Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
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| Relator: | GOMES DA SILVA | ||
| Descritores: | INSOLVÊNCIA ADMINISTRADOR DE FALÊNCIAS ADMINISTRADOR JUDICIAL ADMINISTRADOR PAGAMENTO | ||
| Nº do Documento: | RG | ||
| Data do Acordão: | 11/29/2007 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | AGRAVO | ||
| Decisão: | REVOGADA A DECISÃO | ||
| Sumário: | 1. A nova codificação falimentar (CIRE), delineada em função do objectivo precípuo da eficiente e célere satisfação dos direitos dos credores, veio consolidar a vontade destes como informando o comando de todo o processo, assim relegando o administrador para alguma subalternidade. 2. De acordo com a função desjudicializatória e de auto-regulação, podem apresentar plano de pagamentos, além do requerido, a assembleia de credores e o próprio administrador, sendo que estes poderão introduzir-lhes modificações ao que for proposto por aquele. | ||
| Decisão Texto Integral: | ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO CÍIVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES: I – INTRODUÇÃO 1. Transitada a sentença, de 2005.05.12, que decretou a insolvência de A... SOARES e mulher M... SOARES, a requerimento de JOÃO P..., sem apresentação de qualquer plano de pagamentos, veio a respectiva ADMINISTRADORA, sob invocação de se conformar com a vontade dos credores e com o propósito de ser obtida extinção da instância, formular plano de pagamentos da insolvência, reconhecidos e graduados que foram os respectivos créditos. 2. Desatendido o prosseguimento de tal plano, por falta de fundamento legal (fls. 97 e 98), de tal decisão agravaram os devedores insolventes, tendo sumariado conclusões no sentido da respectiva revogação. 3. O Ministério Público contra-alegou, pugnando sumariamente pela manutenção do julgado. 4. Colhidos os legais vistos, cumpre apreciar e decidir. II – FUNDAMENTAÇÃO 1. As censuras dos Agravantes, delimitadoras do recurso, reconduzem-se ao seguinte: · a recusa de “plano de pagamentos” não protege interesses legítimos e até conflitua com a vontade dos credores; · o entendimento sufragado em 1ª instância, no sentido de que tal plano só é admissível nas situações previstas nos arts. 251º e 253 do CIRE, viola o princípio constitucional da vinculação à lei. 2. a) Inspirando-se nos normativos que, antes do DL nº 53/2004, de 18 de Março (Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas-CIRE), se reportavam ao liquidatário e ao gestor judiciais (cfr. arts. 35º e 32º CREREF), a nova codificação falimentar, delineada em função de diferentes finalidades e guiada pelo objectivo precípuo da eficiente satisfação dos direitos dos credores, veio consolidar a vontade destes como informando o comando de todo o processo, assim o relegando para alguma subalternidade. Na verdade, passou a deferir-lhes ou a obtenção do imediato ressarcimento, pela via da liquidação do património falimentar, ou o afastarem-se dele, provendo por sua iniciativa a um diferente tratamento do pagamento dos seus créditos (cfr. ponto 6 do respectivo preâmbulo), ainda que hajam de fazer substituir o administrador nomeado pelo juiz (cfr. arts. 52º e 53º CIRE), de o vincular a uma outra nomeação, em caso de destituição ou mesmo de poderem prescindir da comissão de credores nomeada por ele ou de prescindir de algum dos seus elementos (ponto 8). Potenciando a busca da celeridade, o legislador extremou a vertente desjudicializatória, assim o libertando de controlos e outras inúmeras tarefas que, assoberbando-o, demandavam infindos atrasos e até consabidas entorses. O núcleo essencial das funções do administrador passou a residir no diligente exercício de todos os direitos de carácter patrimonial que integrem a massa, de modo a garantir a melhor rentabilidade deles, obviando à realização de despesas e encargos dispensáveis ou sem razoável retorno, sempre maximizando o valor dos bens a alienar. Nessa funções – predominantemente vocacionadas pela preparação das dívidas do insolvente (ou seja: em regra, que não sempre, pela liquidação do património o devedor), o administrador deve agir articuladamente com o juiz e a assembleia, acatando criteriosamente as directivas emanadas desta (cfr. arts. 55º a 59º) – inclusive elaborando, sem demoras, o plano de pagamentos de que tenha sido encarregue (art. 59º-nº3), ainda que recolhendo a perspectiva empenhada dos trabalhadores e mesmo do devedor. b) Concretizando a senda da desjudicialização, inscreveu-se no art. 250º CIRE, em relação aos devedores aí catalogáveis, que podem eles apresentar, conjuntamente com a petição inicial do processo de insolvência, um plano de pagamentos; tratando-se de insolvência contra eles dirigida, poderão usar de tal faculdade na defesa que deduzirem (cfr. arts. 253º e 264º, este quanto à coligação de cônjuges). Esta é uma possibilidade, deferida em função da especificidade desses sujeitos, sendo que o plano ainda poderão introduzir-lhes modificações (cfr. art. 256º-nsº3 a 5); mas não uma imposição que os faça abdicar, pelo respectivo não uso, da faculdade de a assembleia de credores ou o próprio administrador, dentro das competências próprias, virem a propor idênticos planos de realização, total ou parcial, dos direitos creditícios, como acima se evidenciou. Outra solução só seria aceitável à luz de uma visão que o CIRE não contempla: a de que a apresentado à insolvência configuraria, uma censura ético-jurídica, porque consubstanciadora de conduta eivada de má fé. E isto porque, por um lado, a vida económica das empresas se apresenta como realidade altamente dinâmica (onde hoje existe o passivo, antes existia o activo e inversamente); por outro, não pode ter-se, nesta sede, uma postura estática, no sentido de que, dispondo-se de uma faculdade e não a usando, é ilegítimo presumir-se que, para todo o sempre, assim se quererá. Aliás, como preconiza o Ac. R. Lisboa, de 2005.07.12 (conquanto que a propósito de outro tipo de plano), a percepção de que o sistema tradicional não acautelava todos os interesses merecedores de tutela levou o legislador a admitir que os próprios credores, em conjugação de esforços com o administrador de insolvência e com respeito por determinadas regras formais e materiais, procedam à auto-regulação desta fase da insolvência, procedendo à auto-regulação da liquidação do património, sem sujeição ao regime geral e abstracto previsto na lei, ou salvando, se possível, a empresa e, com isso, assegurando a manutenção da sua actividade ou salvaguardando postos de trabalho (ob. cit., pág. 38). Com efeito, a experiência vem demonstrando, com excessiva frequência, que a sujeição generalizada de todas as empresas insolventes aos efeitos da tradicional liquidação universal, sob a capa da tutela dos credores, acabava, bastas vezes, por redundar em seu prejuízo, pois que tal liquidação nem sempre permite obter os resultados que melhor satisfaçam os interesses dos credores privilegiados e comuns. No mercado imobiliário, com elevada oferta de bens, as dificuldades decorrentes da verificação de impedimentos a uma negociação célere e inteiramente livre necessariamente se reflectem no preço de alienação. Os agentes imobiliários que conhecem bem as circunstâncias especiais que rodeiam a alienação de bens de empresas em situação de insolvência não deixam, em geral, de extrair os necessários frutos, o que normalmente se reconduz a uma redução do valor resultante da liquidação do activo, com necessários reflexos no pagamento do passivo. c) No caso, não pôde intuir o Tribunal – até porque nenhum possível credor se apresentou a veiculá-lo – que tivesse sido violado o princípio da igualdade de tratamento. Assim, tendo a assembleia de credores por mais favorável a elaboração desse plano e ninguém se lhe opondo (nem sequer os insolventes ou seus trabalhadores), não se vê por que não poderiam estes colher vantagem dos especiais conhecimentos e habilitações académicas de um gestor ou economista constante da respectiva tabela. Daí que a rejeição da argumentação da 1ª instância – aparentemente atida a visão em desarmonia com o que temos por justa interpretação da lei e legítima caracterização da concreta relação processual - encontre, neste particular, razões suplementares, precisamente ligadas à celeridade do processo e esperado acerto da solução proposta por técnico de que os requerentes da insolvência não terão disposto, no momento mais asado. III – DECISÃO Em função do que, em nome do Povo: 1. temos por provido o agravo, 2. revogando-se a decisão em causa (fls. 97-377), para ser substituída por outra que admita o “plano de pagamentos” acordado entre os credores e os insolventes, veiculado pelo administrador da insolvência. Custas pela massa. Guimarães, 2007.11.29, |