo de Garantia Salarial, só assegura o pagamento dos créditos emergentes do contrato de trabalho, e da sua violação ou cessação, que se tenham vencido nos seis meses que antecedem a data da propositura da acção de insolvência, estar-se-ia a retirar a estes credores a possibilidade de serem ressarcidos através do referido fundo, caso se entendesse que os mesmos só eram credores após a decisão da acção. Quanto à alegada incompetência do Tribunal Judicial de Barcelos para conhecer da insolvência , dir-se-á que a recorrente não tem razão. Com efeito, decorre do disposto no artigo 7º do CIRE que é competente para o processo de insolvência o tribunal da sede ou do domicílio do devedor ou do autor da herança à data da morte, consoante os casos. Os Tribunais de Trabalho não são competentes para apreciar nem para decretar a insolvência. O facto de o crédito do requerente ser de natureza laboral também não torna os Tribunais de Trabalho competentes para apreciar estas acções, nem retira ao trabalhador legitimidade para requerer a insolvência, uma vez que o n.º 1 do artigo 20 do CIRE confere legitimidade a qualquer credor, qualquer que seja a natureza do seu crédito. Com efeito, de acordo com o disposto no artigo 89º da Lei n.º 3/99 de 13 de Janeiro, na redacção da Lei n.º 53/2004, de 18 de Março, compete aos tribunais de comércio preparar e julgar “o processo de insolvência se o devedor for uma sociedade comercial ou a massa insolvente integrar uma empresa”. Onde não houver tribunais do comércio é competente, nos termos do artigo 99º, da LOFTJ, um juízo cível ou o tribunal de comarca de competência genérica, nos termos do disposto no artigo 77º da mesma lei, como é o caso dos autos. IV - Pelo exposto acordam os juízes desta secção em julgar a apelação improcedente e em manter a sentença recorrida. Custas pela massa insolvente. Guimarães, 18/12/2006 |