Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1520/08-2
Relator: ANSELMO LOPES
Descritores: PECULATO
FALSIFICAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/25/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTES OS RECURSOS DO MINISTÉRIO PÚBLICO E DO ASSISTENTE.
IMPROCEDENTE O RECURSO INTERCALAR SOBRE A QUALIDADE DA AUDIÇÃO DO INTERVENIENTE RUI F....
PROCEDENTE O RECURSO DO ARGUIDO QUANTO AOS IMPUTADOS CRIMES DE PECULATO.
PARCIALMENTE PROCEDENTE O RECURSO QUANTO AO CRIME DE FALSIFICAÇÃO;
PROCEDENTE O RECURSO DO DESPACHO DE FLS. 7179-7180.
Sumário: I – Numa situação em que o presidente de um clube de futebol, durante 24 anos, procede a uma gestão demasiado centralizada, caracterizada por um domínio quase absoluto de várias áreas do clube, incluindo todas as decisões referentes às contratações, aquisições, vendas, empréstimos e transferências dos jogadores, limitando-se, a maior parte das vezes, a comunicar aos restantes membros das sucessivas Direcções com que trabalhou e aos Serviços de Contabilidade e de Tesouraria os procedimentos por si adoptados, ocultando, muitas vezes, a ambos (Direcções e Serviços), as condições em que se processavam as contratações, aquisições, vendas, empréstimos e transferências dos jogadores, apenas se pode concluir que os órgãos sociais do clube consentiram ou pactuaram com tal modelo de gestão, não havendo que retirar dele quaisquer consequências jurídico-penais, pois tudo se passou no âmbito associativo.
II – Se no âmbito dessa gestão (que era do conhecimento de todos os demais membros dos órgãos sociais), o presidente do clube adiantou, durante vários anos, dinheiro pessoal - dezenas de milhar de contos - e chegou a dar o seu aval pessoal a empréstimos do clube, de centenas de milhar de contos, é de se aceitar que tenha comprado, para o clube, e não para si, os passes de três jogadores, com um encargo total de cerca de 526.000 USD (comprovado, bem como um empréstimo pessoal de idêntica quantia, por documentos autênticos), tanto mais que esses jogadores prestaram os seus serviços ao clube e se mostram documentados nos autos os respectivos contratos em nome do clube, ainda que assinados pelo presidente, em nome daquele, com a liberdade que o dito modelo de gestão potenciava.
III – Para esta conclusão não obsta o facto de a movimentação daquela quantia não ser inscrita na contabilidade do clube (quanto aos jogadores, só a partir de 2000 é que passaram a constar dos activos), vindo o presidente a aproveitar um momento em que o clube dispunha de dinheiro, através da venda de um jogador, para se ressarcir daquela quantia, mesmo que, para o efeito, e para fins contabilísticos, tenha invocado a existência de uma comissão a um intermediário estrangeiro, o que sabia não corresponder à realidade.
IV – Esses investimentos do presidente do clube traduzem uma “conta-corrente”, que não era necessariamente traduzida contabilisticamente, significando que, de facto, ele dispunha do seu património (quer directo, quer por avais), ficando com créditos perante o clube e que este ia fazendo pagamentos ao credor, sem que tudo fosse imediatamente contabilizado ou houvesse sempre documentos de suporte.
V – Além de alguns movimentos não contabilizados, existiu no clube, relativamente a movimentos com o presidente, uma conta-corrente contabilística, a qual, por razões e autoria não discutidas neste processo, se mostra incapaz de revelar a existência de um saldo credível, a crédito ou a débito de qualquer das partes.
VI – Com efeito, parte da documentação contabilística, pura e simplesmente, desapareceu e, com documentos perdidos (ou extraviados) e com a existência de movimentos e contabilidade paralelos (saco azul; com contabilidade também parcialmente perdida ou destruída), não é possível refazer todos os movimentos, nem atribuir intenção apropriativa a quaisquer recebimentos por parte do presidente.
VII – Aliás, é o próprio Ministério Público a afirmar que já que parte da contabilidade de vários anos desapareceu, não há elemento probatório válido, suficiente e seguro que permita que se possa afirmar com segurança que o arguido tenha injectado dinheiros no clube e que no que se refere à conta corrente que o arguido A tinha com o clube é de notar que as aberturas a crédito a favor do arguido não estão documentadas, e contabilidade indocumentada não vale como prova, afirmações estas (manifestamente verdadeiras) que vêm corroborar a conclusão citada, de que, com contabilidade desaparecida, destruída ou deslocalizada, não é possível refazer um saldo final.
VIII – Também o próprio clube, afirma, textualmente, que …o seu sector administrativo e financeiro era um autêntico caos, em que grande parte dos lançamentos contabilísticos, quer a débito, quer a crédito, eram feitos por ordens verbais do 1º arguido (cf. I), que dessa forma evitava e impedia qualquer controlo, fosse por parte dos serviços internos, fosse por qualquer entidade externa ou até dos associados…
IX – E o próprio denunciante, a testemunha D, especialista da área da contabilidade, parece peremptório quando confrontado com o apenso XLIII, vol. I, pág. 174 (extracto de conta corrente entre o clube e o arguido), afirmando nunca o ter visto antes, e esclarecendo que, sem os respectivos documentos de suporte, não se pode aferir da conformidade de tais lançamentos, esclarecendo que qualquer conta-corrente deve possuir tal documentação.
X – Dessa conta-corrente apenas se encontram nos autos (Apenso XLIII, vol. I, fls. 174 e ss., os extractos relativos aos anos de 1996, 1997, 1998, 1999 e 2000 (quando é que esta escrituração começou, não se sabe; em 2000 aparece saldada), sendo que a escrituração da conta-corrente de 1995 desapareceu e aquela a que se atribui como referência o ano de 1996 aparece com a inscrição de 1997 (num inexplicado erro informático), notando-se, ainda, que, em regra, os saldos do ano anterior não são os que transitam para o ano seguinte.
XI – Assim, nas descritas condições, ninguém consegue, com rigor contabilístico, determinar, neste momento, quem é que deve a quem e, sobretudo e muito menos isto, ninguém consegue afirmar, com toda a segurança processual penal exigida, e com o mínimo respeito pelos princípios constitucionais da presunção de inocência e do in dubio pro reo, que o arguido se aproveitou, para si, ou para terceiros, de qualquer quantia.
XII – Tendo o presidente do clube, para se pagar dos citados 526.000 USD, invocado, falsamente, a existência de uma comissão a um indivíduo não residente, era devido um imposto de 15%, mais precisamente de € 67.337,71, que o clube veio a pagar, mas recaindo sobre si o dever de proceder à sua retenção aquando da entrega dos cheques no total de 90.000 contos ao presidente.
XIII – Não tendo o clube procedido a essa retenção, e sendo certo que o presidente nada recebeu a mais do que lhe era devido, não recai sobre este a obrigação de pagar aquele imposto, pois, se assim fosse, ainda lhe faltaria receber, do empréstimo que fez ao clube (pagando os 526.000 USD dos passes dos jogadores) o valor equivalente a esse imposto.
XIV – Note-se que é o próprio clube a afirmar que …com a entrega pelo arguido na contabilidade do Clube das dez facturas por si falsificadas, …desde logo, “nasceram” duas obrigações para o recorrente: a obrigação de pagar o valor constante nessas facturas e, subsequente e conexamente, a obrigação de liquidar o respectivo imposto, ou seja, o recorrente reconhece que era sobre si que impendia a obrigação de reter aquele imposto, pelo que, mesmo com a falsa declaração do arguido, quem violou o dever fiscal foi o clube, sobretudo na pessoa do seu chefe da contabilidade.
XV – E não se diga que o arguido “enganou” o clube ao dizer que se tratava de uma comissão, pois o chefe da contabilidade, como o recorrente confessa, estava bem ciente de que, nesse caso, o imposto era devido. Assim, se o facto que fez nascer o imposto foi a atribuição, pelo arguido, da qualificação de “comissão”, o dever de o reter cabia ao clube, pelo que a responsabilidade pela “existência” do imposto é do arguido, mas a falta da sua cobrança é imputável ao recorrente.
XVI – Por outras palavras, em termos criminais, o arguido iludiu o clube quanto ao motivo para ser pago daquilo que lhe era devido, mas não o iludiu sobre a não retenção do imposto; em termos civis, o arguido recebeu apenas aquilo a que tinha direito e, não determinando o clube à não cobrança, não lhe é imputável qualquer prejuízo decorrente da falsificação.
XVII – Se o Ministério Público, no despacho de arquivamento, relativamente a certos factos da denúncia, que imputavam apropriações ao arguido, conclui que na ausência de indícios probatórios que nos permitam sustentar outra tese, nomeadamente a de que, os arguidos A e R ou outros as fizeram suas, como, repete-se, aconteceu noutras situações, basta essa dúvida para que nos abstenhamos de, nessa parte, deduzirmos acusação, mas apesar disso, faz constar esses factos da acusação, bem andou o Tribunal do julgamento ao dizer, em questão prévia, que os factos descritos na acusação, sob os nºs 56 a 58 foram alvo de despacho de arquivamento (vide fls. 4020 a 4022) e que, além disso, e apesar de constarem da acusação, o Digno Magistrado não retira qualquer consequência jurídica dos mesmos, …entendemos que apenas por mero lapso é que os mesmos constam da acusação, pelo que nos abstemos de nos pronunciar acerca de tais factos.
XVIII – O Ministério Público poderia ter procedido à correcção do lapso, pois, apesar da força do princípio acusatório - definição do objecto da acusação -, a verdade é que o despacho de arquivamento e de acusação constitui um todo, onde se explicam os fundamentos por que alguns factos são submetidos a julgamento e outros não e, no caso, apenas o arquivamento dos factos aqui em causa está fundamentado, o que faria perder o argumento da essencialidade da modificação e dar coerência à peça em questão.
XIX – De resto, a modificação poderia também ter sido levada a cabo nos termos do artº 667º, nº 1 do C.P.Civil, onde se diz que se a sentença (ou despacho, nos termos do artº 666º, nº 3) contiver … lapso manifesto, pode ser corrigida por simples despacho… e, como o Ministério Público não procedeu em tempo à correcção devida, fê-lo o Tribunal, e bem, respeitando as regras processuais pertinentes e definindo a acusação e a não acusação nos únicos termos possíveis que derivavam do despacho de arquivamento do Ministério Público, e respeitando, por outro lado, os direitos do arguido e do assistente.
XX – Note-se, aliás, que o despacho de arquivamento foi notificado, além do mais, ao legal representante do assistente (fls. 4092) e ao seu Ilustre advogado (fls. 4095) e ninguém o atacou na parte que se refere às ditas quantias e só subsequentemente à acusação, o assistente (artºs 136º e ss, a fls. 4216 vº) veio a incluir aqueles factos no seu pedido cível, abrangendo, pois, o pedido de pagamento dos 18.000 e dos 60.000 contos.
XXI – Acrescente-se que o Digno Magistrado do Ministério Público foi bem claro ao dizer que não acusava por aquelas quantias e que essas verbas podem ter sido destinadas a esse “saco azul” e, nessa medida, nenhum prejuízo efectivo sofreu o CLUBE, dado que ninguém delas se apropriou, pelo que, nem o arguido se defendeu sobre tal questão, nem a sua mulher era já arguida, não podendo ser feito pedido cível quanto a ela.
XXII – Considerando-se que a conduta do arguido, no que concerne à invocada comissão a um não residente, e subsequente entrega, na contabilidade do clube, de dez facturas que não titulavam nenhum negócio verdadeiro, é de se concluir que o arguido actuou livre voluntária e conscientemente, bem sabendo que tais facturas não eram verdadeiras e que foi sua intenção, conseguida, a emissão de cheques por parte do clube.
XXIII – Em tais circunstâncias, mesmo que o arguido não lograsse obter qualquer vantagem patrimonial indevida (os cheques que acabou por receber destinaram-se ao ressarcimento de uma quantia que o arguido havia adiantado/emprestado ao clube), logrou obter um benefício indevido que consistiu na entrega desses cheques.
XXIV – As vantagens obtidas através de falsificação tanto podem ser de natureza patrimonial como não patrimoniais, já que, causar prejuízo corresponde a toda a desvantagem (patrimonial ou não patrimonial) que resulte, ou possa resultar, do acto de falsificação ou do acto de utilização do documento falsificado, tal como o benefício ilegítimo não se circunscreve aos casos de obtenção ilegítima de lucros económicos – cfr. Comentário Conimbricense, Tomo II, pág. 685.
XXV – O arguido, ao fazer constar, falsamente, que era devida uma comissão e, depois, ao usar em seu proveito documentos que sabia falsos, quis obter - e obteve - um certo benefício, precisamente a recepção de cheques, cometendo, pois, o crime de uso de documento falso.
XXVI – Tendo o arguido despendido, com dinheiro pessoal, 526.020.98 USD (505.617,98 USD+20.368,00) para a compra de jogadores para o clube, é legítimo que, respeitando os câmbios das datas de ressarcimento, faça as contas deste em dólares, sendo irrelevante o benefício que obteve com melhores taxas de câmbio na data, 27-06-01, em que transferiu 120 mil USD de uma conta em dólares para outra em Euros, pois a verdade é que essa transferência nada tem a ver com o negócio em causa, tal como não poderia ter repercussões em prejuízo do clube se à data dessa mesma transferência as taxas de câmbio fosse mais desfavoráveis: o que contava, e conta, é a moeda em que o arguido pagou e os montantes que nessa moeda recebeu.
Decisão Texto Integral: Após audiência, acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

TRIBUNAL RECORRIDO
Tribunal Judicial de Guimarães – 2ª Vara Mista – Pº 2345/01.3TAGMR

ARGUIDO
A; e
João

ASSISTENTE/DEMANDANTE CIVIL
Clube

RECORRENTES
O Ministério Público, o assistente, e o arguido A

OBJECTO DO RECURSO
Os arguidos foram assim pronunciados:
O arguido A, pela prática, em autoria material e concurso real, de 4 crimes de peculato, previsto e punido pelos artigos 375.º, n.º 1 e 386.º, n.º1 alínea c), do Código Penal e de um crime de falsificação, p. e p. pelo art.º 256.º, n.º 1 alínea c), também do C. Penal; e
O arguido João, a prática de um crime de falsificação, p. e p. pelo art.º 256.º, n.º 1 alínea c), e n.º 3 do C. Penal e de outro crime de falsificação, p. e p. pelo art.º 256.º, n.º 1 alínea c), também do C. Penal.

A final, foi decidido:
«…condenam o arguido A, pela prática, em autoria material e em concurso real, dos seguintes crimes nas seguintes penas:
- de um crime de peculato, previsto e punido pelo artigo 375.º, n.º 1 e 386.º, n.º1 alínea c), ambos do Código Penal, descrito em 6-) a 34-), na pena de 3 anos e 3 meses de prisão;
- de um crime de peculato, previsto e punido pelo artigo 375.º, n.º 1 e 386.º, n.º 1 alínea c), ambos do Código Penal, descrito em 74-) a 76-) e 109-) a 111-), na pena de 2 anos e 3 meses de prisão;
- de um crime de falsificação, previsto e punido pelo artigo 256.º, n.º 1 alínea c), do C. Penal, na pena de 6 meses de prisão;
- em cúmulo jurídico, ao abrigo do art.º 77.º, do C. Penal, na pena única de 4 anos e 3 meses de prisão, a qual se suspende por idêntico período, com a condição do arguido pagar ao assistente Clube, no prazo de 1 ano, a quantia de 38.946,22€, acrescida de juros legais vencidos e vincendos, desde 21/03/2001, até à data do pagamento, e a quantia de 34.347.909$00 (171.326,65€), acrescida de juros legais vencidos e vincendos, desde 4 de Abril de 1997, até à data do integral pagamento;
Mais absolvem o arguido A dos restantes crimes de que vinha acusado, absolvendo igualmente o arguido João de todos os crimes de que vinha acusado.
Quanto ao pedido de indemnização civil formulado pelo assistente, julga-se o mesmo parcialmente procedente e, em consequência, condena-se o demandado A a pagar ao Clube a quantia de a quantia de 38.946,22€, acrescida de juros legais vencidos e vincendos, desde 21/03/2001, até à data do pagamento, e a quantia de 34.347.909$00 (171.326,65€), acrescida de juros legais vencidos e vincendos, desde 4 de Abril de 1997, até à data do integral pagamento.»
Mais foi decidido o seguinte:
O dinheiro apreendido ao arguido, na parte a que se refere o ponto 78.º, da factualidade dada como assente, constituiu, na parte em que se considerou ter havido uma apropriação ilícita por parte do arguido, proveito de uma actividade criminosa por parte do arguido A, pelo que o mesmo deve ser restituído ao seu legítimo proprietário, ou seja ao assistente Clube. Nesta conformidade, determino que se devolva ao Clube, a quantia de 38.946,22€, acrescida de juros legais vencidos e vincendos, desde 21/03/2001, até à data da restituição, e a quantia de 34.347.909$00 (171.326,65€), acrescida de juros legais vencidos e vincendos, desde 4 de Abril de 1997, até à data da restituição.
Com tal entrega, ficará cumprida a condição suspensiva determinada no presente acórdão, bem como a obrigação decorrente da condenação no PIC.
A restante quantia apreendida, deverá ser restituída ao arguido A.

É desta decisão que vêm interpostos os presentes recursos, sintetizando-se assim os respectivos fundamentos:
Do Ministério Público:
.- deve-se considerar provado que o Assistente CLUBE nada deve ao arguido, não havendo prova de qualquer direito de crédito que legitimasse qualquer compensação por banda deste;
.- deve-se considerar provado que os direitos financeiros dos passes dos jogadores R, E e C eram da titularidade do arguido A;
.- deve-se considerar provado que o teor do documento de fls. 128 traduz, no seu conteúdo ideológico, a “acta” da direcção e do que aí foi efectivamente comunicado e deliberado;
.- deve-se considerar provado que o empréstimo contraído pelo arguido A, na Suiça, foi negociado à revelia da direcção do clube, isto é, foi da iniciativa e no exclusivo interesse pessoal do arguido, sendo o Assistente CLUBE alheio a tal negócio.
.- deve-se dar como provado que o arguido nunca colocou o seu património pessoal para satisfazer compromissos do Clube (vide depoimentos do Senhor Doutor FS [cassetes 38 e 39] e do Senhor Arquitecto AS, que foi presidente do Conselho Fiscal de 1991 a 2003, referindo que não havia expressão no relatório de contas que o arguido A financiasse o CLUBE - cassete nº. 18, ) [ vide nota] );
.- deve-se dar como provado que os contratos de fls 852 a 870 (III vol.) relativos aos jogadores E, C e R, por estarem apenas assinados – por banda do CLUBE - pelo arguido, (fls 6922), quando eram necessárias as assinaturas de 3 membros da Direcção do CLUBE, não vinculam o clube Assistente.
.- foi incorrectamente julgado o ponto 108 da matéria de facto do Acórdão impugnado, ou seja, que ao actuar da forma descrita em 55-) e 58-), o arguido visou ressarcir-se de um empréstimo/adiantamento que fizera ao Clube.
.- Ao meter nas suas contas a comissão de PTE 90.000.000$00 (448.918,1€) para pagamento à off – shore “SPORT LDª”, pela intervenção desta na transferência do jogador M, acompanhada pelos documentos de fls. 81, 83, 85, 87, 89, 91, 93, 95, 97 e 99, do apenso V, cujo teor não correspondia à verdade, o arguido A apropriou-se ilegitimamente de quantias que não eram de sua pertença e consumou um crime de peculato ipso facto.
.- há prova de que o arguido A se apropriou ilegitimamente do dinheiro da comissão do jogador M - pontos 55 a 58 da pronúncia -, o que configura um crime de peculato p e punido pelo 375º nº.1 com referência ao art 386º., nº. 1 c) do CP, pelo que expressamente se R. a condenação do arguido pela prática deste crime.
.- a prova deve ser interpretada no sentido de levar à condenação do arguido A pelo crime de falsificação na questão da acta 24 - dos factos constantes nos arts 275º a 279º da pronúncia -, crime previsto e punido pelo art 256º nºs. 1, c) e 3 do CP, o que expressamente se R.

Do assistente:
A discordância do recorrente prende-se relativamente à transmissão dos direitos económicos sobre o passe do jogador M e correspondente quantia de que o arguido ilegitimamente se apropriou, discordando com a decisão da matéria de facto e respectiva fundamentação, sendo que tal decisão teve evidentes sequelas na decisão de direito.
É também objecto do presente recurso, a decisão do Acórdão ora recorrido, na parte em que absolveu o arguido A do pedido de indemnização civil formulado pelo ora recorrente, fundado na prática dos crimes de peculato e falsificação de documentos, relativos ao episódio “M”.
De facto, com vista a ilegitimamente apropriar-se desse valor supra referido de 90.000.000$00 provenientes do contrato de transmissão dos direitos económicos sobre o passe do Jogador M, o arguido, para além do peculato, foi também acusado e pronunciado por um crime de falsificação de documentos, previsto e punido pelo artigo 256.º, n.º1 alínea c), do C. Penal, e pelo qual foi condenado na pena de 6 meses de prisão.
Devido à prática desses factos - crime de falsificação - por parte do arguido A, e pelo qual foi condenado na pena de 6 meses de prisão, o Clube teve de pagar ainda, à Direcção de Finanças de Braga, a importância de € 67.337,71, a título de imposto por serviços que nunca lhe foram prestados.
No entanto, no dispositivo do Acórdão tal quantia não foi contabilizada na parte em que condenou o arguido no pagamento do pedido de indemnização civil, pelo que, o assistente, requereu a sua correcção, por manifesto erro, nos termos do disposto no artigo 380º n.º 1 alínea b) do Código de Processo Penal, que veio a ser indeferido através do, aliás douto, despacho de fls. 6781.
Fundamentando o indeferimento do requerimento do recorrente, o Tribunal recorrido entendeu que o pagamento por parte do Clube à Direcção de Finanças de Braga, da importância de € 67.337,71, a título de imposto por serviços que nunca lhe foram prestados, se deveu ao crime de peculato relativo à transmissão dos direitos económicos sobre o passe do jogador M e do qual o arguido foi absolvido.
A discordância do recorrente prende-se, então, com a decisão de direito perfilhada pelo Tribunal Recorrido, relativamente ao pagamento pelo Clube à Direcção de Finanças dessa importância de € 67.337,71 e a absolvição do arguido pelo comprovado prejuízo causado ao assistente.
Por último, constitui igualmente objecto do presente recurso, a omissão de pronúncia do acórdão recorrido sob os factos constantes nos pontos 56 a 58 da acusação, o que constituindo nulidade do acórdão proferido, nos termos do artigo 379º n.º 1 alínea c) do Código de Processo Penal, é objecto de arguição e conhecimento no presente recurso, de acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 379º do Código vindo de citar.

Do arguido:
Considera que há pontos concretos da matéria de facto que se encontram incorrectamente julgados, a saber, que tenha sido dado como provado o núcleo essencial de factos atinentes ao dolo na falsificação de documentos titulados pela Sport Ldª e feitos constar da contabilidade do CLUBE, dos atinentes à apropriação por peculato com dolo de apropriação e dano de valores oriundos do SP [factos 33 e 34, integrados no conjunto dos factos 11-34 e 103-104] e da apropriação por peculato de verbas que recebeu a título de reembolso pela aquisição que suportara dos jogadores R, P e E, matérias sobre as quais incidiu a condenação; e
Que o aresto recorrido enferma de erro de Direito, na interpretação de várias normas jurídicas.
***
O arguido A interpôs também recurso do despacho de fls. 7179-7180, que indeferiu a sua pretensão de revogação da medida de coacção a que se encontra sujeito (caução de 500.000 euros; motivação a fls. 7193 e ss.).
Disse, também, manter interesse no recurso que interpôs, em acta, em 10-05-07.

FACTOS PROVADOS
A decisão recorrida assentou na seguinte matéria de facto:
1 - O Clube é, desde 06 de Julho de 1981, uma Instituição de Utilidade Pública, conforme publicação no Diário da República…
2 - O arguido A foi Presidente da Direcção do CLUBE de 1980 a 07 de Junho de 2004 e, no exercício dessas funções, concentrou sempre em si todas as decisões referentes às contratações, aquisições, vendas, empréstimos e transferências dos jogadores de futebol do CLUBE, entre outras, assumindo-se, nomeadamente, como Director Financeiro e do Futebol do CLUBE, ciente de que as tinha de exercer sem qualquer tipo de remuneração, directa ou indirecta, nem retirar para si ou terceira pessoa qualquer proveito na gestão do património do CLUBE, incluindo com a aquisição, empréstimo, venda, cedência, a qualquer título, dos jogadores pertencentes ao CLUBE.
3 - No exercício das suas funções, o arguido A limitava-se, a maior parte das vezes, a comunicar aos restantes membros das sucessivas Direcções com que trabalhou e aos Serviços de Contabilidade e de Tesouraria do CLUBE, doravante designados apenas por Serviços, os procedimentos por si adoptados, ocultando, muitas vezes, a ambos (Direcções e Serviços), as condições em que se processavam as contratações, aquisições, vendas, empréstimos e transferências dos jogadores de futebol do CLUBE.
4 - Por outro lado, impossibilitando qualquer tipo de controlo, os Serviços do CLUBE viram desaparecer as actas das reuniões de Direcção posteriores a 1995, documentos de suporte relacionados com lançamentos contabilísticos respeitantes a transferências de jogadores do CLUBE durante os anos de 1995 a 1996 e eliminação de ficheiros informáticos da base de dados.
5 - O arguido A tinha um absoluto controlo interno no CLUBE, apresentando-se como detentor de capacidade económica susceptível não só de afastar qualquer juízo de suspeita acerca de um eventual aproveitamento de fundos do CLUBE em seu proveito e dos seus familiares mais próximos, mas ainda o de que, sem essa sua capacidade o CLUBE não teria viabilidade.
6 - Em 17 de Maio de 1995, o CLUBE, exclusivamente representado pelo arguido A vendeu ao SP, representado exclusivamente por PL, os direitos desportivos dos jogadores PB e PM, tendo sido reduzido a escrito o respectivo “Acordo de Transferência”, mediante o qual o SP comprometeu-se:
· pagar ao CLUBE a quantia de PTE 400.000.000$00;
· entregar ao CLUBE a receita de dois jogos a realizar entre os dois Clubes, sendo garantida, à partida, a receita de PTE 50.000.000$00, por cada jogo;
· cedência dos direitos desportivos dos jogadores PedR, Capucho e Ramirez e
· viabilização da transferência dos jogadores Ed e Fi, jogadores do G, para o CLUBE, sem encargos para este último.
7 - As negociações supra foram efectuadas entre os dois Cubes, SP e CLUBE, sem a intervenção de qualquer empresário ou intermediário, não tendo sido celebrado qualquer outro acordo que não o referido no artigo anterior.
8 - Uma vez que, os dois jogos previstos no referido Acordo de Transferência não se realizaram, bem como não se concretizou a transferência dos jogadores Pe e Fi, o SP pagou, em razão do Acordo de Transferência, a quantia de PTE 661.089.868$60 ao CLUBE.
9 - O SP em pagamento do montante supra indicado a 8-) emitiu, nomeadamente, os seguintes cheques à ordem do CLUBE:
- em 11/08/1995, o cheque nº 2688972398 da CGD, no valor de PTE 15.000.000$00;
- em 11/10/95, o cheque nº 72014433 do BTA, no valor de PTE 20.000.000$00, e
- cheque nº 202579.66, da conta nº 004653/002/71, do BIC, no valor de PTE 18.000.000$00, bem como aceitou uma letra no valor de PTE 50.000.000$00 a favor do CLUBE, Letra nº 29, emitida em 31 de Janeiro de 1996.
10 - Os cheques nºs 2688972398 da CGD, no valor de PTE 15.000.000$00 e 72014433 do BTA, no valor de PTE 20.000.000$00 foram entregues, pelos Serviços do SP, pessoalmente ao arguido A por solicitação expressa deste.
11- Na posse do cheque nº 2688972398 da CGD, no valor de PTE 15.000.000$00, o arguido A, depois de providenciar pela aposição do carimbo do Clube, endossou-o à sua mulher, de nome R, entregando-lho, a qual, por sua vez, assinou-o no verso, depositando-o, de seguida, na conta nº x do BPA, titulada por si e por sua mãe, no dia 11 de Agosto de 1995.
12 - Na posse do cheque nº 72014433 do BTA, no valor de PTE 20.000.000$00, o arguido A, depois de providenciar pela aposição do carimbo do Clube, endossou-o à sua mulher, a já citada R, entregando-lho, a qual, por sua vez, o depositou na conta nº 512/091139249 do BPA, titulada por si e por sua mãe, no dia 11 de Outubro de 1995.
13 - Na posse da Letra nº 29, no valor de PTE 50.000.000$00, aceite pelo SP, o arguido A fê-la creditar, em 11 de Março de 1996, na conta nº 604/42063/008 do BES, titulada por R e filha, operação bancária que teve o custo de PTE 1.045,778,10 que lhe foram, por isso, debitados.
13 - Resultando, deste modo, um crédito de PTE 48.954.221$90 (= 50.000.000$00 – 1.045,778$10).
14 - Para compensação dos encargos financeiros, R, seguindo as instruções do arguido A, fez transferir, em 18 de Abril de 1996, da conta n.º y, do BES para a conta z, do mesmo Banco, a quantia de PTE 1.045.778$10, ficando, desta forma, esta conta provisionada em PTE 50.000.000$00 (= 48.954.221$90 + 1.045.778$10).
15 - Por ordem de R, seguindo as instruções do seu marido, o arguido A, a quantia de PTE 50.000.000$00 foi transferida, em 18 de Abril de 1996, da conta nº xx para a conta nº zz, também do BES, igualmente titulada por R…
16 - Em 24 de Abril de 1996, foi transferida, por ordem de R, seguindo as instruções do seu marido, o arguido A, a quantia de PTE 48.954.221$90 desta conta nº para a conta nº pertencente ao CLUBE.
17 - Em 24 de Maio de 1996, o SP transferiu para a conta n.º 0013/0/15361.3, do CLUBE, a quantia de PTE 1.941.795$00, correspondente a um conjunto de encargos bancários, entre eles os relativos ao desconto da Letra 29, resultantes de desconto de letras efectuadas, pelo CLUBE, na sua conta n.º 0015337-001-75, BIC, pelo que o CLUBE recebeu os PTE 50.000.000$00 correspondentes ao valor nominal da Letra nº 29.
18 - Não obstante este pagamento ao CLUBE, a Letra 29 não foi paga, na data de vencimento, mas parcialmente amortizada no valor de PTE 5.000.000$00, através do cheque nº 445536, sacado sob a conta nº 36855790/001, do BTA, titulada pelo SP.
19 – A qual foi reformada, dando origem à Letra nº 157, no valor de PTE 45.000.000$00, datada de 09 de Maio de 1996, que igualmente não foi paga na data de vencimento, mas parcialmente amortizada no valor de PTE 5.000.000$00, através do cheque nº 972501, sacado sob a conta nº, da CGD, titulada pelo SP.
20 - Sendo a letra n.º 157 reformada, dando origem à Letra nº 188, no valor de PTE 40.000.000$00, datada de 21 de Junho de 1996, a qual igualmente não foi paga, na data de vencimento, mas parcialmente amortizada no valor de PTE 5.000.000$00, através do cheque nº 416372, sacado sob a conta nº, do BPSM, titulada pelo SP.
21 – A qual (letra n.º 188) foi reformada, dando origem à Letra nº 224, no valor de PTE 35.000.000$00, datada de 16 de Julho de 1996, que igualmente não foi paga, na data de vencimento, mas parcialmente amortizada no valor de PTE 5.000.000$00, através do cheque nº 6092668, sacado sob a conta nº, do BCP, titulada pelo SP.
22 - Sendo aquela letra (n.º 224) reformada, dando origem à Letra nº 255, no valor de PTE 30.000.000$00, datada de 27 de Agosto de 1996, que igualmente não foi paga, na data de vencimento, mas parcialmente amortizada no valor de PTE 5.000.000$00, através do cheque nº 416824, sacado sob a conta nº, do BPSM, titulada pelo SP.
23 – Tal letra (n.º 255) foi reformada, dando origem à Letra nº 281, no valor de PTE 25.000.000$00, datada de 23 de Setembro de 1996, que igualmente não foi paga, na data de vencimento, mas parcialmente amortizada no valor de PTE 5.000.000$00, através do cheque nº 479174, sacado sob a conta nº, do BPSM, titulada pelo SP.
24– A qual (letra nº 281) também foi reformada, dando origem à Letra nº 308, no valor de PTE 20.000.000$00, datada de 17 de Outubro de 1996, que igualmente não foi paga, na data de vencimento, mas parcialmente amortizada no valor de PTE 5.000.000$00, através do cheque nº 479102, sacado sob a conta nº, do BPSM, titulada pelo SP
25 – Sendo, tal letra (n.º 308), reformada, dando origem à Letra nº 322, no valor de PTE 15.000.000$00, datada de 07 de Novembro de 1996, que também não foi paga, na data de vencimento, mas parcialmente amortizada no valor de PTE 5.000.000$00, através do cheque nº 478744, sacado sob a conta nº, do BPSM, titulada pelo SP.
25 – Que, igualmente, foi reformada (letra n.º 322), dando origem à Letra nº 344, no valor de PTE 10.000.000$00, datada de 03 de Dezembro de 1996 e que igualmente não foi paga, na data de vencimento, mas parcialmente amortizada no valor de PTE 5.000.000$00, através do cheque nº 786901.
26- A nova letra (n.º 344) foi também reformada, dando origem à Letra nº 371, no valor de PTE 5.000.000$00, datada de 07 de Janeiro de 1997, a qual foi paga através do cheque nº 519683, sacado sob a conta nº, do BPA, titulada pelo SP.
27- Os encargos bancários resultantes do desconto das letras supra referidas efectuados pelo CLUBE, enquanto sacador, importaram em PTE 5.232.564$00, valor esse que, posteriormente, o SP pagou ao CLUBE, como sacador, mas debitado nas contas nºs e , do BES, ambas tituladas pela esposa do arguido R.
28 – Uma vez que todas as letras aceites pelo SP foram descontadas naquelas duas contas bancárias, em 03 de Dezembro de 1996, o CLUBE transferiu, seguindo as instruções do arguido A, da sua conta 15337-001-75 no BIC, para a conta n.º 604/41823/061.8, BES, titulada por R, o valor de PTE 7.000.000,00, transferência contabilizada, em 30 de Dezembro de 1996, no CLUBE, na conta “1210 – BIC”, por contrapartida da conta “268251 – Devolução de Contratos – SP”.
29 - Em 06 de Janeiro de 1997, o CLUBE transferiu, seguindo as instruções do arguido A, da sua conta n.º no BIC, para a conta n.º, BES, titulada por R, o valor de PTE 5.300.000,00, transferência contabilizada na conta “1210 – BIC ” e a sua entrada, na conta denominada “125 – BES 2”, conta que traduzia as operações subsequentes à Letra 29.
30 - Em 04 de Abril de 1997, o CLUBE transferiu, seguindo as instruções do arguido A, da sua conta n.º 15337-001-75, no BIC, para a conta n.º 604/41823/061.8, titulada por R, os seguintes valores:
· PTE 160.000$00, a título de transferência de regularização e
· PTE 520$00
31- Seguindo as instruções do arguido A, foram transferidos para a conta bancária com o nº 00700041823006, do BES, titulada pela sua esposa, a já identificada R, os seguintes valores:
· PTE 5.829.319$10, em 14 de Junho de 1996;
· PTE 6.290.635$20, em 21 de Agosto de 1996;
· PTE 5.000.000$00, em 04 de Setembro de 1996,
· PTE 5.000.000$00, em 06 de Novembro de 1996 e ...
32 – E para a conta bancária 007, do BES, igualmente titulada por R, o valor de PTE 5.000.000$00, num total de PTE 27.119.954$30.
33 - Assim e fruto destas operações, o arguido A logrou fazer seu o montante de PTE 34.347.909$00 (171.326,65€).
34 - Estes valores apesar de constarem dos extractos bancários correspondentes à conta nº 15337-001-75, do BIC, pertencente ao CLUBE, não foram, por instruções do arguido A, contabilizados na “Conta 1210- Banco Internacional de Crédito”, pelo que a contabilidade não espelhava tais movimentos, procedendo-se, posteriormente, à regularização desta diferença, através da inscrição em outras rubricas, nomeadamente na de “prejuízos acumulados”, de verbas efectivamente não gastas, mas que através delas se conseguia valores iguais entre a contabilidade e os respectivos extractos bancários.
(…)
52 -Em 14 de Agosto de 2000, por um lado, os arguidos A, em nome do CLUBE, e João, em nome do B, e por outro lado, os jogadores M e H assinaram o “Contrato de Cessão dos Direitos Desportivos”, constante de fls. 50 e seguintes do Apenso V e que aqui se dá por reproduzido.
53 - Para além dos intervenientes supra referidos, ninguém mais, fosse a que título fosse, interveio quer nos contactos e/ou contratos, bem como nas negociações, desde os primeiros contactos até à celebração do contrato referido nos pontos anteriores.
54 - Embora ciente de todas as circunstâncias que rodearam a negociação, porque único representante do CLUBE e, por outro lado, sempre acompanhou todas as diligências, o arguido A apresentou à Contabilidade do CLUBE, os documentos de fls. 871 e 872, que se dão por integralmente por reproduzidos, e um título de uma cobrança de uma comissão de PTE 90.000.000$00 (448.918,1€) para pagamento à off–shore “SPORT LDª”, pela intervenção desta na transferência do jogador M, acompanhada pelos documentos de fls. 81, 83, 85, 87, 89, 91, 93, 95, 97 e 99, do apenso V, cujo teor não correspondia à verdade, o que o arguido A bem sabia, nomeadamente dez facturas, com os seguintes números:
· 124/D.B., datada de 20/08/2000, no valor de PTE 9.000.000$00;
· 125/D.B, datada de 30/08/2000, no valor de PTE 9.000.000$00;
· 126/D.B, datada de 10/09/2000, no valor de PTE 9.000.000$00;
· 131/D.B, datada de 30/09/2000, no valor de PTE 9.000.000$00;
· 143/D.B, datada de 30/10/2000, no valor de PTE 9.000.000$00;
· 149/D.B, datada de 15/11/2000, no valor de PTE 9.000.000$00;
· 152/D.B, datada de 25/11/2000, no valor de PTE 9.000.000$00;
· 153/D.B, datada de 05/12/2000, no valor de PTE 9.000.000$00;
· 156/D.B, datada de 20/12/2000, no valor de PTE 9.000.000$00
· 182/D.B, datada de 30/12/2000, no valor de PTE 9.000.000$00.
55 – Tal comissão foi liquidada pelo CLUBE através dos seguintes cheques:
· 3305909172, datado de 20/08/2000, no valor de PTE 9.000.000$00;
· 2405909173, datado de 30/08/2000, no valor de PTE 9.000.000$00;
· 1505909174, datado de 10/09/2000, no valor de PTE 9.000.000$00;
· 0605909175, datado de 30/09/2000, no valor de PTE 9.000.000$00;
· 9405909176, datado de 30/10/2000, no valor de PTE 9.000.000$00;
· 8505909177, datado de 15/11/2000, no valor de PTE 9.000.000$00;
· 7605909178, datado de 25/11/2000, no valor de PTE 9.000.000$00;
· 6705909179, datado de 05/12/2000, no valor de PTE 9.000.000$00;
· 5805909180, datado de 20/12/2000, no valor de PTE 9.000.000$00 e
· 905909181, datado de 31/12/2000, no valor de PTE 9.000.000$00, todos sacados da sua conta 18149877.10.001 do FINIBANCO...
56 – Todos estes cheques foram emitidos e entregues ao arguido A na mesma ocasião, em todos constando, entre outras, a assinatura do arguido A.
57 - Os cheques supra referidos foram integralmente preenchidos pelo Chefe de Contabilidade, a testemunha PA, de acordo com as instruções expressas do arguido A, que igualmente os assinou, recebendo-os, de imediato, e pessoalmente, das mãos do Chefe de Contabilidade, PA, ficando a operação inscrita na Contabilidade do CLUBE, na conta nº 6564-Despesas com Prospecção de Jogadores.
58 - Na posse dos cheques, o arguido A depositou-os no Banco “Compagnie Bancaire Espírito Santo SA, em Lausanne, Suiça, na conta nº 103690, titulada pela SPORT LDª e, depois, este Banco, seguindo as instruções do arguido A, para a conta nº 223460, “PAZ”, da CBES-Suiça, titulada por si e por R, sua mulher, depois de terem sido apresentados à Câmara de Compensação do Banco de Portugal, através do BPI.
59 - Por causa deste pagamento do CLUBE à ”SPORT LDª”, o CLUBE teve de pagar, na Direcção de Finanças de Braga, a importância de € 67.337,71.
60 - A off–shore ”SPORT LDª” está registada, com o nº 1602, na Ilha de Niue, Pacífico Sul, tendo tido, anteriormente, a designação de VC LTD, titulada pelo arguido A.
61 - Em 25 de Janeiro de 2000, o arguido A efectuou um pedido de crédito à CBES, através da sua conta nº 223460, PAZ, no valor de 900.000 (novecentos mil) reais, cuja proposta de crédito foi formalizada dois dias depois, tendo, então, o CBES aceitado conceder o empréstimo pretendido, no montante de USD 510.000,00 (quinhentos e dez mil), um pouco mais de 900.000 reais, reembolsável até 31 de Julho de 2000.
62 - Em 28 de Janeiro de 2000, foi emitida, seguindo as instruções dadas pelo arguido A, uma “ordem de transferência” da conta nº 223460, PAZ, para a conta nº 001.104663.5 do Banco Bilbao Vizcaya, Brasil, titulada por Esporte Clube de Clube, para pagamento dos direitos desportivos dos jogadores brasileiros CE, conhecido por “P”, ES e R RJ.
63 - Os Certificados de Transferência Internacional foram emitidos e enviados pela Confederação Brasileira de Futebol, CBF, à Federação Portuguesa de Futebol, FPF, em 03 de Fevereiro, quanto aos jogadores CE, conhecido por “P”, ES, e em 25 de Fevereiro, todos de 2000, quanto ao jogador RJ.
64 – Código da Estrada assinou dois contratos de trabalho com o CLUBE, o primeiro válido, de 24 de Janeiro a 31 de Julho de 2000 e o segundo de 01 de Agosto de 2000 a 31 de Julho de 2004.
65 – Em 24 de Janeiro de 2000, ES assinou um contrato de trabalho com o CLUBE até 31 de Julho de 2004.
66 - Em 24 de Janeiro de 2000, RJ assinou um contrato de trabalho com o CLUBE, permanecendo ao seu serviço até 16 de Janeiro de 2001, data em que o rescindiu unilateralmente.
67 - Em 12 de Setembro de 2000, e depois de prorrogado o prazo para a amortização do empréstimo descrito em 61-) e 62-), foi renovado o crédito a descoberto até ao montante de 400.000,00 € (quatrocentos mil), reembolsável a 31 de Dezembro de 2000, através do encaixe de dez cheques de 45.000,00€, cada.
68 - Conforme atrás descrito, os dez cheques emitidos pelo CLUBE à SPORT LDª foram depositados na conta nº 103690, titulada pela SPORT LDª, entre 21 de Setembro de 2000 e 21 de Fevereiro de 2001 e desta conta para a conta nº 223460 do CBES, titulada pelo arguido e segundo instruções do arguido A:
· em 27 de Novembro de 2000, € 265.000,00 e
· em 29 de Dezembro de 2000, € 135.000,00.
69 – Os cheques supra referidos destinaram-se ao pagamento do empréstimo identificado em 61 e 62, o que aconteceu em Dezembro de 2000.
70 – Por contrato celebrado em 18 de Janeiro de 2000, o Esporte Clube de Clube cedeu ao Clube, os direitos desportivos do jogador CE, conhecido por “P”, nomeadamente 50% do seu passe, pela quantia de R$500.000 (quinhentos mil reais), conforme documento de fls. 854 e 855, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
71 - Por contrato celebrado em 18 de Janeiro de 2000, o Esporte Clube de Clube cedeu ao Clube, os direitos desportivos do jogador ES, pela quantia de R$300.000 (trezentos mil reais), conforme documento de fls. 865 e 866, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
72 - Por contrato celebrado em 18 de Janeiro de 2000, o Esporte Clube de Clube cedeu ao Clube, os direitos desportivos do jogador RJ, pela quantia de R$100.000 (cem mil reais), conforme documento de fls. 863 e 864, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
73 – As aquisições desses jogadores não foram objecto de qualquer tipo de contabilização no clube, nem depositados os respectivos contratos nos seus serviços, sendo que também os pagamentos dos passes dos jogadores não foram contabilizados na contabilidade do CLUBE.
74 – A compra destes jogadores acarretou um custo de 514.659,52€, tendo ainda o arguido suportado os juros decorrentes do empréstimo que contraíra, no valor de total de 26.096,28€, pelo que com a aquisição dos 3 jogadores o arguido despendeu a quantia de 540.755,8€, tendo recebido os montantes descritos em 55-), 58-) e 76-), no valor total de 579.702,02€.
75 - Em 19 de Janeiro de 2001, o CLUBE, representado exclusivamente pelo arguido A, celebrou um contrato com o Esporte Clube Clube, até 30 de Junho de 2002, pelo qual cedeu a este Clube o jogador CE, mediante o pagamento da quantia de 120.000,00 (cento e vinte mil) USD, a ser paga em três prestações de 40 mil (quarenta mil) USD cada, a depositar na conta bancária do BCP, titulada pelo CLUBE, a que corresponde o NIB 00, de acordo com a cláusula 3º do contrato.
76 - Posteriormente, o arguido A deu instruções, que foram seguidas, tendo sido de os 120.000,00 (cento e vinte mil) USD, a que correspondiam, à data do depósito 130.783,92€, na conta nº 223460 da CBES-Suiça, em três prestações, de 40.000,00 (quarenta mil) USD pagas em 22 de Janeiro, 01 de Março e 21 de Março, de 2001.
77 - O CLUBE não obteve qualquer benefício financeiro com a saída de qualquer um dos três jogadores……….
78 – Foi apreendido o saldo das contas nºs 223460, PAZ, com o saldo de PTE 113.742.601$00 e 103690, SPORT LDª, com o saldo de 45.465,00€.
79 - Em data não apurada de 1996, o CLUBE comprou os direitos desportivos dos jogadores …, ambos de nacionalidade brasileira, ao clube “VALERIODOCE ESPORTE CLUBE” de Minas-Brasil.
80 - Os contratos respectivos foram realizados exclusivamente pelo arguido A, não havendo qualquer cópia dos mesmos nas instalações do clube, aquando das buscas efectuadas nos presentes autos.
81 - Seguindo instruções do arguido A, a Secção de Contabilidade do CLUBE registou como custos, o valor de PTE 73.293.050$00, quanto ao jogador … e PTE 29.000.000$00 quanto a …, num total de PTE 102.293.050$00.
82 - O empresário dos jogadores, A…, recebeu, como comissão por ambos, a quantia de PTE 2.340.000$00 (= PTE 2.000.000$00 + 340.000$00, de IVA) por cada um, ou seja, PTE 4.680.000$00.
83 - Para pagamento da transferência do jogador A, a Secção de Contabilidade do CLUBE emitiu os seguintes cinco cheques, todos ao portador, seguindo indicações expressas do arguido A, a quem foram entregues pessoalmente, e sacados da conta nº 1533700175, titulada pelo arguido A:
· 2245414625, datado de 96/08/12, no valor de PTE 10.172.500$00;
· 2237588180, datado de 97/01/16, no valor de PTE 10.000.000$00;
· 2237588083, datado de 97/01/15, no valor de PTE 10.000.000$00;
· 2237588277, datado de 97/01/17, no valor de PTE 10.000.000$00 e
· 2237588374, datado de 97/01/20, no valor de PTE 10.250.000$00, num total de PTE 50.422.500$00.
84 - Estes cinco cheques foram, de seguida, levantados, em numerário, pelo arguido A, respectivamente em 12/08/96, 29/10/96 e 30/01/97 os três últimos.
85 - Para além destes cheques, o CLUBE emitiu ainda os seguintes cheques, sacados da conta nº 01533700175, titulada pelo arguido A:
· 7523966, datado de 96/01/30, no valor de PTE 2.000.000$00;
· 5410648, datado de 96/12/30, no valor de PTE 1.500.000$00;
· 5414043, datado de 96/12/30, no valor de PTE 6.000.000$00;
· 5410551, datado de 96/12/30, no valor de PTE 5.700.000$00 e
· PTE 15.670.550$00.
86 - O jogador A recebeu, como comissão, a quantia de PTE 6.000.000$00.
87 – Para pagamento da transferência do jogador R a Secção de Contabilidade do CLUBE emitiu os seguintes cheques, sacados da conta nº 15337-001-75, do BIC:
· 7523966, datado de 96/01/31, no valor de PTE 2.000.000$00;
· 5412685, datado de 96/12/30, no valor de PTE 3.000.000$00;
· 5388726, datado de 96/12/30, no valor de PTE 7.500.000$00 e
· 7534636, datado de 96/12/30, no valor de PTE 6.300.000$00...
...bem como pagou a quantia de PTE 15.200.000$00, num total de PTE 34.000.000$00.
88 - Os destinatários daqueles montantes foram: - A, PTE 9.500.000$00 (= 2.000.000$ + 7.500.000$);
- R, PTE 3.000.000$00;
- Saída da “119 – Trf Caixa”, PTE 15.200.000$00 e
- Manuel, funcionário do CLUBE, PTE 6.300.000$00.
89 – Por conta dessas transferências e em representação do clube Valério Doce, o empresário A recebeu, para além dos montantes referidos em 82 e 88, quantias não concretamente apuradas em numerário.
90 – O jogador R recebeu 3.000.000$00 de comissão.
91 - No dia 17 de Maio de 1996, realizou-se uma Assembleia Geral Extraordinária, nas instalações do Clube, tendo sido lavrada a respectiva Acta, a que coube o número vinte e quatro, nela se narrando que: “Depois de comunicar à Assembleia Geral o ponto de trabalhos, o sr. Presidente da Assembleia, deu a palavra ao Exmo. Presidente da Direcção que por sua vez fez um esclarecimento total das pretensões da Câmara Municipal, na aquisição de franjas de terreno pertença do Clube S. C., e em contrapartida a Câmara prontificava-se a fazer um Campo relvado, um Campo pelado e a vedação de todo o terreno do Complexo Desportivo do Clube. O sr. Presidente da Direcção, por intermédio de um quadro gigante e da planta do Complexo, mostrou aos associados quais as franjas de terreno que poderiam ser cedidas, tendo em atenção sempre os interesses, e os benefícios para o Clube S.C.. Feitas todas as explicações e dado todos os esclarecimentos, o sr. Presidente da Assembleia Geral pediu aos sócios que se quisessem inscrever para usarem da palavra sobre o assunto, o fizessem.”
92 - De forma e em data não apuradas, pessoa não identificada, deixou cair, sobre a Acta número vinte e um do Livro de Assembleias Gerais, vários pingos de tinta permanente, logo fechando o respectivo livro, logrando espalhar a tinta de modo a abranger o conteúdo da acta em questão.
93 - Inutilizada a Acta, em vez de se proceder à sua rectificação em folha disponível no respectivo Livro, que havia, elaborou-se um novo Livro de Actas nele se redigindo todas as Actas constantes do Livro original.
94 - Para esse efeito, MF, solicitou a Custódio Garcia, elemento da Mesa que manuscreveu a anterior Acta número vinte e quatro, para transcrever todas as actas de um Livro para o outro, com excepção da Acta número vinte e um, a qual, por se encontrar ilegível, seria refeita por ela, MF, com a ajuda da gravação audio respectiva.
95 - Cumprindo as instruções, CG procedeu à transcrição das Actas até à número vinte, inclusive, entregando o Livro a MF, a qual, por sua vez, depois de transcrever não só a acta número vinte e um, conforme combinado, mas também as actas vinte e dois a vinte e quatro, inclusive, devolveu-lhe o Livro para que continuasse a transcrição das restantes, a partir do número vinte e cinco, o que fez.
96 - MF ao transcrever a Acta número vinte e quatro para o novo Livro fê-lo sem respeitar o conteúdo da Acta original, apesar de legível e intacta, ficando a constar com a seguinte nova redacção: “Depois de comunicar à Assembleia Geral o ponto da Ordem de Trabalhos, o Senhor Presidente da Assembleia Geral, deu a palavra ao Exmo. Senhor Presidente da Direcção, que de imediato prestou todos os esclarecimentos necessários sobre o conteúdo da proposta. Após a devida explanação passou a ler a respectiva proposta, a qual, no entretanto tinha sido distribuída pelos sócios presentes. Assim, reza o texto da proposta: Proposta – A Direcção do Clube, como sempre foi sua orientação está empenhada em levar a efeito a conclusão do Complexo Desportivo do clube de forma a fazê-lo dotar com quatro campos relvados, um campo pelado, uma área verde para cargas intensivas, um pavilhão, uma piscina, um centro de estágio e uma sede social. Felizmente, aliás como é público e notório, o principal já está feito. Assim, a Direcção do Clube vem junto dos associados, ao abrigo do artº 108, alínea e) dos estatutos do nosso clube pedir autorização para lhe ser permitido negociar franjas do património do clube, de forma a ser possível com maior celeridade a sua rentabilização com vista à concretização do projecto definitivo. – Após a sua leitura e dadas todas as explicações, o sr. Presidente da Assembleia-Geral pediu aos sócios que se quisessem inscrever para usarem da palavra sobre o assunto, o fizessem.”
97 – Nesta nova acta, já não ficou a constar que as franjas dos terrenos se destinavam a ser negociadas com a Câmara Municipal de Guimarães.
98 – A nova redacção da acta n.º 24 foi assinada conscientemente pelo Presidente da Assembleia-Geral, que entendeu que aquela versão era a que efectivamente mais se coadunava com o que efectivamente se passou na Assembleia-Geral em questão.
99 – Com a nova redacção da acta n.º 24, a direcção do Clube ficou habilitada a negociar com qualquer entidade, pública ou privada, nomeadamente permitindo ao arguido A a exibição da indispensável acta para a celebração de qualquer escritura pública que envolvesse os terrenos em questão.
100 - Em 30 de Abril de 2001, no Cartório Notarial de Fafe, perante a notária, Dra. Maria Cristina Azevedo Pinho Sousa, foi celebrada a escritura pública de venda de terreno do Clube à empresa AGR- Investimentos e Construção, SA, pelo preço de PTE 120.000.000$00, outorgada, entre outros, pelo arguido A .
101 - Para a celebração desta escritura, foram previamente extraídas Públicas Formas de vários documentos, entre eles a Acta nº 24 da Assembleia Geral Extraordinária do CLUBE, com a redacção introduzida por MF, pela qual a notária conferiu a legitimidade da Direcção do CLUBE para proceder ao acto sujeito a escritura pública.
102 - Acta essa indispensável para a celebração da escritura.
103 – O arguido A agiu livre, voluntária e conscientemente, sendo sua intenção apropriar-se do montante descrito em 33, bem sabendo que o mesmo não lhe pertencia.
104 - Com a conduta supra descrita em 5-) a 35-), o arguido A lesou financeiramente os interesses do CLUBE, causando-lhe um prejuízo de 34.347.909$00, quantia que integrou no seu património, estando bem ciente que tal não lhe pertencia e que actuava contra a vontade do seu proprietário.
105 – O arguido A sabia que lesava o interesse da instituição Clube que lhe incumbia proteger enquanto Presidente da Direcção dessa instituição.
106 – Ao agir da forma descrita em 54, o arguido actuou livre voluntária e conscientemente, bem sabendo que documentos em causa não eram verdadeiros, sendo sua intenção, conseguida, a emissão de cheques por parte do CLUBE que, depois, recebeu e deu-lhes o destino que entendeu.
107 - Ao actuar da forma supra descrita, o arguido A estava ciente que, atentava contra a segurança e credibilidade no tráfico jurídico probatório que a exibição que um documento traduz.
108 – Ao actuar da forma descrita em 55-) e 58-), o arguido visou ressarcir-se de um empréstimo/adiantamento que fizera ao Clube.
109 – Ao actuar da forma descrita em 74-) a 76-) e tendo em conta o dinheiro que já havia recebido em 55-) a 58-), o arguido A agiu livre, voluntária e conscientemente, sendo sua intenção, para além do ressarcimento referido em 108-) apropriar-se do montante de 38.946,22€, a que corresponde à diferença entre aquilo que pagara pelo passe dos jogadores E, R e P e aquilo que recebeu do Clube para ressarcimento de tal despesa.
110 - Com a conduta supra descrita, o arguido A lesou financeiramente os interesses do CLUBE, causando-lhe um prejuízo de 38.946,22€, quantia que integrou no seu património, estando bem ciente que tal não lhe pertencia e que actuava contra a vontade do seu legitimo proprietário, nomeadamente o assistente Clube.
111 – O arguido A sabia que lesava o interesse da instituição Clube que lhe incumbia proteger enquanto Presidente da Direcção dessa instituição.
(…)

Factos não provados
Não ficou provado que:
- o montante descrito em 33, que o arguido A se apropriou, constituísse o pagamento, por parte do Clube, de empréstimo de igual valor que o arguido lhe houvera concedido;
- que os direitos desportivos dos jogadores E, R e P pertencessem ao arguido A;
- que o banco Suíço que emprestou 510.000 USD ao arguido A lhe tivesse pedido total confidencialidade e que a conduta posterior do arguido, nomeadamente a não comunicação do teor dos contratos ao Clube e o recurso à Sport Ldª para o ressarcimento tivesse sido adoptada em virtude de tal solicitação;
- que o montante do empréstimo identificado em 62, tivesse sido pago em Dezembro de 2002;
- que o arguido João tivesse fabricado ou apresentado os documentos a que se referem os pontos 119, 126 e 160 da acusação, para a qual a pronúncia remete, bem como que o mesmo conhecesse da sua falsidade;
- que os passes dos jogadores R e A tivessem custado ao Clube 150.000USD e 400.000 USD, respectivamente.
- que o arguido se tivesse apropriado de 10.605.050$00, aquando da aquisição do passe do jogador A, e da quantia de 5.810.000$00, a propósito da transferência do jogador R;
- que a conduta do arguido A tivesse provocado danos na imagem do assistente Clube;
- que o arguido A soubesse que a acta n.º 24 tinha uma nova versão, diferente da original e que tal versão não traduzia a vontade de quem representava (sócios do Clube, através de decisão tomada em A.G.), sendo que sem essa acta, nunca conseguiria ter celebrado a EP de compra e venda com a empresa AGR;
- não resultaram também provados outros factos alegados na acusação (para a qual remete a pronúncia), pedido de indemnização civil e contestações ou alegadas durante a discussão da causa e que se mostrem em contradição com os factos dados como provados ou por eles prejudicados.

MOTIVAÇÃO/CONCLUSÕES

Por economia, as conclusões serão expostas aquando do conhecimento dos recursos.

RESPOSTAS
(…)

PARECER
Nesta instância, o Ilustre Procurador Geral-Adjunto exprime assim a sua opinião:
DOS RECURSOS DO MINISTÉRIO PÚBLICO E DO ASSISTENTE
A questão verdadeiramente fracturante, que ressalta dos recursos do Ministério Público e do assistente, tem que ver com os factos relacionados com o negócio relativo ao jogador M e apropriação, nesse campo, por parte do arguido de 90 mil contos.
A acusação e a pronúncia separaram, por um lado, o caso relativo ao jogador M, e, por outro, o caso relativo aos atletas E, P e R.
Porém o acórdão seguiu outro caminho, como se vê, entre outros, pelos seguintes passos:
«Por tudo isto, temos que concluir que os passes daqueles 3 jogadores foram adquiridos pelo Clube e que quem procedeu ao seu pagamento, na altura da celebração do contrato, foi o arguido A, interpretando tudo o que a seguir se passou à luz desta premissa (fls. 6747 do acórdão; sublinhado nosso)

«Por outro lado, há que esclarecer que, não obstante a acusação separar a conduta do arguido no que concerne ao negócio do aluguer do passe do jogador P e da venda do passe do jogador M, é óbvio que tais condutas não podem ser dissociadas. Com efeito e tendo em conta a versão apresentada pelo arguido, bem como aquilo que foi considerado como assente por este Tribunal, torna-se óbvio que a conduta do arguido A relacionada com a venda do passe do jogador M, nomeadamente a transferência e a apropriação de 90 mil contos, via Sport Ldª, bem como o aluguer do passe do jogador P, na parte em que não excede o valor que havia gasto com a aquisição do passe dos jogadores P, E e R, não configura qualquer ilícito criminal, pois que não houve qualquer enriquecimento por parte do arguido.» (fls. 6756 do acórdão)

O tribunal entendeu que o arguido, ao apropriar-se dos 90 mil contos provenientes da venda do jogador M, se estava apenas a ressarcir de um empréstimo feito ao assistente e que tinha por finalidade a compra dos jogadores E, P e R.
E para isso teve que dar como não provado que os direitos desportivos daqueles 3 jogadores (E, P e R) pertencessem ao arguido.
Mas os elementos dos autos indicam que a versão correcta era a apontada na acusação e na pronúncia: o proprietário do passe daqueles 3 jogadores era o arguido; este apropriou-se dos 90 mil contos provenientes da venda do jogador M.

Tanto o recurso do Ministério Público (vejam-se, nomeadamente, as conclusões a partir de fls. 6919 e ss.) como, com muita clareza, o do assistente (fls. 6956 e ss. e conclusões fls. 7071 e ss.), indicam os aspectos de ordem testemunhal e documental que impunham uma decisão diferente, que não vamos repetir aqui.
Saliente-se, porém, neste aspecto, o que ressalta (e que o acórdão não valorou devidamente) do Doc. 23 e dos contratos relativos aos 3 jogadores.

No Doc. 23 (“Acta 3”) (constante de fls. 128-129 do I vol.; apreendido no computador usado pelo então secretário geral do CLUBE, LC--v. fls. 6926), que faz parte de um lote de documentos, no total de 25, que foram retirados dos suportes informáticos apreendidos pela PJ no CLUBE (cfr. cota de fls. 100) refere-se expressamente, a dado passo, que o Sr. Presidente (que era o arguido) «Informou, ainda, que os jogadores contratados em Janeiro (E, P e R) tinham sido pagos por ele, pelo que se reservava o direito de decidir o seu destino realçando que o clube não gastara nada no aluguer dos passes

Os contratos de fls. 852 a 870 (III vol.) relativos aos jogadores E, P e R encontram-se (por parte do Clube) apenas assinados pelo arguido (foram juntos aos autos pelo arguido--fls. 6922), quando eram necessárias assinaturas de 3 membros da Direcção do Clube para vincular o clube (cfr. fls. 6983,6984 e 7072 da motivação do assistente).

O arguido deveria ter sido condenado por peculato pelos factos relativos ao negócio M, conforme recursos do MP e do assistente.

****
Relativamente à questão da acta n.º 24 (eventual crime de falsificação), trazida a terreiro na motivação do Ministério Público, subscrevemos, no essencial, o que consta a respectiva motivação.
Também se nos afigura que, tal como se escreve na conclusão n.º 45 de tal motivação (fls. 6934), «Essa reformulação dirigiu-se a um único desiderato ou visou um único resultado adequado: viabilizar a celebração da escritura pública da AGR».
E além do que consta da motivação de recurso, também nos parece que, neste aspecto, se verifica o vício da alínea b) do n.º 2 do art. 410.º do CPP (contradição insanável) entre o n.º 5 da matéria de facto provada («5 - O arguido A tinha um absoluto controlo interno no CLUBE, apresentando-se como detentor de capacidade económica susceptível não só de afastar qualquer juízo de suspeita acerca de um eventual aproveitamento de fundos do CLUBE em seu proveito e dos seus familiares mais próximos, mas ainda o de que, sem essa sua capacidade o CLUBE não teria viabilidade.») e a seguinte matéria de facto não provada («- que o arguido A soubesse que a acta n.º 24 tinha uma nova versão, diferente da original e que tal versão não traduzia a vontade de quem representava (sócios do Clube, através de decisão tomada em A.G.), sendo que sem essa acta, nunca conseguiria ter celebrado a EP de compra e venda com a empresa AGR;»).
(A matéria de facto provada e não provada encontra-se transcrita supra).
Como é que se pode dar como provado que alguém que tinha «um absoluto controlo interno no CLUBE...» (SIC) desconhecesse a nova versão da acta (assunto eminentemente interno do clube), que depois serviu para ser ultimado o negócio com a AGR? Afinal que absoluto controlo interno tinha o arguido?
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DOS RECURSOS DO ARGUIDO
O arguido invoca, também, a questão da prescrição do procedimento criminal relativamente ao crime de peculato referente ao valor oriundo do SP (v. fls. 7094 da sua motivação; a questão da prescrição também já fora objecto de apreciação na decisão instrutória a fls. 4451-4454).
Em seu entender, o crime consumou-se em 19/9/1995, sendo aplicável o CP de 1982, na versão anterior à reforma de 1995.
Atenta a dosimetria abstracta do crime (prisão de 1 a 8 anos), o prazo de prescrição do procedimento criminal é de 10 anos, tendo-se atingido em 19/9/2005.
O primeiro facto interruptivo foi a pronúncia prolatada em 14/11/2005, já em momento posterior à prescrição.

Não tem razão o recorrente.
A Resposta do Ex.mo Procurador-Adjunto (fls. 7269 a 7275 e de fls. 72797280) rebate os argumentos que o recorrente traz a lume.

Os factos, como se alcança, além do mais, da leitura do art. 33.º (factos provados) do acórdão, estenderam-se para além de 1/10/1995 (data da entrada em vigor do CP reforma de 1995, introduzida pelo DL 48/95).
Aplica-se assim o CP reformado pelo cit. DL 48/95 (foi isto mesmo que decidiu a RL no seu Ac. de 14/6/2006, a fls. 338-345 do I. vol., que incidiu precisamente na questão da prescrição do procedimento criminal do crime em análise; o Ac. RG de 11/12/2006, a fls. 365 e ss. do mesmo vol., invocado pelo recorrente, não teve como objecto de recurso a questão da prescrição).

O crime de peculato é punido com a pena de 1 a 8 anos de prisão (v. art. 375, n.º 1, do CP).
O prazo de prescrição do procedimento criminal é de 10 anos, de acordo com a alínea b), do n.º 1 do art. 118.º e corre desde o dia em que o facto se tiver consumado (art. 118, n.º 1, do C. P.).
Tal alínea refere que o prazo de prescrição é de 10 anos para os crimes puníveis com pena de prisão cujo limite máximo for igual ou superior a 5 anos, mas que não exceda 10 anos.
Nos termos do art. 121, n.º 3, do mesmo Código “...a prescrição do procedimento criminal terá sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal da prescrição acrescido de metade. (...)”
De acordo com este normativo, o prazo de prescrição será de 15 anos, mas descontado o tempo de suspensão.
Para se apreciar a questão do decurso do prazo da prescrição é necessário verificar se existem causas de suspensão ou de interrupção do mesmo (cfr. arts. 120 e 121 do C.P.).
Constituem causas de interrupção da prescrição do procedimento criminal, entre outras, a constituição de arguido e a notificação da acusação (art. 121.º, n.º 1 alíneas a) e b).
A notificação da acusação (ou da decisão instrutória) constitui também causa de suspensão (art. 120.º, n.º 1, alínea b) do CP).
O arguido foi constituído como tal em 16/12/2002 e a acusação deduzida em 23/12/2004 (fls. 4088).
O despacho de pronúncia foi proferido em 14/11/2005 (fls. 4453-4464) e nessa altura notificado ao arguido (fls. 343 no cit. Ac. RL).
A suspensão dura 3 anos (art. 120.º, n.º 2), isto é, termina em Novembro de 2008, voltando depois a correr o prazo de prescrição (art. 120.º, n.º 3, CP).
Mesmo sem atender àquela causa de suspensão, o prazo de prescrição ainda não terminou, longe disso, pelo que se mantém o procedimento criminal.
***
Do recurso do arguido do despacho que manteve a medida de coacção

O arguido interpôs também recurso do despacho que manteve a medida de coacção de caução (fls. 7179-7180).
O recorrente entende que não se justifica já a manutenção de tal medida dado que passaram mais de 5 anos sobre a altura em que a mesma foi decretada; que o perigo de fuga tem que ser objectivo; que embora não tenha ainda transitado o acórdão condenatório tal circunstância não fundamenta o perigo de fuga, dado que nas eventuais fases de recurso nos tribunais superiores não é exigido o dever de presença processual do arguido.
Normas violadas: arts. 97.º, n.º 4, 193.º, n.º 2, 202.º, n.º 1, 204.º, alínea a), todos do CPP.

Parece-nos que não assiste razão ao recorrente, como aliás bem se demonstra nas Respostas do MP e do assistente.

Contrariamente ao que acontece com outras medidas de coacção, a caução não está sujeita a nenhum prazo de duração máxima, conforme ressalta da leitura do art. 218.º do CPP.
A caução, no que toca à revogação e substituição, está sujeita ao regime geral previsto no art. 212.º e, relativamente à extinção, rege-se pelo disposto no art. 214.º, ambos do CPP.
Como medida de coacção, está sujeita aos princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade (art. 193.º do CPP) e só deve manter-se enquanto necessária para a realização dos fins processuais que legitimam a sua aplicação ao arguido.
É verdade que nas fases de recurso nos tribunais superiores não é exigido o dever de presença processual do arguido. Mas também é certo que o tribunal de recurso pode mandar repetir o julgamento e aí, na 1.ª instância, mantém-se o dever de presença.
É necessário chamar ao caso o disposto no art. 214.º do CPP (extinção das medidas).
A medida de coacção em causa apenas se extingue com o trânsito em julgado da sentença condenatória. O que ainda não ocorreu.

No caso presente, não nos parece que tenha deixado de ser necessária adequada e proporcional, a caução, ou que se tenha verificado uma manifesta alteração das circunstâncias em que foi aplicada.
Por essa razão, entendemos que deve manter-se contrariamente ao alegado pelo arguido recorrente.

Pelo exposto, sou de parecer que merecem provimento os recursos do MP e do assistente (não nos pronunciamos relativamente à parte cível) e que não merece provimento o recurso do arguido.

PODERES DE COGNIÇÃO
O objecto do recurso é demarcado pelas conclusões da motivação – artº 412º do C.P.Penal, sem prejuízo do conhecimento oficioso nos termos do artº 410º, nº 2 do mesmo Código, do qual serão as citações sem referência expressa.

QUESTÕES A DECIDIR
As questões a decidir são, afinal, as correspondentes às acima sumariadas e para cujo conhecimento se seguirão as conclusões de cada recurso.

FUNDAMENTAÇÃO
Uma vez que, como se vê, tanto o Ministério Público como o assistente põem em causa, no mesmo sentido, a matéria de facto, importa que se tenha presente o modo como o Tribunal explica a formação da sua convicção.
E diz assim:
…começando pelo depoimento do arguido, o mesmo confirmou ter sido presidente do Clube, no período compreendido entre 10 de Março de 1980 e 30 de Maio de 2004, sendo a sua principal preocupação o saneamento financeiro do clube, aliado aos resultados desportivos e ainda à valorização do património. No entanto, esclareceu que o Clube não era um clube sustentável e que necessitava de alienar jogadores e património para sobreviver.
Quanto à forma como geria o clube, afirmou que tinha conhecimento mais directo do futebol profissional e da parte financeira, esclarecendo que os directores dos pelouros respectivos tinham conhecimento de tudo aquilo que se passava na sua área. Declarou também que era ele quem tratava pessoalmente da compra e venda de jogadores e que sempre solucionou os problemas financeiros do clube. Nessa conformidade, referiu que, em 1993, o Clube foi inibido do uso do cheque, em virtude de um negócio relacionado com o jogador P, do Estrela da Amadora, tendo as contas do clube passado a ficar em seu nome, mas devidamente identificadas com o respectivo pelouro.
Quanto a esse assunto, acrescentou que nunca misturou as suas contas pessoais com as do clube, motivo pelo qual nunca abriu qualquer conta no BIC, apesar de instado várias vezes para o efeito. Mais referiu que, apesar de na ficha de assinaturas dessa conta apenas constar o seu nome, com excepção do futebol juvenil onde constavam 2 nomes na ficha de assinaturas e noutra conta onde constavam 3 nomes, certo é que nunca ligou a esse facto, havendo outros directores e até mesmo o secretário-geral que assinavam cheques, sem qualquer problema no banco. Por fim e quanto a este assunto, ainda afirmou que apenas por uma razão de comodidade e de alguma incúria é que não terminou com estas contas após ter findado o período de inibição do uso de cheque.
Confirmou também a existência de uma conta-corrente entre ele e o clube, a qual era alimentada por suprimentos em numerário ou por compra de jogadores. No entanto, esclareceu que estes suprimentos ou a compra de jogadores através do seu património apenas eram usados quando o Clube não conseguia aceder ao crédito, referindo ainda que deu muitos avais pessoais para poder permitir essas operações de crédito.
Ainda no que concerne à sua presidência, afirmou que esteve mais dentro da vida do clube no período compreendido entre 1985 e 2001, sendo que a partir dessa data e em virtude das suas filhas terem passado a estudar em Lisboa, na universidade, passou menos tempo em Guimarães, razão pela qual aumentou os salários às testemunhas PA, MF e José A, pois que as suas responsabilidades aumentaram em virtude de não estar tão presente no clube.
Quanto à venda do passe dos jogadores PB e PM confirmou ter sido ele o representante do Clube naquele negócio, tendo o SP sido representado por PL, com o qual firmou o acordo. Referiu também que o contrato em causa deu entrada na contabilidade do Clube, tendo vindo por correio ou por mão própria. Confrontado com o teor do documento de fls. 1177, o arguido confirmou que foi esse o contrato celebrado. Quanto à forma de pagamento por parte do SP, referiu que aquele clube atravessava alguma falta de liquidez, pelo que propôs o pagamento através de letras. Mais acrescentou que a letra em causa, a n.º 29 era sobre o BES e que tal instituição bancária não a descontava ao Clube, pelo que disponibilizou a conta da sua esposa de forma a que tal operação se pudesse realizar e o Clube pudesse receber o montante titulado por essa letras. Referiu ainda que o dinheiro proveniente do desconto era logo transferido para o clube e que, fruto das sucessivas reformas, ainda ficou a perder cerca de 600 contos.
Ainda a propósito da venda destes jogadores, afirmou que era credor do Clube e que em virtude do Clube ter recebido bastante dinheiro que lhe permitia algum desafogo financeiro, entendeu ser a melhor altura para se ressarcir do investimento que fizera, pelo que deu instruções na contabilidade para lhe entregarem os cheques constantes a fls. 1182 e 1185, os quais procedeu ao seu depósito numa conta de sua esposa. Mais referiu que tudo isto foi feito “às claras”, sem qualquer artifício, e que tudo ficou a constar na contabilidade do clube. No entanto e quando confrontado com o vertido no relatório pericial de fls. 28 do apenso XLIV, designadamente o facto de transferências bancárias feitas para a conta de sua mulher, no valor de cerca de 27 mil contos não constarem da contabilidade do clube, o arguido afirmou desconhecer a razão, referindo que nada percebe de contabilidade.
Questionado sobre o local ou o destino dado aos documentos relativos à contabilidade de 95 e 96, bem como à conta-corrente existente entre o clube e o arguido relativos a esse mesmo período de tempo e ainda os documentos suporte da conta-corrente, este afirmou desconhecer, afirmando que bem gostaria de saber pois que os mesmos serviriam para provar aquilo que afirmou. Quanto a causas para esse desaparecimento, aventou várias hipóteses, tendo afirmado que a sede do clube foi alvo de obras de vulto. Para além disso, afirmou não saber se era política da contabilidade destruir a documentação, decorridos alguns anos. Por fim, ainda deixou no ar algumas dúvidas sobre a possibilidade de alguém dentro do clube ou mesmo os investigadores terem feito desaparecer esses documentos.
No que concerne à compra do passe dos jogadores R, Evandro e P, o arguido confirmou que os mesmos foram adquiridos pelo Clube, mas que foi ele quem encontrou solução financeira para possibilitar essa compra. Nessa conformidade e dado que em Portugal o crédito estava esgotado, pediu um empréstimo através de uma conta que possui na Suiça. No entanto, afirmou que o banco Suíço em questão lhe pediu total confidencialidade, pelo que nunca revelou a ninguém, nem chegou a lançar na contabilidade nem na sua conta-corrente este empréstimo, o qual apenas foi pago no final do ano de 2000, sendo que o dinheiro destinado ao pagamento desses jogadores saiu directamente da conta da Suiça para o Brasil, nunca tendo passado pela contabilidade do Clube.
Mais afirmou que estes jogadores eram do Clube, apesar de não constarem dos activos do clube (por causa da confidencialidade) e que vieram na altura das eleições de 2000, embora não fossem promessas eleitorais. Confrontado com o teor do documento de fls. 128, negou que alguma vez tivesse dito isso, esclarecendo apenas que foi o Clube quem comprou os jogadores, mas que foi ele quem arranjou as soluções financeiras para o efeito.
Para pagar esse empréstimo e tendo em conta a confidencialidade prometida, o arguido afirmou ter aproveitado a venda do passe do jogador M, ocorrida no Verão de 2000. Assim e depois de descrever as vicissitudes do negócio, não só com o B, mas também com outros clubes, o arguido referiu que, aproveitando-se de uma empresa off-shore que possuía (Sport Ldª que houvera sucedido à Victory, a qual tinha sido constituída com vista à legalização de automóveis) fabricou uma declaração, na qual constava a existência de uma intermediação, por parte de um senhor Marcelo Santos e pela qual o Clube pagaria a quantia de 90.000 contos. Porém, esclareceu que essa intermediação nunca existiu, pois que apenas ele representou o Clube nas negociações com o B e que o dinheiro recebido pela Sport Ldª, se destinou ao pagamento do empréstimo confidencial que havia contraído para contratar os referidos jogadores. Quanto a esse pagamento, afirmou desconhecer que o mesmo acarretava obrigações fiscais, referindo que soube dessa obrigação em Julho de 2001, tendo dado instruções à contabilidade do Clube para não pagar. Mais tarde e após a sua detenção, enviou uma exposição às finanças de Braga, no intuito de repor a legalidade, sendo que confessou apenas tê-lo feito nessa altura, por “não querer dar o braço a torcer”. Ainda a propósito desse assunto referiu que o documento de fls. 876 e sgs. jamais passou por ele, esclarecendo que foi a contabilidade que tratou dos assuntos relacionados com a investigação das finanças, sendo que apesar de ter sido indicado como testemunha nesse processo nunca foi ouvido, referindo ainda que também nunca teve conhecimento do documento de fls. 1893 e sgs., o qual está assinado pela testemunha JL. Por fim, ainda confirmou que os documentos de fls. 5677 e 5679 foram assinados por ele, admitindo que o procedimento que adoptou e que supra descrevemos não foi a melhor forma de se ressarcir do empréstimo que havia feito.
Questionado acerca do motivo pelo qual negou a sua relação com as empresas off-shore, o arguido afirmou que tal dizia respeito à sua vida privada, pelo que entendia que não tinha que dar satisfações a ninguém.
Tendo-lhe sido perguntado se conhecia o Sr. Ronaldo Nunes, o arguido respondeu que sim, esclarecendo que o mesmo foi o empresário dos 3 jogadores em questão e que recebeu uma contrapartida por tal facto, embora não sabendo quanto. Confrontado com o facto de nos documentos de fls. 852 a 870, não aparecer a assinatura do Sr. Ronaldo Nunes, o arguido afirmou desconhecer a razão de tal motivo, esclarecendo que em Portugal é obrigatório os empresários assinarem os contratos, não sabendo se tal obrigação também existe no Brasil, referindo ainda que não sabia se RB era ou não alguma representante de RN. Por outro lado e ainda quanto a este assunto, afirmou que os jogadores saíram definitivamente do clube, sem quaisquer contrapartidas financeiras. Porém, antes disso, o jogador P foi emprestado ao Bahia, tendo ele negociado com o clube brasileiro, o qual pagou a quantia de 120 mil dólares, que foi utilizada para regularizar o empréstimo supra identificado.
No que concerne ao jogador E, o arguido esclareceu que o mesmo já antes tinha passado pelo Clube (época 98/99) tendo, nessa altura, o arguido pago o valor do seu empréstimo, o que ficou a constar da conta-corrente e foi saldado cerca de 2 anos depois, conforme consta da referida conta-corrente. Mais referiu, a propósito deste assunto, que entregou os documentos comprovativos para ficarem a constar da conta-corrente.
Confrontado com o procedimento que adoptou com as compras dos passes dos jogadores PC, PA e BO, em que o arguido pagou o respectivo preço, lançou tais pagamentos na conta-corrente e depois foi ressarcido, foi-lhe colocada a questão de tal procedimento não ter sido igualmente adoptado com a compra dos passes dos 3 jogadores brasileiros, ao que o arguido voltou a responder com o pedido de confidencialidade do banco brasileiro.
Quanto à aquisição dos jogadores R e A, o arguido afirmou não se recordar do seu valor de custo, apenas referindo que o que consta da contabilidade é verdadeiro e que quem recebeu a quase totalidade do dinheiro foi a testemunha Adelson Duarte.
Quanto ao borrão de tinta afirmou desconhecer tal factualidade, referindo que apenas soube do mesmo no ano de 2001. Mais esclareceu, a propósito desta temática, que o Clube queria vender umas franjas de terreno e que, por sugestão do presidente da AG, Dr. JC, levou esse assunto aos sócios. Assim, na AG de Maio de 1996, com ajuda de um quadro que tinha sido feito pela testemunha JA, expôs aquilo que a direcção propunha vender. Nessa exposição e aproveitando-se do facto de saber que a Câmara Municipal estava interessada naquelas franjas de terreno, para fazer o parque do cidade, efectuou aquilo que chamou de “uma manobra de antecipação”, referindo na assembleia em causa que a câmara iria adquirir os terrenos, visando, por essa forma, diminuir a capacidade negocial da Câmara Municipal. No entanto, esclareceu que a proposta que apresentou aos associados não se destinava apenas à venda dos terrenos à Câmara Municipal, mas a quaisquer outros interessados.
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O perito Rui Campos Fernandes confirmou o teor do seu relatório pericial, referindo que procedeu a uma vasta análise à contabilidade do CLUBE, bem como às contas particulares do arguido A e de sua esposa e filhas, cruzando informação com documentação fornecida por outros clubes.
Questionado sobre determinados aspectos do relatório que elaborou, este perito esclareceu não ser normal, em transferências para o estrangeiro, proceder ao levantamento do dinheiro e pagar em numerário, sendo que o pagamento em numerário é geralmente utilizado para proceder a desvios de dinheiro ou para a fuga aos impostos. No entanto, confirmou ser prática corrente no Brasil, o pagamento de verbas em numerário.
Por outro lado, esclareceu que os passes dos jogadores R, P e E não estavam contabilizados no activo do Clube, sendo que, realçou, nessa altura já era prática corrente os passes dos jogadores estarem contabilizados no activo.
Acrescentou que os cheques para serem depositados numa conta teria que haver referência à conta bancária em que foram depositados e ainda a referência à Câmara de compensação, sendo que não sabe se fosse depositada dentro do próprio banco teria ou não que ir à Câmara de compensação. Quanto ao cheque a que se refere a fls. 111, do apenso XLIV, referiu que o mesmo não foi depositado na conta BIC do Clube. No entanto e quando confrontado com um depósito em numerário de igual valor, em data idêntica, numa conta do denominado saco azul do Clube, este perito afirmou não ter tido esse facto em conta na elaboração do seu relatório.
Quanto ao denominado saco azul, este perito afirmou que o mesmo era alimentado por depósitos em numerário, nomeadamente receitas do Clube que não eram contabilizadas, sendo que os movimentos do tal saco azul não estão reflectidos na contabilidade do clube. Nesta conformidade e quando confrontado com alguns depósitos em especial, este perito afirmou desconhecer a sua proveniência.
Por outro lado, declarou que MV era funcionário do Clube, afirmando que o clube estava sujeito a um plano oficial de contas, como todas as empresas.
Quanto à conta corrente do Clube com o arguido A, declarou que o arguido teve um saldo favorável de 50.000 contos, tendo tal conta sido saldada em 2001, sendo que nenhum dos movimentos das contas da esposa do arguido estão aí contabilizados.
Por fim e quanto à letra 29, remeteu para os esclarecimentos prestados no seu relatório pericial, apenas referindo que os valores constantes do quadro 28 não estavam contabilizados no Clube, mas depois houve acerto contabilístico, através do recurso a uma contabilidade criativa.
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Já as testemunhas PB e PM, ambos ex-jogadores do Clube que foram transferidos para o SP na época de 95-96, confirmaram que não houve qualquer empresário ou intermediário nessa transferência, não sabendo quais os valores que as mesmas envolveram.
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Por seu turno, o inspector da PJ Sacramento Monteiro, que foi titular do presente inquérito, confirmou ter verificado a contabilidade do Clube a propósito da transferência de M para o B, referindo o preço de tal venda (800 mil contos + IVA). Sobre este assunto ainda acrescentou que aquilo que o B pagou e o Clube recebeu “batia certo”. Tal negócio chegou a estar suspenso, referindo que as letras de fls. 1252 a 1254, não foram aceites pelo Clube como forma de pagamento, esclarecendo também que as mesmas não tinham qualquer validade a nível bancário. Referiu ainda que esse negócio, segundo as informações que recolheu, não teve qualquer intermediário (a sua convicção deriva do facto de não haver qualquer alusão a tal facto no contrato, o que é usual quando existe intermediação, e nunca ter sido referido ou mencionado o nome de qualquer intermediário nas comunicações efectuadas entre os 2 clubes, relacionados com este negócio), tendo o Clube sido representado nas negociações pelo seu presidente, o arguido A, e o B por José e o CG. Mais declarou que na contabilidade do Clube constava um pagamento, que foi efectuado, a uma empresa denominada de Sport Ldª, por uma suposta intermediação neste negócio. Confrontado com os nomes de Marcelo Santos e de Francisco Amaro, alegados colaboradores dessa empresa, esta testemunha afirmou desconhecê-los, esclarecendo que apenas conseguiu apurar que a 1.ª pessoa constou como contribuinte em 1993, não tendo sido possível recolher qualquer outra informação sobre o mesmo.
Confirmou ainda o teor dos documentos de fls. 433 e 434, referindo que os mesmos diziam respeito a uma legalização de um veículo automóvel adquirido pelo arguido A na Alemanha. Questionado sobre o facto do arguido A figurar como procurador da Sport Ldª, esta testemunha referiu que este expediente era muito utilizado pelos proprietários de empresas em off-shores, de molde a ocultarem tal qualidade.
Confirmou também os depósitos e o destino dos 90 mil contos relacionados com a alegada comissão pela intermediação no negócio da venda dos direitos desportivos de M, confirmando que o Clube teve que pagar imposto por causa desse pagamento.
Quanto ao negócio relacionado com as compras dos jogadores P, E e R, esta testemunha confirmou a ausência de documentos suporte dessas aquisições na contabilidade o Clube, tendo também referido a existência de um pedido de empréstimo de cerca de 505 mil dólares, que foi concedido, na conta denominada Paz, titulada pelo arguido A e por sua esposa, o qual (empréstimo) se destinou à compra de jogadores.
Já no que concerne às alegadas actas, constantes a fls. 126 a 128 dos autos, esta testemunha referiu que as mesmas constavam do disco rígido dos computadores do Clube, os quais foram apreendidos aquando das buscas efectuadas aquela instituição. Acrescentou ainda que aqueles documentos foram recuperados por um especialista informático da PJ. Além disso, pensa que a data nele constante (14/07/99), não é a data correcta, pois que os assuntos abordados e plasmados nessa “acta” apontam para uma data posterior, já no ano de 2000.
Questionado sobre os factos relacionados com a aquisição dos jogadores R e A, esta testemunha confirmou igualmente a ausência de documentação suporte na contabilidade do Clube, esclarecendo que as verbas que, pensa, terem estado envolvidas em tal negócio, lhe foram comunicadas via telefone, pelo presidente do clube Valério Doce. Referiu ainda que, nas transferências para o Brasil, é normal haver uma “facilitação de pagamento”, nos clubes de 2.º e 3.º plano. Por fim e quanto a este assunto, confirmou as buscas ao escritório de Adelson Duarte, bem como a apreensão do fax de fls. 4927.
Por outro lado, esta testemunha confirmou o desaparecimento/ausência de muitos documentos na contabilidade, designadamente e para além do já referido, o livro de actas da direcção, os elementos relacionados com as transferência de jogadores, relativas aos anos de 95 a 97, e ainda de vários ficheiros informáticos.
Por fim, no que concerne ao assunto relacionado com o livro de actas da Assembleia Geral, esta testemunha realçou o facto de terem sido reescritas todas as actas e não apenas aquela que tinha sido inutilizada pelo borrão de tinta, confirmando a diferença de teor entre a acta 24 original e resultante da transcrição após o borrão, esclarecendo também que todos as assembleias eram gravadas. Quanto à data em que eventualmente terão sido reescritas as actas, esta testemunha declarou que foi em data não apurada, mas compreendida entre a assembleia-geral relatada pela acta n.º 27 e a seguinte, descrita na acta n.º 28, pois que esta apenas constava no 2.º livro e não no primeiro.
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A testemunha PL, empresário de futebol, confirmou ter representado o jogador M, aquando do negócio da sua venda para o B, tendo sido compensado, pelo jogador, com a quantia de 9 mil contos.
Mais referiu que, durante as negociações, nunca ouviu falar da VC ou da Sport Ldª, não tendo estas empresas participado neste negócio. Por fim, declarou nada ter recebido do Clube.
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Por seu turno, o técnico especialista da PJ, a testemunha Alberto Baptista, confirmou ter examinado os discos rígidos dos computadores apreendidos ao Clube, explicando e descrevendo, de forma pormenorizada, o método utilizado nessa operação. Mais esclareceu que foram apagados vários ficheiros do Clube, sendo que alguns deles foram possíveis recuperar. Isto sucedeu apenas nos ficheiros que não foram alvo de um reinscrição, pois que nesses, cujo número rondava os 350, não foi possível recuperá-los. Quanto à data em que os mesmos foram apagados, referiu não conseguir precisar, apenas podendo referir que os ficheiros apagados e não recuperados, tinham sido criados durante os anos de 96 a 2003, inclusive. Acrescentou ainda que reparou que a base de dados do Clube tinha um ficheiro diferente para todos os anos o que não é usual, visto ser prática corrente utilizar-se apenas um ficheiro para os diversos anos. Esclareceu também que, no auto de exame que efectuou, a data da escrita corresponde à data de criação do ficheiro e que essa data foi aposta segundo a fórmula Americana, ou seja os primeiros caracteres referem-se ao mês, os segundos ao dia e os últimos ao ano. Por fim, declarou que a sigla d, respeitava aos ficheiros da base de dados, sendo que se os mesmos fossem meros documentos do Word, então constaria doc.
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Já a testemunha JL, funcionário do Clube desde o ano de 2000 (director de marketing e relações públicas e director executivo), mas director do clube desde 99, confirmou ter assistido a algumas reuniões de direcção, embora pouco frequentes quando o arguido A exerceu as funções de Presidente do Clube. Questionado acerca de uma alegada reunião, cujo teor estaria resumido na acta 23, fls. 128, esta testemunha afirmou ter estado presente na mesma, a qual, pensa, ter-se realizado depois das eleições que ocorreram no Clube em 2000. Mais referiu que, nessa reunião, o arguido A falou da contratação dos jogadores P, E e R (trunfos eleitorais durante a campanha eleitoral para as eleições de 2000), tendo referido que Clube não tinha possibilidades financeiras para os contratar e que se disponibilizava para encontrar soluções para a sua aquisição. Tendo ouvido tal comunicação ficou com a convicção que iria ser o arguido a pagar estes jogadores e que os poria à disposição do Clube.
Questionado sobre a vida do clube, esta testemunha descreveu o clube como estando constantemente a passar por dificuldades financeiras, vivendo à custa das receitas da televisão e da venda de jogadores. Além disso, descreveu a gestão do arguido como sendo bastante centralizada na sua pessoa, sendo que só o Sr. P é que tinha algumas funções no pelouro do futebol. Porém, realçou que quem decidia e tratava de tudo relacionado com compra e venda de jogadores era o arguido, não sabendo se, no Clube, havia jogadores cujo passe tinha sido adquirido e/ou pertencia ao arguido A. Confrontado com o teor dos documentos de fls. 130 e 131, afirmou não se recordar do primeiro e confirmar o teor do segundo. Por outro lado, esclareceu não saber nada da contabilidade do Clube, sendo que teve conhecimento do desaparecimento das actas de direcção, não sabendo quem foi o autor de tal facto, nem tal ter sido apurado no inquérito interno que foi instaurado.
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Por seu turno, a testemunha Maria, notária, que realizou a escritura pública constante a fls. 2129, afirmou ter observado todos os procedimentos normais para a realização de actos desta natureza, tendo verificado os poderes que tinham sido conferidos ao representante do Clube, através da competente Assembleia Geral. Acrescentou que elaborou uma pública forma da acta dessa Assembleia-geral, que ficou junta à escritura pública. De seguida, foi apresentada a esta testemunha a acta 24 original, tendo-lhe sido colocada a questão sobre se, na hipótese de, ao invés da acta da qual efectuou pública forma, lhe tivesse sido apresentado aquele documento, teria ou não realizado a escritura pública nos mesmos moldes em que o fez. Perante tal questão e após um estudo de alguns minutos e de a ter considerado como de difícil apreciação, a Sr.ª notária Maria respondeu negativamente, justificando com o facto de, na sua opinião, a acta original apenas conferir poderes para vender os terrenos à Câmara Municipal de Guimarães e não a qualquer entidade privada. Porém e quando questionada acerca dos terrenos ou as franjas de terreno sobre que versavam tal deliberação, esta testemunha afirmou desconhecê-las.
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Já a testemunha J, vice-presidente da assembleia-geral do Clube, à data em que se realizou a assembleia-geral a que se refere a acta n.º 24, afirmou não ter presente a data precisa em que a mesma se realizou, apenas se recordando que o arguido A falou à assembleia de uma permuta de terrenos com a Câmara, apontando para um quadro onde ia elucidando os sócios de quais as franjas de terreno em causa. Mais referiu que não sabe como se sucedeu o episódio do “borrão de tinta” no livro de actas, declarando também que não sabia quem redigia as actas. No entanto, afirmou que as assembleias-gerais eram geralmente gravadas e que sempre assinou as actas após esta serem assinadas pela testemunha JC (presidente da assembleia-geral), pessoa pela qual tinha a máxima confiança e consideração. Por fim e quanto à nova redacção da acta n.º 24 afirmou recordar-se perfeitamente que falou com a testemunha JC e que este lhe transmitira que iria ouvir as cassetes e que, se tudo estivesse em conformidade, as assinaria. Ora, como o presidente JC assinou as actas, esta testemunha afirmou que também as assinou sem duvidar de nada.
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Por seu turno, a testemunha CR, escriturário no Clube, há mais de 15 anos, afirmou que foi ele quem redigiu a acta n.º 24, versão original, através de um rascunho que lhe foi fornecido pela testemunha JC. Declarou também que, após o episódio do borrão de tinta, a secretária da presidência da direcção, a testemunha MF, lhe entregou um livro de actas em branco, para que esta testemunha procedesse à transcrição de todas as actas constantes no livro manchado pela tinta. No entanto, afirmou que apenas procedeu à transcrição das actas n.º 1 a 20 e 25 e sgs., não sabendo qual o motivo para não lhe terem entregado a transcrição das actas n.º 21, 22, 23 e 24. Quanto ao que concretamente se passou na assembleia-geral a que se refere a acta n.º 24, esta testemunha afirmou não se recordar.
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Por sua vez, a testemunha AL, director do Clube durante alguns anos e director de marketing no triénio 97/2000, afirmou ter participado nas reuniões da direcção durante esse período, sendo que as contratações e vendas de jogadores eram sempre uma assunto que era debatido a posteriori, ou seja, após as mesmas estarem consumadas, justificando o arguido tal facto, para não haver fugas de informação para a imprensa. Além disso, esses assuntos eram da competência do arguido A. Mais esclareceu que, na reunião após as eleições de 2000, a única em que participou, pois demitiu-se em Maio desse ano, foi feita a distribuição de pelouros e discutiu-se a contratação dos 3 jogadores, R, E e P, os quais tinham sido um trunfo do arguido durante a campanha eleitoral. Nessa reunião, o arguido declarou aos restantes membros da direcção que o Clube não tinha condições económicas para assegurar a contratação dos mesmos e que, como tal, iria assegurar ele mesmo a sua contratação. Confrontado com o teor do documento de fls. 126 e 128, esta testemunha afirmou que a data aí constante não era verdadeira, pois que, reafirmou, a reunião decorreu cerca de 3 semanas depois das eleições ocorridas em Janeiro de 2000.
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Por seu turno, a testemunha AM, elemento da equipa da auditoria do BPI, confirmou que o carimbo aposto nos cheques de fls. 367 e sgs. Do apenso XV tem o carimbo do BPI aposto, referindo que tal instituição mais do que não foi de um intermediário na cobrança dos cheques, os quais foram sacados ao Finibanco tendo como destino final o CBES.
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Por sua vez, a testemunha PA afirmou ter trabalhado 18 anos no Clube, entre 86 a 2004, tendo começado como 3.º escriturário e acabado a exercer funções de director administrativo, no período compreendido entre 2000 a 2004, sendo que no triénio 97/2000 exerceu funções de contabilista. Neste momento, tem uma acção pendente no Tribunal de Trabalho contra o Clube.
Esta testemunha confirmou que o arguido A exercia uma gestão muito centralizadora no Clube, concentrando em si muitos poderes, chegando a ser, ao mesmo tempo, Presidente, director financeiro e director do departamento do futebol profissional. Mais confirmou a existência de contas paralelas no clube, o vulgo saco azul, as quais tinham como intenção principal fugir ao pagamento de impostos, sendo que era sua convicção que toda a direcção do Clube sabia da existência dessas contas. Uma dessas contas do denominado saco azul era a conta n.º 0015342 -001-13 do BIC, a qual, pensa, era do conhecimento de todos os membros da direcção, apesar de apenas ser titulada pelo arguido A. Essa conta era provisionada com dinheiro de quotas, mas também com outro tipo de receitas, como por exemplo dinheiro proveniente da venda de jogadores ao SP (60 mil contos, constantes de fls. 183 apenso V), algo que não concordava, sendo que havia pessoas normalmente encarregues de proceder a esses depósitos nessa conta, nomeadamente e entre outros J e P. Quando o dinheiro devesse ter dado entrada na conta oficial do clube e dava entrada no saco azul, como foi o caso daqueles 60 mil contos supra referidos, esta testemunha afirmou recorrer à “contabilidade criativa”, método através do qual conseguia justificar contabilisticamente esses movimentos.
Por outro lado, referiu que a contabilidade do saco azul era organizada, sendo que a contabilidade real do Clube correspondia à soma da contabilidade do saco azul com a contabilidade oficial do clube. Quanto às saídas de dinheiro do saco azul, afirmou que o dinheiro aí depositado se destinava a pagar salários de contratos paralelos ou prémios de jogo, sendo que, muitas vezes, levantavam dinheiro do saco azul e o depositavam na conta oficial do clube, recorrendo novamente ao que chama de contabilidade criativa para justificar a entrada daquele dinheiro no clube.
Além disso, referiu que sabia do destino de todo o dinheiro (em cheque ou numerário) saído do tal saco azul. No entanto e quando confrontado com o levantamento de vários cheques constante no apenso XXV, a testemunha PA não soube referir o destino desses levantamentos, apenas referindo, em alguns, quem tinha procedido ao seu levantamento.
Questionado acerca da documentação relativa aos anos de 95 a 96 do saco azul, esta testemunha afirmou que, passados 2/3 anos, destruíram esses elementos, o mesmo se passando com os registos informáticos, procedimento que entendia como normal, tendo em conta a natureza e finalidade daquela conta. Por fim e quando confrontado com o levantamento de cheques e o seu depósito em seguida, em numerário, na conta do saco azul, esta testemunha afirmou que tal era um procedimento usual e se destinava a fazer face às despesas de caixa mais prementes, pois que o normal depósito do cheque na conta demoraria cerca de 5 dias até o dinheiro estar disponível, algo que não acontecia com o levantamento em dinheiro, que acontecia na hora.
Por outro lado, confirmou a existência de uma conta-corrente entre o arguido A e o Clube, referindo que o arguido emprestava dinheiro ao clube que ia sendo pago através de entregas de dinheiro ou pelo pagamento de despesas de representação ou de despesas do dia-a-dia. O saldo dessa conta, em 2004, era nulo, sendo que o extracto da conta-corrente relativo ao ano de 95 desapareceu, enquanto que o extracto de 96 aparece com a menção de 97, devido a um erro informático no clube (confirmou que o extracto constante a fls. 174 do apenso XLIII, correspondia ao ano de 1996), o que se sucedeu em muitos outros campos (balancetes e contabilidades de outras áreas referentes ao ano de 1996, apareciam com a data de 1997).
Voltando à referida conta-corrente, a testemunha PA afirmou que a mesma constava da contabilidade oficial do clube, sendo que era o arguido quem lhes dizia o que havia a creditar ou a debitar, fornecendo-lhes documentos comprovativos, tais como talões de depósito ou recibos relativos à compra de jogadores.
Acerca de alguns movimentos em concreto dessa conta-corrente confirmou que foi lançado a crédito do arguido A, um montante de 4.419.100$00, relativo a um acerto cambial referente ao jogador E, o qual não estava contabilizado no clube e não estava considerado como activo do Clube, sendo que o documento de fls. 114, apenso V, serviu de suporte a tal operação. Mais confirmou que o teor de fls 198 e 199, do apenso XLIII, era um exemplo típico do que sucedia nessa conta (presidente pagou a compra do jogador Paulo César e o Clube ressarciu-o, o mesmo se passando com o jogador PT).
Quanto à forma de contabilizar os jogadores, a testemunha PA afirmou que, quando saiu, os mesmos já eram contabilizados pelo imobilizado com um determinado valor, algo que não acontecia antes. Quanto aos jogadores emprestados, PA referiu que, por época, o Clube tinha cerca de 8 a 10 jogadores emprestados, os quais não eram contabilizados no clube, caso o empréstimo fosse gratuito, sendo que se o empréstimo fosse oneroso já constava na contabilidade o valor desse empréstimo (conta 6562) nomeadamente o valor pago, mas nunca a sua duração. Porém, no ano de 2002/03, já se fazia a especialização, sendo possível determinar a duração do contrato. Referiu também que quando não havia qualquer documento de compra relativo a um jogador, presumia que o mesmo estava no Clube por empréstimo, sendo que finda a época e terminado o empréstimo, esse jogador voltava para o seu clube, não havendo qualquer mais-valia para o Clube.
Relativamente ao ano de 2000, confirmou que já estavam contabilizados no activo do clube, os jogadores … (todos adquiridos nesse ano), não sabendo qual o motivo para não estarem contabilizados os jogadores P, E e R.
Questionado acerca da transferência dos jogadores PB e PM para o SP afirmou que apenas teve conhecimento do contrato constante a fls. 1177 dos autos aquando da intervenção da PJ no Clube. Até lá, não sabia qual o valor da transferência desses jogadores, referindo que o acordo não foi registado contabilisticamente. No entanto, esclareceu que à medida que os pagamentos iam sendo efectuados pelo SP, ia dando entrada desse dinheiro na contabilidade (confirmou fls. 1179, tendo visto cheques e outros documentos constantes a fls. 1180 a 1223). Com esta forma de contabilização, que aconteceu em várias outras situações, esta testemunha afirmou não poderem controlar se estava tudo pago ou não, sendo que era o arguido A quem lhes dizia isso. Porém e quando as transferências envolviam valores elevados, como era o caso, pediam um extracto à outra entidade, para verificarem se aquilo que ela pagou era igual aquilo que o Clube recebeu (a testemunha apelidou tal procedimento de picagem), o que se sucedeu no caso em apreço, tendo a testemunha confirmado que o que foi pago pelo SP foi igual ao recebido pelo Clube.
Quanto a uns cheques de 15, 18 e 20 mil contos, emitidos e pagos pelo SP, que foram depositados em contas do arguido A e da sua esposa, esta testemunha nada adiantou, não se recordando se tais quantias deram entrada no saco azul (foi confrontado com fls. 22 desse apenso – depósito de 18 mil contos, admitindo que possa ter sido o dinheiro proveniente do levantamento desse cheque constante a fls. 8 do apenso XXIV) ou se foram debitadas na conta-corrente do arguido (foi confrontado com o extracto da conta-corrente de fls. 171, apenso LXIII (é o Apenso XLIII), volume I).
A propósito desse cheque, esta testemunha confirma que o mesmo foi levantado ao balcão, no dia 07/12/1995 e que a assinatura constante do mesmo era a do arguido A. Mais foi confrontado com os documentos de fls. 178 e 277, apenso XXV, nomeadamente quanto ao facto de no cheque constar a data de Maio, o levantamento ter sido efectuado em Outubro e o depósito na conta de saco azul apenas ter sido efectuado em Dezembro, ao que a testemunha não soube responder, apenas esclarecendo que não foi efectuado qualquer débito, nesse valor, na conta corrente do arguido.
Quanto às letras a que se referem o extracto de conta constante no apenso XLIII, fls. 168 e 169, esta testemunha explicou que o Clube não conseguia proceder ao seu desconto, por falta de crédito na banca, tendo essas letras sido descontadas na conta da esposa do arguido, com perfeito conhecimento e total controlo por parte do Clube.
Referiu também que, nos anos de 96 e 97, as documentações suportes da compra e venda de jogadores desapareceram do clube, não sabendo quem foi o autor de tais actos, apenas referindo que havia muita gente com livre acesso a esses documentos.
Acrescentou também que desapareceram os livros de actas da direcção e vários registos informáticos relativos aos anos de 95 e 96, desconhecendo quem foi o autor de tais factos, bem como a data desse desaparecimento.
Quanto à transferência do jogador M para o B, esta testemunha confirmou a inexistência de intermediário, referindo que o documento constante a fls. 50 do apenso V foi o documento que lhe foi entregue aquando do acordo de transferência. Acrescentou ainda que o jogador M não fazia parte do imobilizado do clube, uma vez que provinha das camadas jovens e que os proveitos foram contabilizados à medida que o dinheiro entrava na contabilidade.
Quanto à comissão paga à Sport Ldª, esta testemunha confirmou que foi o arguido A quem lhe entregou as facturas emitidas por aquela instituição (fls. 81 e sgs. do apenso V), não fazendo ideia da ligação entre o arguido A e a Sport Ldª, nem nunca tendo questionado a natureza dessa empresa. Acrescentou ainda que “tem ideia” que foi o arguido quem lhe entregou os documentos de fls. 871, 872 e 3647, os quais foram utilizados no processo fiscal pela falta de pagamento daquela comissão.
Referiu também que os cheques foram todos emitidos e entregues ao arguido A na mesma altura (letra constante dos cheques é dele), mediante a entrega das facturas da Sport Ldª, não sabendo por que motivo os cheques foram pré-datados e por que razão a Sport Ldª emitiu facturas para datas posteriores a ainda sem ter recebido o dinheiro, algo que não é usual.
Quando ao processo fiscal decorrente do pagamento da comissão à Sport Ldª, esta testemunha declarou que foi alertando o arguido A para o pagamento do imposto correspondente a 15% do valor da comissão (pagamento a uma off-shore deveria ter havido uma retenção na fonte de 15%) ao que aquele lhe dizia para não se preocupar. Posteriormente e aquando da detenção do arguido, procedeu ao pagamento de tal imposto, por ordem do Eng.º Cruz Fernandes, tendo elaborado uma carta dirigida à Sport Ldª, a pedir a devolução de tal quantia. Referiu ainda que, dias depois, comunicou ao arguido que tinha procedido ao pagamento do imposto em causa, ao arguido lhe explicou que o pagamento à Sport Ldª não consistia numa comissão, mas sim numa forma de proceder ao pagamento de empréstimo contraído para a compra de jogadores, pelo que não havia lugar a qualquer pagamento de imposto.
Nesse sentido, o arguido fez chegar uma carta aos serviços do Clube, constante a fls. 5678, pedindo que a mesma fosse reenviada aos serviços fiscais, solicitando a devolução do imposto pago, o que se sucedeu, não sabendo se essa quantia foi ou não devolvida ao Clube. Além disso, ainda esclareceu que, em virtude do documento de fls. 5678, elaborou a nota constante a fls. 5677.
Confrontado com os documentos de fls. 1894 e 1895, bem como o ofício de fls. 1893, esta testemunha afirmou não conhecer a assinatura plasmada naquele documento, esclarecendo que não foi ele que tratou de tal assunto.
Mais referiu, a propósito do relatório elaborado pela Direcção de Finanças de Braga, que os mesmos aceitaram que o negócio com a Sport tivesse sido uma intermediação, sendo que tal relatório é anterior à comunicação a que se refere o documento de fls. 5677, esclarecendo que o sujeito passivo pode sempre fazer correcções às declarações apresentadas.
Por fim e quanto a este assunto, afirmou não se recordar da existência de qualquer documento no Clube, onde constasse o empréstimo de 90 mil contos ao clube, por parte do arguido A, esclarecendo ainda que fizeram uma exposição às finanças, onde constava que afinal os 90 mil contos não se destinavam ao pagamento de uma off-shore, mas sim à liquidação de um empréstimo confidencial ao arguido, não obtendo qualquer resposta (esta situação tinha relevância a nível fiscal, pois que a liquidação de um empréstimo não é tributável, enquanto o pagamento a uma off-shore o é).
No que concerne aos assuntos relacionados com os jogadores P, E e R, a testemunha PA afirmou que não tem ideia de qualquer contabilização dos mesmos no Clube, referindo que não sabia se eles estavam emprestados ou se eram do Clube. No entanto, esclareceu que os mesmos não deram qualquer proveito para o clube. Confrontado com o teor dos documentos de fls. 852 a 858 e 859 a 864, esta testemunha afirmou não se recordar muito bem deles, tendo uma vaga ideia dos mesmos.
Já quanto à compra dos jogadores R e A, afirmou não se recordar do valor da sua compra, também não se recordando se procedeu ou não à sua contabilização (pensa que sim), não sabendo se houve alguma vez na contabilidade um contrato com o Valériodoce. Mais referiu que ia pagando os valores relativos a essas transferências, à medida que o arguido lhe ordenava, referindo que qualquer pagamento estava suportado com o respectivo recibo. Por fim, confirmou a comissão paga a Adelson Duarte, cujo recibo consta do documento constante a fls. 2, apenso XXI.
Confrontado com os documentos de fls. 3453 e 3454, 126 a 128, esta testemunha firmou nunca os ter visto, nada sabendo do seu conteúdo.
Esclareceu ainda que as contas que o Clube possuía no BIC estavam em nome do arguido A, em virtude do Clube ter ficado inibido do uso de cheques, por causa de um problema que ocorreu na compra do passe do jogador Paulo Bento (pensa que foi na época 95/96). Mais referiu que tratava os problemas dessas contas via telefone, nunca se deslocando ao banco para levantar ou depositar cheques.
Reinquirido novamente, confirmou ter prestado informações verbais à testemunha D, negando todavia que alguma vez as tivesse fornecido de forma escrita e que lhe tivesse facultado documentos (bem como ao Eng.º A), pois que havia instruções expressas do Conselho Fiscal para o não fazer.
Confrontado com o apenso XIV, fls. 12, 179, 182, 189, 192, 193, 198, 200 e 201, esta testemunha confirmou que a conta em causa era uma conta mista, pelo que necessitava de várias assinaturas para a vincular. No entanto e dada a dificuldade em reunir essas pessoas, o arguido, muitas vezes, assinava sozinho, tendo o clube, o cuidado de oficiar ao banco para autorizá-lo a pagar esse cheque ou conjunto de cheques.
Relativamente à compra do passe do jogador Bojo e ao aluguer do passe do E (numa 1.ª ocasião em que ele veio para Portugal), esta testemunha referiu que foi o arguido quem procedeu a esses pagamentos, tendo ficado credor do clube em idêntico montante. Tal pagamento consta da conta-corrente entre o clube e o arguido (apenso XLIII, fls. 177 e 178), o que levou a que fosse colocada à testemunha a questão de saber a razão de não se ter adoptado igual procedimento aquando da compra dos passes de E, R e P, ao que a testemunha referiu não saber, apenas esclarecendo que só durante a investigação é que soube que tinha sido o arguido a adquirir o passe daqueles 3 jogadores.
Foi ainda confrontado com o apenso V, documentos de fls. 61 a 70, 102 a 104 e 109 a112, tendo esclarecido que os primeiros dizem respeito a um pagamento a um empresário que ficou a dever documentos de quitação ao clube, enquanto que os últimos se referem ao pagamento do prémio de assinatura aos jogadores P e Evandro.
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Já a testemunha Adelson Duarte, agente FIFA (empresário de jogadores de futebol), afirmou ter negociado vários jogadores com o Clube, sendo que, pelo Clube, quem tratava de todos esses assuntos de compra e venda de jogadores era o arguido A. Um desses negócios foi o empréstimo do jogador P, mas não o constante destes autos (P foi emprestado pelo menos 2 vezes), designadamente aquele a que se referem os documentos constantes do apenso XXXI, fls. 66 a 68. Quanto a esse negócio, afirmou que o Clube cedeu gratuitamente o jogador e que o Esporte Bahia lhe pagou cerca de 120 mil reais. Declarou igualmente que foi intermediário na compra dos passes dos jogadores R e A, não se recordando, contudo, do valor dos seus passes, tendo acrescentado que recebeu 10.000USD por cada um dos jogadores transaccionados.
Mais referiu que os dirigentes do clube Valériodoce lhe pediram para vir receber algumas tranches do pagamento desses jogadores ao Clube, o que acedeu, tendo recebido quantias em cheque e em dinheiro (era o PA que procedia aos pagamentos) que depois transferiu ou depositou na conta do clube brasileiro. Recorda-se ainda que um desses pagamentos rondou os 100.000USD, não se lembrando, todavia, do montante total que recebeu do Clube e entregou ao Esporte Baia. Por fim, afirmou que passava os competentes recibos de quitação daquilo que recebia e ficava com documentos comprovativos daquilo que entregava. No entanto e quando confrontado com a possibilidade de entregar tais documentos aos autos, a testemunha afirmou que, com excepção dos que já se encontram nos autos, não conservou quaisquer outros documentos.
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Já os elementos da PJ, Baltazar Rodrigues e Paulo Abalada, confirmaram terem procedido à análise de material informático apreendido, nas instalações do Clube, tendo ambos confirmado os autos de fls. 101 e 102. Mais referiram que apenas procederam a uma busca de documentos, através de palavras-chave fornecidas pelo inspector responsável pela investigação, tendo os documentos impressos sido aqueles que corresponderam aos critérios seleccionados. Mais referiram que não procederam à análise do teor dos documentos impressos, não tendo igualmente sido eles quem apôs as referências manuscritas constantes dos documentos que forma imprimidos.
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Por sua vez, a testemunha Manuel Lopes, funcionário do Clube durante cerca de 1 ano, afirmou ter problemas de saúde não se recordando de nada de relevante para o caso.
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A testemunha AS, arquitecto, presidente do conselho fiscal do Clube de 1991 a 2003, afirmou que uma das suas funções no Clube era a apreciação do relatório e contas que lhe era enviada pela direcção, dando o seu parecer, referindo que as contas relativas ao ano de 2001 não foram aprovadas por problemas fiscais. Não obstante tal função, afirmou não perceber muito de contabilidade e de não estar muito por dentro da vida do clube, não tendo conhecimento dos valores dos contratos, das compras e vendas efectuadas pelo clube e ainda das comissões pagas pelas transferências. Questionado sobre o saco azul, esta testemunha afirmou desconhecê-lo, apenas tendo tido conhecimento da existência de uma conta do clube que apenas era movimentada pelo arguido, tendo sugerido imediatamente para que tal não acontecesse. Além disso, realçou o facto do Clube, até 1998, não ter sido um clube deficitário, o que só aconteceu a partir de 99 (embora pouco e mais acentuadamente a partir de 2001). Também referiu que sempre insistiu para a necessidade das contas do Clube deverem ser supervisionadas por um ROC, o que aconteceu a partir de uma data que não sabe precisar, mas situadas entre os finais da década de 90 e o princípio da década subsequente. Confrontado com os documentos de fls. 197 e 174, do apenso IV, a testemunha declarou não ter ideia de alguma vez ter visto o 1.º documento e de se recordar perfeitamente do segundo. Questionado sobre se o arguido A financiava o clube, esta testemunha afirmou desconhecer, referindo que tais factos não vinham expressos no relatório de contas que lhe cabia analisar. Quanto ao negócio do M, esta testemunha afirmou ter conhecimento de ter sido paga uma comissão de cerca de 90 mil contos a uma empresa que não se recorda o nome. Mais referiu que chegou a falar com o arguido sobre esse negócio e que o mesmo lhe asseverou que tudo estava dentro da legalidade, tendo ainda acrescentado que a questão da legalidade dessas comissões foi suscitada por um grupo de sócios numa assembleia-geral e que o arguido, nessa Assembleia, deu a mesma explicação que já lhe tinha prestado a ele.
Confrontado com o documento constante a fls. 128, do I volume, esta testemunha referiu que não se recorda que a questão dos jogadores tenha sido suscitada daquela forma, referindo que quem habitualmente comprava os jogadores era o Clube e não o arguido A.
Quanto ao assunto relacionado com a acta n.º 24, a testemunha A Silva confirmou ter estado presente nessa Ass. Geral, na qual o arguido A fez uma exposição oral, apresentando os terrenos que iriam ser vendidos, embora não especificando a que entidade. Recorda-se ainda que essa AG foi muito concorrida, tendo sido um “pandemónio”. Acrescentou também que outorgou uma escritura pública em 2000/2001, para venda de umas franjas de terrenos, cuja autorização de venda tinha sido dada pelos sócios na AG supra referida. Voltando à escritura em causa, declarou que estiveram presentes vários membros dos órgãos sociais do clube, algo que não era normal em actos dessa espécie, não sabendo explicar o motivo de tal se ter sucedido. Mais referiu que elaborou um estudo para se poderem fixar bases para avaliação de incluía o terreno que foi objecto da escritura pública que referiu anteriormente. Além disso, também efectuou vários serviços pessoais ao arguido A tendo, num deles, sido pago por uma empresa denominada VC. Quanto à Sport Ldª, afirmou que apenas ouviu falar dela pela comunicação social.
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Por sua vez, a testemunha JC, presidente da AG do Clube desde 1994 a 1996, referiu que cerca 5 anos depois de ter cessado as suas funções no clube foi contactado pela testemunha MF que lhe contou que tinha havido um acidente com o livro de actas da AG, tendo algumas dessas actas ficado inutilizadas, sendo impossíveis de copiar. Então, esta testemunha sugeriu que se copiassem para um livro novo as actas que fosse possível a cópia e que se refizessem as actas cuja cópia fosse impossível, com base nas gravações da AG que dispunha, tendo advertido a testemunha Fernanda que iria escutar as gravações antes de assinar as actas. Mais referiu que assim o fez e que assinou as actas pelo facto das mesmas estarem conforme as gravações. Afirmou também que, quando assinou o segundo livro de actas, nunca lhe foi mostrado o primeiro.
Confrontado com as duas actas n.º 24 existentes, a testemunha referiu que a segunda é a que corresponde totalmente à realidade dos factos, tendo a primeira acta sido mal elaborada. Na verdade, realçou, esta testemunha, o que esteve em causa naquela AG foi uma proposta da direcção, que foi aprovada com apenas 3 abstenções, onde se dava poderes àquela direcção para alienar franjas de terreno do clube, não se tendo especificado quais, nem a que entidades.
Por outro lado, referiu que o arguido fez uma apresentação oral, apresentando uma negociação com a câmara acerca de uma parcela de terreno, próxima das piscinas, explicando que a proposta que foi levada á Assembleia era mais abrangente. Por fim, afirmou que quando esta questão levantou alguma celeuma, pediu a palavra numa AG do clube e esclareceu-a, nos mesmos termos em que o fez hoje.
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Por seu turno, a testemunha José, director executivo do Y, confirmou que o jogador E foi cedido pelo Clube ao Y, não tendo havido qualquer contrapartida financeira, sendo que os demais aspectos contratuais foram tratados pelo presidente do clube, JS, nada mais sabendo.
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Já o Presidente da Câmara afirmou que não esteve presente na AG em causa nestes autos, mas que sabia do interesse do Clube em negociar com a Câmara determinadas franjas de terreno. Acrescentou ainda que quem tratava desses negócios era o Sr. Vereador e que a Câmara chegou a adquirir alguns terrenos ao Clube.
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Por sua vez, a testemunha MF, secretária da direcção do Clube desde 1996, mas funcionária do clube desde 1988, referiu que as suas funções no clube consistiam em secretariar o Presidente e dar apoio aos directores, nomeadamente do departamento jurídico do clube. Mais declarou que chegou a efectuar algumas actas das reuniões de direcção, mas que nunca assistiu a nenhuma, referindo que o documento constante a fls. 128 corresponde a uma acta ou minuta de acta de reunião da direcção, à qual não assistiu, nem sabe dos assuntos que aí foram tratados, esclarecendo que quem era secretário-geral do clube em 1999, era LC.
Quanto ao borrão no livro de actas, esclareceu que não sabe como tal se sucedeu, referindo que foi o Eng.ª RC, por volta do ano de 1998, que a alertou para aquela situação. Mais acrescentou que contactou com o Dr. JC, Presidente da AG em 1996, a contar o sucedido, tendo-lhe este dado instruções para copiar as actas que fossem possível e refazer aquelas cuja cópia fosse impossível de fazer, com base nas gravações de que dispunha (testemunha JC). No seguimento dessas instruções, a testemunha afirmou ter dado as actas 1 a 20 à testemunha J para as copiar, tendo ela reformulado as actas 21 a 24.
Confrontada com o teor da nova acta n.º 24, diferente da primeira, esta testemunha afirmou que ouviu as gravações e que incluiu na acta a proposta que efectivamente tinha sido apresentada em AG e só não constava da acta inicial por lapso.
Referiu também que a testemunha JC tinha perfeito conhecimento desse facto e que foi ele quem lhe deu instruções expressas para elaborar a acta daquela forma, esclarecendo que tem ideia que essa testemunha levou o livro de actas inicial juntamente com o novo livro de actas, para confirmar a veracidade do novo livro. Além disso e quando confrontada para o facto de, na segunda acta n.º 24, terem sido suprimidos 2 parágrafos da acta inicial, não ficando a constar a alegada proposta e as alegadas negociações com a Câmara, esta testemunha afirmou que tal não lhe pareceu importante, não encontrando outra explicação para o sucedido, referindo que não recebeu indicações de ninguém para actuar nesse sentido.
Por fim e quanto a este assunto da acta n.º 24, afirmou que não recebeu qualquer instrução do arguido A para actuar de determinada forma.
Quanto ao negócio com a empresa AGR, cuja escritura apenas se realizou cerca de 4 anos depois desta AG, esclareceu que o Clube tinha uma pessoa a tratar da “papelada”, a qual estava em contacto com ela (testemunha F) pedindo e fornecendo os documentos necessários, sendo que a acta n.º 24 nunca foi necessária. Confrontada com a existência de contratos paralelos no Clube, esta testemunha confirmou a sua existência, declarando que estes contratos consistiam em pagamentos extras efectuados a jogadores e treinadores, sendo que era o arguido A quem transmitia a informação das verbas envolvidas e daquilo que deveria constar no contrato. Sobre a possibilidade do arguido A comprar jogadores e de os ceder gratuitamente ao Clube, esta testemunha confirmou-a, apontando os casos de ---, entre outros, como exemplo. Já no que concerne ao jogador P afirmou que apenas ouviu falar que o passe do mesmo tinha sido adquirido pelo arguido A, nada mais sabendo. Por outro lado, também referiu ter conhecimento da existência de uma conta-corrente entre o Clube e o arguido A, mas que nunca mexeu nessa conta, com excepção de despesas menores, como o pagamento de quotas, que entregava á testemunha PA para contabilizar. No entanto, sabia que o Presidente adiantava dinheiro ao clube para compra de jogadores e que depois era ressarcido.
Quanto à existência da Sport Ldª e da Victory, esta testemunha afirmou que as conhecia, mas que nada soube sobre a transferência de M, pois que nessa altura estava de licença de maternidade. No que concerne ao livro de actas da direcção afirmou desconhecer onde o mesmo se encontra. Quanto aos jogadores P, R e E afirmou desconhecer quem pagou os seus passes. Confrontada com o documento de fls. 66 a 68, do apenso XXXI, relacionado com a cedência do P ao Esporte Bahia, esta testemunha confirmou que a assinatura aí constante é do arguido A, referindo que tal contrato foi assinado no Brasil, sendo que desconhece a titularidade da conta no BCP aí constante. Esclareceu também que, para vincular o Clube, são necessárias as assinaturas de 3 directores. Confrontada com os documentos de fls. 178, 199, 312, 344 e 367 do mesmo apenso, esta testemunha confirmou que os mesmos, com excepção do contrato de fls. 344, que envolvia contrapartidas financeiras, não estão assinados pelo arguido A.
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Por seu turno, a testemunha P afirmou exercer funções no Clube desde 1988, tendo passado por vários cargos, desde relações públicas, director do departamento de futebol profissional até Presidente da Assembleia-geral, cargo que exerce actualmente. Questionado sobre se o Clube tinha ROC, esta testemunha respondeu afirmativamente, apontando 2001, como sendo a data em que isso passou a acontecer.
Confrontado com o teor do documento de fls. 128, confirmou o seu teor, excepto na parte respeitante à data, pois que pensa que a reunião terá ocorrido em data diversa. Quanto aos jogadores, P, R e E, referiu que era sua convicção que os jogadores eram do Clube, mas que o arguido A os tinha pago, sendo ressarcido logo que pudesse.
Acrescentou ainda que tal situação era normal, uma vez que o Clube atravessava dificuldades financeiras, sendo que o arguido, muitas vezes, punha dinheiro no clube para solucionar problemas, sendo que o Clube apenas lhe pagava quando tivesse dinheiro e sem juros (contratações de A e C são exemplos disso).
Questionado sobre a existência de uma conta corrente entre o clube e o arguido e se tais empréstimos eram contabilizados nessa conta, esta testemunha afirmou desconhecer, apenas referindo que quem tratava da contabilidade era a testemunha PA e que, como tal, era ele quem poderia melhor esclarecer estas questões. Além disso, também acrescentou que muitas vezes, o arguido A, avalizava empréstimos do clube, sendo que se recorda de uma situação concreta, na qual também foi avalista, em que o Clube precisava de cerca de 200 mil contos para fazer face a despesas com jogadores e que o aval do arguido permitiu o empréstimo desse montante junto do Finibanco.
Questionado sobre a actividade do arguido, esta testemunha referiu que o mesmo negociava em imobiliário e que é do conhecimento comum que a família A é uma família com muitas posses. Quanto ao negócio da venda do jogador M, esta testemunha negou a existência de qualquer intermediário por parte do Clube, referindo que, no momento em que ficou “fechado o contrato”, estiveram presentes por parte do B, as testemunhas Cândido Gouveia e José enquanto que ele e o arguido A representaram o Clube. Acrescentou ainda que apenas ouviu falar da Sport Ldª e da Victory pela imprensa, tendo também sabido nessa altura da existência do pagamento de uma comissão na venda do M.
Mais referiu que, quando essas notícias foram veiculadas na imprensa questionou o arguido sobre estes factos, ao que ele lhe respondeu que tal constituiu um esquema que engendrou para poder ser ressarcido de dinheiro que tinha emprestado ao clube, algo que ele não duvidou, pois sabia que o arguido emprestava dinheiro ao Clube e que costumava ressarcir-se com dinheiro proveniente das vendas de jogadores, sendo que, nesses negócios quem representava sempre o clube era o próprio arguido.
Quanto à A. Geral relativa à acta n.º 24, refere que se lembra da existência de um quadro gigante, bem como de uma proposta apresentada pela direcção aos sócios para vender umas franjas de terreno a qual foi aprovada pelos mesmos. No entanto e quando questionado sobre os terrenos em causa e do teor da proposta, esta testemunha afirmou não se recordar, embora tenha referido, após ter consultado a proposta constante na nova acta, que pensa que aquela corresponde à que foi apresentada naquele dia. Confrontado com o teor dos documentos constantes a fls. 14 do apenso V, fls. 174 e sgs. e 183 do apenso XLIII, e fls. 21 do apenso IX, esta testemunha afirmou desconhecer ou não se recordar do seu conteúdo, não se recordando também da origem das receitas que eram depositadas no saco azul. Por fim, afirmou que, em 2000, o secretário-geral do Clube era o Sr. LC.
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Já a testemunha M, jogador de futebol, que militou no Clube durante 11 anos e que, no ano de 2000, se transferiu para o B, confirmou ter assinado o contrato de fls. 50 a 55 do apenso V. Mais esclareceu que quem negociou com o B, por parte do Clube, foi o arguido A, não tendo havido qualquer intermediário. Confrontado com o nome Sport Ldª afirmou nunca ter ouvido falar dessa empresa, referindo que a mesma nunca participou nas negociações entre os clubes. Já quanto à testemunha LB, esta testemunha confirmou que o mesmo actuou como seu representante, defendendo os seus interesses (do M) tendo, no final desse processo, pago-lhe uma determinada quantia pelos serviços prestados.
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Por seu turno, a testemunha D, contabilista, sócio do Vitoria, afirmou participar activamente na vida do clube, desde o ano de 1999, altura em que foi convidado por JA para fazer parte do Conselho Fiscal de uma lista concorrente aos órgãos sociais do Clube, a qual veio a ser derrotada. Mais referiu que, a partir dessa altura teve cuidado em acompanhar, verificar e analisar as contas do clube, sob 3 pontos principais, designadamente, passes de jogadores, dívidas aos órgãos sociais e terrenos.
No que concerne ao 1.º item afirmou que os passes dos jogadores não eram contabilizados no activo do clube até 2000/01, altura em que o passaram a ser, por sugestão sua (em 2000, já estavam contabilizados 3 jogadores). Questionado sobre a importância de tal facto na vida do clube, esta testemunha referiu que tal contabilização era uma forma importante para se poder saber o valor e venda de jogadores, bem como para se poder apurar mais ou menos valias, da compra e venda de jogadores. Quanto à forma de se poder apurar o valor real pelo qual o passe de um jogador foi adquirido ou vendido, esta testemunha afirmou que, à falta de melhor método, o contrato de cessão de direitos desportivos, acompanhado dos recibos de pagamento arquivados no clube cessionário e no clube adquirente pode ser utilizado para esse fim.
Referiu também que achou estranho que mais de metade dos jogadores do Clube não pertencessem aos quadros do clube, ali jogando por empréstimo de outros clubes.
No que diz respeito à venda do jogador M verificou existir o pagamento de uma comissão, o que entendeu não ser devida, pois que não houve qualquer intermediário no negócio. Nessa altura, questionou o arguido desse pagamento, ao que aquele respondeu que o mesmo constituía uma imposição da FIFA. No entanto e após ter pesquisado no site da FIFA, verificou que a Sport Ldª não é agente FIFA, pelo que as suas dúvidas quanto à legalidade desse pagamento se avolumaram. Além disso, também declarou que os pagamentos a não residentes, como era a Sport Ldª, geralmente não eram feitos por cheques comerciais, mas sim por transferência internacional ou por cheque bancário, sendo que o pagamento da obrigação fiscal deveria ser feito por aquela empresa e não pelo Clube. Por fim e quanto a este assunto, ainda afirmou que a venda do M não foi toda contabilizada no ano de 2000, sendo que a justificação que lhe foi dada pela contabilidade do clube foi a de que não havia a garantia do bom recebimento por parte do B. Perante esta justificação, a testemunha afirmou ser ainda mais estranho o pagamento de tal comissão, mesmo antes de se receber ou ter a certeza de que se iria receber o dinheiro da venda do jogador.
No que diz respeito aos negócios dos jogadores PB, PM, E, P e R afirmou nada saber.
Por outro lado, referiu a grande dificuldade em aceder à documentação contabilística do clube, sendo que muitas vezes nem obtinha resposta dos órgãos sociais do clube aquando da solicitação de esclarecimentos ou pedidos de consulta de documentos.
Confrontado com o apenso XLIII, vol. I, pág. 174 (extracto de conta corrente entre o clube e o arguido), esta testemunha afirmou nunca o ter visto antes, esclarecendo que, sem os respectivos documentos de suporte, não se pode aferir da conformidade de tais lançamentos, esclarecendo que qualquer conta-corrente deve possuir tal documentação. Não obstante e após uma análise a tal documento, afirmou estranhar a existência de 2 páginas relativas ao ano de 1997, não estando as mesmas ordenadas cronologicamente. Confrontado com a hipótese de ter havido um erro informático, esta testemunha admitiu tal possibilidade, embora a considere muito pouco provável, pois que um erro de um ano no computador era facilmente detectável e corrigível. Além disso, acrescentou que se assim fosse, aquele documento enfermaria logo de um erro crasso, pois que o saldo com que alegadamente encerrou o ano de 96, não corresponde ao movimento de abertura do ano seguinte, que é superior (vide fls. 174 e 175), sendo que tal saldo já é inferior na transposição de fls. 176 para 177. Referiu também que ignorava a existência dessa conta e que, por uma questão de transparência, entendia que a mesma deveria integrar as contas do clube, o que nunca se sucedeu. Por fim, afirmou que em 98 o saldo dessa conta-corrente era nulo e que em 99 e 2000, o arguido já figurava novamente como credor do clube. Tal facto, na sua óptica, apenas se pode dever à adopção de uma técnica contabilística diferente, ou então a uma dívida do clube contraída nesses anos.
Confrontado com as contas do clube em 2000, constantes do apenso V, esta testemunha explicou as reservas feitas pelo ROC, que entrou para o clube em Junho de 2000 (após solicitação de um grupo de sócios nos quais se incluía) e que consistiam no facto de apenas ter entrado para o clube naquela altura e, como tal, ter dado como bons os saldos até Dezembro de 1999, e de a contabilização da venda do passe do jogador M ao B, não ter sido toda feita no ano de 2000, mas sim à medida que ia sendo recebido o dinheiro do B. Por outro lado e em relação ás contas do clube, esta testemunha apresentou um documento correspondente à minuta de um discurso que proferiu numa A. Geral do Clube, onde apontava várias falhas às mesmas.
Assim e para além das já referidas, esta testemunha realçou e aprofundou o problema da propriedade dos passes dos jogadores, defendendo que os mesmos deviam ser contabilizados, para assim se poder saber quem eram os seus verdadeiros proprietários e, caso não fosse o Clube, qual a contrapartida pela sua cedência. A este propósito ainda confirmou que numa primeira fase, as contas do clube relativas ao ano de 2000, não contabilizavam qualquer passe de jogadores, sendo que numa segunda versão dos jogadores, já estavam contabilizados os passes dos jogadores ... Nessa conformidade, presumiu que o passe dos restantes jogadores fosse alugado, tendo solicitado informação ao clube do valor gasto com esse aluguer, bem como a quem tal valor foi pago. Ora, tal informação não lhes foi prestada, pelo que não conseguiu saber quem era o proprietário dos passes dos jogadores bem como o valor gasto com cada um dos alugueres. No entanto, a testemunha PA (de forma verbal ou escrita - não se recorda), referiu-lhe o valor total gasto com o aluguer dos passes, bem como o valor gasto com as despesas de prospecção, o qual lhe suscitou desde logo, muitas reservas, pois incluía verbas relacionadas com o jogador M. Por outro lado e ainda dissertando sobre as contas do clube, esta testemunha realçou o facto do Clube não se gerir pelo orçamento, o qual nunca foi discutido em A. Geral, nem correspondia minimamente à realidade, apenas sendo elaborado pela direcção para satisfazer um requisito exigido pela liga de clubes.
Questionado sobre quais os documentos que tinha em sua posse aquando da participação que efectuou, esta testemunha afirmou ter entregue todos esses documentos à PJ, quer na altura em que efectuou a referida denúncia, quer em momentos posteriores. Mais esclareceu que os documentos do clube a que tinha tido acesso e que entregou na PJ lhe tinham sido entregues pelo Eng.º A (actas n.º 24, escrituras de compra e venda de terrenos, cópias dos balanços e demonstração de resultados de 98 a 2001). Além disso, também referiu que a testemunha PA lhe fornecia, de forma verbal ou através de manuscritos, informação importante que lhe permitiram desagregar e compreender os números constantes das contas do clube. Tais notas nunca foram entregues à PJ, pelo facto de não serem assinadas nem de não conterem o logótipo do clube, além de que sempre pensou que os restantes documentos seriam suficientes para a prova dos ilícitos que denunciou.
Ainda a propósito deste assunto, referiu que não guardou esses manuscritos e que o PA sempre evidenciou algum desconforto quando lhe fornecia tais informações, as quais, na opinião da testemunha, apenas lhe eram dadas por alguma deferência do PA para o Eng.º A.
Confrontado com os documentos de fls. 852 e sgs., esclareceu que se o passe dos jogadores aí identificados fosse alugado, tal deveria estar espelhado na contabilidade do clube, tal como um leasing, o que não se sucedeu.
Quanto à venda de terrenos, afirmou desconhecer os assuntos relacionados com a acta n.º 24, pois que não esteve presente naquela A. Geral, apenas referindo que lhe foi dito pela testemunha JA que antes de se fazer uma venda à AGR foi feita uma avaliação de um terreno, tendo os honorários sido pagos a Victory.
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A testemunha JG, ROC, confirmou que exerceu essas funções no Clube em 2000/2001, tendo sido convidado pela testemunha PA. Nessa conformidade, explicou ter verificado as contas do clube nesses anos, esclarecendo que nada viu relativamente aos anos anteriores. Questionado sobre o trabalho que efectuou, referiu que trabalhou segundo o principio da materialidade e de acordo com as técnicas de amostragem, segundo o qual apenas analisa determinado documento a partir de determinado valor, sendo que esse valor varia em função da dimensão da empresa. Questionado sobre qual o valor que serviu de referência para o assistente, a testemunha não se recordou. Mais explicou que a prática contabilística do Clube, tal como noutros clubes, era adaptada do plano oficial de contas das empresas. Quanto à contabilização dos jogadores afirmou que não era prática contabilizá-los como activo do clube, algo que mudou mal passou a exercer funções. Assim, até ao ano de 2000, os passes dos jogadores não eram considerados activos do clube, mas apenas custos do exercício, quando adquiridos, e proveitos, quando vendidos. A partir de 2000, passaram a estar contabilizados no activo tendo, nesse ano, sido contabilizados os passes de Abel, Tomic e Rogério Matias. Questionado sobre se estavam contabilizados todos os passes adquiridos pelo clube em 2000, esta testemunha afirmou que deveriam, referindo que os ROC também se enganam e pode sempre ter escapado algo.
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Por sua vez, a testemunha C foi ROC no Clube em 2004/05, nada sabendo quanto ao caso em apreço.
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Já a testemunha CF, director do Clube entre 1994 e 2003, no departamento de organização de jogos, declarou que o arguido A exercia uma direcção presidencialista, concentrando em si todos as decisões. Quanto à venda de terrenos à AGR, confirmou que fez parte dos membros que outorgaram aquela escritura, referindo que não sabe se esteve presente na A.G. de 1996, nem analisou as actas, nada sabendo, apenas referindo que era sua convicção que a direcção tinha poderes para vender aqueles terrenos. Quanto à vida económica e financeira do Clube, afirmou nada saber, esclarecendo que era costume o arguido declarar que o Clube não tinha dinheiro e que tinha de inventá-lo. Mais declarou que, numa reunião, realizada após as eleições de 2000, em que o arguido concorreu com o Eng.º A, o Presidente anunciou que a contratação de 3 jogadores que tinham sido prometidos durante a campanha eleitoral (P, R e E) não custariam nada ao Clube que apenas tinha de suportar os salários. Confrontado com o documento de fls. 128, confirmou ter sido essa a reunião, embora a data não esteja correcta. Já quanto ao documento de fls. 126 afirmou não se recordar, esclarecendo ainda que havia um livro de actas da direcção, que era manuscrito, sendo que quem tirava os apontamentos para a feitura das actas era Luís Círilo. Por outro lado, declarou que, quando o arguido foi detido, houve uma reunião urgente com vários membros da direcção, onde também esteve presente a testemunha PA, que alertou para o facto de haver compromissos financeiros a satisfazer, não havendo dinheiro. Questionado sobre se alguma vez a testemunha PA mencionou que o arguido poderia estar detido por não ter pago um imposto e se tinha sido ele a ordenar o pagamento desse imposto, esta testemunha negou peremptoriamente tais factos. Por fim, referiu que nunca assinou cheques do clube e que uma das assinaturas constantes do documento de fls. 6037 é a do arguido, não conhecendo as restantes.
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Por seu turno, a testemunha JA foi director de obras do Clube entre 1986 e Outubro de 1999, tendo-se incompatibilizado com o arguido e concorrido contra ele nas eleições de 2000. Da sua lista que concorreu aquelas eleições fazia parte a testemunha D. Quanto à vida do clube, referiu ter adquirido algum conhecimento ao longo, do tempo, sendo que a testemunha PA lhe costumava relatar alguns factos da vida económica. Assim, afirmou que aquela testemunha, por volta de 1997, lhe confidenciou alguma preocupação pelo facto de não ter na sua posse o contrato de venda do passe dos PP, sendo que aquilo que o contrato que as finanças lhe exibiram não correspondia ao que lançou na contabilidade por ordem do arguido. Além disso, ainda referiu que, antes das eleições de 2000, o PA se reuniu consigo e lhe confidenciou (apenas de uma forma verbal, nunca tendo entregue qualquer documento manuscrito) que havia despesas pessoais do arguido pagas pelo clube e que havia uma conta-corrente entre o arguido e o clube, alimentada apenas por aquilo que o arguido comunicava verbalmente, não havendo qualquer documentação de suporte.
Mais referiu que entende que a testemunha PA é o homem chave do processo, pois que era ele quem tratava de toda a contabilidade, caracterizando-o como uma pessoa muito subserviente ao arguido.
Além disso, referiu que o PA, a testemunha MF e o José A (responsável pelas quotas) foram, após o início deste processo, aumentados significativamente, passando a auferir quase o triplo daquilo que o faziam, o que para esta testemunha quer dizer algo, pois que a MF era a secretária de confiança do arguido, o PA era quem tratava da contabilidade e o José A, o responsável pelo recebimento da quotização.
Quanto aos jogadores P, E e R (não se recordava do nome deste último), afirmou ter tido conhecimento através do Eng.º CF que o arguido afirmara que os mesmos não tinham custado nada ao clube, tendo sido sua vontade que tal ficasse consignado em acta.
No que concerne às off-shores, afirmou que o arguido sempre negou a sua ligação às mesmas, declarando que tudo não passava de uma calúnia. Já quanto à saúde financeira do clube, afirmou que o arguido sempre dizia que o clube não era sustentável apenas com receitas próprias. No entanto, era sua convicção que o arguido não colocava património pessoal para satisfazer compromissos do Clube, referindo que prestou um serviço ao clube e que esteve 4 anos para receber, não tendo o arguido adiantado tal pagamento.
Quanto à A. Geral de 96, não esteve presente na mesma, enquanto que no que concerne aos passes dos jogadores A e R apenas sabia o que as testemunhas P e Adelson lhe confidenciaram e que consistia no facto de o passe do primeiro ter custado à volta de 20 e tal mil contos.
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Por sua vez, a testemunha R foi director do Clube em 1990 e Presidente da Asembleia-Geral entre 1997 e 2003. Quanto à famosa A. Geral a que se reporta a acta n.º 24, afirmou não ter estado presente na mesma, afirmando que apenas teve conhecimento da existência de 2 actas aquando da instauração do inquérito. No entanto e quando confrontado com o facto da sua assinatura constar nas 2 actas, esta testemunha não soube responder. Por outro lado, afirmou que as actas da A. Geral eram guardadas na secretaria do clube e que quando tudo isto foi despoletado falou com o Dr. JC que lhe garantiu que a 2.ª acta estava de acordo com o que se tinha passado na A. Geral. Por fim, referiu que era ideia generalizada no clube que o arguido fazia suprimentos ao Clube e que depois era ressarcido.
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Por seu turno, LC, membro do conselho fiscal do Clube entre 2001 e 2004 e TOC, afirmou ter analisado o balanço de 2000, referindo que era do seu conhecimento que o arguido fazia suprimentos ao clube e que havia uma conta-corrente entre o clube e o arguido, sendo que quem fazia os lançamentos na mesma era a testemunha PA, sendo ainda sua convicção de que havia documentos de suporte relativamente a esses levantamentos.
Mais afirmou que os assuntos que mais lhe diziam respeito eram os referentes ao IVA e que os documentos que analisava e verificava eram-lhe dados pelo PA, esclarecendo que apesar de ser sua convicção o acima referido quanto aos suprimentos, nunca verificou quaisquer documentos, pois que os mesmos não tinham qualquer relevância a título de IVA.
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Por sua vez, a testemunha LC afirmou ter sido director do Clube, tendo exercido a função de secretário-geral, por volta do ano de 1998. A esse propósito referiu que nunca teve o livro de actas da direcção na sua posse, esclarecendo que minutava à mão o que se passava na reunião e depois passava a computador, dando às testemunhas MF ou Custódio Garcia para manuscreverem as actas. Questionado se tinha um computador ao seu dispor, esta testemunha respondeu afirmativamente, afirmando que várias pessoas tinham acesso ao mesmo e que o documento de fls. 128 tem a estrutura de uma minuta de acta que costumava fazer, não sabendo, porém, se foi ou não elaborado por ele. Já quanto ao conteúdo aí constante afirmou não se recordar, não sabendo se tal corresponde ou não à verdade. Por outro lado, afirmou que era sua convicção que o arguido ajudava o clube, arranjando dinheiro para variadas situações, chegando mesmo a adquirir jogadores ou a avalizar financiamentos para o Clube. Por fim, confirmou que a assinatura constante de fls. 6037 é sua.
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Por fim, a testemunha CP, inspector das finanças de Braga, confirmou que acompanhou a vida fiscal do Clube, entre 1998 e 2002. Questionado acerca da Sport Ldª, esta testemunha declarou que foi uma entidade a quem o Clube fez pagamentos e foi alvo de tributação. Na verdade, afirmou que tal pagamento foi alvo de investigação, tendo a administração fiscal notificado o Clube para apresentar prova da existência daquela transacção com a Sport Ldª, pois que, se a mesma não tivesse sido verdadeira, a tributação seria de 55% do valor total da operação. Mais referiu que a administração fiscal considerou tal transacção verdadeira, pelo que solicitou ao Clube para proceder ao pagamento de 15% (a título de retenção na fonte), o que o Clube fez posteriormente. Confrontado com o documento de fls. 5679, declarou não se recordar do mesmo, apenas esclarecendo que se o pagamento à Sport tivesse consistido no pagamento de um empréstimo confidencial, o tratamento fiscal seria autónomo e haveria uma tributação de perto de 50%. Mais referiu que o seu relatório, constante a fls. 1857, não teve em conta o documento de fls. 5679.
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Procedendo à análise critica da vastíssima prova produzida entendemos que só poderíamos concluir da forma como o fizemos.
Desde logo e quanto à gestão centralizada do arguido, todas as testemunhas inquiridas, relacionadas com a vida do Clube, refeririam tal ponto.
Por outro lado, a vastíssima prova testemunhal e documental produzida, que já fizemos referência, não deixam dúvidas quanto às conclusões retiradas, pelo que apenas nos limitaremos a analisar os pontos fulcrais da acusação.
Assim e dividindo essa análise por temas, é notório que, no que concerne à venda dos passes dos jogadores PB e PM, houve uma apropriação ilegítima da quantia que ficou dada como assente, por parte do arguido A A.
Com efeito e desde logo, há que referir que o arguido confessou ter integrado tal quantia no seu património, confirmando as operações bancárias descritas na acusação. Quanto a estas, o relatório pericial e os documentos para as quais esse relatório remete e que supra aludimos, são suficientes para podermos confirmar aquilo que vem plasmado na acusação, para a qual a pronúncia remete.
No entanto, o arguido A negou que fosse sua intenção enriquecer o seu património, à custa do assistente, referindo que tal quantia se destinou ao ressarcimento de montantes que houvera adiantado ao clube. Mais explicou que já era credor há algum tempo e que, aproveitando o facto do Clube ter disponibilidade financeira, em virtude dos fluxos financeiros resultantes da venda dos passes daqueles jogadores, resolveu reaver o dinheiro que havia adiantado.
Porém esta versão dos factos não é suportada por qualquer elemento probatório, documental ou testemunhal.
Assim e desde logo, não existe qualquer documento a suportar tal empréstimo (ou pagamento de despesas que era outra forma que o arguido tinha de injectar dinheiro no Clube), não tendo sido encontrado o extracto da conta-corrente entre o clube e o arguido relativamente a esse ano.
Além disso, a testemunha PA nada referiu sobre a eventual dívida do clube ao arguido. Por outro lado e não obstante não impender sobre o arguido qualquer ónus probatório, certo é que, tendo em conta o montante elevado de que estamos a tratar, seria normal que o arguido se tivesse precavido e guardasse a documentação relativa a esses factos, até por uma questão de transparência, sempre suscitada nos clubes de futebol e noutros ramos da vida quotidiana.
A somar aos argumentos já expendidos, temos que o arguido afirmou que tal operação foi feita com a máxima transparência, sem interposta pessoa, tendo depositado ou transferido directamente tais quantias para a conta de sua esposa, algo que, na sua tese, evidencia a inexistência de qualquer intuito fraudulento e, por conseguinte, de que realmente tudo se estava a passar dentro da máxima legalidade, pois que o arguido apenas estava a ser ressarcido de montantes que havia emprestado ao clube.
Porém e analisando toda a prova, verifica-se que tal não corresponde à realidade.
Na verdade, toda esta operação iniciou-se com a já referida letra n.º 29. Tal letra, conforme referido pelo arguido e nunca negado por qualquer testemunha, apenas foi descontada na conta da esposa do arguido em virtude da falta de liquidez ou confiança da banca no Clube, pelo que o arguido acedeu a utilizar essa conta de forma a permitir o encaixe financeiro ao clube (não obstante esse facto, há que ter em conta que, em períodos próximos, outras letras foram descontadas em contas do clube, conforme evidencia o relatório pericial, o que evidencia que afinal não havia a necessidade de recorrer a uma conta particular da esposa do arguido A).
Contudo e a coberto dessa letra, nomeadamente das operações de reforma e desconto, o arguido tentou camuflar o desvio do montante que supra referimos.
Com efeito, só através da reconciliação bancária, levada a cabo pelo perito Rui F... e plasmada no seu relatório pericial, cujos movimentos o tribunal também reconstruiu, é que se conseguiu apurar o verdadeiro fluxo de dinheiro, pois que se apenas se fizesse uma análise superficial dos movimentos bancários, tender-se-ia a pensar que a quantia em questão, nomeadamente os dois cheques de 15 e 20 mil contos e as restantes transferências, se destinavam a ressarcir o arguido do desconto da letra n.º 29.
Por outro lado, a contabilização destas verbas também foi feita de um modo pouco claro, através do recurso à “contabilidade criativa”, o que indicia claramente o contrário daquilo que alegou o arguido A.
Na verdade e não obstante o arguido argumentar que “de contabilidade nada percebe” e que tudo ficava nas mãos da contabilidade do clube, nomeadamente e principalmente na testemunha PA, certo é que a forma como foi contabilizada tal verba no clube, indicia claramente uma intenção camuflante, de forma a permitir o desvio de verbas.
Com efeito e se a verba em questão se destinasse a ressarcir o arguido de algum empréstimo, certamente que isso ficaria espelhado na contabilidade, conforme bem refere o relatório pericial e para cujos esclarecimentos técnicos remetemos - No relatório pericial refere-se claramente que estes montantes, para além de outros, estão dados como saídos da conta n.º “119 – transferências de caixa”, tendo a regularização dessa conta sido feita com lançamentos indevidos, os quais, com excepção do lançamento identificado na alínea e), de fls. 39, do referido relatório pericial, não constituíram reais entradas de dinheiro na caixa do clube. Assim, o relatório pericial concluiu “que a regularização da conta n.º 119 – transferências de caixa foi toda ela feita, exceptuando-se admite-se, um único registo contabilístico, com recurso a lançamentos que se contextualizam na área da cosmética contabilística ou, se se quiser no foro da contabilidade criativa”..
Por outro lado, o mesmo raciocínio também se aplica se a intenção desta saída de verbas do clube fosse de ressarcir a esposa do arguido das despesas que sofreu pelo desconto da letra n.º 29, sendo que aí seria mais complicado, pois que haveria o risco de haver duplicação de despesas. Além disso e não obstante o arguido pretender descartar responsabilidades da forma como a contabilidade do clube registava estes movimentos financeiros, afirmando que de contabilidade nada percebe, consideramos que tal facto não pode ser tão linear.
Na verdade e independentemente dos muito ou poucos conhecimentos técnicos do arguido na área da contabilidade (algo que não foi apurado nestes autos), certo é que não é minimamente plausível que alguém, nomeadamente a testemunha PA, tivesse de recorrer à contabilidade criativa, quando a situação em causa era simples e linear. Ou seja, não vislumbramos qualquer razão para que um funcionário (arriscando ser responsabilizado criminal e disciplinarmente), recorresse a determinados subterfúgios contabilísticos para espelhar na contabilidade aquilo que facilmente era demonstrável, ou seja e na versão do arguido, que aquele montante se destinou a ressarci-lo de um empréstimo que concedeu ao clube. Se assim fosse e houvesse documentos, conforme alega o arguido A, qualquer contabilista espelharia tal facto, mencionando tal pagamento numa conta de terceiros, ou fazendo constar tal facto na conta-corrente entre o arguido e o clube.
Ora, não tendo procedido dessa forma e utilizando a forma de contabilizar que o relatório pericial bem explica, não há dúvidas que houve uma intenção de camuflar aquelas saídas de dinheiro, algo que, como já referimos, não poderia ter advindo da iniciativa da testemunha PA, mas sim de quem pretendia apropriar-se daquelas quantias, nomeadamente o arguido A.
Com isto tudo que acabamos de mencionar, entendemos não restar dúvidas de que o arguido A quis apropriar-se e integrar no seu património quantias que sabia não lhe pertencerem, aproveitando-se para o efeito da circunstância do pagamento da letra n.º 29 ter ocorrido numa conta titulada por sua esposa, camuflando ainda tais movimentos, através do recurso à denominada cosmética contabilística, de forma a tornar muito difícil a percepção do destino daqueles montantes.
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No que concerne ao episódio referente aos jogadores R e A, temos que não foi produzida qualquer prova acerca do real valor dos passes daqueles jogadores, adquiridos pelo Clube em 1996.
Na verdade, não existem ou não foram juntos aos autos, os contratos de compra e venda dos passes desses jogadores, sendo que os intervenientes na celebração de tais contratos, o arguido A por parte do Clube e o Presidente do Valério Doce, inquirido por carta rogatória, não se lembram do valor concreto da transacção. Assim e quanto a este ponto, apenas temos o valor que a contabilidade do Clube espelha como tendo sido destinado ao pagamento dessa transferência, sendo que a informação constante dos autos de fls. 3631, não é legalmente admissível, não tendo qualquer valor probatório. Logo, não temos qualquer elemento probatório que nos permita colocar em causa o valor registado como custo pela contabilidade do clube e a que aludimos no ponto 81 da factualidade dada como assente.
Por outro lado, a vastíssima prova documental analisada a que supra aludimos (por uma questão de facilidade, dado estarem juntos, vide documentos 488 a 497 dos documentos anexos ao relatório pericial e fls. 171, Vol. I, do apenso XLIII), mas também a confirmação por parte do arguido, permitiram-nos apurar a forma como o dinheiro saiu do clube, mas não nos permitem concluir por uma apropriação de verbas por parte do arguido A. Com efeito e não obstante o arguido ter procedido ao levantamento em numerário de 5 cheques no valor total de 50.422.500$00, que ficaram contabilizados no Clube como tendo sido destinados ao pagamento do passe daqueles jogadores ao Valério Doce e de, cerca de 1 mês depois desse levantamento, ter sido depositada uma quantia de cerca de 30 mil contos (3 depósitos de cerca de 10 mil contos), na conta Paz, na Suiça, titulada pelo arguido A, certo é que isso não significa necessariamente que o arguido se tivesse apropriado dessas quantias. Na verdade, a testemunha Sacramento Monteiro, inspector da PJ, titular desta investigação, confirmou haver um certo facilitismo nos pagamentos aos clubes de 2.º e 3.º plano do Brasil, como era o Valério Doce. Por outro lado, a testemunha Adelson Duarte, empresário de futebol, que intermediou estas contratações, confirmou ter recebido, para além da sua comissão, dinheiro do arguido A, o qual se destinava ao pagamento ao Valério Doce, funcionando ele como uma espécie de cobrador. Para além disso, há também que não esquecer que o arguido procedia muitas vezes a levantamentos em numerário e posterior depósito no saco azul do clube, conforme referiu a testemunha PA, pelo que se pode conjecturar um eventual depósito dessas verbas no clube. Por fim, e para além do documento de fls. 33 e 34 do apenso XXI, que a testemunha Eduardo, Presidente do Valério Doce, negou ter sido assinado por si, não há qualquer referência a que o Valério Doce tenha reclamado da falta de pagamento, pelo que temos de presumir que tudo foi pago aquele clube e que os cheques levantados em numerário pelo arguido se destinaram a esse fim.
Nesta conformidade e à míngua de quaisquer outros elementos, não podemos concluir pelo empolamento do valor da transacção destes jogadores na contabilidade do Clube nem pela apropriação, por parte do arguido A de, pelo menos, uma quantia equivalente ao montante alegadamente inflacionado.
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No que concerne ao negócio relacionado com a venda do passe do jogador M, bem como com a aquisição dos passes dos jogadores R, E e P e ainda ao aluguer do passe deste último, o arguido confessou a inexistência de qualquer intermediação por parte da Sport Ldª na venda do passe do jogador M (tal facto também foi confirmado pelas testemunhas M e José), referindo que fabricou uma declaração, cujo teor não era verdadeiro, na qual constava a existência de uma intermediação, por parte de um senhor Marcelo Santos, em representação dessa empresa e pela qual o Clube pagaria a quantia de 90.000 contos. Com base nesse documento, constante a fls. 871 dos autos, o Clube pagou esses 90 mil contos, à Sport Ldª, que pertence ao arguido A, tendo a Sport Ldª emitido o respectivo recibo de quitação (fls. 872).
Porém e apesar de confirmar estes factos, o arguido negou qualquer intuito apropriativo relativamente a esses montantes, referindo que os mesmos se destinaram ao pagamento de um empréstimo confidencial que houvera contraído através da conta Paz, para aquisição dos jogadores R, E e P.
Analisando o teor do apenso XXXIII, onde constam os movimentos bancários dessa conta, verifica-se que corresponde à verdade (embora não totalmente, como analisaremos a seguir) aquilo que o arguido referiu. Com efeito, foi realmente contraído um empréstimo de 510.000 USD, um pouco mais de 900.000 Reais, o qual se destinou à compra do passe daqueles 3 jogadores, sendo que o arguido liquidou tal empréstimo em Dezembro de 2000.
Por outro lado, os 3 jogadores foram inscritos na liga como jogadores do Clube, sendo que nos contratos constantes a fls. 852 a 870, consta expressamente que a entidade que adquiriu tais passes foi o Clube. Este facto, para nós é fundamental e permite-nos concluir, não obstante outros elementos poderem indiciar o contrário e que a seguir passaremos a analisar, que os jogadores efectivamente pertenciam ao Clube.
Com efeito, das actas de direcção recuperadas consta o documento de fls. 128, onde numa reunião de direcção alegadamente terá sido dito pelo arguido que o passe dos jogadores lhe pertencia e que, como tal poderia dar-lhe o destino que quisesse. Tal facto foi negado pelo arguido, mas confirmado por pessoas que estiveram presentes nessa reunião, nomeadamente as testemunhas Cruz Fernandes, JL e André Lima, tendo sido negado pela testemunha P que afirmou que o arguido apenas disse que comprara os passes desses jogadores para o Clube e seria ressarcido logo que pudesse. Por sua vez, a testemunha LC, à data secretário-geral do Clube, confirmou que o documento de fls. 128 possuía a estrutura de uma acta, embora não se recordando do teor. Quanto a este documento, há ainda que referir que todas as testemunhas a que aludimos foram peremptórias em negar a data nele aposta, referindo que a reunião se sucedeu em 2000.
Por outro lado, há também que referir que, conforme declarado pelas testemunhas PA, D e JG, ROC que procedeu à análise das contas do Clube em 2000, os passes dos jogadores pertencentes ao Clube, não eram, até ao ano de 2000, contabilizados como activo do clube. Tal situação, conforme referiram essas testemunhas, foi alterada em 2000, constando já no relatório e contas desse ano, os passes dos jogadores que pertenciam ao Clube, embora apenas os adquiridos em 2000.
Ora, conforme podemos verificar no relatório e contas do ano de 2000, constante no apenso V, como activos do clube apenas surgem os nomes de ----, por o seu passe ter sido adquirido em 2000, o que poderia fazer supor que os passes dos 3 jogadores brasileiros não pertenceriam ao Clube, pois que se assim fosse constariam daquela lista. Tal facto foi questionado às testemunhas PA e JG, que não souberam dar qualquer explicação, apenas admitindo que possa ter havido lapso (o ROC JG referiu mesmo a seguinte expressão “os ROC também se enganam”).
Por outro lado, na contabilidade do Clube não aparece espelhado o pagamento da aquisição destes passes.
Juntando este último facto, com aquilo que foi exposto nos parágrafos anteriores poderíamos concluir pela existência de fortes indícios de que os passes dos jogadores em causa seriam pertença do arguido e não do Clube.
No entanto e como já referimos, todos estes indícios ficam fragilizados com a exibição dos contratos de fls. 852 a 870, que apontam claramente em sentido contrário.
Além disso, o teor desses contratos apenas poderia ser posto em causa, se houvesse elementos concludentes que apontassem em sentido contrário, o que não existe. Com efeito, não foi apurado que a venda dos passes daqueles 3 jogadores tivesse gerado alguma contrapartida financeira, para quem quer que seja, nomeadamente para o Clube ou para o arguido, sendo que só o jogador P é que gerou alguma mais-valia. Na verdade, o passe de tal jogador foi alugado ao Clube da Bahia, tendo, esse clube, pago 120.000 USD ao cedente, nomeadamente ao Clube. Ora, independentemente do destino que foi dado a esse dinheiro e que a seguir analisaremos, certo é que o assistente, representado pelo arguido A, actuou como proprietário do passe, o que constitui igualmente um elemento a favor da veracidade dos contratos constantes a fls. 852 a 870.
Por tudo isto, temos que concluir que os passes daqueles 3 jogadores foram adquiridos pelo Clube e que quem procedeu ao seu pagamento, na altura da celebração do contrato, foi o arguido A, interpretando tudo o que a seguir se passou à luz desta premissa.
Conforme referimos, o passe daqueles 3 jogadores custou 900.000 reais, ou seja cerca de 505,617,98 USD, a que corresponde 514.659,52€ (vide fls. 50 do apenso XXXIII, Volume I). Ora, tendo sido o arguido a contrair um empréstimo para a compra desses jogadores e tendo pago essa aquisição com o dinheiro resultante desse empréstimo, era normal e legítimo que o arguido se quisesse ressarcir do montante que despendeu.
No entanto, esse ressarcimento foi um pouco além daquilo que era legítimo. Assim e analisando as quantias que o arguido A integrou no seu património, com base nesse ressarcimento, temos que aos 90.000 contos (448.918,1€) resultantes da venda do passe do jogador M (que lhe chegaram ao seu património via Sport Ldª), há que adicionar os 119.955,00 USD, a que correspondia, na altura, 130.783,92€ (esse é o valor que tem de ser tido em conta e não os 138.169,26€, pois que esse valor resultou de um câmbio mais favorável em 27/06/01, quando o arguido procedeu à transferência dos 120 mil USD da conta 223460/00 que era em dólares, para a conta n.º 223460/35 que era em Euros – vide fls. 59 e 60 do anexo ao relatório pericial Volume III, bem como apenso XXXIII) resultantes do empréstimo do jogador P, (vide fls. 25 a 27 do Apenso XXXIII, vol. II) o que perfaz um total de 579.702,02€.
Por outro lado, o valor dispendido na aquisição daqueles 3 jogadores foi de 514.659,52€, devendo adicionar-se os juros pagos, que perfizeram 26.096,28€, o que dá um total de 540.755,80€ (vide já referido apenso XXXIII). Com isto facilmente se conclui que o arguido, com todas estas movimentações, obteve em seu favor, um saldo de 38.946,22.
Aqui chegados, tem de se colocar a questão de saber se tal apropriação foi culposa ou não, ou seja, se esse saldo a mais em favor do arguido se deveu a uma mera incúria deste, que não soube ou não cuidou de fazer correctamente as contas, ou se, pelo contrário, teve perfeita consciência daquilo que se passava e quis integrar tal montante no seu património.
Analisando todo a prova produzida entendemos que houve dolo de apropriação por parte do arguido A.
Com efeito e desde logo há que referir que o arguido optou pela não contabilização do passe destes jogadores e pelo recurso à off-shore para ressarcimento do empréstimo que contraíra.
Na verdade, causou alguma estranheza o facto do arguido não ter tornado público ou, pelo menos, não ter comunicado à contabilidade do Clube o valor e a forma como estes passes foram adquiridos, nomeadamente o recurso a um empréstimo, bem como qual a razão que o terá levado a recorrer a uma off-shore para liquidação desse empréstimo e não ter utilizado o procedimento habitual quando o pagamento era feito por si (pelo arguido), ou seja, através da contabilização dessas aquisições em conta-corrente, com o posterior ressarcimento (os casos dos jogadores PT, Paulo César, entre outros foram suscitados como termo de comparação).
Para responder a isso, o arguido argumentou com a confidencialidade que lhe foi pedida pelo Banco Suíço, pois que, na sua versão dos factos, tal instituição não queria ser envolvida em negociações e pagamentos de transferência de jogadores de futebol. Logo e de forma a honrar a confidencialidade que lhe foi pedida, não poderia transmitir quaisquer informações à contabilidade do clube, sob pena de tudo ser descoberto.
Ora, esta explicação do sucedido, não mereceu acolhimento por parte do Tribunal. Na verdade, não nos parece lógico, usual e necessário ter de se recorrer a uma estratagema tão rebuscado para se manter uma alegada confidencialidade (nem isso ficou assente, pois não foi produzida qualquer prova nesse sentido, nada constando na autorização de conta a descoberto), pois que para a manter bastava ao arguido não divulgar a fonte do seu dinheiro. Com efeito, mesmo que o arguido anunciasse que adiantara dinheiro ao clube para adquirir tais jogadores e que, em momento oportuno, iria ser ressarcido ou, se apenas se limitasse a lançar tal aquisição na sua conta-corrente, tal não implicaria que tivesse que divulgar a proveniência do seu dinheiro, pelo que a alegada confidencialidade solicitada nunca seria quebrada.
Por outro lado, estamos a falar de montantes bastante elevados e de um diferença de dinheiro substancial, o que facilmente seria detectável pelo arguido, ou por qualquer outra pessoa que pudesse analisar as contas.
Assim e em resumo temos que o arguido não contabilizou os passes dos 3 jogadores na contabilidade do Clube, não lançou o empréstimo que contraíra para adquirir esses jogadores em conta-corrente e, para além do mais, ainda utilizou uma empresa off-shore para se ressarcir desse montante, fabricando um documento falso em que constava a intermediação de tal empresa na venda do jogador M, o que nunca aconteceu.
Se a esses factos adicionarmos a circunstância de, com todos estes movimentos, o arguido ter ficado com um saldo positivo de 38.946,22€, facilmente detectável por uma observação rigoR e cuidada, então temos de concluir que todo o comportamento adoptado pelo arguido visou essa apropriação e não a manutenção de uma alegada confidencialidade que nunca existiu ou, mesmo que tivesse existido, nunca justificaria tais condutas.
Quanto à elaboração dos documentos a que se refere o ponto 54, dos factos dados como assentes, o arguido confessou-a, referindo que foi a forma que encontrou para poder retirar do Clube 90 mil contos, para se ressarcir do empréstimo que havia contraído para a contratação dos 3 jogadores brasileiros.
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No que concerne ao episódio da já referida acta n.º 24, os apensos VII contem o livro de actas onde ocorreu o primeiro borrão de tinta, enquanto que o apenso IX, contém o segundo livro de actas. Da análise dos 2 livros, facilmente se verifica que a acta n.º 24 não foi afectada pela tinta, pelo que não necessitava de ser reescrita. Por outro lado, também não restaram dúvidas de que o teor das 2 actas n.º 24 não corresponde, não sendo apenas uma mera questão de ortografia.
Das testemunhas inquiridas ninguém mencionou o arguido A, como tendo sido interveniente naquele processo de danificação e posterior recuperação do livro de actas.
Por outro lado e não obstante as declarações das testemunhas MF, secretária do presidente da direcção do Clube, JC, presidente da A.G. do Clube, na altura da A. Geral, e Raul Rocha, pessoa que sucedeu a JC na presidência da A.G. do clube, serem divergentes quanto aos motivos que conduziram a uma nova redacção da acta n.º 24, quando a mesma não tinha sido afectada pelo borrão de tinta, certo é que ninguém referiu o arguido A, como tendo sido o mandante ou como tendo tido conhecimento desse acto (nova formulação das actas), sendo que também não foi possível apurar donde veio a ideia de reformular aquela acta em concreto.
Por seu turno, há um aspecto que convém salientar e que consiste no facto da testemunha JC ter referido que gravava todas as A. G. e que, por isso, não se opôs a que refizessem o livro de actas destruído, pois que, antes de assinar iria sempre ouvir essas gravações, para verificar se a acta estava conforme. No que concerne concretamente à acta n.º 24 e apesar de referir que não sabia que a acta original não tinha ficado imperceptível, estando intacta, esta testemunha afirmou, de forma peremptória, que leu o conteúdo da 2.ª acta e ouviu a gravação que fizera, tendo concluído pela bondade da redacção que lhe foi confrontada. Quanto a este tema foi mesmo mais longe e afirmou que, depois de este assunto ter saído para a praça pública e de ter sido confrontado com a existência de 2 actas n.º 24, declarou peremptoriamente que a 2.ª acta n.º 24 é aquela que corresponde à realidade dos factos e, como tal, não há qualquer falsificação do seu teor.
Ora, perante tal depoimento de quem tinha a responsabilidade de elaborar as actas das reuniões de sócios do Clube, não vislumbramos qual a responsabilidade penal que pode ser assacada ao arguido. Na verdade e apesar da 2.ª acta não ser idêntica à inicial, não podemos afirmar que o seu teor não seja verdadeiro. Por outro lado, a 2.ª acta contém a proposta que foi apresentada aos sócios, enquanto que a 1.ª debruçava-se mais sobre aquilo que o arguido expôs na A.G.. Quanto a essa exposição, o arguido, na audiência de julgamento, esclareceu que sabia do interesse da Câmara Municipal naquelas franjas de terreno, para fazer o parque do cidade, e que, por isso, efectuou aquilo que chamou de “uma manobra de antecipação”, referindo, na assembleia em causa, que a câmara iria adquirir os terrenos, visando, por essa forma, diminuir a capacidade negocial da Câmara Municipal. No entanto, declarou que a proposta que apresentou aos associados não se destinava apenas à venda dos terrenos à Câmara Municipal, mas a quaisquer outros interessados.
Nesta conformidade e em resumo, não podemos concluir pela falsidade da 2.ª acta n.º 24, mas apenas e tão só por uma desconformidade com a original. Logo, também não podemos concluir pela existência de qualquer elemento doloso, na conduta do arguido, quando apresentou a nova acta n.º 24, a fim de elaborar a escritura de venda daqueles terrenos à AGR, pois que se não ficou provada a falsidade daquela acta, também não pode ficar assente que o arguido conhecesse aquela falsificação e, não obstante, a tivesse utilizado com o intuito de obter proveitos.
Por fim, e quanto ao facto do discurso que o arguido proferiu na A. Geral em questão, poder não ter correspondência com aquilo que foi submetido aos sócios naquela reunião (a dita manobra de antecipação), é algo que já não cabe a este Tribunal apreciar, pois que tal comportamento não assume relevância criminal.
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Vejamos então os recursos, começando-se pelo do Ministério Público.
O Digno recorrente, em ”Nota prévia” da sua motivação, anuncia assim o seu recurso:
O Recorrente pretende impugnar a decisão condenatória proferida em matéria de facto com base nos depoimentos prestados em audiência nas partes impugnadas: o não se ter dado como provado que os passes dos jogadores E, R e C fossem do arguido A e a absolvição do arguido A no caso da acta 24 (negócio da AGR).
Há depoimentos referidos nesta peça, por remissão para as cassetes audio respectivas, com transcrição parcial das respectivas partes, que permitiam contrariar a conclusão do Tribunal Colectivo nos termos da qual não ficou provado que os direitos desportivos dos jogadores E, R e P pertencessem ao arguido A.

De igual modo, entende-se haver prova testemunhal produzida em audiência no sentido de que o arguido A conheceu a preparação das negociações do negócio da AGR.
Vão-se especificar nesta motivação os depoimentos da testemunhas inquiridas em sede de audiência que impunham decisão diversa da recorrida.
Também é certo que se discorda da forma como se apreciaram os documentos (contratos) de fls. 852 a 870. O Colectivo funda a sua convicção na valoração/interpretação destes documentos, considerando que apontam claramente em sentido contrário, ou seja, no sentido de que os passes dos jogadores C, R e E fossem do CLUBE e não do arguido, tal como aponta a pronúncia.
Na nossa perspectiva, há aqui erro notório na apreciação da prova, já que, por forma manifesta e sem adequada justificação, se deram como provados factos, partindo do incorrecto pressuposto que esses documentos têm um determinado valor probatório, não tendo qualquer valor, ou pelo menos deles não se podem extrair as ilações que o Colectivo deles extrai.
As regras da experiência comum, aliada a documentos constantes dos autos retirados de um computador existente na sede do Clube, computador que foi examinado, e cujo software e informação foram alvos de avaliação especializada por parte da Polícia Judiciária, permitem neutralizar o valor que esses documentos aparentemente traduzem.

Não é assim.
O Tribunal, ao proferir a sentença, tem obrigatoriamente que a fundamentar, indicando os factos provados e não provados, bem como uma exposição (…) dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.
Se o Tribunal não proceder assim, ou o fizer deficientemente, a sentença é nula.
Mas, fazendo-o, está a demonstrar quais as provas a que atendeu e a revelar as razões pelas quais aquelas provas justificaram a decisão. Por outras palavras: nesse passo, o Tribunal está a dar transparência ao acto de julgamento e a permitir que os sujeitos processuais, a partir da sentença - e só dela -, indiquem e demonstrem vícios que a afectem, não valendo, obviamente, a simples leitura diferente da mesma prova que o Tribunal considerou, a não ser para invocar, e demonstrar, que a análise feita pelo Tribunal é incongruente com as provas produzidas, violando as regras a lógica ou da experiência comum, de tal modo que a decisão acaba por ser arbitrária, discricionária e caprichosa.
Nos termos do artº 428º, nº 1 do Código de Processo Penal, as Relações conhecem de facto e de direito.
O conhecimento da matéria de facto apenas pode ocorrer em quatro situações:
1ª - Quando há documentação da prova oral;
2ª - Quando, mesmo sem documentação da prova oral, houver prova não pessoal que o recorrente queira impugnar;
3ª - Quando a prova for apenas por reconhecimento, por reconstituição do facto, pericial ou documental;
4ª - Quando se verificarem os vícios previstos no artº 410º, nº 2.
Havendo documentação da prova oral produzida em audiência, se o recorrente quiser impugnar a matéria de facto deve especificar, nos termos do artº 412º, nº 3:
.a) – Os pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
.b) – As provas que impõem decisão diversa da recorrida.
Nesta situação, a documentação da prova serve de apoio ao recorrente para demonstrar que a matéria de facto, toda ou parte dela, foi mal julgada, deixando de ter validade a livre apreciação do Juiz, pois o recorrente demonstra, perante o Tribunal superior, que certo depoimento invocado na decisão não foi produzido, foi produzido de modo diferente, ou, até, que foi esquecido, e o Tribunal superior, observado o disposto no nº 4 do citado artº 412º, faz uso da documentação e aprecia se, nos aspectos impugnados, o Tribunal recorrido decidiu correcta ou incorrectamente - Ac. S.T.J., de 26-01-00, Pº nº 950/99, 3ª Secção:
I - A exigência de especificação, pelo recorrente, de todos os pontos de facto que considerou incorrectamente julgados, é determinada pelas razões e circunstâncias em que a lei actual pretende assegurar um recurso efectivo em matéria de facto.
II - Quer no domínio da jurisdição civil, quer no âmbito da jurisdição penal, não se visa permitir a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência, mediante uma repetição do julgamento, com as inerentes consequências de frequente inutilidade e inconveniência - por desnecessidade e riscos de menor autenticidade - e de injustificado prejuízo para as consabidas exigências de celeridade na administração da justiça adequada.
III - O fim prosseguido por aquela imposição é o de permitir a correcção e detecção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, o que exige o mencionado ónus legal de concreta e clara especificação desses pontos e das provas que impõem decisão diversa da recorrida.
IV - Não pode pois relevar a impugnação, pelo recorrente, da decisão da matéria de facto quando o faz de forma genérica e imprecisa..
Esta tarefa pode, como se disse, abranger apenas certos pontos da matéria de facto, como pode abrangê-la toda, mas, também neste caso, o recorrente deve especificar, ponto por ponto, as razões pelas quais entende haver incorrecto julgamento e as provas que impõem decisão diferente, não bastando repetir ou remeter para a prova produzida e concluir que ela conduz a conclusão diferente daquela a que o Tribunal recorrido chegou - Ac. S.T.J., de 18-01-01, Pº 3.105/00, 5ª Secção.
I - Quando o recorrente impugne matéria de facto, para que essa impugnação possa validamente ser tomada em consideração pela Relação, deve aquele especificar, com referência aos suportes técnicos da gravação, as provas que imponham decisão diversa da recorrida, e as que, na sua óptica, devem ser renovadas.
II - O princípio contido no art. 127.º, do CPP, estabelece três tipos de critérios para a apreciação da prova com características e natureza completamente diferentes: haverá uma apreciação da prova inteiramente objectiva quando o Lei assim o determinar; outra, também objectiva, quando for imposta pelas regras da experiência; finalmente, uma outra, já de carácter eminentemente subjectiva e que resulta da livre convicção do julgador.
III - É certo que tudo isto se poderá conjugar, e também é certo que a prova assente ou resultante da livre convicção poderá ser motivada e fundamentada, mas neste caso, a motivação tem de se alicerçar em critérios subjectivos, embora explicitados para serem objecto de compreensão.
IV - Seja como for, a motivação probatória compete sempre aos julgadores e não pode ser posta em confrontação com as convicções pessoais do recorrente.
V - Os n.ºs 3 e 4 do art. 412.º do CPP, limitam o julgamento da matéria de facto àqueles ponto que referem, mas não permitem o julgamento da globalidade dessa mesma matéria de facto..
Se o recorrente alega vícios da decisão recorrida a que se refere o nº 2 do art. 410º do C.P.P., mas fora das condições previstas nesse normativo, afinal impugna a convicção adquirida pelo Tribunal a quo sobre determinados factos, em contraposição com a que sobre os mesmos factos ele adquiriu em julgamento, esquecido da regra da livre apreciação da prova inserta no art. 127º (que neste caso, e sempre sem prejuízo do nº 2 do artº 410º, passa a valer). – Ac. S.T.J., de 13-02-91, AJ, nºs 15/16, 7.
Quando o recorrente, tendo havido documentação da prova, não usa devidamente a faculdade de impugnação prevista no artº 412º, nºs 3 e 4 e também não fundamenta os vícios previstos no artº 410º, nº 2, não pode põe em causa a matéria de facto e apenas pode atacar a livre convicção do Juiz nos termos acima expostos, ou seja, repetindo, demonstrando que há violação dos critérios a seguir para essa convicção - artº 127º.
Não havendo documentação da prova e não sendo regularmente demonstrados os vícios do citado artº 410º, nº 2, também o recorrente não pode questionar aquela livre convicção. Em ambos os casos, o Tribunal de recurso não dispõe de condições para analisar e corrigir a matéria de facto, salvo se oficiosamente descobrir qualquer dos vícios indicados no artº 410º, nº 2.
Quando o Tribunal de recurso, por si, oficiosamente, ou ainda por demanda do recorrente, verifica a existência de qualquer desses vícios, as consequências são as indicadas no artº 426º, nº 1 ou no artº 430º, nº 1, ou seja, o Tribunal verifica se pode ou não conhecer da causa e, não podendo, reenvia o processo para novo julgamento ou, então, ordena a renovação da prova e altera-a ou não, conforme o julgamento ditar.
As demais possibilidades de, em recurso perante as Relações, se discutir a matéria de facto são aquelas em que também ou apenas haja prova não pessoal, valendo aqui, quer tenha havido ou não documentação da prova, os mesmos meios de impugnação acima indicados, ou seja, a impugnação pela via do artº 412º, nº 3 e a invocação ou o conhecimento oficioso dos vícios previstos no artº 410º, nº 2. Se a prova não pessoal não for regularmente sindicada e à matéria de facto que sustente não forem atribuídos ou descobertos os vícios previstos no artº 410º, nº 2, passa a valer a livre apreciação que dela tenha sido feita pelo Juiz.
Convém dizer, por fim, que o sistema processual de controle da prova é o que acima sumariamente se expõe e que, pelos meios fornecidos, incluindo o de controle da livre apreciação através da exigência de fundamentação (e dos seus reflexos para a eventual verificação dos vícios consignados no artº 410º, nº 2), fornece aos sujeitos processuais todas as garantias de um duplo grau de jurisdição.
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No caso em apreço, o que o Digno recorrente parece querer demonstrar são erros de julgamento e não, propriamente, sindicar a matéria de facto, pois essa será exactamente a mesma que o Tribunal considerou, mas, agora, com análise diversa.
Porém, para isso, parte de pressupostos errados, quais sejam o de que este Tribunal deve repetir o julgamento (ainda que de certas partes) da prova, bem como o de que os excertos e documentos que invoca bastam para a conclusão de que se impunha decisão a seu favor.
Como se diz no ac. desta Relação, de 22-09-08, Pº 272/08, rel. Ricardo Silva:
Quanto ao aspecto da concordância – dos interessados ou do Tribunal superior com a decisão de facto proferida, uma de duas: ou a decisão está dentro dos poderes de apreciação e decisão do tribunal que a proferiu e é legal ou não se conforma com essa decisão e não o é e, como tal, deve ser anulada ou revogada e substituída.
É indiferente que o Tribunal superior concorde ou não com o decidido. Pode, mesmo, ele pensar: “Com esta prova eu inclinar-me-ia para uma decisão diferente”; Não importa! O ponto não é esse! Porque o recurso, como também é jurisprudência adquirida, não se destina a realizar um novo julgamento ou a melhorar a decisão proferida. Destina-se, tão só, a averiguar da sua conformidade com a lei. Na realidade – que não pode ser esquecida – quem tem a competência legal para julgar o facto é o Tribunal de primeira instância e só quando o tenha feito em transgressão das normas de processo competentes se verá substituído, nessa função, pelo tribunal superior.

No caso, como acima se disse, o que caberia fazer era dizer-se: foi fixado isto; o Tribunal diz que formou a sua convicção com base nesta e naquela prova e dela fez a seguinte análise crítica…; ora, aquelas provas não foram, ou não foram assim, produzidas; há outras provas que não foram atendidas; ou, por fim, a análise das provas é incongruente, pois as mesmas não autorizam a conclusão tirada mas sim outra - Neste sentido, veja-se o sumário do Ac. TRG, de 20-03-06, Pº nº 245/06, rel. Fernando Monterroso:
I – Ao transcrever passagens dos depoimentos prestados no julgamento, o recorrente pretendeu impugnar a matéria de facto, nos termos previstos no art. 412 nºs 3 e 4 do CPP.
II – Mas a impugnação da matéria de facto, além de não cumprir o formalismo previsto nos nºs 3 e 4 do artº 412 do CPP, parece partir de um equívoco: o de que o tribunal da Relação pode fazer um novo julgamento de facto, indicando, mediante a leitura das transcrições feitas, os factos que considera provados e não provados.
III – Porém, como escreveu o Prof. Germano Marques da Silva, talvez o principal responsável pelas alterações introduzidas no CPP pela Lei 59/98 de 25-8, “o recurso em matéria de facto não se destina a um novo julgamento, constituindo apenas um remédio para os vícios do julgamento em primeira instância’” – Forum Justitiae, Maio/99.
IV – Não concretiza aquele Professor a que vícios se refere, mas alguns poderão ser sumariamente indicados, como por exemplo: se o tribunal a quo tiver dado como provado que A bateu em B com base no depoimento testemunha Z, mas se da transcrição do depoimento de tal testemunha não constar que ela afirmou esse facto, então estaremos perante um erro manifesto no julgamento; e, aproveitando ainda o mesmo exemplo, também haverá um erro no julgamento da matéria de facto se, apesar da testemunha Z afirmar que A bateu em B, souber de tal facto apenas por o ter ouvido a terceiros, pois que estaremos perante uma indevida valoração de meio de prova proibido (arts. 129 e 130 do CPP), que pode ser sindicada pela relação.
V – O recurso da matéria de facto não se destina, assim, a postergar o principio da livre apreciação da prova que tem consagração expressa no artº 127º do CPP, pois que a decisão do Tribunal há-de ser sempre uma “convicção pessoal – até porque nela desempenham um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v. g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais. – Prof. Figueiredo Dias. Direito Processual Penal. vol. I. ed. 1974. pág. 204.
VI – Por outro lado, a livre apreciação da prova é indissociável da oralidade com que decorre o julgamento em primeira instância, pois como ensinava o Prof. Alberto do Reis, citando Chiovenda: ”ao juiz que haja de julgar segundo o princípio da livre convicção é tão indispensável a oralidade, como o ar é necessário para respirar. – Anotado. vol. IV, págs. 566 e segs.
VII – Finalmente, é ainda o artº 127º citado que nos indica um limite à discricionariedade do julgador: as regras da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica, devendo notar-se, no entanto, a este propósito que se afigura indubitável que há casos em que, face à prova produzida, as regras da experiência permitem ou não colidem com mais do que uma solução, pelo que se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis segundo as regras da experiência, ela será inatacável, já que foi proferida em obediência à lei que impõe que ele julgue de acordo coma sua livre convicção.
VIII – Ora o recorrente, na sua motivação, não alega que a descrição que a sentença faz do conteúdo dos depoimentos não corresponde ao que, na realidade, disseram o queixoso e as testemunhas, dizendo antes que devido a contradições e imprecisões dos depoimentos, não lhes devia ter sido dada credibilidade.
IX – Mas a função do julgador não é a de achar o máximo denominador comum entre os diversos depoimentos, nem, tão pouco, tem o juiz de aceitar ou recusar cada um dos depoimentos na globalidade, cabendo-lhe antes a espinhosa missão de dilucidar, em cada um deles, o que lhe merece crédito, pois como, aliás, já há muito ensinava o prof. Enrico Altavilla “O interrogatório como qualquer testemunho está sujeito à crítica do juiz que poderá considerá-lo todo verdadeiro ou todo falso, mas poderá aceitar como verdadeira, certas partes e negar crédito a outras. – Psicologia Judiciária, vol. II, 3ª ed. pág. 12.
X – Ou seja: o ataque à decisão da matéria de facto que é feito pela via da credibilidade que o colectivo deu a determinados depoimentos pressuporia a revogação pela Relação da já mencionada norma do art. 127 do CPP, a que os tribunais devem, naturalmente, obediência e que manda que o Juiz julgue segundo a sua livre convicção, pelo que, ao visar a alteração da matéria de facto pela via da revogação do princípio da livre apreciação da prova, o recurso é manifestamente improcedente, pelo que deve ser rejeitado – art. 420, n° 1 do CPP.
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Seria com este exercício que este Tribunal de recurso colocaria lado a lado as duas análises da prova e poderia exercer a sua descrita função.
Com efeito, como se diz no Ac.TRG, de 26-11-03, Pº nº 1893/03, rel. Vieira e Cunha, o princípio da "livre apreciado da prova" não pressupõe uma análise incontrolável da prova pelo julgador, mas sim a escolha racionalizada da hipótese mais provável sobre o facto, a demonstrar por via da argumentação racional da fundamentação.
Ponto é que, com juízos lógicos, se consiga mostrar o ilogismo da decisão atacada, ou seja, que violou os princípios que limitam o arbítrio da apreciação.
O que, diga-se, não é o caso, pois o Digno recorrente só em parte observa os legítimos critérios de impugnação da apreciação do Tribunal.
De nada valem os adjectivos que atribui à prova (clara e segura, evidente, abundante, vastíssima…; na confusão, também chega a falar de prova quase evidente, de facto fortemente indiciário e elemento indiciário de grande relevo!!!), nem a repetida invocação das regras da experiência e, muito menos, a qualificação contundente da gestão do arguido.
A gestão do arguido foi o que foi, mais precisamente aquilo que o funcionamento (ou melhor, o não funcionamento) dos órgãos sociais, eles todos, permitiu que fosse, durante vinte e quatro anos. Nada mais - Basta ler a denúncia inicial (sobretudo a fls. 10) para se ficar esclarecido deste ponto.
E veja-se, também, o que o CLUBE diz no pedido cível:
Artº 9º: Os demais directores e empregados do Clube funcionavam como meros executores materiais de ordens e instruções dele 1º arguido,
Artº 10º: Muito embora alguns deles não pudessem nem devessem desconhecer a completa ilegalidade dos factos que executavam.
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Desse tempo todo, extraíram-se certas e determinadas condutas alegadamente integradoras de crime, e é só delas que importa tratar.

No caso M, o Digno recorrente diz o seguinte:
O Tribunal Colectivo deu como provado o seguinte:
- ponto 109 da matéria de facto: que ao actuar da forma descrita em 74-) a 76-) e tendo em conta o dinheiro que já havia recebido em 55-) a 58-), o arguido A agiu livre, voluntária e conscientemente, sendo sua intenção, para além do ressarcimento referido em 108-) apropriar-se do montante de 38.946,22€, a que corresponde à diferença entre aquilo que pagara pelo passe dos jogadores E, R e P e aquilo que recebeu do Clube para ressarcimento de tal despesa.
O Tribunal Colectivo não deu como provado, além de outros, os seguintes factos, a saber:
- que os direitos desportivos dos jogadores E, R e P pertencessem ao arguido A;

Discordamos desta análise dos factos tal como feita pelo Tribunal Colectivo. O recurso nesta parte, também tem uma vertente de recurso como se configura nos termos do artigo 410º., Nº.2, C) do CPP, ou seja, na espécie de erro notório na apreciação da prova – e assume ainda a vertente de recurso directo da matéria de facto nos termos no art 412º., 3 (quando se impugna, como no caso, a decisão proferida sobre matéria de facto).
Há depoimentos referidos nesta peça, por remissão para as cassetes áudio respectivas, com transcrição parcial das respectivas partes, que permitiam contrariar a conclusão do Tribunal Colectivo nos termos da qual não ficou provado que os direitos desportivos dos jogadores E, R e P pertencessem ao arguido A. É esta parte da matéria de facto que concretamente se pretende impugnar com o presente recurso.
Há prova clara e segura que vai no sentido que o Arguido A se comportava, para além de Presidente da Direcção de uma agremiação desportiva de utilidade pública, como assumindo uma actividade com as características de empresário/ou agente comercial, detendo a titularidade dos passes de jogadores, visando claramente, como não podia deixar de ser assim, face ao depoimento de várias testemunhas que, ou confirmam o teor do documento de fls. 128 (acta) ou não o infirmam. A isto alia-se a junção de fotocópia de uma acta anterior – acta da Direcção do CLUBE (= conjugação do documento junto pela testemunha Senhor Eng. Arantes na sessão de 18-12-2007 com o documento de fls. 126).

O que o Ministério Público pretende com o presente recurso, nesta parte, é impugnar as conclusões que o colectivo retira da matéria de facto e da prova, não havendo argumento válido que permita estabelecer uma relação entre o negócio dos jogadores R, E e C - P com a questão do jogador M.

Salvo o devido respeito, não se compreende que haja condenação do arguido A na questão da falsificação do título de cobrança de uma comissão, cujo objectivo foi o de integrar, no seu património, as quantias indicadas na matéria dos pontos 54 a 58 da matéria de facto dada como provada, no acórdão, sem que, depois, se deixe de condenar o arguido pelo crime de peculato, que representa o resultado (o crime de peculato surge como crime-fim) visado com essa falsificação (o crime de falsificação surge como crime meio): a integração de quantias no património do arguido.

No caso do jogador M, o arguido A apropriou-se ilegitimamente do dinheiro da comissão - pontos 55 a 58 da pronúncia - Essa factualidade assente é suficiente para configurar um crime de peculato autónomo p e punido pelo 375º. Nº.1 com referência ao art 386º., nº. 1 c) do CP, pelo que expressamente se R. a condenação do arguido pela prática deste crime.

Quer isto significar que não se fez qualquer prova que o arguido A tenha actuado de forma legítima ao apropriar-se dos dinheiros da cedência do jogador C como se faz no ponto 76 da matéria de facto – cujo passe era do arguido - nem do dinheiro da comissão do jogador M.

Neste particular, a acusação era, como se sabe, a de que o arguido logrou obter, sem que a ela tivesse direito, uma comissão de 90.000 contos na transferência do jogador M para o B.
O Tribunal, no ponto 54, deu como provado que, através dos serviços de contabilidade do clube, o arguido obteve 10 cheques de 9.000 contos cada um, que depositou em contas suas (ou de uma empresa sua).
Porém, ao contrário do que se dizia na acusação - de que se tratava de apropriação ilegítima -, o Tribunal deu como provado, ponto 108, que ao actuar da forma descrita em 55-) e 58-), o arguido visou ressarcir-se de um empréstimo/adiantamento que fizera ao Clube.
Para esta resposta contribuiu o facto de o Tribunal ter dado como provado que o arguido contraiu, na Suíça, um empréstimo pessoal, com o qual pagou os passes de três jogadores e que, de acordo com os respectivos contratos, os passes desses jogadores, apesar de não contabilizados, pertenciam ao clube.
Em conformidade, o Tribunal fundamentou assim a sua convicção:

No que concerne ao negócio relacionado com a venda do passe do jogador M, bem como com a aquisição dos passes dos jogadores R, E e P e ainda ao aluguer do passe deste último, o arguido confessou a inexistência de qualquer intermediação por parte da Sport Ldª na venda do passe do jogador M (tal facto também foi confirmado pelas testemunhas M e José), referindo que fabricou uma declaração, cujo teor não era verdadeiro, na qual constava a existência de uma intermediação, por parte de um senhor Marcelo Santos, em representação dessa empresa e pela qual o Clube pagaria a quantia de 90.000 contos. Com base nesse documento, constante a fls. 871 dos autos, o Clube pagou esses 90 mil contos, à Sport Ldª, que pertence ao arguido A, tendo a Sport Ldª emitido o respectivo recibo de quitação (fls. 872).
Porém e apesar de confirmar estes factos, o arguido negou qualquer intuito apropriativo relativamente a esses montantes, referindo que os mesmos se destinaram ao pagamento de um empréstimo confidencial que houvera contraído através da conta Paz, para aquisição dos jogadores R, E e P.
Analisando o teor do apenso XXXIII, onde constam os movimentos bancários dessa conta, verifica-se que corresponde à verdade (embora não totalmente, como analisaremos a seguir) aquilo que o arguido referiu.
Com efeito, foi realmente contraído um empréstimo de 510.000 USD, um pouco mais de 900.000 Reais, o qual se destinou à compra do passe daqueles 3 jogadores, sendo que o arguido liquidou tal empréstimo em Dezembro de 2000.
Por outro lado, os 3 jogadores foram inscritos na liga como jogadores do Clube, sendo que nos contratos constantes a fls. 852 a 870, consta expressamente que a entidade que adquiriu tais passes foi o Clube.
Este facto, para nós é fundamental e permite-nos concluir, não obstante outros elementos poderem indiciar o contrário e que a seguir passaremos a analisar, que os jogadores efectivamente pertenciam ao Clube.
Com efeito, das actas de direcção recuperadas consta o documento de fls. 128, onde numa reunião de direcção alegadamente terá sido dito pelo arguido que o passe dos jogadores lhe pertencia e que, como tal poderia dar-lhe o destino que quisesse. Tal facto foi negado pelo arguido, mas confirmado por pessoas que estiveram presentes nessa reunião, nomeadamente as testemunhas Cruz Fernandes, JL e André Lima, tendo sido negado pela testemunha P que afirmou que o arguido apenas disse que comprara os passes desses jogadores para o Clube e seria ressarcido logo que pudesse. Por sua vez, a testemunha LC, à data secretário-geral do Clube, confirmou que o documento de fls. 128 possuía a estrutura de uma acta, embora não se recordando do teor. Quanto a este documento, há ainda que referir que todas as testemunhas a que aludimos foram peremptórias em negar a data nele aposta, referindo que a reunião se sucedeu em 2000.
Por outro lado, há também que referir que, conforme declarado pelas testemunhas PA, D e JG, ROC que procedeu à análise das contas do Clube em 2000, os passes dos jogadores pertencentes ao Clube, não eram, até ao ano de 2000, contabilizados como activo do clube. Tal situação, conforme referiram essas testemunhas, foi alterada em 2000, constando já no relatório e contas desse ano, os passes dos jogadores que pertenciam ao Clube, embora apenas os adquiridos em 2000.
Ora, conforme podemos verificar no relatório e contas do ano de 2000, constante no apenso V, como activos do clube apenas surgem os nomes de Abel, Tomic e Rogério Matias, por o seu passe ter sido adquirido em 2000, o que poderia fazer supor que os passes dos 3 jogadores brasileiros não pertenceriam ao Clube, pois que se assim fosse constariam daquela lista. Tal facto foi questionado às testemunhas PA e JG, que não souberam dar qualquer explicação, apenas admitindo que possa ter havido lapso (o ROC JG referiu mesmo a seguinte expressão “os ROC também se enganam”).
Por outro lado, na contabilidade do Clube não aparece espelhado o pagamento da aquisição destes passes.
Juntando este último facto, com aquilo que foi exposto nos parágrafos anteriores poderíamos concluir pela existência de fortes indícios de que os passes dos jogadores em causa seriam pertença do arguido e não do Clube.
No entanto e como já referimos, todos estes indícios ficam fragilizados com a exibição dos contratos de fls. 852 a 870, que apontam claramente em sentido contrário.
Além disso, o teor desses contratos apenas poderia ser posto em causa, se houvesse elementos concludentes que apontassem em sentido contrário, o que não existe. Com efeito, não foi apurado que a venda dos passes daqueles 3 jogadores tivesse gerado alguma contrapartida financeira, para quem quer que seja, nomeadamente para o Clube ou para o arguido, sendo que só o jogador P é que gerou alguma mais-valia. Na verdade, o passe de tal jogador foi alugado ao Clube da Bahia, tendo, esse clube, pago 120.000 USD ao cedente, nomeadamente ao Clube. Ora, independentemente do destino que foi dado a esse dinheiro e que a seguir analisaremos, certo é que o assistente, representado pelo arguido A, actuou como proprietário do passe, o que constitui igualmente um elemento a favor da veracidade dos contratos constantes a fls. 852 a 870.
Por tudo isto, temos que concluir que os passes daqueles 3 jogadores foram adquiridos pelo Clube e que quem procedeu ao seu pagamento, na altura da celebração do contrato, foi o arguido A, interpretando tudo o que a seguir se passou à luz desta premissa.

É por demais evidente, por um lado, a coerência e acerto desta fundamentação e, por outro, que o Digno recorrente, como se vai ver, não consegue fazer valer a sua visão das cosias, senão por impressão pessoal e afirmações sem substância.
Em termos de demonstração dos critérios e bondade dos juízos legalmente exigíveis (artº 374º, nº 2), esta fundamentação é realmente inatacável.
Adiante-se desde já, que é aqui que o Tribunal deixa evidente (ou, pelo menos, revela aperceber-se; ainda que apenas para este caso concreto do M, não seguindo o mesmo rumo de raciocínio quanto ao demais) que a versão do arguido, de que empenhava o seu património em nome do clube, era verdadeira, havendo investimentos económicos pessoais por parte do arguido e reembolsos por parte do clube.
Estes investimentos (empréstimos - veja-se, por ex., a fls. 177 do Ap. XLIII, Vol. I, dois “empréstimos” do arguido, nos montantes de 10.3222.000$00 e 17.580.900$00 -, adiantamentos, suprimentos, provisões, chame-se-lhe o que se quiser) traduzem, obviamente, uma “conta-corrente”, que não é, necessariamente (e, no caso M não foi), traduzida contabilisticamente, mas antes significam que, de facto, o arguido dispunha do seu património (quer directo, quer por avais), ficando com créditos perante o clube e que este ia fazendo pagamentos ao credor - Sobre o tema da conta-corrente, diz Joel Timóteo Ramos Pereira, Juiz de Direito, Revista «O Advogado», Série II, n.º 5 - Julho de 2004:
«1. É muito frequente, nas acções declarativas, haver a invocação de uma conta-corrente, com pedido de pagamento do saldo constante da mesma, com junção de um documento contabilístico emitido pela própria parte que assim o peticiona. Há, todavia, uma manifesta confusão entre o conceito jurídico e legal de contrato de conta corrente e o documento contabilístico, também designado de conta corrente.
2. Dá-se o contrato de conta corrente quando duas pessoas (singulares ou colectivas) tendo de entregar valores uma à outra, se obrigam a transformar os seus créditos em artigos de "deve" e "haver", sendo apenas exigível o saldo final resultante da sua liquidação. Os artigos 344.º e 350.º do Código Comercial estabelecem os efeitos do contrato de conta-corrente, a saber:
a) A transferência da propriedade do crédito indicado em conta corrente para a pessoa que por ele se debita;
b) A novação entre o creditado e o debitado da obrigação anterior, de que resultou o crédito em conta corrente;
c) A compensação recíproca entre os contraentes até à concorrência dos respectivos créditos;
d) A exigibilidade só do saldo resultante da conta corrente;
e) O vencimento de juros das quantias creditadas em conta corrente a cargo do debitado desde o dia do efectivo recebimento.
- O lançamento em conta corrente de mercadoria ou títulos de crédito presume-se sempre feito com a cláusula "salva cobrança".
2.1. Através deste contrato, duas pessoas obrigam-se a inscrever em partidas de débito e crédito valores correspondentes a remessas de numerário ou de outras mercadorias que reciprocamente se façam. Todavia, as partes não se vinculam a fazer entregas de dinheiro ou de mercadorias, mas sim a converter os respectivos valores em artigos de deve e haver; por isso, os objectos do contrato são os lançamentos.
2.2. No âmbito deste contrato, a nenhuma das partes assiste a faculdade de reclamar qualquer outro crédito de forma isolada, mas apenas o saldo que a conta apresentar, no final do contrato ou no termo do prazo convencionado. Por isso, o elemento fundamental do contrato não é a forma de contabilização dos créditos recíprocos, mas a estipulação prévia sobre a forma como uma parte pode reclamar da outra o saldo liquidado.
2.3. A este propósito, decidiu o Supremo Tribunal de Justiça (Ac. STJ, 12.06.1986, BMJ, 358, p. 558): "O contrato de conta corrente, regulado nos artigos 344º e seguintes do Código Comercial, pressupõe que as partes tenham convencionado proceder, entregando valores uma à outra e obrigando-se a transformar os seus créditos em artigos de "deve e haver", quanto aos créditos recíprocos e a só considerar exigível o saldo final, pelo que não existe tal contrato quando as partes adoptam o processo contabilístico de efectuar os lançamentos dos débitos e dos créditos resultantes das suas operações ou transacções com o consequente saldo credor ou devedor".
3. Diferente, é o documento através do qual se formaliza de modo contabilístico a exteriorização de relações comerciais. O simples facto de uma pessoa singular ou colectiva elaborar uma conta corrente onde lança todos os movimentos a crédito e a débito que expressam as relações entre ele e outrem não significa que exista um contrato de conta corrente, na medida em que esse processo contabilístico de escrituração de transacções, em rubricas de "deve" e "haver", "débitos" e créditos" é comum a comerciantes e não comerciantes - o que não se confunde com a existência de uma convenção entre as partes no sentido de lançarem a débito e a crédito os valores que reciprocamente tenham que entregar uma à outra e de se exigir apenas o saldo final que se venha a apurar.
4. Conforme decidiu o recente Acórdão da Relação do Porto, de 18.05.2004 (proc. 0421597, www.dgsi.pt), "Tal contrato [de conta-corrente] nada tem a ver com a conta corrente contabilística (que é tão só o processo de registo contabilístico de operações efectuadas a crédito e débito), pela qual se exprime numericamente o movimento ou resultado de qualquer operação ou transacção, que por sua vez se traduz num saldo credor ou devedor; por outras palavras, não se confunde com a forma técnica de o comerciante, sem intervenção do seu cliente ou fornecedor, registar numericamente o movimento das suas transacções, designadamente fornecimentos ou empréstimos e respectivas amortizações, ou seja, com a técnica de escrituração, através de descrições genéricas de lançamentos em forma de conta corrente, com que ele, unilateralmente, vai exprimindo o seu giro". No mesmo sentido, decidiu a Relação de Lisboa (Ac. RL, 15.04.1999, BMJ, 486, p. 357), "O registo de operações comerciais segundo a técnica contabilística de inserção de colunas de deve e haver, vulgarmente designado por conta corrente, constitui realidade essencialmente diversa do contrato de conta corrente a que se reporta o artigo 344º do Código Comercial".
5. Nesta conformidade, a parte que pretenda invocar o contrato de conta corrente, tem que alegar os factos referentes ao acordo (o "ajuste") havido entre as partes, a vontade recíproca de ambas no sentido da transformação dos seus créditos em artigos de "deve" e "há-de haver", com a exigibilidade apenas do saldo final para o período de vigência do contrato, isto é, mediante a compensação recíproca de créditos e débitos, com a exigibilidade da diferença.
6. A não existir contrato de conta corrente, a parte não deve subsumir (quer em sede do processo de injunção, quer nas acções declarativas comuns) a factualidade correspondente a esse contrato. Mas, conforme decidiu a Relação de Évora (Ac. RE, 14.03.1996, CJ, II, p. 273), "não existe um contrato de conta corrente quando as partes se limitam a elaborar meras contas contabilísticas. A existência destas contas não obsta a que se faça prova das transacções por quaisquer meios probatórios admitidos por lei"».
, sem que, realce-se bem, tudo fosse contabilizado ou houvesse sempre documentos de suporte.
Repare-se, por exemplo, que a testemunha JA referiu que o PA se reuniu consigo e lhe confidenciou (apenas de uma forma verbal, nunca tendo entregue qualquer documento manuscrito) que havia despesas pessoais do arguido pagas pelo clube e que havia uma conta-corrente entre o arguido e o clube, alimentada apenas por aquilo que o arguido comunicava verbalmente, não havendo qualquer documentação de suporte.
Acrescente-se, também já agora, que os vários documentos designados de “conta-corrente” constantes dos autos (as de 96 e 97 perderam-se, segundo dizem as testemunhas, em especial a testemunha PA) não traduzem, de modo algum, a movimentação dos reais adiantamentos do arguido e os reembolsos do clube, sendo absurdo alguém ter a veleidade de afirmar que através deles se pode determinar o “saldo” a crédito ou a débito do arguido. É simplesmente impossível, nomeadamente porque nem tudo era ali lançado (alguns pagamentos ainda aguardam recibo por parte do arguido) e, em especial, porque parte da documentação contabilística, pura e simplesmente, …desapareceu.
Desapareceu!
E qualquer juízo, mesmo por recurso à exclusão, que se faça sobre tal facto é especulativo e antijurídico, podendo, perigosamente, influenciar outros aspectos a decidir.
Além da presunção da inocência do arguido (não permitir a influência, mesmo que subliminar - As influências subliminares são aquelas que não ultrapassam o limiar da consciência. Em psicologia, diz-se dos estímulos de fraca intensidade que, quando repetidos, actuam no indivíduo ao nível do subconsciente, podendo interferir na sua conduta sem que ele se aperceba, ou seja, de forma subliminal.
, destas situações é, de facto, respeitar integralmente o princípio da presunção de inocência), este facto apenas pode servir como mais um contributo de apoio à afirmação acima feita, de que numa situação de deve e haver ao longo de vinte e quatro anos, com documentos perdidos (ou extraviados) e com a existência de movimentos e contabilidade paralelos (saco azul; também parcialmente perdida ou destruída), não é possível refazer o saldo final.
E, no que ao caso M diz respeito, para além da forma como o Tribunal analisou a prova, é também decisivo, como diz o arguido na sua resposta, a fls. 7.318, que o negócio de cessão dos jogadores (fls. 854 e 855) foi celebrado entre o Esporte Clube Clube e o Clube de Guimarães, e o facto (estranho mas verdadeiro!) de os passes dos jogadores (que jogaram pelo clube) não serem contabilizados.

Com incidência mais oportuna sobre esta matéria, veja-se como no acórdão recorrido se resume o que disseram as testemunhas:

Inspector Sacramento Monteiro:
Por outro lado, esta testemunha confirmou o desaparecimento/ausência de muitos documentos na contabilidade, designadamente e para além do já referido, o livro de actas da direcção, os elementos relacionados com as transferência de jogadores, relativas aos anos de 95 a 97, e ainda de vários ficheiros informáticos.

Inspector Alberto Baptista:
…foram apagados vários ficheiros do Clube, sendo que alguns deles foram possíveis recuperar. Isto sucedeu apenas nos ficheiros que não foram alvo de um reinscrição, pois que nesses, cujo número rondava os 350, não foi possível recuperá-los.
Quanto à data em que os mesmos foram apagados, referiu não conseguir precisar, apenas podendo referir que os ficheiros apagados e não recuperados, tinham sido criados durante os anos de 96 a 2003, inclusive.

PA:
Referiu também que, nos anos de 96 e 97, as documentações suportes da compra e venda de jogadores desapareceram do clube, não sabendo quem foi o autor de tais actos, apenas referindo que havia muita gente com livre acesso a esses documentos.
Acrescentou também que desapareceram os livros de actas da direcção e vários registos informáticos relativos aos anos de 95 e 96, desconhecendo quem foi o autor de tais factos, bem como a data desse desaparecimento.
Quanto às letras a que se referem o extracto de conta constante no apenso XLIII, fls. 168 e 169, esta testemunha explicou que o Clube não conseguia proceder ao seu desconto, por falta de crédito na banca, tendo essas letras sido descontadas na conta da esposa do arguido, com perfeito conhecimento e total controlo por parte do Clube.

P (director do clube):
Quanto aos jogadores, P, R e E, referiu que era sua convicção que os jogadores eram do Clube, mas que o arguido A os tinha pago, sendo ressarcido logo que pudesse.
Acrescentou ainda que tal situação era normal, uma vez que o Clube atravessava dificuldades financeiras, sendo que o arguido, muitas vezes, punha dinheiro no clube para solucionar problemas, sendo que o Clube apenas lhe pagava quando tivesse dinheiro e sem juros (as contratações de … são exemplos disso).
Questionado sobre a existência de uma conta corrente entre o clube e o arguido e se tais empréstimos eram contabilizados nessa conta, esta testemunha afirmou desconhecer, apenas referindo que quem tratava da contabilidade era a testemunha PA e que, como tal, era ele quem poderia melhor esclarecer estas questões.
Além disso, também acrescentou que muitas vezes, o arguido A, avalizava empréstimos do clube, sendo que se recorda de uma situação concreta, na qual também foi avalista, em que o Clube precisava de cerca de 200 mil contos para fazer face a despesas com jogadores e que o aval do arguido permitiu o empréstimo desse montante junto do Finibanco.

D (o denunciante):
Referiu também que ignorava a existência dessa conta e que, por uma questão de transparência, entendia que a mesma deveria integrar as contas do clube, o que nunca se sucedeu. Por fim, afirmou que em 98 o saldo dessa conta-corrente era nulo e que em 99 e 2000, o arguido já figurava novamente como credor do clube. Tal facto, na sua óptica, apenas se pode dever à adopção de uma técnica contabilística diferente, ou então a uma dívida do clube contraída nesses anos.

MF:
Sobre a possibilidade do arguido A comprar jogadores e de os ceder gratuitamente ao Clube, esta testemunha confirmou-a, apontando os casos de …, entre outros, como exemplo. Já no que concerne ao jogador P afirmou que apenas ouviu falar que o passe do mesmo tinha sido adquirido pelo arguido A, nada mais sabendo. Por outro lado, também referiu ter conhecimento da existência de uma conta-corrente entre o Clube e o arguido A, mas que nunca mexeu nessa conta, com excepção de despesas menores, como o pagamento de quotas, que entregava á testemunha Antero para contabilizar. No entanto, sabia que o Presidente adiantava dinheiro ao clube para compra de jogadores e que depois era ressarcido.

Isto, como parece óbvio, chancela o caminho seguido pelo Tribunal e responde, a nosso ver cabalmente, às questões suscitadas pelo Digno recorrente e, como a seu tempo se verá, pelo assistente.
Insiram-se, e, no que for preciso, comentem-se pontualmente, os argumentos do recurso.
Diz-se assim:
Vão-se especificar nesta motivação os depoimentos da testemunhas inquiridas em sede de audiência que impunham decisão diversa da recorrida

Como já se salientou, o Digno recorrente não indica depoimentos que impõem decisão diversa, pois utiliza os mesmos depoimentos que o Tribunal ouviu e analisou.
Apenas aproveita alguns excertos concretos, mas, mesmo assim, sem ganho de causa, pois, ou deles não se retiram as conclusões que pretende, ou essas conclusões não servem para abalar a fundamentação do Tribunal.
*
Também é certo que se discorda da forma como se apreciaram os documentos (contratos) de fls. 852 a 870.
O Colectivo funda a sua convicção na valoração/interpretação destes documentos, considerando que apontam claramente em sentido contrário, ou seja, no sentido de que os passes dos jogadores C, R e E fossem do CLUBE e não do arguido, tal como aponta a pronúncia.

O Colectivo (temos que insistir, e muitas vezes mais iremos repetir, subentendendo a harmonia de tudo o que já se disse) foi claro e preciso nas provas que considerou e nos juízos que delas extraiu, sopesando até, e com exaustão, as provas que, aparentemente, poderiam levar a conclusão contrária. Mais não lhe era exigível.
E em reforço desses juízos, veja-se o que o arguido diz na sua resposta:
6. Nota-se que o recorrente pretende fazer passar a sua visão da prova, truncando-a, e aditando, em argumento complementar, raciocínios e conclusões e não propriamente provas.
(1) Assim, o facto de o contrato apenas conter a assinatura do arguido e não ter sido objecto de contabilização no clube não são elementos decisivos para formar uma decisão contrária à assumida pela decisão recorrida, porquanto: (i) o facto de ser necessária mais do que uma assinatura para vincular o clube apenas implica que o mesmo pudesse invocar o supra referido vício, que não fez e (ii) a não contabilização é um acto alheio ao negócio jurídico celebrado pelo que não pode ser chamado como prova da sua existência ou não.
Refira-se a este propósito, aquilo que ficou adquirido na audiência de julgamento, relativamente à existência de um saco azul, como demonstração que a ausência de contabilização no clube de certos valores; ora isso retira valor ao argumento da ausência de contabilização formal.
(2) Irrelevante é também o momento em que o contrato foi processualmente adquirido e alegada «mentira» à Juiz de Instrução pois que isso nada permite provar quanto ao seu conteúdo e à materialdade subjacente;
(3) Igualmente não vale para fundar a tese do recorrente o documento constante a fls. 128, 1º Volume dos autos se tratar de um documento que ao contrário do que pretende o recorrente no qual não consta que os passes eram propriedade do arguido mas tão só que estes haviam sido pagos pelo arguido.
A experiência comum evidencia que se o arguido fosse dono de passes de jogadores (i) não só teria havido conhecimento público do facto (ii) como o teria reclamado, em termos de estes autos terem disso conhecimento.
(4) Há na mesma linha de raciocínio que desconsiderar o ter havido outros empréstimos efectuados pelo arguido com a respectiva contabilização dos mesmos, pois que: (i) tais empréstimos nada têm que ver com o negócio jurídico em causa (ii) como não é o facto de haver certos movimentos que são levados à contabilidade e outros não que permite extrair no caso qualquer conclusão, tanto que estamos a falar de uma contabilidade que não foi encontrada mas parcialmente reconstituída e de modo mais do que duvidoso, com lacunas e imprecisões, como decorre do exame pericial efectuado e dos esclarecimentos periciais prestados.
(5) As declarações da testemunha PA, contabilista do clube assistente, segundo o qual quando não recebia um contrato de aquisição tratava a situação como empréstimo é reveladora do desconhecimento deste no que se refere ao facto em apreço pelo que logicamente não pode sustentar a prova do contrário conforme pretendido pelo recorrente.

Têm cabal acolhimento estes argumentos do arguido.
E, para quem tenha dúvidas, consulte-se o extracto do boletim de transferência, comprovativo de que da conta do arguido saiu a quantia de 505.617,98 USD, destinada ao Esporte Clube Clube - Apenso XXXIII, Vol. 2º, fls. 31:

De : COMPAGNIE BANCAIRE ESPÍRITO SANTO SA
LAUSANNE SUÍÇA
Para : CHASE MANHATTAN BANK, THE
NEW YORK
NEW YORK, UNITED STATES
Data: 28/01/2000 15:02
MT202 : TRANSFERÊNCIA BANCÁRIA (20 ) N.º REF. DA TRANSACÇÃO
(21 ) REF.DA MENSAGEM DE ORIGEM (32A) DATA VENC., DIV, MONTANTE
(52A) BANCO OEDENANTE
(57A) CONTA JUNTO DE
OGNI/COUV/1869
OGNI/1868
VALOR 01. FEV.OO
DIVISA USD
MONTANTE 505.617,98
/544.0.65929
CFESCH22XXX
COMPAGNIE BANCAIRE ESPÍRITO SANTO
LAUSANNE SUÍÇA
IRVTUS3NXXX
BANK OF NEW YORK
NEW YORK UNITED STATES

É óbvio que, tendo sido comprados os três jogadores para o clube com o dinheiro do arguido, este, mesmo com os métodos contabilísticos que utilizava regularmente, tinha que se pagar daquele montante!
*
Na nossa perspectiva, há aqui erro notório na apreciação da prova, já que, por forma manifesta e sem adequada justificação, se deram como provados factos, partindo do incorrecto pressuposto que esses documentos têm um determinado valor probatório, não tendo qualquer valor, ou pelo menos deles não se podem extrair as ilações que o Colectivo deles extrai.

Na falta de provas que imponham decisão diversa, o Digno recorrente revela a sua perspectiva sobre o valor probatório dos documentos de fls. 852 a 870, esquecendo por completo a justificação do Tribunal. Deste modo, regista-se apenas a perspectiva, mas não se abala aquela justificação.
Consigne-se que, a haver erro do Tribunal, seria erro de julgamento e não erro notório na apreciação da prova.
O erro notório na apreciação da prova tem que resultar de um desacerto lógico tão evidente e grosseiro que qualquer pessoa comum dele se apercebe e não admite.
Como resulta expressamente do artº 410º, nº 2, al. c), não releva para este efeito o simples erro na apreciação da prova, que cai no âmbito da livre apreciação do Tribunal, mas sim o erro notório, isto é, aquelas situações em que, face à prova produzida, seja por que meios for, se dá como provado um facto e um seu antagónico ou quando se dá como provado um facto em desconformidade com a prova produzida, tudo por tal forma que, face às regras da experiência comum e à lógica do homem médio, se impunha decisão unívoca ou contrária à que o Tribunal tomou.
São exemplos, a prova de que um arguido estava às 10H00 de um dia em Coimbra e que às 10H30 desse mesmo dia estava em Lisboa e aquele em que se diz que um arguido deu um tiro procurando atingir o coração da vítima, que efectivamente atingiu e esfacelou, e se dá como provado que não houve intenção de matar - cf. Maia Gonçalves, C.P.Penal Anotado, 12ª ed., 779.
Ora, enquanto o erro notório (e por isso, até, de conhecimento oficioso) deve ser mostrado através dos factos provados e não provados, a convicção do Juiz, de modo livre formada, e fundamentada, só pode ser atacada pela demonstração da sua arbitrariedade, discricionariedade ou irrazoabilidade, ou seja, através de atributos diametralmente opostos aos critérios da livre apreciação pelos quais o Juiz tem que se reger.
E não é o caso.
A perspectiva apresentada pelo Tribunal baseia-se nas mesmas provas que o Digno recorrente invoca e, como se disse, apela a juízos coerentes; a perspectiva do Digno recorrente é apenas possível, mas esbarra naqueles mesmos juízos, ou seja, se se desse como provado que os passes dos jogadores eram do arguido, estava-se a contrariar o sentido mais lógico - e valor probatório; cf. artº 376º do Código Civil - dos documentos: a cedência dos passes foi feita ao Clube de Guimarães (é de somenos relevo o facto de ter sido o clube a inscrevê-los na Federação) e não há registo de saídas de dinheiro para a sua aquisição.
Além disso, como se diz no acórdão, o teor desses contratos apenas poderia ser posto em causa, se houvesse elementos concludentes que apontassem em sentido contrário, o que não existe. Com efeito, não foi apurado que a venda dos passes daqueles 3 jogadores tivesse gerado alguma contrapartida financeira, para quem quer que seja, nomeadamente para o Clube ou para o arguido, sendo que só o jogador P é que gerou alguma mais-valia e o passe de tal jogador foi alugado ao Clube da Bahia, tendo, esse clube, pago 120.000 USD ao cedente, nomeadamente ao Clube, pelo que, independentemente do destino que foi dado a esse dinheiro - Sobre estes 120.000 USD, o Tribunal diz o seguinte:
Por outro lado, há que esclarecer que, não obstante a acusação separar a conduta do arguido no que concerne ao negócio do aluguer do passe do jogador P e da venda do passe do jogador M, é óbvio que tais condutas não podem ser dissociadas. Com efeito e tendo em conta a versão apresentada pelo arguido, bem como aquilo que foi considerado como assente por este Tribunal, torna-se óbvio que a conduta do arguido A relacionada com a venda do passe do jogador M, nomeadamente a transferência e a apropriação de 90 mil contos, via Sport Ldª, bem como o aluguer do passe do jogador P, na parte em que não excede o valor que havia gasto com a aquisição do passe dos jogadores P, E e R, não configura qualquer ilícito criminal, pois que não houve qualquer enriquecimento por parte do arguido., certo é que o assistente, representado pelo arguido A, actuou como proprietário do passe, o que constitui igualmente um elemento a favor da veracidade dos contratos constantes a fls. 852 a 870.
*
As regras da experiência comum, aliada a documentos constantes dos autos retirados de um computador existente na sede do Clube, computador que foi examinado, e cujo software e informação foram alvos de avaliação especializada por parte da Polícia Judiciária, permitem neutralizar o valor que esses documentos aparentemente traduzem.
Os documentos de fls. 852 e segs. foram juntos aos autos pelo arguido A. Pela sua análise, são documentos originais, exclusivamente assinados pelo arguido PM, em alegada representação do clube, Sem a assinatura de outro director do CLUBE.

Cá estão mais conclusões de perspectiva, mas apenas isso, pois a justificação do Tribunal é, como já se disse, a mais coerente, invalidando também a invocação de que os documentos de fls. 852 e segs não estavam nos serviços administrativos do Clube que o arguido representava, mas na sua posse.
*
Mais diz o Digno recorrente:
Aliás, no depoimento a testemunha PA referiu em audiência:
P: Lembra-se de uma transacção dos jogadores P, Evandro e R?
T: Tenho uma vaga ideia da vinda deles. Da transacção referir a venda deles isso não tenho.
P: Tem alguma ideia de ter havido reflexo contabilístico dessa transacção?
T: Do P não.
P: P, Evandro e R.
T: P, Evandro e R? Não. Se realmente foi feito não tenho ano.
P: Sabe quem era o verdadeiro titular do passe destes jogadores?
T: Não faço ideia.
P: O Sr. Presidente nunca o esclareceu nada sobre estes pontos?
T: Não. Eu não fazia parte da direcção, como funcionários não era uma coisa que discutíssemos.
P: Terá havido aquele empréstimo, sabe-me dizer? Empréstimo dos jogadores ao clube?
T: Eu sobre isso e pelo que li nos jornais, li qualquer coisa sobre um empréstimo.
P: Sem jornais.
T: Pois, se realmente for falar do clube…rigoRmente nada. Se esquecer o que li, rigoRmente nada. Dentro do Clube nunca fui informado.

Como se vê, o extracto transcrito não abona a tese do Digno recorrente, antes corrobora a decisão recorrida.
*
Ou seja, ainda há um outro elemento de prova fulcral: esses contratos não estavam contabilizados nos serviços próprios do clube, pelo que se devem dar tais documentos de fls 852 e segs por impugnados.

A questão da não contabilização dos passes dos três jogadores em questão foi mais que esclarecida pelo Tribunal, nada dela se retirando a favor da propriedade do arguido, e é processualmente impróprio, nesse sentido, invocar-se a hipótese de o arguido vir a fazer a sua reivindicação no caso de esses jogadores terem gerado mais-valias. Hipótese é apenas uma possibilidade não demonstrada e, jurídico-penalmente, não pode ter qualquer relevo.
Newton detestava hipóteses. Via nelas todos os erros flagrantes e prejudiciais do passado. Por «hipóteses» referia-se ao tipo de explicações que os escolásticos imaginavam para explicar os fenómenos naturais, a teoria dos elementos, a suposição da quintessência… E estava mais do que disposto a admitir aquilo que não sabia.
A coisa mais importante que ele não sabia era a causa, ou causas da gravidade. Não tinha dúvida de que a Terra e os outros planetas eram mantidos nos seus trajectos pela gravidade do Sol, mas não sabia porquê. Mas «não crio hipóteses», declarava, «pois tudo aquilo que não é deduzido a partir dos fenómenos deve ser chamado hipótese», e as hipóteses «não têm lugar» na ciência - Charles van Doren, Breve História do Saber, Caderno, 2ª ed., pág. 259.
Em direito, é erro palmar e capital de processo sustentar-se uma tese através de hipóteses, tal como revelar uma convicção nas entrelinhas, pois assim sai gravemente violado o já aludido princípio da presunção de inocência.
*
Parece que o facto do arguido ter uma conta-corrente com o clube CLUBE (apenso XLIII, vol. I - extracto de conta corrente entre o clube e o arguido) de que era Presidente da Direcção, é indiciário, só por si, de que o arguido comprava, para seu próprio proveito, os direitos financeiros dos passes dos jogadores, fazendo trocas com o clube nessa matéria, aparecendo simultaneamente nos dois lados da mesma mesa negocial: como dono dos passes e cedente/vendedor dos mesmos, por um lado, e como presidente da direcção, em representação do CLUBE, este como cessionário/comprador, por outro lado, intervindo em cada uma dessas relações contratuais nessa dupla veste.
Para nós, a compreensão da função da predita conta-corrente ganha sentido no facto do arguido se arrogar, perante os serviços de contabilidade, titular dos passes de alguns jogadores, que eram da sua titularidade pessoal, dispensando-se, de forma confortável, de exibir documentação de suporte que provasse tal realidade; por outro lado, esse centro de custos permitia ao arguido registar a seu crédito dinheiros que escapavam ao controlo dos serviços administrativos e da contabilidade (a lógica dos sacos-azuis). E como se arrogava dono dos passes dos jogadores que figuravam no plantel da equipa do CLUBE, o arguido surgia como credor do clube nessa medida, lE a que os serviços de contabilidade lhe pagassem, mesmo, contas da gestão da sua vida particular.

Quod erat demonstrandum…
Releia-se a fundamentação do Tribunal.
Estas proposições são apenas influenciadas pelo assumido modelo de gestão do arguido e são meramente conclusivas, ou seja, a sua força reside nas inerentes conclusões em si mesmas, que não no respeito absoluto dos factos.
*
O arguido metia dinheiros do clube nas suas contas pessoais sem que existisse, na contabilidade, documentação que validasse a existência de qualquer fluxo financeiro a seu favor, porque tudo funcionava sob a sua égide e o seu controlo.
Salvo o devido respeito, o raciocínio do acórdão ao não dar como provado que os jogadores E, R e C fossem da titularidade do arguido A atinge de forma substancial e em parte a lógica da pronúncia.
A resposta à questão da titularidade dos passes desses três jogadores brasileiros é uma questão charneira deste processo e bate directamente na questão da relação ou não-relação entre os segmentos M e os jogadores brasileiros. Só com uma resposta cabal a tal questão da titularidade dos passes dos jogadores C, R e E se poderá justificar, ou não, qualquer alegada apropriação de dinheiros do clube, por banda do arguido, visando uma legítima compensação.

Lá isso é verdade, mas não o é menos que o Tribunal deu resposta cabal à questão, e …a lógica da pronúncia não foi confirmada - Note-se o que, a fls. 878, aquando do primeiro interrogatório do arguido, a Mmª Juíza de Instrução, consignou (excluindo os sublinhados):
As declarações hoje produzidas pelo arguido em sede de interrogatório, trouxeram uma visão aos autos até hoje desconhecida dos mesmos.
Só uma exaustiva descrição dos factos indiciados, como a que caracterizou os mandados de detenção emitidos pelo M.P., permitiu o exaustivo estabelecimento do contraditório, dando-se ao arguido a hipótese de se defender.
Ao fazê-lo do modo em que o fez, o arguido abriu seguramente o leque das hipóteses a colocar para compreensão do caso, bem como das provas ainda por compilar pelos investigadores.
Se a tese do arguido enferma de alguma fragilidade ao assentar em prova documental só hoje junta, e que não foi possível aos investigadores recolherem nas buscas às instalações do clube e às residências do arguido, anteriormente realizadas, a verdade é que ela, por outro lado, traz aos autos a estratégia da defesa.
Em suma, a grande questão a definir, provavelmente até ao final deste processo, será a de saber se com esta direcção excessivamente “personalizada” do clube por parte do arguido, aquele sofreu ou não prejuízos.
. Ataque-se a lógica da decisão, não as suas consequências.
E os argumentos contraditórios também não nos sensibilizam.
É que, bem lida a motivação ora transcrita, nela acaba por se reconhecer, afinal, aquilo que começámos por afirmar, isto é, a influência da adjectivação da gestão do arguido e a impossibilidade de, através de escrituração contabilística, se determinar o saldo das contas entre o arguido e o clube.
Aliás, é o próprio Digno recorrente quem afirma o seguinte:
…um facto peculiar: o arguido tinha uma conta corrente com o clube.
É verdade: o arguido tinha um centro de custos com o clube; fazia trocas com o clube; aparecia como terceiro/fornecedor. (…)
Aliás, já que parte da contabilidade de vários anos desapareceu, não há elemento probatório válido, suficiente e seguro que permita que se possa afirmar com segurança que o arguido tenha injectado dinheiros no clube. Aliás, o arguido A não juntou documentação nesse sentido.
Apenas se prova plenamente por vários documentos, os dinheiros que o arguido retirou/desviou do clube e meteu abusivamente nas suas contas.

E o contrário??? E o princípio in dubio pro reo???
Não será esta uma visão demasiado parcial (cega) das coisas???
Aliás, o Digno recorrente também chega a afirmar o seguinte:
No que se refere à conta corrente que o arguido A tinha com o clube é de notar que as aberturas a crédito a favor do arguido não estão documentadas. Ora, contabilidade indocumentada não vale como prova.

E a contabilidade desaparecida vale como prova???
Ao que consta (e referimo-nos apenas aos extractos de prova invocados na decisão; não a factos - quase notórios, nos termos do artº 514º, nº 1 do C.P.Civil), e, de resto, com possível suporte em alguns depoimentos, a gestão do arguido, que durou 24 (vinte e quatro) anos, foi sempre sancionada, quer pelos órgãos sociais do clube, quer nas sucessivas eleições.
Com maior ou menor “presidencialismo” (havia na acusação, e, por dificuldade manifesta, foram transpostos para a decisão, inúmeras afirmações conclusivas e puros conceitos e juízos de valor - O juízo de valor analisa-se numa afirmação contendo uma apreciação ou opinião— o que define as opiniões e as distingue das afirmações de facto é o elemento da tomada de posição: ou se é a favor ou se é contra; o mesmo é dizer que no juízo de valor a afirmação é composta por elementos da posição ou opinião própria — se ela é correcta ou incorrecta é questão de convencimento pessoal.
E como a linguagem dos valores não pode ser reduzida à linguagem lógica ou à linguagem descritiva, para provar um juízo de valor não se pode recorrer nem à demonstração lógica nem à verificação empírica, mas apenas a argumentos de carácter subjectivo – cf. Ac. TRG, Pº nº 660/06, rel. Miguez Garcia., que, na amálgama factual podem acabar por ter influência negativa para o arguido
- Veja-se, por exemplo, o teor (aliás, correctíssimo) do ponto 3 da matéria de facto e a ligação adicional - por outro lado… - que dele se faz no ponto 4, parecendo, por força de tal ligação, descarregar-se aqui, sem qualquer sentido, o “absolutismo” do arguido como causa (ainda que aparente) da impossibilidade de controle por causa do desaparecimento de actas e documentos:
3 - No exercício das suas funções, o arguido A limitava-se, a maior parte das vezes, a comunicar aos restantes membros das sucessivas Direcções com que trabalhou e aos Serviços de Contabilidade e de Tesouraria do CLUBE, doravante designados apenas por Serviços, os procedimentos por si adoptados, ocultando, muitas vezes, a ambos (Direcções e Serviços), as condições em que se processavam as contratações, aquisições, vendas, empréstimos e transferências dos jogadores de futebol do CLUBE.
4 - Por outro lado, impossibilitando qualquer tipo de controlo, os Serviços do CLUBE viram desaparecer as actas das reuniões de Direcção posteriores a 1995, documentos de suporte relacionados com lançamentos contabilísticos respeitantes a transferências de jogadores do CLUBE durante os anos de 1995 a 1996 e eliminação de ficheiros informáticos da base de dados.
5 - O arguido A tinha um absoluto controlo interno no CLUBE, apresentando-se como detentor de capacidade económica susceptível não só de afastar qualquer juízo de suspeita acerca de um eventual aproveitamento de fundos do CLUBE em seu proveito e dos seus familiares mais próximos, mas ainda o de que, sem essa sua capacidade o CLUBE não teria viabilidade.

E veja-se, também, a leitura que se faz no recurso do Ministério Público:
21ª.- Toda a prova, até a documental, é fortemente demonstrativa de que o Arguido A, que exercia a direcção de modo marcadamente presidencialista, teve conhecimento desse processo de reformulação da acta.
28ª.- Não se vê que qualquer outro membro de órgão social ou funcionário do clube tivesse interesse material na reformulação da acta, coisa que só interessava à direcção; e como direcção tinha cunho marcadamente presidencialista, onde nenhum assunto da vida do clube escapava ao controlo do arguido A, a questão não podia deixar de passar necessariamente pelo seu conhecimento.
29ª.- Assim, deve-se considerar provado que o arguido teve conhecimento da preparação das negociações e da reformulação da acta.
(…)
O arguido metia dinheiros do clube nas suas contas pessoais sem que existisse, na contabilidade, documentação que validasse a existência de qualquer fluxo financeiro a seu favor, porque tudo funcionava sob a sua égide e o seu controlo.
- - Igualmente influentes podem ser - e são bem escusadas - afirmações genéricas e generalizantes provindas, desde logo, do inquérito, citando-se, como exemplo, a seguinte, constante do relatório final, a fls. 3680:
Decorre da experiência que qualquer investigação que vise o mundo do futebol, reveste-se sempre de especiais dificuldades, que pela impenatrabilidade conferida pelos pactos de silêncios (ou versões concertadas) que se geram entre os seus agentes, quer pelos conluios e malhas apertadas de interesses obscuros e/ou ilícitos que se vão tecendo entre uns e outros, quer ainda pela volatilidade e confidencialidade com que se revestem os seus negócios. Enquanto isso, assiste-se à deterioração da situação económica e financeira da generalidade dos clubes de Futebol, na medida inversa do enriquecimento exteriorizado pelos seus agentes, quer sejam empresários de jogadores, dirigentes, jogadores, ou outros que normalmente gravitam no mundo do futebol.

E do mesmo relatório, a fls. 3706, cita-se o seguinte:
Isto é, se a presente investigação não tivesse tido origem, e A não tivesse sido confrontado com os factos, é de crer, com base no atrás exposto, que o mesmo, com o domínio absoluto e centralizador que tinha no clube em matéria de transferências de jogadores, que, mais tarde, aquando da venda ou empréstimo dos jogadores a clubes terceiros, o mesmo viesse (provavelmente) a reclamar para si os proveitos desses eventuais negócios…

E a fls. 3754, mais consta o seguinte:
No CLUBE, do qual foi Presidente da Direcção entre 1980 e 07-06-04, A, concentrou na sua pessoa toda a condução e decisão de praticamente todos os actos de gestão do clube, do qual emanavam ainda todas as instruções (relevantes) relativas á organização e modo de funcionamento dos serviços, tendo a presidência sido de tal forma marcada pela sua personalidade, que, em algumas áreas de gestão do clube, se confundia com o seu interesse pessoal/privado. Recorde-se a este propósito, a forma como A “retirou” ao clube a “comissão” de 90 mil contos do caso M.

A propósito, e deste mesmo relatório, consigne-se o que também se diz a fls. 3756, ponto 10.13:
Emergiu ainda de forma clara na presente investigação, a existência de uma acentuada “promiscuidade” entre os dinheiros provenientes da actividade do CLUBE e os dinheiros existentes em contas particulares do arguido e/ou familiares…

Também já agora, cite-se o seguinte excerto, de fls. 3759, ponto 11.2:
Assim, o referido desaparecimento generalizado em 1996 e 1997 de documentação de suporte relativa à transferência de jogadores, assim como a eliminação mais recente de ficheiros da base de dados da Contabilidade do clube, força-nos a admitir como provável que tais “ocorrências” no interior do CLUBE - do qual A era Presidente, Director Financeiro e genericamente figura centralizadora do poder do clube (esta afirmação intercalar é sintomática) - mais não representarão que acções (ou tentativas disso) de alguém que ao sentir-se ameaçado pelo aprofundamento da investigação em matéria de transferência de jogadores, optou, como último recurso, pela via do descaminho ou destruição de eventual informação comprometedora.-
- Apesar de alguma natural influência sobre a “gestão” do arguido, note-se o elevado cuidado com que a Mmª Juíza de Instrução, por seu lado, traduz a impressão que lhe causaram as declarações do mesmo, ainda que valorizadas apenas em sede de determinação da medida de coacção.
Diz assim, repetindo-se a transcrição (fls. 878):
As declarações hoje produzidas pelo arguido em sede de interrogatório, trouxeram uma visão aos autos até hoje desconhecida dos mesmos.
Só uma exaustiva descrição dos factos indiciados, como a que caracterizou os mandados de detenção emitidos pelo M.P., permitiu o exaustivo estabelecimento do contraditório, dando-se ao arguido a hipótese de se defender.
Ao fazê-lo do modo em que o fez, o arguido abriu seguramente o leque das hipóteses a colocar para compreensão do caso, bem como das provas ainda por compilar pelos investigadores.
Se a tese do arguido enferma de alguma fragilidade ao assentar em prova documental só hoje junta, e que não foi possível aos investigadores recolherem nas buscas às instalações do clube e às residências do arguido, anteriormente realizadas, a verdade é que ela, por outro lado, traz aos autos a estratégia da defesa.
Em suma, a grande questão a definir, provavelmente até ao final deste processo, será a de saber se com esta direcção excessivamente “personalizada” do clube por parte do arguido, aquele sofreu ou não prejuízos.), a verdade é que, durante tanto tempo, foi eleito e reeleito, sempre com resultados desportivos de relevo (cf. www.zerozero.pt) e, afinal, depois de tantos negócios ocultos, apenas se lhe apontam dois abusos!!!
Dois abusos que cabia à acusação provar, mas que, na parte ora em análise, pura e simplesmente não conseguiu e, por isso, improcedem as respectivas conclusões.
*
Vejamos agora a questão da acta nº 24, recordando-se que se deu como provado o seguinte:
91 - No dia 17 de Maio de 1996, realizou-se uma Assembleia Geral Extraordinária, nas instalações do Clube, tendo sido lavrada a respectiva Acta, a que coube o número vinte e quatro, nela se narrando que: “Depois de comunicar à Assembleia Geral o ponto de trabalhos, o sr. Presidente da Assembleia, deu a palavra ao Exmo. Presidente da Direcção que por sua vez fez um esclarecimento total das pretensões da Câmara Municipal, na aquisição de franjas de terreno pertença do Clube S. C., e em contrapartida a Câmara prontificava-se a fazer um Campo relvado, um Campo pelado e a vedação de todo o terreno do Complexo Desportivo do Clube. O sr. Presidente da Direcção, por intermédio de um quadro gigante e da planta do Complexo, mostrou aos associados quais as franjas de terreno que poderiam ser cedidas, tendo em atenção sempre os interesses, e os benefícios para o Clube. Feitas todas as explicações e dado todos os esclarecimentos, o sr. Presidente da Assembleia Geral pediu aos sócios que se quisessem inscrever para usarem da palavra sobre o assunto, o fizessem.”
92 - De forma e em data não apuradas, pessoa não identificada, deixou cair, sobre a Acta número vinte e um do Livro de Assembleias Gerais, vários pingos de tinta permanente, logo fechando o respectivo livro, logrando espalhar a tinta de modo a abranger o conteúdo da acta em questão.
93 - Inutilizada a Acta, em vez de se proceder à sua rectificação em folha disponível no respectivo Livro, que havia, elaborou-se um novo Livro de Actas nele se redigindo todas as Actas constantes do Livro original.
94 - Para esse efeito, MF, solicitou a Custódio Garcia, elemento da Mesa que manuscreveu a anterior Acta número vinte e quatro, para transcrever todas as actas de um Livro para o outro, com excepção da Acta número vinte e um, a qual, por se encontrar ilegível, seria refeita por ela, MF, com a ajuda da gravação audio respectiva.
95 - Cumprindo as instruções, CG à transcrição das Actas até à número vinte, inclusive, entregando o Livro a MF, a qual, por sua vez, depois de transcrever não só a acta número vinte e um, conforme combinado, mas também as actas vinte e dois a vinte e quatro, inclusive, devolveu-lhe o Livro para que continuasse a transcrição das restantes, a partir do número vinte e cinco, o que fez.
96 - MF ao transcrever a Acta número vinte e quatro para o novo Livro fê-lo sem respeitar o conteúdo da Acta original, apesar de legível e intacta, ficando a constar com a seguinte nova redacção: “Depois de comunicar à Assembleia Geral o ponto da Ordem de Trabalhos, o Senhor Presidente da Assembleia Geral, deu a palavra ao Exmo. Senhor Presidente da Direcção, que de imediato prestou todos os esclarecimentos necessários sobre o conteúdo da proposta. Após a devida explanação passou a ler a respectiva proposta, a qual, no entretanto tinha sido distribuída pelos sócios presentes. Assim, reza o texto da proposta: Proposta – A Direcção do Clube, como sempre foi sua orientação está empenhada em levar a efeito a conclusão do Complexo Desportivo do clube de forma a fazê-lo dotar com quatro campos relvados, um campo pelado, uma área verde para cargas intensivas, um pavilhão, uma piscina, um centro de estágio e uma sede social. Felizmente, aliás como é público e notório, o principal já está feito. Assim, a Direcção do Clube vem junto dos associados, ao abrigo do artº 108, alínea e) dos estatutos do nosso clube pedir autorização para lhe ser permitido negociar franjas do património do clube, de forma a ser possível com maior celeridade a sua rentabilização com vista à concretização do projecto definitivo. – Após a sua leitura e dadas todas as explicações, o sr. Presidente da Assembleia-Geral pediu aos sócios que se quisessem inscrever para usarem da palavra sobre o assunto, o fizessem.”
97 – Nesta nova acta, já não ficou a constar que as franjas dos terrenos se destinavam a ser negociadas com a Câmara Municipal de Guimarães.
98 – A nova redacção da acta n.º 24 foi assinada conscientemente pelo Presidente da Assembleia-Geral, que entendeu que aquela versão era a que efectivamente mais se coadunava com o que efectivamente se passou na Assembleia-Geral em questão.
99 – Com a nova redacção da acta n.º 24, a direcção do Clube ficou habilitada a negociar com qualquer entidade, pública ou privada, nomeadamente permitindo ao arguido A a exibição da indispensável acta para a celebração de qualquer escritura pública que envolvesse os terrenos em questão.
100 - Em 30 de Abril de 2001, no Cartório Notarial, perante a notária, Dra. Maria, foi celebrada a escritura pública de venda de terreno do Clube à empresa AGR, pelo preço de PTE 120.000.000$00, outorgada, entre outros, pelo arguido A .
101 - Para a celebração desta escritura, foram previamente extraídas Públicas Formas de vários documentos, entre eles a Acta nº 24 da Assembleia Geral Extraordinária do CLUBE, com a redacção introduzida por MF, pela qual a notária conferiu a legitimidade da Direcção do CLUBE para proceder ao acto sujeito a escritura pública.
102 - Acta essa indispensável para a celebração da escritura.

E deu-se como não provado o seguinte:
- que o arguido A soubesse que a acta n.º 24 tinha uma nova versão, diferente da original e que tal versão não traduzia a vontade de quem representava (sócios do Clube, através de decisão tomada em A.G.), sendo que sem essa acta, nunca conseguiria ter celebrado a EP de compra e venda com a empresa AGR.

O Tribunal, sobre o referido facto não provado, coligiu a seguinte prova:
Inspector Sacramento Monteiro:
Por fim, no que concerne ao assunto relacionado com o livro de actas da Assembleia Geral, esta testemunha realçou o facto de terem sido reescritas todas as actas e não apenas aquela que tinha sido inutilizada pelo borrão de tinta, confirmando a diferença de teor entre a acta 24 original e resultante da transcrição após o borrão, esclarecendo também que todos as assembleias eram gravadas. Quanto à data em que eventualmente terão sido reescritas as actas, esta testemunha declarou que foi em data não apurada, mas compreendida entre a assembleia-geral relatada pela acta n.º 27 e a seguinte, descrita na acta n.º 28, pois que esta apenas constava no 2.º livro e não no primeiro.

Notária, Drª Maria:
De seguida, foi apresentada a esta testemunha a acta 24 original, tendo-lhe sido colocada a questão sobre se, na hipótese de, ao invés da acta da qual efectuou pública forma, lhe tivesse sido apresentado aquele documento, teria ou não realizado a escritura pública nos mesmos moldes em que o fez. Perante tal questão e após um estudo de alguns minutos e de a ter considerado como de difícil apreciação, a Sr.ª notária Maria Pinho Sousa respondeu negativamente, justificando com o facto de, na sua opinião, a acta original apenas conferir poderes para vender os terrenos à Câmara Municipal de Guimarães e não a qualquer entidade privada. Porém e quando questionada acerca dos terrenos ou as franjas de terreno sobre que versavam tal deliberação, esta testemunha afirmou desconhecê-las.

JL, vice-presidente da assembleia-geral do Clube:
…quanto à nova redacção da acta n.º 24 afirmou recordar-se perfeitamente que falou com a testemunha JC e que este lhe transmitira que iria ouvir as cassetes e que, se tudo estivesse em conformidade, as assinaria. Ora, como o presidente JC assinou as actas, esta testemunha afirmou que também as assinou sem duvidar de nada.

CR,:
…afirmou que foi ele quem redigiu a acta n.º 24, versão original, através de um rascunho que lhe foi fornecido pela testemunha JC.
Declarou também que, após o episódio do borrão de tinta, a secretária da presidência da direcção, a testemunha MF, lhe entregou um livro de actas em branco, para que esta testemunha procedesse à transcrição de todas as actas constantes no livro manchado pela tinta. No entanto, afirmou que apenas procedeu à transcrição das actas n.º 1 a 20 e 25 e sgs., não sabendo qual o motivo para não lhe terem entregado a transcrição das actas n.º 21, 22, 23 e 24. Quanto ao que concretamente se passou na assembleia-geral a que se refere a acta n.º 24, esta testemunha afirmou não se recordar.

JC, presidente da AG do Clube desde 1994 a 1996:
Confrontado com as duas actas n.º 24 existentes, a testemunha referiu que a segunda é a que corresponde totalmente à realidade dos factos, tendo a primeira acta sido mal elaborada.
Na verdade, realçou, esta testemunha, o que esteve em causa naquela AG foi uma proposta da direcção, que foi aprovada com apenas 3 abstenções, onde se dava poderes àquela direcção para alienar franjas de terreno do clube, não se tendo especificado quais, nem a que entidades.
Por outro lado, referiu que o arguido fez uma apresentação oral, apresentando uma negociação com a câmara acerca de uma parcela de terreno, próxima das piscinas, explicando que a proposta que foi levada á Assembleia era mais abrangente.
Por fim, afirmou que quando esta questão levantou alguma celeuma, pediu a palavra numa AG do clube e esclareceu-a, nos mesmos termos em que o fez hoje.

MF, secretária da direcção:
Quanto ao borrão no livro de actas, esclareceu que não sabe como tal se sucedeu, referindo que foi o Eng.ª R, por volta do ano de 1998, que a alertou para aquela situação. Mais acrescentou que contactou com o Dr. JC, Presidente da AG em 1996, a contar o sucedido, tendo-lhe este dado instruções para copiar as actas que fossem possível e refazer aquelas cuja cópia fosse impossível de fazer, com base nas gravações de que dispunha (testemunha JC). No seguimento dessas instruções, a testemunha afirmou ter dado as actas 1 a 20 à testemunha José Custódio para as copiar, tendo ela reformulado as actas 21 a 24.
Confrontada com o teor da nova acta n.º 24, diferente da primeira, esta testemunha afirmou que ouviu as gravações e que incluiu na acta a proposta que efectivamente tinha sido apresentada em AG e só não constava da acta inicial por lapso.
Referiu também que a testemunha JC tinha perfeito conhecimento desse facto e que foi ele quem lhe deu instruções expressas para elaborar a acta daquela forma, esclarecendo que tem ideia que essa testemunha levou o livro de actas inicial juntamente com o novo livro de actas, para confirmar a veracidade do novo livro.
Além disso e quando confrontada para o facto de, na segunda acta n.º 24, terem sido suprimidos 2 parágrafos da acta inicial, não ficando a constar a alegada proposta e as alegadas negociações com a Câmara, esta testemunha afirmou que tal não lhe pareceu importante, não encontrando outra explicação para o sucedido, referindo que não recebeu indicações de ninguém para actuar nesse sentido.
Por fim e quanto a este assunto da acta n.º 24, afirmou que não recebeu qualquer instrução do arguido A para actuar de determinada forma.

P, director do clube:
Quanto à A. Geral relativa à acta n.º 24, refere que se lembra da existência de um quadro gigante, bem como de uma proposta apresentada pela direcção aos sócios para vender umas franjas de terreno a qual foi aprovada pelos mesmos.
No entanto e quando questionado sobre os terrenos em causa e do teor da proposta, esta testemunha afirmou não se recordar, embora tenha referido, após ter consultado a proposta constante na nova acta, que pensa que aquela corresponde à que foi apresentada naquele dia.

D, denunciante:
Quanto à venda de terrenos, afirmou desconhecer os assuntos relacionados com a acta n.º 24, pois que não esteve presente naquela A. Geral, apenas referindo que lhe foi dito pela testemunha JA que antes de se fazer uma venda à AGR foi feita uma avaliação de um terreno…

Raul Rocha, director do Clube em 1990 e Presidente da Asembleia-Geral entre 1997 e 2003;
Quanto à famosa A. Geral a que se reporta a acta n.º 24, afirmou não ter estado presente na mesma, afirmando que apenas teve conhecimento da existência de 2 actas aquando da instauração do inquérito.
No entanto e quando confrontado com o facto da sua assinatura constar nas 2 actas, esta testemunha não soube responder.
Por outro lado, afirmou que as actas da A. Geral eram guardadas na secretaria do clube e que quando tudo isto foi despoletado falou com o Dr. JC que lhe garantiu que a 2.ª acta estava de acordo com o que se tinha passado na A. Geral. Por fim, referiu que era ideia generalizada no clube que o arguido fazia suprimentos ao Clube e que depois era ressarcido.

E foi a seguinte a fundamentação respectiva:
No que concerne ao episódio da já referida acta n.º 24, os apensos VII contem o livro de actas onde ocorreu o primeiro borrão de tinta, enquanto que o apenso IX, contém o segundo livro de actas. Da análise dos 2 livros, facilmente se verifica que a acta n.º 24 não foi afectada pela tinta, pelo que não necessitava de ser reescrita. Por outro lado, também não restaram dúvidas de que o teor das 2 actas n.º 24 não corresponde, não sendo apenas uma mera questão de ortografia.
Das testemunhas inquiridas ninguém mencionou o arguido A, como tendo sido interveniente naquele processo de danificação e posterior recuperação do livro de actas.
Por outro lado e não obstante as declarações das testemunhas MF, secretária do presidente da direcção do Clube, JC, presidente da A.G. do Clube, na altura da A. Geral, e Raul Rocha, pessoa que sucedeu a JC na presidência da A.G. do clube, serem divergentes quanto aos motivos que conduziram a uma nova redacção da acta n.º 24, quando a mesma não tinha sido afectada pelo borrão de tinta, certo é que ninguém referiu o arguido A, como tendo sido o mandante ou como tendo tido conhecimento desse acto (nova formulação das actas), sendo que também não foi possível apurar donde veio a ideia de reformular aquela acta em concreto.
Por seu turno, há um aspecto que convém salientar e que consiste no facto da testemunha JC ter referido que gravava todas as A. G. e que, por isso, não se opôs a que refizessem o livro de actas destruído, pois que, antes de assinar iria sempre ouvir essas gravações, para verificar se a acta estava conforme. No que concerne concretamente à acta n.º 24 e apesar de referir que não sabia que a acta original não tinha ficado imperceptível, estando intacta, esta testemunha afirmou, de forma peremptória, que leu o conteúdo da 2.ª acta e ouviu a gravação que fizera, tendo concluído pela bondade da redacção que lhe foi confrontada.
Quanto a este tema foi mesmo mais longe e afirmou que, depois de este assunto ter saído para a praça pública e de ter sido confrontado com a existência de 2 actas n.º 24, declarou peremptoriamente que a 2.ª acta n.º 24 é aquela que corresponde à realidade dos factos e, como tal, não há qualquer falsificação do seu teor.
Ora, perante tal depoimento de quem tinha a responsabilidade de elaborar as actas das reuniões de sócios do Clube, não vislumbramos qual a responsabilidade penal que pode ser assacada ao arguido.
Na verdade e apesar da 2.ª acta não ser idêntica à inicial, não podemos afirmar que o seu teor não seja verdadeiro. Por outro lado, a 2.ª acta contém a proposta que foi apresentada aos sócios, enquanto que a 1.ª debruçava-se mais sobre aquilo que o arguido expôs na A.G. Quanto a essa exposição, o arguido, na audiência de julgamento, esclareceu que sabia do interesse da Câmara Municipal naquelas franjas de terreno, para fazer o parque do cidade, e que, por isso, efectuou aquilo que chamou de “uma manobra de antecipação”, referindo, na assembleia em causa, que a câmara iria adquirir os terrenos, visando, por essa forma, diminuir a capacidade negocial da Câmara Municipal. No entanto, declarou que a proposta que apresentou aos associados não se destinava apenas à venda dos terrenos à Câmara Municipal, mas a quaisquer outros interessados.
Nesta conformidade e em resumo, não podemos concluir pela falsidade da 2.ª acta n.º 24, mas apenas e tão só por uma desconformidade com a original. Logo, também não podemos concluir pela existência de qualquer elemento doloso, na conduta do arguido, quando apresentou a nova acta n.º 24, a fim de elaborar a escritura de venda daqueles terrenos à AGR, pois que se não ficou provada a falsidade daquela acta, também não pode ficar assente que o arguido conhecesse aquela falsificação e, não obstante, a tivesse utilizado com o intuito de obter proveitos.
Por fim, e quanto ao facto do discurso que o arguido proferiu na A. Geral em questão, poder não ter correspondência com aquilo que foi submetido aos sócios naquela reunião (a dita manobra de antecipação), é algo que já não cabe a este Tribunal apreciar, pois que tal comportamento não assume relevância criminal.

Como se vê, esta fundamentação é plenamente convincente e, mais que isso, respeita integralmente os critérios da livre apreciação e consequente motivação.
Das testemunhas inquiridas ninguém mencionou o arguido A, como tendo sido interveniente naquele processo de danificação e posterior recuperação do livro de actas.
certo é que ninguém referiu o arguido A, como tendo sido o mandante ou como tendo tido conhecimento desse acto.
declarou peremptoriamente que a 2.ª acta n.º 24 é aquela que corresponde à realidade dos factos e, como tal, não há qualquer falsificação do seu teor.
Basta isto para se aderir à decisão em causa e, como se vai ver, o Digno recorrente (mais uma vez) esquece a fundamentação e não põe em causa a ausência de prova nem a cabal correspondência da segunda acta com a realidade da reunião, antes se socorrendo (também mais uma vez) da convicção pessoal, com conclusões sem sustentação na prova, e tendo até que lançar mão da forma interrogativa e especulativa.
Faça o Digno recorrente o seguinte exercício:
Imagine que, com os depoimentos coligidos (que ninguém contesta), o Tribunal dava como provado que o arguido A sabia que a acta n.º 24 tinha uma nova versão, diferente da original e que tal versão não traduzia a vontade de quem representava (sócios do Clube, através de decisão tomada em A.G.), sendo que sem essa acta, nunca conseguiria ter celebrado a EP de compra e venda com a empresa AGR.
Como é que fundamentava a convicção?
1º - Dizendo que não é possível conceber que o arguido A não conhecesse que a acta tinha sido reformulada?
2º - Invocando que as regras da experiência, aliadas ao acervo da prova produzida, designadamente, demonstrativa da materialidade consistente na reformulação de uma acta, ao arrepio da aprovação da Assembleia Geral, muito tempo depois, traduz um grande esforço e energia e empenho na sua reformulação?
3º - Afirmando que toda a prova, até a documental, é fortemente indiciária que o [?] Arguido A, que exercia a direcção de modo marcadamente presidencialista, teve conhecimento da reformulação da acta? E que não poderia ser de outro modo?
4º - Clamando que a lógica da pronúncia é a única lógica que tem procedência e se adequa à realidade dos factos?
5º - Afiançando que o arguido, face à lógica, teve conhecimento da preparação das negociações e da reformulação da acta? E que não há outra explicação possível?
6º - Insistindo em que não é possível nem lógico que o arguido não conhecesse a alteração?
7º - Aduzindo que com a nova redacção da acta n.º 24, a direcção do Clube ficou habilitada a negociar com qualquer entidade, pública ou privada, nomeadamente permitindo ao arguido A a exibição da indispensável acta para a celebração de qualquer escritura pública que envolvesse os terrenos em questão?
8º - Reforçando que não se vê que uma Secretária de Direcção possa ter assumido, sozinha, a monumental tarefa de refazer um livro, redigindo a acta seguramente, face às regras da experiência, a mando de outrem?, pois que, redacção implica não só o acto material de manuscrever, mas algo de maior esforço, a responsabilização pelo conteúdo dessa acta, que não pode – face às regras da experiência comum – ser acto da responsabilidade de uma funcionária hierarquicamente dependente?
9º - Sustentando que a reformulação foi acto, seguramente, da co-responsabilidade do Senhor Presidente da Direcção, atenta a lógica presidencialista como era gerido o CLUBE e o modo como concentrava em si os poderes da direcção – lógica ínsita à pronúncia e que ficou demonstrada pelo resultado da prova produzida no seu conjunto?
10º - E rematando que essa gestão presidencialista foi dada como provada, pois “o arguido A foi Presidente da Direcção do CLUBE de 1980 a 07 de Junho de 2004 e, no exercício dessas funções, concentrou sempre em si todas as decisões referentes às contratações, aquisições, vendas, empréstimos e transferências dos jogadores de futebol do CLUBE, entre outras, assumindo-se, nomeadamente, como Director Financeiro e do Futebol do CLUBE, ciente de que as tinha de exercer sem qualquer tipo de remuneração, directa ou indirecta, nem retirar para si ou terceira pessoa qualquer proveito na gestão do património do CLUBE, incluindo com a aquisição, empréstimo, venda, cedência, a qualquer título, dos jogadores pertencentes ao CLUBE”?, pelo que,
11º - por todo este acervo de factos tem de levar necessariamente e fatalmente a que o arguido tenha de ser condenado pelo crime de falsificação?

Estamos entendidos - Mas, para que não subsistam quaisquer dúvidas, deixem-se aqui, precisamente em rodapé, umas breves notas.
1º - Querendo-se, com êxito, atacar a fundamentação dum facto, não se pode recorrer à abstracta afirmação da impossibilidade de o facto fundamentado poder ter acontecido e invocar as regras da experiência comum. Isso é inócuo.
Como diz o Venº Desembargador Ricardo Silva, Pº nº 203/04, …se as regras da experiência comum pudessem ser afirmadas com tal amplitude quase não seria necessário fazer julgamentos e produzir prova. As regras da experiência comum ensinar-nos-iam, em cada situação, qual seria a solução de maior senso comum, que com certeza não poderia estar errada.
Além disso, no caso presente, a simples prova de que o arguido sabia que a acta fora reformulada não bastava para determinar a autoria, nem era suficiente para integrar os elementos típicos do crime.
2º - …as regras da experiência, aliadas ao acervo da prova produzida, designadamente… Qual prova??? A demonstrativa da materialidade consistente na reformulação de uma acta?
É ponto assente que a acta foi reformulada, mas o Tribunal, com base na prova produzida, dá todas as explicações sobre a impossibilidade de determinação da autoria moral, mormente por parte do arguido.
3º - …toda a prova, até a documental, é fortemente indiciária que o [?] Arguido A, que exercia a direcção de modo marcadamente presidencialista, teve conhecimento da reformulação da acta. E que não poderia ser de outro modo.
Que não poderia ser de outro modo é remate para a falta de argumentos e, manifestamente, não o é a simples remessa para a prova (que, como se vê, foi de sentido contrário) nem mais um retalho adjectivo do modelo de gestão do arguido (a ser assim, tudo o se quisesse imputar ao arguido poderia ser fundamentado com o modo marcadamente presidencialista…, etc., etc., etc…).
4º - Também não vale clamar que a lógica da pronúncia é a única lógica que tem procedência e se adequa à realidade dos factos.
Em princípio, e com rigor, todas as pronúncias devem ter “lógica” e corresponder a uma realidade factual concreta, integradora de um tipo legal.
Simplesmente, entre essa correspondência (que será, digamos grosso modo, a lógica reclamada pelo princípio acusatório) e o resultado final do julgamento …vai um abismo! Se fosse como o Digno recorrente diz, …os julgamentos não valiam de nada: a lógica da pronúncia tinha que proceder, mesmo que as testemunhas não confirmassem a imputação!!!
5º - …face à lógica, o arguido teve conhecimento da preparação das negociações e da reformulação da acta.
A “lógica” não é aqui o modo instrumental de sustentação de uma tese; é antes um resultado de certas premissas, pelo que não pode ser invocada por si mesma. Em todo o caso, como já se disse, o simples conhecimento da reformulação não era autoria, nem bastava para convolação para uso de documento falso.
6º - Idem…
7º - A nova redacção da acta, e o seu âmbito, em nada contribuem para se apurar a autoria moral da reformulação, sobretudo quanto ao arguido.
8º - É evidente que a secretária não terá agido sozinha, mas o que ela garante é que não recebeu quaisquer instruções por parte do arguido. Além disso, nenhuma das outras testemunhas faz qualquer referência ao arguido; antes pelo contrário, apura-se a conformidade da segunda versão com o fundo essencial da reunião em causa.
9º - …atenta a lógica presidencialista como era gerido o CLUBE… – lógica ínsita à pronúncia e que ficou demonstrada pelo resultado da prova produzida no seu conjunto. Qual prova???
10º - A gestão presidencialista não justifica tudo. Ou justifica?
11º - Não se vê, de todo o rigoRmente transcrito, qualquer acervo de factos - repetimos, factos - que levem necessariamente e fatalmente a que o arguido tenha de ser condenado pelo crime de falsificação.
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É que, para esta fundamentação, mais não fizemos do que acolher aquilo com que, textualmente, o Digno recorrente defende a alteração da matéria de facto deste ponto concreto e, pois, a condenação do arguido pelo respectivo crime. Nada mais.
E com este exercício, espera-se, o Digno recorrente vai aperceber-se da (in)justiça da decisão.
***
Recurso do assistente
Muito, ou quase tudo, do que se disse quanto ao recurso do Ministério Público, vale para o recurso do assistente, mas, ainda assim, atentemos nas conclusões respectivas.

…como decorre da matéria de facto provada e dos documentos juntos aos autos, o arguido foi presidente do Clube durante 24 anos, detendo um absoluto controlo interno da gestão do clube, concentrando em si, entre outras, todas as decisões referentes a contratações, aquisições, vendas, empréstimos e transferências dos jogadores que representavam, desportivamente, o Clube.

Esta parte final é uma alteração interessada da matéria de facto dos pontos 2, 3 e 5 e, aliás, condiciona, necessariamente, os raciocínios posteriores, como é o caso da conclusão 6ª, cujos factos também não resultam da matéria de facto provada)
Com rigor, o que se diz no ponto 2 é que sem qualquer tipo de remuneração, directa ou indirecta, nem retirar para si ou terceira pessoa qualquer proveito na gestão do património do CLUBE, incluindo com a aquisição, empréstimo, venda, cedência, a qualquer título, dos jogadores pertencentes ao CLUBE, ou seja, nem aqui podiam ser punidos quaisquer actos relativos a jogadores adquiridos pelo próprio arguido, o que caberia apenas a outros órgãos, que não aos Tribunais!!!
*
De facto, o arguido adquiria regularmente passes de jogadores de futebol, que eram sua propriedade, apesar de os direitos desportivos desses jogadores serem pertença do Clube, ao serviço do qual os mesmos prestavam o seu trabalho.

Isto não resulta da matéria de facto provada, estando o recorrente a fazer alongues por conta própria.
O que, com rigor, se provou foi que:
70 – Por contrato celebrado em 18 de Janeiro de 2000, o Esporte Clube de Clube cedeu ao Clube, os direitos desportivos do jogador C
71 - Por contrato celebrado em 18 de Janeiro de 2000, o Esporte Clube de Clube cedeu ao Clube, os direitos desportivos do jogador E…
72 - Por contrato celebrado em 18 de Janeiro de 2000, o Esporte Clube de Clube cedeu ao Clube, os direitos desportivos do jogador R Júnior…
73 – As aquisições desses jogadores não foram objecto de qualquer tipo de contabilização no clube, nem depositados os respectivos contratos nos seus serviços, sendo que também os pagamentos dos passes dos jogadores não foram contabilizados na contabilidade do CLUBE.
(…)
79 - Em data não apurada de 1996, o CLUBE comprou os direitos desportivos dos jogadores A e RS
80 - Os contratos respectivos foram realizados exclusivamente pelo arguido A…
Isto é muito diferente do que o recorrente afirma e que, repete-se, condiciona e vicia os seus raciocínios, como se nota, já de seguida, na conclusão 7ª.
O recorrente invoca o seguinte:
“Foi lida, após o Senhor Presidente ter declarado aberta a sessão, na acta da reunião anterior, que foi assinada e aprovada, com a seguinte ressalva: Os jogadores B e Z foram suportados pelo bolso do Presidente, pelo que este reserva o direito do destino que bem lhe entender. Feita esta ressalva, o presidente informou que o jogador M também a expensas suas, pelo que o seu destino também lhe fica reservado.”
Verifica-se então do conteúdo da acta da Direcção de 24 de Setembro de 1990, que o arguido A tinha o hábito de adquirir jogadores a expensas suas, reservando por isso para si o direito do destino a dar aos jogadores por si adquiridos.
Note-se aliás, que numa só acta da Direcção, o arguido A faz saber que 3 jogadores, B, Z e M, que faziam parte do plantel da equipa do assistente, eram seus.
Ou seja, a defesa que o arguido apresentou, de que os jogadores eram do Clube, mesmo quando o seu custo era suportado pelo arguido A, cai, sem margem para dúvida, por terra, não correspondendo à realidade dos factos.
O arguido tinha, pois, o hábito de adquirir jogadores cujo proveito em caso de eventual venda fazia seu, muito embora fossem inscritos pela equipa do assistente (o que, como supra exposto, resulta de imposição legal e regulamentar), fazendo questão de o mencionar expressamente em actas das reuniões de Direcção a que presidia.
E que isto era assim mesmo, resultava já do documento de fls. 126 dos autos, constituído por uma minuta de acta da direcção - cfr. 1º volume - que foi extraído do computador usado pelo Secretário Geral do Clube, quando aí se diz:

“Assim, na esteira do que anteriormente por várias vezes acontecia conforme acta de 24/9/1990, o Presidente comunica desde já que se reserva com o direito de decidir qual o destino a dar aos referidos atletas, bem assim como uma possível venda dos referidos atletas os benefícios se os houver reverterão para quem o Presidente melhor entender.”
(…)
E se era prática corrente pelo arguido a compra, em nome próprio de passes de jogadores, porque não fazê-lo relativamente ao passe dos jogadores P, E e R?
(…)
E se propositadamente não solicitou a assinatura de mais dois directores para outorgar os referidos contratos de fls. 852 a 870, daí apenas se poderá alcançar o intuíto do arguido, em não dar conhecimento ao Clube, do montante dos investimentos que realizava a titulo pessoal.

Vamos lá ver: o poder absoluto do arguido só é invocado quando convém?
Então não foi provado que ele geria o clube sem dar satisfações a ninguém, ao arrepio de todas as normas estatutárias?
Agora já vem mal ao mundo por o arguido ter assinado os contratos de cessão dos jogadores, a favor do clube, sozinho???
Já se disse o suficiente sobre a gestão do arguido, mas convém dizer que mau gestor seria ele se entrasse com dezenas de milhares de contos (e vários avais de centenas de milhar) para as contas do clube e entregasse a gestão desse dinheiro a qualquer um!
As ditas actas (uma delas não passará de um mero apontamento, apócrifo, como bem diz o arguido), afinal, não traduzem aquilo que o recorrente lê, pois a manifestação, por parte do arguido, de que certos jogadores (e só esses) foram suportados pelo seu bolso, pelo que se reservava o direito de lhes dar o destino que bem entendesse, revertendo também os benefícios, se os houvesse, para quem melhor entendesse, não significa, necessariamente, que os direitos económicos dos passes dos jogadores fossem seus. Eram indícios, mas nada mais que isso, e que foram muito bem desvalorizados pelo Tribunal, face a outros de maior relevo.
De resto, se as ditas actas servissem para determinar o direito sobre os passes, seria apenas quanto aos jogadores lá referidos, sendo um absoluto despropósito “arrastar” esses factos para a questão concreta dos jogadores agora em causa, sobre os quais se provou que foram pagos com dinheiro de um empréstimo contraído pelo arguido.
Que ele contraiu tal empréstimo, é ponto assente; que o pagamento ao clube cedente foi feito a partir desse dinheiro, também já ficou especificado; que os jogadores prestaram os seus serviços ao clube (que, obviamente, pagava os ordenados), todos aceitam…
Pecado, era o arguido assinar contratos, pelo clube, sozinho!!!
Não resulta de lado nenhum que o arguido fizesse seus quaisquer proveitos da venda de outros jogadores, e do negócio aqui em apreço apenas se reembolsou (melhor dito, foi reembolsado; é bem diferente, como se vai ver) nos termos já definidos.
Daqui, até se afirmar que se era prática corrente (?) pelo arguido a compra, em nome próprio (?) de passes de jogadores, também o fez relativamente ao passe dos jogadores P, E e R, vai uma enorme distância. Mal andariam os Tribunais se fizessem tais associações!

*
Como proprietário dos passes desses jogadores, ou seja, como proprietário dos direitos económicos incidentes sobre os passes desses jogadores, o arguido fazia suas as mais valias originadas com a venda desses passes.

Isto também não resulta de lado nenhum, mas mesmo que assim fosse, e como já se disse, era matéria estranha ao foro criminal.
*
Os jogadores P, E e R são um exemplo das compras a titulo pessoal pelo arguido dos direitos económicos incidentes sobre o passe dos jogadores, sendo que o Clube era somente o detentor dos direitos desportivos incidentes sobre esses mesmos passes.

Cá está uma conclusão - mera conclusão -, viciada, mesmo com as justificações que se seguem na conclusão 9ª.
*
A essa conclusão se chega pela análise dos seguintes elementos de prova que assim infirmam a matéria dada como assente nos n.ºs 70,71 e 72:
Sobre a matéria desta conclusão e das provas indicadas, remete-se para o já consignado na parte relativa ao recurso do Ministério Público e para a já inserida resposta do arguido.
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As conclusões 10ª a 15ª têm a ver com esta matéria, já devidamente apreciada, e as conclusões 16ª a 20ª tratam da questão de uma alegada contradição da fundamentação e desta com a decisão.
Diz o arguido na sua resposta:
12. O recorrente invoca 3 conjuntos de factos que na sua perspectiva são contraditórios (i) dar-se como provados que os passes dos jogadores P, E e R eram do Clube e (ii) fundamentar a convicção nos pontos 54 a 58 ex vi ponto 108º dos factos provados (iii) e simultaneamente ser dado como não provado «que o banco Suíço que emprestou 510.000 USD ao arguido A lhe tivesse pedido total confidencialidade e que a conduta posterior do arguido, nomeadamente a não comunicação do teor dos contratos ao Clube e o recurso à Sport Ldª para o ressarcimento tivesse sido adoptada em virtude de tal solicitação»
13. O vicio da contradição insanável na fundamentação ou entre esta e a decisão, conforme ocorre sempre que através de um raciocínio lógico conclua que da fundamentação resulta precisamente a decisão contrária ou que a decisão não fica suficientemente esclarecida dada a contradição entre os fundamentos aduzidos, tendo o erro que ser de tal maneira evidente que não passa desapercebido ao comum dos observadores.
14. Salvo o devido respeito, não existe qualquer contradição entre os factos em confronto, sendo a fundamentação de facto e de direito do douto acórdão perfeitamente clara e lógica que não suscita dúvida sobre qualquer forma como se conjugam todos os factos provados.
15. Resulta da fundamentação de facto e de direito que se consideraram provados vários factos que em nada se contradizem por um lado que os passes dos jogadores P, E e R pertenciam ao assistente Clube [factos 70 a 72] e que ao receber os cheques do Clube e depositá-los na conta bancária titulada pela Sport Ldª G. C. Lta o arguido visou ressarcir-se de um empréstimo/adiantamento que fizera ao Clube.
16. Os factos em apreço não estão em contradição entre si, aliás situam-se em planos muito distintos e na apreciação lógica dos mesmos têm que ser considerados os demais factos, nomeadamente o facto provado sob o número 74, segundo o qual «A compra destes jogadores acarretou um custo de 514.659,52€, tendo ainda o arguido suportado os juros decorrentes do empréstimo que contraíra, no valor de total de 26.096,28€, pelo que com a aquisição dos 3 jogadores o arguido despendeu a quantia de 540.755,8€, tendo recebido os montantes descritos em 55-), 58-) e 76-), no valor total de 579.702,02€.»
17. Não resulta qualquer contradição com o facto de o tribunal não ter dado como provado que a razão da não comunicação do teor dos contratos ao Clube e o recurso à Sport Ldª para o ressarcimento tivesse sido adoptada em virtude de pedido de confidencialidade pedida pelo banco Suíço.
18. Em suma, face ao exposto, não existe contradição entre qualquer dos factos em confronto, considerando o plano e âmbito de cada um, muito menos se demonstra existir uma contradição evidente na fundamentação de facto ou de direito, que se possa enquadrar na norma legal referida.

Damos por bons e acolhemos estes argumentos, nada carecendo acrescentar.
*
Nas conclusões 21ª a 28ª, o recorrente pugna, ao menos, pela condenação do arguido no pedido cível correspondente aos 90.000 contos, uma vez que se provou o crime de falsificação através do qual o arguido alcançou aquela quantia, o que representa para si o correspondente prejuízo.
Invoca que no acórdão se diz que …no que concerne à conduta relacionada com os documentos emitidos pela Sport Ldª, e entregues pelo arguido na contabilidade do Clube, ficou assente o facto referido em 54, bem como que o arguido actuou livre voluntária e conscientemente, bem sabendo que os mesmos não eram verdadeiros, sendo sua intenção, conseguida, a emissão de cheques por parte do CLUBE que, depois, recebeu e lhes deu o destino que entendeu.
Mais uma vez, também ao recorrente não apraz aqui invocar o tipo de gestão do arguido, pois, afinal, e de acordo com a matéria de facto estabilizada, o arguido mais não fez do que pagar-se (melhor dito, ser pago) do que lhe era devido, no âmbito da prática corrente sobre as contas dele com o clube, mesmo sem contabilização ou, por vezes, sem documentação de suporte, que se saiba.
E se assim foi, a tese do recorrente é absolutamente arrevesada, não tendo aqui cabimento a figura da compensação, tanto mais que o que havia era uma espécie de conta-corrente. O arguido punha e dispunha, …mas a verdade é que, neste caso concreto, não se locupletou, pois apenas utilizou um meio (censurado) de obter o que lhe era devido.
A compensação é o meio de o devedor se livrar da obrigação, por extinção simultânea de crédito equivalente de que disponha sobre o seu credor, ou seja, o primeiro e principal requisito da compensação é a reciprocidade de créditos.
Ora, no caso, a tese do recorrente está rotundamente errada, pelo simples facto de que, mesmo que por ordem do arguido, foi o clube, através de um seu funcionário, que entregou cheques para pagamento de um débito. O que houve, pois, foi um pagamento e não uma compensação.
A vantagem que no acórdão se diz que o arguido obteve com a falsificação foi, expressamente se diz, a da emissão de cheques por parte do CLUBE, o que foi tido como bastante para a respectiva condenação.
As vantagens obtidas através de falsificação tanto podem ser de natureza patrimonial como não patrimoniais. Causar prejuízo corresponde a toda a desvantagem (patrimonial ou não patrimonial) que resulte, ou possa resultar, do acto de falsificação ou do acto de utilização do documento falsificado, tal como o benefício ilegítimo não se circunscreve aos casos de obtenção ilegítima de lucros económicos – cfr. Comentário Conimbricense, Tomo II, pág. 685.
O recorrente não sofreu qualquer prejuízo patrimonial (e o não patrimonial não vem descrito), ficando, isso sim, enriquecido se agora lhe fosse entregue qualquer quantia.
O recorrente ainda invoca a via subsidiária da responsabilidade extracontratual, mas continuamos na mesma: se não há prejuízo não há lugar a condenação.
*
Nas conclusões 29ª a 32ª, o recorrente aborda a questão da absolvição do arguido quanto ao pedido de pagamento da quantia de € 67.337,71, que diz ter pago indevidamente por virtude da falsificação das “facturas” apresentadas pelo arguido para o recebimento dos 90.000 contos.
Os factos provados são os seguintes:
54 - …o arguido A apresentou à Contabilidade do CLUBE, os documentos de fls. 871 e 872, que se dão por integralmente por reproduzidos, e um título de uma cobrança de uma comissão de PTE 90.000.000$00 (448.918,1€) para pagamento à off–shore “SPORT LDª”, pela intervenção desta na transferência do jogador M, acompanhada pelos documentos de fls. 81, 83, 85, 87, 89, 91, 93, 95, 97 e 99, do apenso V, cujo teor não correspondia à verdade, o que o arguido A bem sabia, nomeadamente dez facturas…
57 - Os cheques supra referidos foram integralmente preenchidos pelo Chefe de Contabilidade, a testemunha PA, de acordo com as instruções expressas do arguido A, que igualmente os assinou, recebendo-os, de imediato, e pessoalmente, das mãos do Chefe de Contabilidade, PA, ficando a operação inscrita na Contabilidade do CLUBE, na conta nº 6564-Despesas com Prospecção de Jogadores.
59 - Por causa deste pagamento do CLUBE à ”SPORT LDª”, o CLUBE teve de pagar, na Direcção de Finanças de Braga, a importância de € 67.337,71.

O Tribunal, ao requerimento de reformulação do acórdão, diz o seguinte (fls. 6781):
Indefere-se o requerido com os fundamentos seguintes:
O valor que o assistente teve de pagar à Adm. Fiscal foi resultado do pagamento efectuado à Sport Ldª no âmbito do já referido negócio de venda do jogador M. Quanto a esses factos o arguido foi absolvido.
Ora, como é unânime na nossa jurisprudência, sendo o arguido absolvido na parte criminal, deve ser também no que concerne ao PIC. Foi o que se fez nestes autos, pelo que se absolveu o arguido do restante pedido cível, que não aquele em que foi condenado.

Mais precisamente, e com interesse, o recorrente alega o seguinte, que pontualmente se analisa:
…com a entrega pelo arguido na contabilidade do Clube das dez facturas por si falsificadas, …desde logo, “nasceram” duas obrigações para o recorrente:
A obrigação de pagar o valor constante nessas facturas;
Subsequente e conexamente, a obrigação de liquidar o respectivo imposto.
Ora, certo é que a liquidação do imposto sempre seria devida, porquanto assentava o seu fundamento no pagamento de serviços a uma entidade não residente (cfr. relatório de Inspecção Tributária de Braga a fls. 1851, 7º vol.).
Como se vê, é o próprio recorrente a afirmar que a liquidação do imposto sempre seria devida!
De facto, titulando, o arguido, a despesa como uma comissão de um intermediário não residente, nos termos explicados no relatório de fls. 1851, era devido um imposto de 15% sobre o montante respectivo. Mas, como o recorrente também reconhece, era sobre si que impendia a obrigação de reter aquele imposto, ou seja, mesmo com a falsa declaração do arguido, quem violou o dever fiscal foi o recorrente, sobretudo na pessoa do seu chefe da contabilidade.
E não se diga que o arguido “enganou” o clube ao dizer que se tratava de uma comissão, pois o chefe da contabilidade, como o recorrente confessa, estava bem ciente de que, nesse caso, o imposto era devido.
O arguido, como já está assente (falta apenas discutir o excesso imputado pelo Tribunal), não recebeu mais do que lhe era devido e, a considerar-se o valor do imposto, ainda lhe faltaria receber, do “empréstimo” que fez ao clube (pagando os passes dos jogadores) o valor equivalente a esse imposto. O próprio clube nota isto quando afirma que desta forma, a Sport Ldª (leia-se arguido A) receberia menos, o que de forma alguma interessava àquele!!!
Em suma: o facto que fez nascer o imposto foi a atribuição, pelo arguido, da qualificação de “comissão”; o dever de o reter cabia ao clube. Logo, a responsabilidade pela “existência” do imposto é do arguido, mas a falta da sua cobrança é imputável ao recorrente.
Por outras palavras, em termos criminais, o arguido iludiu o clube quanto ao motivo para ser pago daquilo que lhe era devido, mas não o iludiu sobre a não retenção do imposto; em termos civis, o arguido recebeu apenas aquilo a que tinha direito e, não determinando o clube à não cobrança, não lhe é imputável qualquer prejuízo decorrente da falsificação.
Diz o recorrente:
Se o arguido se tivesse ressarcido da forma como anteriormente o tinha feito – lançamento do valor na sua conta corrente – não teria o Clube de pagar €67.337,7. a título de imposto.
É verdade: se o arguido tivesse apresentado ao clube uma qualquer nota de ter “adiantado” o valor correspondente ao pagamento dos passes dos jogadores, não nascia a obrigação de pagar imposto., nem consequentemente, o clube violava a obrigação fiscal.
Não corresponde à verdade que:
…o arguido tivesse dado instruções expressas aos serviços do Clube para que a quantia dos 90.000 contos lhe fosse entregue líquida de quaisquer impostos, (cfr. ponto 57 dos factos provados da matéria de facto (nada disto lá consta!)
Porém, mesmo que a via escolhida, a da ”comissão”, fosse a menos oneR em termos de impostos - se, por exemplo, a despesa fosse justificada como um empréstimo confidencial do arguido ao clube (nada tem isto a ver com a confidencialidade do negócio do arguido com o banco suíço), a taxa seria de cerca de 50%, isto é, o imposto seria de cerca de 45.000 contos!!! -, quem acabou por violar a lei foi o clube: se o chefe da contabilidade cumprisse o seu dever de reter o imposto de cada uma das facturas, então se veria como é que o arguido reagia.
Daqui a “necessidade” de o recorrente agora inventar, isto é, contra a verdade dos factos, que o arguido deu instruções expressas, mas esquecendo-se de que foi o mesmo chefe da contabilidade que entregou os cheques sem desconto de imposto e que inscreveu a despesa na conta nº 6564-Despesas com Prospecção de Jogadores.
Assim, a culpa pela não cobrança, por retenção, do imposto determinado pela acção do arguido, foi do próprio recorrente, não devendo por isso ser ressarcido.
*
Nas conclusões 33ª a 39ª, o recorrente procura demonstrar que o Tribunal cometeu uma nulidade ao não se pronunciar sobre os factos descritos nos artigos 56 a 58 da douta acusação pública.
Diz assim:
34ª Na verdade, apesar de a douta acusação pública não ter retirado nenhuma consequência penal dos factos descritos sob os artigos 56 a 59 da acusação, não se pode esquecer que a acusação e, neste caso, o despacho de pronúncia, baliza o objecto do processo, sendo que o tribunal não pode extravasá-lo, mas também não pode “encolher os ombros” perante os factos que aí estão descritos, dizendo que o Ministério Público não retirou qualquer conclusão jurídica dos mesmos.

35º É que esse facto não impede, tal como decorre do disposto nos artºs 358º e 359º do Código de Processo Penal, que o Tribunal, dando tais factos por assentes, venha a qualificar esses mesmos factos como criminalmente puníveis, o que o Tribunal não pode é fazer de conta que esses factos não existem, mesmo que os entenda instrumentais.

36ª Acresce que, o recorrente formulou pedido de indemnização civil baseado na prática pelo arguido desses factos, sobre os quais peticionou a quantia de 18.000.000$00, pelo que - cfr. arts 136º a 139 do pedido de indemnização civil;

37º Esta quantia de 18.000.000$00 foi apropriada pelo arguido no caso da venda dos direitos sobre os jogadores PB e PM, sendo que o arguido foi condenado na prática de um crime de peculato quanto a esses factos;
38ª Aliás, foi feita prova em audiência de julgamento de toda a matéria relevante para esta parte concreta do pedido indemnizatório, como se constata dos pontos 9 e 104 dos factos provados, da valoração do depoimento da testemunha PA a fls. 47 do acórdão recorrido e da ponderação dos elementos documentais dos autos, nomeadamente, fls 1177 a 1223 e de fls 2876 e sgs, apenso XXV, designadamente fls. 277.
39ª Dispondo este Tribunal de toda a matéria relevante, sempre poderá suprir tal vicio, de sorte a dar como provados os factos constantes dos pontos 56 a 59 da acusação/pronúncia e dos artigos 136º a 139 do pedido de indemnização civil, com a ressalva que o dinheiro em causa foi depositado pelo arguido na conta do saco azul, e posteriormente, por ele levantado em 7 de Dezembro de 1995;

Sobre esta matéria, o Tribunal diz (fls. 6665), em questão prévia, que os factos descritos na acusação, sob os nºs 56 a 58 foram alvo de despacho de arquivamento (vide fls. 4020 a 4022). Além disso, e apesar de constarem da acusação, o Digno Magistrado não retira qualquer consequência jurídica dos mesmos.
Como tal, entendemos que apenas por mero lapso é que os mesmos constam da acusação, pelo que nos abstemos de nos pronunciar acerca de tais factos.

Do despacho de arquivamento e de acusação, de fls. 4020 e ss., consta o seguinte:
De acordo com a prova produzida nos autos, nomeadamente documental, o SP pagou ao CLUBE, e sem contar com os juros e encargos bancários das letras, o montante de PTE 648.500.000$00.
Independentemente da diferença existente no extracto da conta”732-transferência de Jogadores”, em PTE 34.500.000$00, podendo equacionar-se se essa verba foi contabilizada em 1995, as verbas pagas pelo SP, de acordo com a sua contabilidade, deram entrada nos cofres do CLUBE, com as seguintes excepções:
20.000.000$00,
15.000.000$00, ambos depositados na conta nº 512/09139249 BPA, titulada pela arguida R:
60.000.000$00, depositados na conta nº 15342-001-13 BIC, destinada à movimentação de um “Saco Azul” e
18.000.000$00, levantados pessoalmente pelo arguido A, num total de 113.000.000$00.
Em relação às duas primeiras quantias, num total de PTE 35.000.000$00 (=20.000.000$00 + 15.000.000$00), existe prova bastante que os arguidos R e A a fizeram sua, naturalmente, a respectiva conduta estará patenteada na acusação a proferir.
Resta, porém, o valor de PTE 78.000.000$00 (=60.000.000$00 + 18.000.000$00).
Quaisquer dessas verbas não deram entrada na tesouraria do clube mas, foram contabilizadas numa conta chamada “119-Transferência de Caixa” Ap XLIII, Vol. I, fls. 170 a 172, donde se tem que concluir que, as verbas não só não estavam no CLUBE como tudo aponta para que a ele não retornassem, porque não referidas em qualquer “conta de terceiros”, onde se reflectem os direitos a receber ou o dever de pagar, consoante seja uma conta de Activo ou de Passivo.
Ora, de acordo com o resultou, o CLUBE tinha além de uma contabilidade oficial, uma paralela, denominada de “saco azul”, destinada ao pagamento de contratos paralelos.
Ou seja, essas verbas podem ter sido destinadas a esse “saco azul” e, nessa medida, nenhum prejuízo efectivo sofreu o CLUBE, dado que ninguém delas se apropriou.
E, na ausência de indícios probatórios que nos permitam sustentar outra tese, nomeadamente a de que, os arguidos A e R ou outros as fizeram suas, como, repete-se, aconteceu noutras situações, basta essa dúvida para que nos abstenhamos de, nessa parte, deduzirmos acusação.

Mas, apesar disto, na acusação veio a constar o seguinte:
56º. Na posse do cheque nº 202579.66, da conta do BIC, no valor de PTE 18.000.000$00, o arguido A, e depois de providenciar pela aposição do carimbo do Clube…
57º. …procedeu ao seu levantamento, em numerário, no dia 07 de Dezembro de 1995…
58º. …integrando-o no seu património, bem com no da arguida R…

Trata-se, a nosso ver, de evidente lapso da acusação, lapso esse que teve o tratamento processual mais adequado.
Sublinhando, diz o artº 380º:
1 - O tribunal procede, oficiosamente ou a requerimento, à correcção da sentença quando:
a) Fora dos casos previstos no artigo anterior, não tiver sido observado ou não tiver sido integralmente observado o disposto no artigo 374.º;
b) A sentença contiver erro, lapso, obscuridade ou ambiguidade cuja eliminação não importe modificação essencial.
2 - Se já tiver subido recurso da sentença, a correcção é feita, quando possível, pelo tribunal competente para conhecer do recurso.
3 - O disposto nos números anteriores é correspondentemente aplicável aos restantes actos decisórios previstos no artigo 97.º.

E o artº 97º estabelece o seguinte:
3 - Os actos decisórios do Ministério Público tomam a forma de despachos.
4 - Os actos decisórios referidos nos números anteriores revestem os requisitos formais dos actos escritos ou orais, consoante o caso.
5 - Os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão.

O Ministério Público poderia ter procedido à correcção do lapso, pois, apesar da força do princípio acusatório - definição do objecto da acusação -, a verdade é que o despacho de arquivamento e de acusação constitui um todo, onde se explicam os fundamentos por que alguns factos são submetidos a julgamento e outros não.
No caso, apenas o arquivamento dos factos aqui em causa está fundamentado, o que faria perder o argumento da essencialidade da modificação e dar coerência à peça em questão.
De resto, a modificação poderia também ter sido levada a cabo nos termos do artº 667º, nº 1 do C.P.Civil, onde se diz que se a sentença (ou despacho, nos termos do artº 666º, nº 3) contiver … lapso manifesto, pode ser corrigida por simples despacho…
Ora, como o Ministério Público não procedeu em tempo à correcção devida, fê-lo o Tribunal, e bem, respeitando as regras processuais pertinentes e definindo a acusação e a não acusação nos únicos termos possíveis que derivavam do despacho do Ministério Público, e respeitando, por outro lado, os direitos do arguido e do assistente.
Este, é que, estranhamente, não quer perceber a validade e alcance da decisão!
O despacho de arquivamento foi notificado, além do mais, ao legal representante do assistente (fls. 4092) e ao seu Ilustre advogado (fls. 4095) e ninguém o atacou na parte que se refere às ditas quantias.
Subsequentemente à acusação, o assistente (artºs 136º e ss, a fls. 4216 vº) veio a incluir aqueles factos no seu pedido cível, abrangendo, pois, o pedido de pagamento dos 18.000 e dos 60.000 contos.
Note-se que, além de a demandada R já nem ser então arguida, o arguido apenas se pôde defender quanto ao cheque de 18.000 contos, o que fez como se vê de fls. 4685, ou seja, toda a matéria relativa ao cheque dos 60.000 contos foi-lhe absolutamente estranha.
Isto dito, é patente o aproveitamento que o recorrente fez de um lapso processual, além de que bem sabe que, nos termos do artº 71º do C.P.Penal, o pedido cível, em casos como presente, apenas se pode fundar em factos que constituam crime.
O Digno Magistrado do Ministério Público foi bem claro ao dizer que não acusava por aquelas quantias e que essas verbas podem ter sido destinadas a esse “saco azul” e, nessa medida, nenhum prejuízo efectivo sofreu o CLUBE, dado que ninguém delas se apropriou.
Contudo, o recorrente ainda vem invocar os factos dos pontos 9 e 104 como provando a apropriação que indevidamente imputa! Basta reler esses pontos, como basta reler o que o Tribunal consignou na referida questão prévia para se concluir que não houve qualquer omissão de pronúncia.

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Dos recursos do arguido
Por razões de eventual preclusão, conhece-se, antes de mais, do recurso intercalar, interposto na acta de 10-05-07 (fls. 5385), onde o arguido se opôs à inquirição, requerida pelo assistente, do Dr. Rui F..., como perito, o que lhe foi indeferido por despacho de fls. 5386.
O recorrente conclui que todo o quadro funcional de intervenção do «perito», se ouvido como tal, corre «o risco de ser considerada suspeita» [artigo 43º do CPP], pois que ao serviço da investigação criminal, da qual é elemento activo e funcionário, pelo que bem andou o MºPº ao indicá-lo como testemunha – para a eventualidade de ter conhecimento pessoal de algum facto que integre e matéria dos autos – sendo erróneo ouvi-lo como perito e valorando nos termos e para os efeitos do artigo 163º do CPP a prova respectiva.

No despacho, diz-se, além do mais, que quer a nomeação, quer a elaboração de tal diligência foi feita com observância do disposto nos artigos 151º a 154º e 157º do C.P.Penal e que, por outro lado, verifica-se que a lei não prevê qualquer nulidade pelo facto de que quem procedeu a essa diligência ser membro de qualquer OPC, em nada beliscando as garantias de defesa dos arguidos.

O assistente respondeu (fls. 5746 e ss.) para defender a bondade do decidido e lembrando que, se a questão fosse de risco de suspeição, o arguido deveria ter, isso sim, suscitado o respectivo incidente, ao abrigo do disposto nos artºs 153º, nº 2 e 47º do CPPenal.
Por seu lado, o Ministério Público respondeu nos seguintes termos:
O despacho de que se recorre fundamenta-se no facto de, por sugestão, do Órgão de Policia Criminal que procedeu à investigação na fase de inquérito, ter sido determinado, pelo Magistrado do Ministério Público, a realização de uma análise pericial aos elementos contabilísticos e bancários já recolhidos bem como daqueles que vierem a ser juntos e relacionados com as transferências dos jogadores (fls. 1820).
Para esta diligência foi nomeado, por sugestão do OPC, o Dr. Rui Manuel Campos Fernandes, o qual procedeu à perícia cujo relatório consta do apenso XLIV dos presentes autos. Ora, quer a nomeação, quer a elaboração de tal diligência foi feita com observância do disposto nos artigos 151° a 154° e 157° do C. P. Penal. Por outro lado, verifica-se que a lei não prevê qualquer nulidade pelo facto de quem procedeu a essa diligência ser membro de qualquer OPC em nada beliscando as garantias de defesa dos arguidos.
Não há qualquer motivo que justifique a revogação do douto despacho judicial que ordenou a audição do Dr. Rui F... como perito, nem se vislumbra a existência de razão de facto ou de direito que abale os fundamentos de tal despacho.
Não foi aduzida qualquer razão ou circunstância válida que permita concluir que esteja afectado o valor probatório da prova pericial em apreço (art 163° CPP), nem foi alegado nenhum facto demonstrativo de falta de isenção do perito indicado.
Não foi alegada qualquer das situações das elencadas no art 39º., nº. 1 do CPP, que constituísse impedimento ao exercício da função de perito (art 47º. CPP ).
Não foi alegado qualquer facto de onde se possa concluir que esteja diminuído o grau de isenção e credibilidade que merece a perícia efectuada e os esclarecimentos prestados em audiência pelo mencionado perito. Ou seja, não foi indicada ou demonstrada qualquer causa de inabilidade do perito, inexistindo qualquer razão de particular relação do perito com o caso que lhe retirasse isenção.
O que consta da motivação de recurso são meras conclusões que não se estribam em quaisquer factos concretos.
Não se vislumbra qualquer erro de direito do despacho judicial que admitiu e ordenou o depoimento como perito.
Os funcionários da PJ estão sujeitos a vários deveres especiais consignados no artigo 13° da respectiva Lei Orgânica da Polícia Judiciária (Decreto-Lei n°. 275-A/2000 de 9 de Novembro).
Aliás, como funcionários públicos estão estatutariamente sujeitos ao dever de isenção e imparcialidade.
(…)
O Sr. Dr. Rui F... é um perito especializado, isto é, pessoa dotada de conhecimento de particular ciência para a realização da perícia de que foi incumbido.
Como refere o Prof. GERMANO "a perícia é uma interpretação dos factos feita por pessoas dotadas de especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos".
As perguntas feitas no decurso da audiência a este perito circunscreveram-se ao âmbito, natureza e finalidade da perícia de que foi incumbido.
A tese que a defesa sustenta de que esse perito, por pertencer a órgão de polícia criminal, retira-lhe “independência” não procede.
1ª. Ordem de razões:
A actuação de um perito, funcionário de um órgão policial, não lhe retira isenção e credibilidade, bem pelo contrário; essa especial feição da natureza e funções especializadas que executa são factor acrescido e robustecedor da respectiva independência e isenção.
Na verdade, os Órgãos de Polícia Criminal são a face visível da lei e do próprio Estado, tendo como função primordial, no âmbito do processo penal, coadjuvar as autoridades judiciais (o MP na fase de inquérito e o juiz na da instrução - artigos 55º, 288º. 290º., n.s 2 do CPP). Não lhes competindo unicamente a obrigatoriedade de recolher e comunicar a noticia criminis (art. 240, nº.1, al. a) do CPP), mas, sob a dependência funcional e orientação do MP (art. 263. do CPP), compete-lhes também efectuar a investigação criminal que compreende a efectivação de diligências necessárias na busca de provas que permitam reconstituir os factos que, no "respeito pelo princípio de verdade material", conduzam a uma decisão de submeter ou não submeter alguém a julgamento. Esta decisão "funciona como filtro de selecção que impedirá o assoberbamento dos tribunais com casos inviáveis, procurando-se desta forma libertar os tribunais de processos que levariam à partida a uma absolvição do arguido. A função dos OPC é importantíssima no desenrolar do processo, crucial defesa dos direitos e liberdades do cidadão.
Como entidades e agentes que têm de "levar a cabo quaisquer actos ordenados por uma autoridade judiciária ou determinados pelo CPP [al. c) do nº. l do art. l], os OPC estão subjugados aos princípios gerais do direito e aos princípios processuais penais.
À polícia é acrescida a responsabilidade da defesa da legalidade democrática garantia dos direitos do cidadão (nº. l do art. 272º. da CRP). Acima da descoberta da verdade material (descoberta do como, onde, quando, porquê e quem), encontra-se a liberdade e os direitos de cidadão, cuja garantia é uma das tarefas fundamentais do Estado [al. b) do art. 9º da CRP].
Os Órgãos de Polícia Criminal, se exercem uma actividade investigatória num Estado assente nos primados do direito e da democracia, actuam de acordo com o princípio democrático.
A actividade de coadjuvação da autoridade judicial por parte OPC's, da qual depende funcionalmente, "deve ser qualificada como actividade de Administração da Justiça e, portanto, também enformada pelos princípios a que está sujeito qualquer órgão da Administração Justiça" (vide Manuel Monteiro Guedes Valente, Processo Penal, Tomo I, Almedina, que parafraseamos).
Nesta conformidade, a actuação de um perito, funcionário de um órgão policial, não lhe retira isenção e credibilidade, pelo contrário, essa especial feição das funções especializadas que realiza são factor acrescido e robustecedor da respectiva independência e isenção.
2ª ordem de razão:
O facto de ter coadjuvado o Ministério Público reforça a independência e isenção desse perito, dada justamente a natureza do estatuto legal e constitucional deste órgão de administração da Justiça.
Na verdade, o Ministério Público, porque titular do exercício da acção por imperativo constitucional, tem que promover a reparação da legalidade democrática, sempre que ela pareça ou tenha efectivamente sido violada.
O Ministério Público é órgão de administração da Justiça - o que aponta para o qualificativo de judicial para a sua actividade, já que o que representa é o interesse em que se faça justiça -, dando à sua intervenção, no processo penal, características muito próprias e que pressupõem qualidades que visam, como valor último visado pela sua actuação, a verdade material enquanto emanência do ideal Justiça.
Para exercer a acção penal e assim reparar a legalidade democrática violada, o Ministério Público assume uma atitude “executiva na sua configuração externa, mas que é judiciária na sua índole e essência íntima». Isto dizia, antes da Reforma de 1929, o Prof. Alberto dos Reis, que acrescentava que o Ministério Público quando promove a acção penal «não deve considerar-se como representante do poder executivo, pois é apenas representante do Estado e da lei».

Têm razão o Ministério Público e o assistente.
O arguido, para além de alguma razão formal (na nomeação, por força das circunstâncias de se tratar de inquérito, não foi observado o disposto no nº 3 do artº 154º e, como se sabe, são bem diferentes os modos de prestação e valoração das respectivas provas), apenas opõe, como razão substancial, a possibilidade de suspeição.
Ora, para além de, como os recorridos demonstram, isso não vir fundamentado nem acontecer no caso concreto, não era este o meio próprio para se avaliar essa questão. Se o Tribunal, apesar da oposição deduzida ao requerimento do assistente, decidisse, como decidiu, ouvir o citado interveniente como perito, cabia então ao arguido invocar os fundamentos da suspeição em incidente próprio.
Nestes termos, improcede este recurso.
***
Do recurso principal
Começa o arguido, na conclusão 2ª, por discordar que, para integração do crime de falsificação por uso de documento falso [artigo 256º, n.º 1, c) e n.º 3 do Código Penal], tenha sido dado como provado (i) o facto subjectivo 106 [dolo especifico de benefício patrimonial indevido (ii) o facto subjectivo 107 [dolo genérico de atentado contra a segurança e credibilidade do tráfico jurídico probatório], pois que na verdade (iii) o primeiro [106] deveria ter sido dado como provado com o aditamento «por se tratar de quantia que lhe era devida e que por esta forma recebeu» (iv) e o segundo [107] deveria ter sido dado como não provado.
Indica as seguintes provas concretas que impõem decisão diversa:

(1) Declarações do arguido, prestadas em audiência [acta da sessão ocorrida em 26.11.07], quando refere que a quantia recebida lhe era devida e esta foi a forma que encontrou de a receber, pois o crédito também não estava evidenciado na contabilidade, assumindo que a entidade terceira [a Sport Ldª] era empresa de que era beneficiário;
(2) Depoimento da testemunha PA, da contabilidade do clube [acta das sessões de 15.05.07 e 16.05.07] quando afirma que os cheques emitidos à ordem da Sport Ldª foram «entregues ao arguido A (…) mediante a entrega das facturas da Sport Ldª» [página 49 do aresto recorrido], demonstrando o aproveitamento pelo arguido da verba devida e assim paga;
(3) Documentação apreendida referente às relações do arguido com a Sport Ldª [Apensos 31] e ao circuito financeiro, através desta, dos pagamentos de que o arguido veio a aproveitar, pois que destinados a conta bancária sua [Apensos 31]].

Sublinhando, vejamos o teor dos indicados factos:
54 - Embora ciente de todas as circunstâncias que rodearam a negociação, porque único representante do CLUBE e, por outro lado, sempre acompanhou todas as diligências, o arguido A apresentou à Contabilidade do CLUBE, os documentos de fls. 871 e 872, que se dão por integralmente por reproduzidos, e um título de uma cobrança de uma comissão de PTE 90.000.000$00 (448.918,1€) para pagamento à off-shore “SPORT LDª”, pela intervenção desta na transferência do jogador M, acompanhada pelos documentos de fls. 81, 83, 85, 87, 89, 91, 93, 95, 97 e 99, do apenso V, cujo teor não correspondia à verdade, o que o arguido A bem sabia…
106 – Ao agir da forma descrita em 54, o arguido actuou livre voluntária e conscientemente, bem sabendo que os documentos em causa não eram verdadeiros, sendo sua intenção, conseguida, a emissão de cheques por parte do CLUBE que, depois, recebeu e deu-lhes o destino que entendeu.
107 - Ao actuar da forma supra descrita, o arguido A estava ciente que, atentava contra a segurança e credibilidade no tráfico jurídico probatório que a exibição que um documento traduz.

Estes dois últimos factos, os dos pontos 106 e 107, não foram especificamente fundamentados pelo Tribunal a quo, pelo que se fica sem informação sobre os juízos que os ditaram. Porém, salvo qualquer mérito dos argumentos do arguido, tem que se entender que decorrem, naturalmente, das declarações do arguido sobre os factos do ponto 54 e da análise dos documentos aí citados.
Na integração jurídica, exceptuando os sublinhados, diz-se o seguinte:
Preceitua este artigo (art.º 256.º, C. Penal):
“Quem, com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, ou de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo,
a) fabricar documento falso, falsificar ou alterar documento ou abusar da assinatura de outra pessoa para elaborar documento falso,
c) usar documento a que se referem as alíneas anteriores, fabricado ou falsificado por outra pessoa
é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.”
Por sua vez, o n.º 3 daquele preceito legal, refere que “se os factos referidos no n.º1 disserem respeito a documento autêntico ou com igual força, a testamento cerrado, a vale de correio, a letra de câmbio, a cheque…, o agente é punido com pena de prisão de seis meses até 5 anos ou com pena de multa de 60 a 600 dias”.
Com a incriminação da falsificação de documento pretendeu o legislador proteger a fé pública que devem merecer os documentos, a segurança e a confiança do tráfico jurídico, especialmente do tráfego probatório.
(…)
Assim, o crime de falsificação consuma-se com o simples acto de falsificar, usar o documento falso, ou com a prática de qualquer um dos actos constantes do n.º 1 do artigo 256º do Código Penal. Com a prática de qualquer desses actos já se verifica o perigo de lesão do bem jurídico. ”Não será, portanto, necessário alcançar aquilo que o agente pretendia com a falsificação do documento, isto é, causar prejuízo a outrem ou ao Estado, ou alcançar para si ou para terceiro um benefício ilegítimo. Poderá, assim, dizer-se que a partir do momento em que o documento é falsificado (ou se usa o documento falsificado - parêntesis nosso) o crime está consumado, pois a consumação verifica-se com a prática da acção de falsificar”.
Por outro lado, é ainda necessário realçar que a falsidade em documento é punida quando se tratar de uma declaração de facto falso, mas não todo e qualquer facto falso, apenas aquele que for juridicamente relevante, isto é, aquele que é apto a constituir, modificar ou extinguir uma relação jurídica.
Por fim, é ainda necessário referir que “o benefício ilegítimo que constitui elemento integrador do tipo legal de falsificação p. e p. pelo art. 256.º do CP não tem que ser necessariamente um benefício patrimonial, bastando que se traduza numa vantagem que só é obtida precisamente através da falsificação.
Por sua vez, a nível subjectivo, o crime é de natureza dolosa em todas as suas modalidades típicas, configurando um delito de intenção, já que, verificados os restantes elementos, a intenção do agente, dirigida ao resultado, é suficiente para o preenchimento do tipo, mas o ilícito não se verifica sem a intenção de obter um benefício ilegítimo ou causar um prejuízo a outrem. Assim, acrescendo ao dolo entendido como elemento subjectivo geral, esta intenção constitui um elemento subjectivo especial deste tipo de crime, sem qualquer correspondência no tipo objectivo.
Por fim e a propósito da alínea c), do n.º 1 do art.º 256.º, do C. Penal, convém referir que o agente do crime é pessoa diversa daquela que falsificou o documento.
Analisando a conduta do arguido A (…) no que concerne à conduta relacionada com os documentos emitidos pela Sport Ldª, e entregues pelo arguido na contabilidade do Clube, ficou assente o facto referido em 54, bem como que o arguido actuou livre voluntária e conscientemente, bem sabendo que os mesmos não eram verdadeiros, sendo sua intenção, conseguida, a emissão de cheques por parte do CLUBE que, depois, recebeu e lhes deu o destino que entendeu.
Ora, como já referimos, nessa parte, o arguido não logrou obter qualquer vantagem patrimonial indevida, pois que os cheques que acabou por receber destinaram-se ao ressarcimento de uma quantia que o arguido havia adiantado/emprestado ao Clube. No entanto, logrou obter um benefício indevido que consistiu na entrega desses cheques, ou seja no pagamento por aquela forma, pois que, não obstante ser credor do clube, conseguiu que o mesmo pagasse a uma instituição 3.ª da qual ele era beneficiário, o que de outra forma não conseguiria, algo que o arguido estava bem ciente.
Logo, verificam-se os elementos objectivo e subjectivo do crime de falsificação, pelo que, quanto a este o arguido A vai ser condenado.

É esta definição dos elementos subjectivos que tem que relevar para a qualificação criminal, e que não é passível de censura: o arguido, ao fazer constar, falsamente, que era devida uma comissão e, depois, ao usar em seu proveito documentos que sabia falsos, quis obter - e obteve - um certo benefício, precisamente a recepção de cheques, com os quais, mesmo que indirectamente, se pagou do que lhe era devido.
Não se põe em causa, repete-se, que a quantia recebida lhe era devida, mas a verdade é que esta forma que encontrou de a receber traiu a verdade, pois, além de não haver qualquer comissão a receber, fosse por quem quer que fosse, os documentos com que foi justificada a quitação duma quantia eram falsos. E tudo, claro está, a crer nas declarações do arguido, no depoimento da testemunha PA e nos documentos respectivos.
O acórdão recorrido não parte da falsificação material de cada uma das “facturas”, mas sim de que ele usou documentos falsos porque apresentou à Contabilidade do CLUBE, os documentos de fls. 81, 83, 85, 87, 89, 91, 93, 95, 97 e 99, do apenso V, cujo teor não correspondia à verdade, o que o arguido A bem sabia… e que estava ciente que, atentava contra a segurança e credibilidade no tráfico jurídico probatório que a exibição que um documento traduz.
Isto esclarece tudo, supomos.
E esclarece também a questão suscitada, sobre esta matéria, na conclusão 8ª, onde o arguido se insurge quanto à interpretação e aplicação da norma incriminatória da falsificação por uso de documento falso [artigo 256º, n.º 1, c) e n.º 3 do Código Penal], pois, punindo-se o uso de documentos falsos, é irrelevante que o arguido se tenha pago, através de terceira instituição, de quantia devida. Os elementos do crime de uso de documento falso verificam-se todos, logo, está correcta a subsunção dos factos ao direito e, neste âmbito, não há terceiros.
Nestes termos, improcedem as questões em apreço.
***
Na conclusão 9ª (conhece-se agora dela por razões de eventual preclusão), o arguido tenta demonstrar a prescrição do procedimento criminal quanto aos factos dos pontos 5 a 34 e 103 a 105, os referentes aos valores provenientes do SP.
Invoca o seguinte:
(1) O crime consumou-se em 19.09.95, pela integração do segundo cheque recebido na esfera de domínio patrimonial do arguido, sendo o depósito subsequente na conta de sua mulher actividade posterior à consumação, conforme foi reconhecido nestes autos pelo Acórdão proferido em 11.12.06 pelo Tribunal da Relação de Guimarães em recurso interposto quanto à questão prévia de incompetência territorial [processo n.º 1838/06.2];
(2) Vigorava então o Código Penal de 1982 na sua versão originária, anterior à reforma de 1995, a qual se mostrava em concreto mais favorável ao arguido sendo por isso a aplicável, sem retroacção de lei subsequente [artigo 2º, n.º 4 do Código Penal];
(3) Dada a dosimetria abstracta aplicável ao tipo de ilícito [prisão de 1/8 anos] o prazo de prescrição do procedimento criminal era de dez anos, pelo que se atingiu em 19.09.05;
(4) O primeiro facto interruptivo da prescrição foi a pronúncia, prolatada em 14.11.05, ou seja momento posterior à prescrição.

O Ilustre Procurador Geral-Adjunto, tal como já acima se disse, aduz o seguinte:
Os factos, como se alcança, além do mais, da leitura do art. 33.º (factos provados) do acórdão, estenderam-se para além de 1/10/1995 (data da entrada em vigor do CP reforma de 1995, introduzida pelo DL 48/95).
Aplica-se assim o CP reformado pelo cit. DL 48/95 (foi isto mesmo que decidiu a RL no seu Ac. de 14/6/2006, a fls. 338-345 do I. vol., que incidiu precisamente na questão da prescrição do procedimento criminal do crime em análise; o Ac. RG de 11/12/2006, a fls. 365 e ss. do mesmo vol., invocado pelo recorrente, não teve como objecto de recurso a questão da prescrição).
O crime de peculato é punido com a pena de 1 a 8 anos de prisão (v. art. 375, n.º 1, do CP).
O prazo de prescrição do procedimento criminal é de 10 anos, de acordo com a alínea b), do n.º 1 do art. 118.º e corre desde o dia em que o facto se tiver consumado (art. 118, n.º 1, do C. P.).
Tal alínea refere que o prazo de prescrição é de 10 anos para os crimes puníveis com pena de prisão cujo limite máximo for igual ou superior a 5 anos, mas que não exceda 10 anos.
Nos termos do art. 121, n.º 3, do mesmo Código “...a prescrição do procedimento criminal terá sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal da prescrição acrescido de metade. (...)”
De acordo com este normativo, o prazo de prescrição será de 15 anos, mas descontado o tempo de suspensão.
Para se apreciar a questão do decurso do prazo da prescrição é necessário verificar se existem causas de suspensão ou de interrupção do mesmo (cfr. arts. 120 e 121 do C.P.).
Constituem causas de interrupção da prescrição do procedimento criminal, entre outras, a constituição de arguido e a notificação da acusação (art. 121.º, n.º 1 als. a) e b).
A notificação da acusação (ou da decisão instrutória) constitui também causa de suspensão (art. 120.º, n.º 1, alínea b) do CP).
O arguido foi constituído como tal em 16/12/2002 e a acusação deduzida em 23/12/2004 (fls. 4088).
O despacho de pronúncia foi proferido em 14/11/2005 (fls. 4453-4464) e nessa altura notificado ao arguido (fls. 343 no cit. Ac. RL).
A suspensão dura 3 anos (art. 120.º, n.º 2), isto é, termina em Novembro de 2008, voltando depois a correr o prazo de prescrição (art. 120.º, n.º 3, CP).
Mesmo sem atender àquela causa de suspensão, o prazo de prescrição ainda não terminou, longe disso, pelo que se mantém o procedimento criminal.

Vejamos.
Os factos relativos à movimentação dos valores dos pagamentos do SP, e, por isso, os da imputada apropriação, sucedem-se (a alegada apropriação não foi feita cheque a cheque, mas sim através de um conjunto de movimentos contabilísticos e bancários) até 4 de Abril de 1997 (ponto nº 30), pelo que o procedimento criminal, em termos normais, ocorreria em 4 de Abril de 2007, ou seja, depois da notificação da pronúncia, proferida em 14 de Novembro de 2005.
Depois das interrupções ocorridas com a constituição de arguido (16-12-02) e da notificação da acusação (23-12-04), e sendo que nenhuma delas durou pelo menos dez anos, começou a correr novo prazo com a notificação da pronúncia, prazo esse que apenas acabaria em 14 de Novembro de 2015.
Porém, por força do disposto no nº 3 do artº 120º do Código Penal de 1982, ou do artº 121º dos Códigos Penais de 95 ou actual, a prescrição do procedimento criminal tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal de prescrição acrescido de metade.
Ora, como apenas se conta a suspensão ocorrida entre a notificação da acusação e a notificação da pronúncia, ou seja, de 23-12-04 a 14-11-05, a prescrição ocorrerá decorrido que seja o prazo normal, 10 anos, (4 de Abril de 2007), acrescido de metade, 5 anos (4 de Abril de 2012) e mais o período de suspensão, que é de 10 meses e 22 dias, ou seja, em 26 de Março de 2013.
Assim, improcedem as respectivas conclusões.
*
Na conclusão 4ª, o arguido diz discordar que, para integração do crime de peculato, tenha sido dado como provado (i) o facto objectivo 33 [apropriação] (ii) bem como o facto subjectivo 103 [intenção de apropriação] (iii) o facto objectivo e subjectivo 104 [redundante, atinente à intenção de dano e de apropriação] (iv) e o facto subjectivo 105 [redundante, referente à intenção de dano], pois, na verdade (v) deveria ter sido dado como provado que o arguido era credor de importâncias, pois que fizera pagamentos por conta do clube, sendo que à data a sua posição credora estava evidenciada contabilisticamente, em conta-corrente, pelo que as recebeu para si, entregando-as posteriormente a sua mulher (vi) ou seja deveria ter sido dado como provado o primeiro facto dos considerados não provados [página 26].

E aponta as seguintes provas concretas que impõem decisão diversa:
(1) Declarações do arguido [acta referente à sessão de 26.11.07], quando menciona os pagamentos que efectuou por conta do clube, numa lógica de conta-corrente, e destinar-se esta quantia ao seu reembolso, após o que as entregou, em liberalidade a sua mulher;
(2) Depoimento da testemunha PA [acta referente à sessão de 15.05.07, 16.05.07, 04.10.07], quando (i) menciona a existência de um «saco azul» ou seja de «contas paralelas» no clube, ao lado da contabilidade oficial [página 44 do aresto recorrido] (ii) afirma recorrer ele a uma «contabilidade criativa», método pelo qual justificava movimentos [página 45 do aresto] (iii) diz existir uma conta-corrente referente às relações entre o arguido e o clube sendo que «o extracto relativo ao ano de 95 desapareceu, enquanto [que] o extracto de 96 aparece com menção de 97, devido a um erro informático no clube» [página 46 do aresto] (iv) esclarece, em relação aos pagamentos efectuados pelo SP que «à medida que os pagamentos iam sendo efectuados pelo SP, ia dando entrada desse dinheiro na contabilidade» [página 47 do acórdão] (v) afirma não se recordar [apenas] se os cheques de 15, 18 e 20 mil contos, emitidos pelo SP, «deram entrada no caso azul (…) ou se foram debitadas na conta-corrente do arguido» [páginas 47 e 48 ao aresto], demonstrando que não se pode afirmar que as quantias recebidas pelo arguido não o reembolsassem de verbas de que fosse credor e o seu recebimento implicasse apropriação;
(3) Declarações do perito Rui F... [página 37 do aresto, acta da sessão de 10.05.07] quando afirma a que (i) o arguido «teve um saldo favorável de 50 000 contos» (ii) que a conta-corrente foi saldada em 2001, pelo que subsistira à data dos factos, sendo certo que (iii) do seu relatório pericial não pode extrair-se [ao contrário do que está plasmado no aresto condenatório (página 78) que uma análise superficial da contabilidade permite concluir que o «os dois cheques de 15 e 20 mil contos e as restantes transferências se destinavam a ressarcir o arguido do desconto da letra n.º 29», pelo que o arguido «tentou camuflar o desvio do montante» (ibidem), pelo que se trata de pura processo de intenções de cunho especulativo;
(4) Relatório de Exame Pericial Financeiro-Contabilistico, constante do Apenso XLIV [página 35] na parte em que refere que «este montante difere do valor do extracto da conta “732-Transferência de jogadores” em 34.500.000$00, não se sabendo se tal verba está contabilizada em 1995» [sublinhado nosso];
(5) Critérios de experiência comum [artigo 127º do CP] quando determinam que, havendo uma relação de conta-corrente à data, a qual teve um saldo favorável de 50 mil contos, sendo as quantias em causa tituladas por cheques, de trato sucessivo localizável, é de supor que o seu recebimento pelo arguido e subsequente endosso dos mesmos a sua mulher não visasse um acto de apropriação;
(6) Critérios de experiência comum [artigo 127º do CP] quando determinam que, não tendo sido encontrada a contabilidade do clube, antes reconstituída [em parte e com graves deficiências], não é possível concluir-se, como o faz o acórdão recorrido [página 78], que «se a verba em questão se destinasse a ressarcir o arguido de algum empréstimo, certamente isso ficaria espelhado na contabilidade», pelo que não estando espelhado é porque houve apropriação, pois, não se pode afirmar, como o faz o aresto recorrido, que o movimento financeiro em causa não estivesse espelhado na dita contabilidade, já que esta não foi localizada nem captada para os autos;
(7) Critérios de experiência comum [artigo 127º do CPP] que levam a entrar em paridade de critério com o caso da aquisição dos jogadores R, E e P, relativamente aos quais (i) o aresto recorrido concluiu ser verdade que o arguido efectuara um empréstimo confidencial para a sua aquisição para o clube [página 81 do aresto] (ii) apesar de a aquisição dos jogadores não estar documentada na contabilidade, segundo a testemunha PA [página 50 do aresto] (iii) pelo que não se pode concluir, só ante a ausência de documentação, que neste caso o arguido não haja efectuado empréstimo pelo qual se reembolsava;
(8) Documentação apreendida [Apensos V, XXVII e XLIII] que evidencia a existência de uma conta-corrente entre o arguido e o clube, sendo que aquele pagava por conta deste certas despesas e era reembolsado das mesmas.

Vejamos os factos provados impugnados:
33 - Assim e fruto destas operações, o arguido A logrou fazer seu o montante de PTE 34.347.909$00 (171.326,65€).
103 – O arguido A agiu livre, voluntária e conscientemente, sendo sua intenção apropriar-se do montante descrito em 33, bem sabendo que o mesmo não lhe pertencia.
104 - Com a conduta supra descrita em 5-) a 35-) - há, de facto, lapso ao indicar-se o ponto 35, devendo ler-se o 34 -, o arguido A lesou financeiramente os interesses do CLUBE, causando-lhe um prejuízo de 34.347.909$00, quantia que integrou no seu património, estando bem ciente que tal não lhe pertencia e que actuava contra a vontade do seu proprietário.
105 – O arguido A sabia que lesava o interesse da instituição Clube que lhe incumbia proteger enquanto Presidente da Direcção dessa instituição.
E o seguinte facto não provado:
- o montante descrito em 33, que o arguido A se apropriou, constituísse o pagamento, por parte do Clube, de empréstimo de igual valor que o arguido lhe houvera concedido.

Todos estes factos foram objecto de específica fundamentação, sendo os seguintes os juízos seguidos pelo Tribunal para assim decidir:
Por outro lado, a vastíssima prova testemunhal e documental produzida, que já fizemos referência, não deixam dúvidas quanto às conclusões retiradas, pelo que apenas nos limitaremos a analisar os pontos fulcrais da acusação.
Assim e dividindo essa análise por temas, é notório que, no que concerne à venda dos passes dos jogadores PB e PM, houve uma apropriação ilegítima da quantia que ficou dada como assente, por parte do arguido A A.
Com efeito e desde logo, há que referir que o arguido confessou ter integrado tal quantia no seu património, confirmando as operações bancárias descritas na acusação. Quanto a estas, o relatório pericial e os documentos para as quais esse relatório remete e que supra aludimos, são suficientes para podermos confirmar aquilo que vem plasmado na acusação, para a qual a pronúncia remete.
No entanto, o arguido A negou que fosse sua intenção enriquecer o seu património, à custa do assistente, referindo que tal quantia se destinou ao ressarcimento de montantes que houvera adiantado ao clube. Mais explicou que já era credor há algum tempo e que, aproveitando o facto do Clube ter disponibilidade financeira, em virtude dos fluxos financeiros resultantes da venda dos passes daqueles jogadores, resolveu reaver o dinheiro que havia adiantado.
Porém esta versão dos factos não é suportada por qualquer elemento probatório, documental ou testemunhal.
Assim e desde logo, não existe qualquer documento a suportar tal empréstimo (ou pagamento de despesas que era outra forma que o arguido tinha de injectar dinheiro no Clube), não tendo sido encontrado o extracto da conta-corrente entre o clube e o arguido relativamente a esse ano.
Além disso, a testemunha PA nada referiu sobre a eventual dívida do clube ao arguido. Por outro lado e não obstante não impender sobre o arguido qualquer ónus probatório, certo é que, tendo em conta o montante elevado de que estamos a tratar, seria normal que o arguido se tivesse precavido e guardasse a documentação relativa a esses factos, até por uma questão de transparência, sempre suscitada nos clubes de futebol e noutros ramos da vida quotidiana.
A somar aos argumentos já expendidos, temos que o arguido afirmou que tal operação foi feita com a máxima transparência, sem interposta pessoa, tendo depositado ou transferido directamente tais quantias para a conta de sua esposa, algo que, na sua tese, evidencia a inexistência de qualquer intuito fraudulento e, por conseguinte, de que realmente tudo se estava a passar dentro da máxima legalidade, pois que o arguido apenas estava a ser ressarcido de montantes que havia emprestado ao clube.
Porém e analisando toda a prova, verifica-se que tal não corresponde à realidade.
Na verdade, toda esta operação iniciou-se com a já referida letra n.º 29. Tal letra, conforme referido pelo arguido e nunca negado por qualquer testemunha, apenas foi descontada na conta da esposa do arguido em virtude da falta de liquidez ou confiança da banca no Clube, pelo que o arguido acedeu a utilizar essa conta de forma a permitir o encaixe financeiro ao clube (não obstante esse facto, há que ter em conta que, em períodos próximos, outras letras foram descontadas em contas do clube, conforme evidencia o relatório pericial, o que evidencia que afinal não havia a necessidade de recorrer a uma conta particular da esposa do arguido A).
Contudo e a coberto dessa letra, nomeadamente das operações de reforma e desconto, o arguido tentou camuflar o desvio do montante que supra referimos.
Com efeito, só através da reconciliação bancária, levada a cabo pelo perito Rui F... e plasmada no seu relatório pericial, cujos movimentos o tribunal também reconstruiu, é que se conseguiu apurar o verdadeiro fluxo de dinheiro, pois que se apenas se fizesse uma análise superficial dos movimentos bancários, tender-se-ia a pensar que a quantia em questão, nomeadamente os dois cheques de 15 e 20 mil contos e as restantes transferências, se destinavam a ressarcir o arguido do desconto da letra n.º 29.
Por outro lado, a contabilização destas verbas também foi feita de um modo pouco claro, através do recurso à “contabilidade criativa”, o que indicia claramente o contrário daquilo que alegou o arguido A.
Na verdade e não obstante o arguido argumentar que “de contabilidade nada percebe” e que tudo ficava nas mãos da contabilidade do clube, nomeadamente e principalmente na testemunha PA, certo é que a forma como foi contabilizada tal verba no clube, indicia claramente uma intenção camuflante, de forma a permitir o desvio de verbas.
Com efeito e se a verba em questão se destinasse a ressarcir o arguido de algum empréstimo, certamente que isso ficaria espelhado na contabilidade, conforme bem refere o relatório pericial e para cujos esclarecimentos técnicos remetemos - No relatório pericial refere-se claramente que estes montantes, para além de outros, estão dados como saídos da conta n.º “119 – transferências de caixa”, tendo a regularização dessa conta sido feita com lançamentos indevidos, os quais, com excepção do lançamento identificado na alínea e), de fls. 39, do referido relatório pericial, não constituíram reais entradas de dinheiro na caixa do clube. Assim, o relatório pericial concluiu “que a regularização da conta n.º 119 – transferências de caixa foi toda ela feita, exceptuando-se admite-se, um único registo contabilístico, com recurso a lançamentos que se contextualizam na área da cosmética contabilística ou, se se quiser no foro da contabilidade criativa”..
Por outro lado, o mesmo raciocínio também se aplica se a intenção desta saída de verbas do clube fosse de ressarcir a esposa do arguido das despesas que sofreu pelo desconto da letra n.º 29, sendo que aí seria mais complicado, pois que haveria o risco de haver duplicação de despesas. Além disso e não obstante o arguido pretender descartar responsabilidades da forma como a contabilidade do clube registava estes movimentos financeiros, afirmando que de contabilidade nada percebe, consideramos que tal facto não pode ser tão linear.
Na verdade e independentemente dos muito ou poucos conhecimentos técnicos do arguido na área da contabilidade (algo que não foi apurado nestes autos), certo é que não é minimamente plausível que alguém, nomeadamente a testemunha PA, tivesse de recorrer à contabilidade criativa, quando a situação em causa era simples e linear. Ou seja, não vislumbramos qualquer razão para que um funcionário (arriscando ser responsabilizado criminal e disciplinarmente), recorresse a determinados subterfúgios contabilísticos para espelhar na contabilidade aquilo que facilmente era demonstrável, ou seja e na versão do arguido, que aquele montante se destinou a ressarci-lo de um empréstimo que concedeu ao clube. Se assim fosse e houvesse documentos, conforme alega o arguido A, qualquer contabilista espelharia tal facto, mencionando tal pagamento numa conta de terceiros, ou fazendo constar tal facto na conta-corrente entre o arguido e o clube.
Ora, não tendo procedido dessa forma e utilizando a forma de contabilizar que o relatório pericial bem explica, não há dúvidas que houve uma intenção de camuflar aquelas saídas de dinheiro, algo que, como já referimos, não poderia ter advindo da iniciativa da testemunha PA, mas sim de quem pretendia apropriar-se daquelas quantias, nomeadamente o arguido A.
Com isto tudo que acabamos de mencionar, entendemos não restar dúvidas de que o arguido A quis apropriar-se e integrar no seu património quantias que sabia não lhe pertencerem, aproveitando-se para o efeito da circunstância do pagamento da letra n.º 29 ter ocorrido numa conta titulada por sua esposa, camuflando ainda tais movimentos, através do recurso à denominada cosmética contabilística, de forma a tornar muito difícil a percepção do destino daqueles montantes.

Para além de cada uma das conclusões extraídas pelo Tribunal não ter a sustentá-la meios de prova seguros e fora e qualquer dúvida, a coerência entre elas é, como se vai ver, apenas aparente.
Trata-se - e só nesse sentido deve ser lida e avaliada - de uma fundamentação do convencimento íntimo pessoal, mas que não coincide com os factos objectivos ou, pelo menos, com a mais coerente leitura destes, sobretudo se quiséssemos lançar mão do princípio in dubio pro reo.
Façamos, desde já, uma análise rápida desta fundamentação.
Começa o Tribunal por dizer que assim…, é notório que, no que concerne à venda dos passes dos jogadores PB e PM, houve uma apropriação ilegítima da quantia que ficou dada como assente, por parte do arguido A A.
A adjectivação de notoriedade da apropriação visa dar à conclusão um reforço do valor que ela não tem e, necessariamente, a expressão foi deliberadamente procurada nesse sentido, e ficou retida na mente do julgador, poluindo a teia de pensamentos e, por isso, as demais conclusões.
Obviamente, não se quer com isto dizer, ou sequer insinuar, que as conclusões, e assim a decisão final, não sejam ditadas pela mesma intenção material de justiça que aqui, neste acórdão, se procura, mas tão só evidenciar os erros de suporte dos raciocínios e, por isso, a violação dos princípios de julgamento, de que deve ser essencial a presença do princípio da presunção de inocência (e do já citado in dubio pro reo).
Estes princípios não são puras abstracções: eles pertencem a cada um, seja ele quem for, que está a ser julgado: só devem ser vencidos por provas certas e seguras, expurgadas da mais pequena dúvida.
Não basta o convencimento, sério - que, aliás, é o que aqui transparece -, de que alguém é culpado. É preciso bem mais que isso: provas e juízos coerentes sobre elas. E isso, neste aspecto em particular, não se verifica na decisão recorrida.
O arguido, diz-se, negou que fosse sua intenção enriquecer o seu património, à custa do assistente, referindo que tal quantia se destinou ao ressarcimento de montantes que houvera adiantado ao clube. Mais explicou que já era credor há algum tempo e que, aproveitando o facto do Clube ter disponibilidade financeira, em virtude dos fluxos financeiros resultantes da venda dos passes daqueles jogadores, resolveu reaver o dinheiro que havia adiantado.
E acrescenta-se que esta versão dos factos não é suportada por qualquer elemento probatório, documental ou testemunhal.
Tem que se dizer que a confissão do arguido é, toda ela, coerente com os demais factos (releia-se, acima, o teor dos pontos 5, 6 e 7 das suas conclusões), não se vendo razões para não ser aceite nesta parte, quando é ponto assente (em termos que adiante se vão especificar) que ele financiava o clube, que não havia contabilidade de todos os movimentos a débito e a crédito, com contabilidade paralela e, em particular, com uma contabilidade só parcialmente foi encontrada (melhor dito, que só parcialmente foi adquirida para os autos).
Nestas condições, fica sem suporte válido a afirmação de que não existe qualquer documento a suportar tal empréstimo (ou pagamento de despesas que era outra forma que o arguido tinha de injectar dinheiro no Clube), não tendo sido encontrado o extracto da conta-corrente entre o clube e o arguido relativamente a esse ano, tanto mais que, deste último facto, não pode o Tribunal tirar qualquer consequência em prejuízo do arguido.
E, para além de o próprio Tribunal reconhecer não impender sobre o arguido qualquer ónus probatório, fica também sem sentido a simples invocação conclusiva de que, tendo em conta o montante elevado de que estamos a tratar, seria normal que o arguido se tivesse precavido e guardasse a documentação relativa a esses factos, até por uma questão de transparência, sempre suscitada nos clubes de futebol e noutros ramos da vida quotidiana.
Veja-se que o próprio Tribunal deu crédito ao arguido na questão da compra de três jogadores, que envolveu cerca de 100.000 contos, valor que também não foi contabilizado e que só por força deste processo é que foi invocada pelo arguido.
O arguido, quanto aos cheques e à letra agora em causa, afirmou que tal operação foi feita com a máxima transparência, sem interposta pessoa, tendo depositado ou transferido directamente tais quantias para a conta de sua esposa, algo que, na sua tese, evidencia a inexistência de qualquer intuito fraudulento e, por conseguinte, de que realmente tudo se estava a passar dentro da máxima legalidade, pois que o arguido apenas estava a ser ressarcido de montantes que havia emprestado ao clube.
Porém, o Tribunal desvaloriza esta análise, com o argumento de que isso, analisando toda a prova, …não corresponde à realidade e, a seguir, invoca que …toda esta operação iniciou-se com a já referida letra n.º 29. Tal letra, conforme referido pelo arguido e nunca negado por qualquer testemunha, apenas foi descontada na conta da esposa do arguido em virtude da falta de liquidez ou confiança da banca no Clube, pelo que o arguido acedeu a utilizar essa conta de forma a permitir o encaixe financeiro ao clube (não obstante esse facto, há que ter em conta que, em períodos próximos, outras letras foram descontadas em contas do clube, conforme evidencia o relatório pericial, o que evidencia que afinal não havia a necessidade de recorrer a uma conta particular da esposa do arguido A).
Não se entende (é incompreensível) este trecho da fundamentação, na medida em que, afinal, se inserem factos provados, verdadeiros - o Clube não conseguia proceder ao seu desconto, por falta de crédito na banca, tendo essas letras sido descontadas na conta da esposa do arguido, com perfeito conhecimento e total controlo por parte do Clube -, para, depois, se fazer a especulação de que não havia a necessidade de recorrer a uma conta particular…
A letra foi mesmo descontada nas condições expostas e as diferenças relativas à sua movimentação (não foi, de facto, com ela que se iniciou o comportamento alegadamente apropriativo) representam uma reduzida parcela do valor imputado, não havendo, pois, qualquer razão para se desconfiar que o desconto através da conta da mulher do arguido visou lançar confusão contabilística com fins de locupletamento.
Diz-se que só através da reconciliação bancária, levada a cabo pelo perito Rui F... e plasmada no seu relatório pericial, cujos movimentos o tribunal também reconstruiu, é que se conseguiu apurar o verdadeiro fluxo de dinheiro, pois que se apenas se fizesse uma análise superficial dos movimentos bancários, tender-se-ia a pensar que a quantia em questão, nomeadamente os dois cheques de 15 e 20 mil contos e as restantes transferências, se destinavam a ressarcir o arguido do desconto da letra n.º 29.
Os movimentos bancários deste género, sobretudo quando, como é o caso, não envolvem documentos fictícios, são facílimos de reconstituir e não se compadecem com análises superficiais: são o que são, e mais nada.
Ora, do modo como tudo foi feito, não há razões para não se aceitar a invocação do arguido, nem, muito menos, para a desacreditar.
É um facto, como resulta do ponto 34, que as movimentações aqui em apreço não foram, por instruções do arguido, contabilizados na “Conta 1210- BIC”, procedendo-se, posteriormente, à regularização desta diferença, através da inscrição em outras rubricas, nomeadamente na de “prejuízos acumulados”, de verbas efectivamente não gastas, mas que através delas se conseguia valores iguais entre a contabilidade e os respectivos extractos bancários.
Porém, não é menos verdade que essa “contabilidade criativa” foi partilhada pelo chefe da contabilidade do clube e que o modo de procedimento não invalida que, de facto, o arguido tivesse um crédito daquele montante sobre o clube: a testemunha PA, mais que ninguém, é que poderia dar contributo para o esclarecimento da questão, mas, como o Tribunal afirma, nada referiu sobre a eventual dívida... Nada referiu, mas a verdade é que fez lançamentos de cosmética contabilística grosseiros, susceptíveris de serem descobertos, necessariamente, com uma primeira inspecção, não sendo precisa uma auditoria. Nada referindo (se recearia ser responsabilizado criminal ou disciplinarmente, como aventa o Tribunal, é lá com ele), não pode isso ser considerado em desfavor do arguido nem escamotear as condições caóticas em que as contas entre este e o clube se processavam.
De resto, houve muitos mais actos de contabilidade cosmética ou criativa e não se ousa dizer que eles se reportaram a apropriações do arguido!

Mas, vejamos as coisas com um pouco mais de pormenor.
Respeitando as provas testemunhais coligidas no acórdão recorrido, as documentais ali invocadas e as agora consultadas, veja-se um quadro rigoroso do caso em julgamento.
O arguido foi presidente do Clube, no período compreendido entre 10 de Março de 1980 e 30 de Maio de 2004, ou seja, durante vinte e quatro anos.
Apesar de o clube ter tido sempre em desempenho de funções todos os órgãos sociais estatutários, era o arguido que o geria, essencialmente nos aspectos desportivos e financeiros, concentrando sempre em si todas as decisões referentes às contratações, aquisições, vendas, empréstimos e transferências dos jogadores de futebol.
No exercício das suas funções, o arguido limitava-se, a maior parte das vezes, a comunicar aos restantes membros das sucessivas direcções com que trabalhou e aos Serviços de Contabilidade e de Tesouraria do CLUBE, os procedimentos por si adoptados, ocultando, muitas vezes, a ambos (Direcções e Serviços), as condições em que se processavam as contratações, aquisições, vendas, empréstimos e transferências dos jogadores de futebol do CLUBE, isto é, o arguido tinha um absoluto controlo interno no CLUBE.
Estes factos - que o próprio arguido, com certo sentido (e com laivos notórios de correspondência com a verdade), confessou -, não têm o relevo que se lhe deu, sobretudo o Ministério Público e o assistente, que os potenciaram a despropósito, como que tudo justificando com o modelo “presidencialista” e “absolutista” da gestão. O tipo de gestão do arguido não constitui crime e nada tem a ver com os factos da acusação, mas a verdade é que esse assunto gasta grande parte deste processo.
Afinal, além de ter que se respeitar a prova produzida e os factos provados - e deles mais não resulta do que o transcrito -, o arguido mais não fazia, como já se disse e mais se vai ver, do que gerir desportiva e financeiramente o clube nas condições que emergem dos autos e, obviamente, salvaguardando o seu dinheiro e as garantias pessoais com que também procedia a essa gestão.
Por outro lado, e apesar do provado absoluto controlo interno, a verdade é que, repete-se, havia órgãos sociais a funcionar, e todos os responsáveis tinham conhecimento da gestão do arguido e com ela se conformavam, apesar de alguns desgastes pessoais e de uma ou outra saída.
A testemunha PA dá nota, por exemplo, da existência de contas paralelas no clube, o vulgo saco azul, sendo que era sua convicção que toda a direcção do Clube sabia da existência dessas contas. Uma dessas contas do denominado saco azul era a conta n.º 0015342 -001-13 do BIC, a qual, pensa, era do conhecimento de todos os membros da direcção.
Também as testemunhas referiram estar a par do modelo de gestão do arguido e das fraudes contabilísticas, apenas havendo reacções pontuais e uma exigência da supervisão da contabilidade por um revisor oficial.
E, como já acima se disse em nota, isto mesmo resulta da denúncia inicial, da testemunha D (sobretudo a fls. 10), bem como do pedido cível do CLUBE, onde se diz que os demais directores e empregados do Clube funcionavam como meros executores materiais de ordens e instruções do arguido, muito embora alguns deles não pudessem nem devessem desconhecer a completa ilegalidade dos factos que executavam.
É sito mesmo: se não sabiam, podiam e deviam saber, e nada fizeram.

O arguido, é um facto assumido - e era ostensivo, público e notório -, geria o clube nas condições acima descritas, e fê-lo, durante vinte e quatro anos, sem que os órgãos estatutários o impedissem. Mas, daí à prova de aproveitamento pessoal dessa gestão, vai um fosso.
As contas entre o arguido e o clube estavam, quase todas, reflectidas numa conta-corrente, com parcial reflexo contabilístico oficial (havia outra contabilidade, não oficial).
Com este meio, o arguido fazia entradas de dinheiro ou pagamentos e recebia em iguais moedas, chegando a ter um crédito de 50.000.000$00 sobre o clube e os documentos encontrados (melhor dito, os que vieram aos autos) apenas reflectem pontuais débitos dele, que recebia sempre as quantias que lhe eram devidas sem juros (cf. depoimento do director P).
Dessa conta-corrente apenas se encontram nos autos (Apenso XLIII, vol. I, fls. 174 e ss., os extractos relativos aos anos de 1996, 1997, 1998, 1999 e 2000 (quando é que esta escrituração começou, não se sabe; em 2000 aparece saldada), sendo que aquele a que se atribui como referência o ano de 1996 aparece com a inscrição de 1997 (num inexplicado erro informático - Sobre esta questão (de facto mal explicada, e sobre a qual, também é temerário e antijurídico fazerem-se quaisquer conjecturas), a testemunha PA diz que o extracto de 96 aparece com a menção de 97, devido a um erro informático no clube (confirmou que o extracto constante a fls. 174 do apenso XLIII, correspondia ao ano de 1996), o que se sucedeu em muitos outros campos (balancetes e contabilidades de outras áreas referentes ao ano de 1996, apareciam com a data de 1997).
Por seu lado, o denunciante, D, confrontado com a hipótese de ter havido um erro informático, esta testemunha admitiu tal possibilidade, embora a considere muito pouco provável, pois que um erro de um ano no computador era facilmente detectável e corrigível. Além disso, acrescentou que se assim fosse, aquele documento enfermaria logo de um erro crasso, pois que o saldo com que alegadamente encerrou o ano de 96, não corresponde ao movimento de abertura do ano seguinte, que é superior (vide fls. 174 e 175), sendo que tal saldo já é inferior na transposição de fls. 176 para 177.
E, já agora, cite-se que esta mesma testemunha afirma que em 98 o saldo dessa conta-corrente era nulo e que em 99 e 2000, o arguido já figurava novamente como credor do clube e que tal facto, na sua óptica, apenas se pode dever à adopção de uma técnica contabilística diferente, ou então a uma dívida do clube contraída nesses anos (sem documentos de suporte localizados, é claro)!!!
) e notando-se, ainda, que, em regra, os saldos do ano anterior não são os que transitam para o ano seguinte.
Quanto à escrituração da conta-corrente de 1995, resulta dos autos que desapareceu.
Desapareceu na voragem do desaparecimento (ou da deslocalização) de outros documentos da contabilidade oficial e da destruição - A testemunha PA é que diz, sobre a documentação relativa aos anos de 95 a 96 do saco azul, que passados 2/3 anos destruíram esses elementos. de suportes documentais da escrita paralela, a do dito saco azul.
Dê-se o devido realce ao ponto 4 dos factos provados, onde se diz, textualmente (expurgada a locução por outro lado, que pode induzir errada leitura), que impossibilitando qualquer tipo de controlo, os Serviços do CLUBE viram desaparecer as actas das reuniões de Direcção posteriores a 1995, documentos de suporte relacionados com lançamentos contabilísticos respeitantes a transferências de jogadores do CLUBE durante os anos de 1995 a 1996 e eliminação de ficheiros informáticos da base de dados.
E relembre-se o que já acima se transcreveu da alegação do Ministério Público, ou seja, que este também concluiu que no que se refere à conta corrente que o arguido A tinha com o clube é de notar que as aberturas a crédito a favor do arguido não estão documentadas e que, por isso, contabilidade indocumentada não vale como prova.
Sobre o desaparecimento de documentos contabilísticos, tal como já acima se disse, apenas se fazem inconvenientes e ilegítimas insinuações, mas, com rigor, apenas se pode consignar que muitos estavam na posse do denunciante D, que diz tê-los recebido do Engº Arantes e que este, por sua vez, afirma que tem milhares de documentos em casa!!!
E não se esqueça que a testemunha PA afirma categoricamente que, nos anos de 96 e 97, as documentações suportes da compra e venda de jogadores desapareceram do clube, não sabendo quem foi o autor de tais actos, apenas referindo que havia muita gente com livre acesso a esses documentos!!!
O denunciante D diz, por seu lado, que os documentos que tinha em sua posse aquando da participação que efectuou, entregou-as à PJ, quer na altura em que efectuou a referida denúncia, quer em momentos posteriores. Mais esclareceu que os documentos do clube a que tinha tido acesso e que entregou na PJ lhe tinham sido entregues pelo Eng.º A, sendo a testemunha PA quem lhe fornecia, de forma verbal ou através de manuscritos, informação importante que lhe permitiram desagregar e compreender os números constantes das contas do clube. Tais notas nunca foram entregues à PJ, pelo facto de não serem assinadas nem de não conterem o logótipo do clube, além de que sempre pensou que os restantes documentos seriam suficientes para a prova dos ilícitos que denunciou.
Dê-se também o devido realce, por um lado àquilo que o arguido diz (e ao modo como tal declaração parece soar) sobre esta questão do desaparecimento e, por outro, ainda sobre este aspecto, à contradição entre o relato das testemunhas PA, D e JA.
Diz-se do arguido que, sobre o local ou o destino dado aos documentos relativos à contabilidade de 95 e 96, bem como à conta-corrente existente entre o clube e o arguido relativos a esse mesmo período de tempo e ainda os documentos suporte da conta-corrente, afirmou desconhecer, afirmando que bem gostaria de saber pois que os mesmos serviriam para provar aquilo que afirmou.
A testemunha PA confirmou ter prestado informações verbais à testemunha D, negando todavia que alguma vez as tivesse fornecido de forma escrita e que lhe tivesse facultado documentos (bem como ao Eng.º A), pois que havia instruções expressas do Conselho Fiscal para o não fazer.
A testemunha JA …referiu que, antes das eleições de 2000, o PA se reuniu consigo e lhe confidenciou (apenas de uma forma verbal, nunca tendo entregue qualquer documento manuscrito) que havia despesas pessoais do arguido pagas pelo clube e que havia uma conta-corrente entre o arguido e o clube, alimentada apenas por aquilo que o arguido comunicava verbalmente, não havendo qualquer documentação de suporte.
E a testemunha D diz que os documentos que tinha em sua posse aquando da participação que efectuou lhe tinham sido entregues pelo Eng.º A (…) Além disso, também referiu que a testemunha PA lhe fornecia, de forma verbal ou através de manuscritos, informação importante que lhe permitiram desagregar e compreender os números constantes das contas do clube.
Como se vê, a questão do desaparecimento de documentos é uma questão “quente” para estas testemunhas, cujo crédito, neste particular, tem que ser subestimado ou, pelo menos, não pode contribuir para o descrédito do arguido.

Como já se disse, além da contabilidade oficial do clube - na qual, como confessam vários intervenientes, havia o recurso a actos de contabilidade criativa ou de cosmética contabilística -, havia uma contabilidade paralela, onde, além de outras fontes de receita, entravam verbas sem origem determinada.
Isso mesmo afirma o perito Rui F..., ou seja, que o denominado saco azul era alimentado por depósitos em numerário, nomeadamente receitas do Clube, e com outros depósitos, cuja proveniência desconhece.
Ou seja, era o caos: em termos de gestão, de fiscalização, de contabilidade…
Nos artºs 12º e 13º do pedido cível, o assistente diz, textualmente, que …o seu sector administrativo e financeiro era um autêntico caos, em que grande parte dos lançamentos contabilísticos, quer a débito, quer a crédito, eram feitos por ordens verbais do 1º arguido, que dessa forma evitava e impedia qualquer controlo, fosse por parte dos serviços internos, fosse por qualquer entidade externa ou até dos associados…
E, no meio deste caos, ninguém consegue - com rigor contabilístico - determinar, neste momento, quem é que deve a quem. Sobretudo - e muito menos isto -, ninguém consegue afirmar, com toda a segurança processual penal exigida, e com o mínimo respeito pelos princípios constitucionais da presunção de inocência e do in dubio pro reo, que o arguido se aproveitou, para si, ou para terceiros, de qualquer quantia.
O próprio denunciante, a testemunha D parece peremptório quando confrontado com o apenso XLIII, vol. I, pág. 174 (extracto de conta corrente entre o clube e o arguido), afirmou nunca o ter visto antes, esclarecendo que, sem os respectivos documentos de suporte, não se pode aferir da conformidade de tais lançamentos, esclarecendo que qualquer conta-corrente deve possuir tal documentação!!!
E, como se viu, o próprio Tribunal dá como provado que o desaparecimento de documentos impossibilita qualquer tipo de controlo, ou seja, até se verifica, aqui, uma forte contradição entre os factos, a fundamentação e a decisão.
E não se diga que ali não se fala de documentos relativos à conta-corrente com o arguido nem que, no que respeita aos montantes dos cheques e da letra do SP, não se encontra documentação justificativa daquilo que o arguido invoca em sua defesa, ou seja, de que ficou com as quantias em questão por ter créditos sobre o assistente, pois esses argumentos são inconsequentes, quer pelo já descrito modo atípico como a contabilidade do clube funcionava, quer pelo já referido generalizado desaparecimento (e deslocalização) de documentos.
Em tais condições de gestão; de duplicação e cosmeticidade contabilística; e de desaparecimento de documentos, bem podia o arguido, de facto, ter-se locupletado, mas a verdade é que, de vinte quatro anos de gestão, foi preciso ir a um negócio concretamente justificado (o dos três jogadores também aqui em causa) e ao recebimento de dois cheques e ao desconto de uma letra para se imputarem duas apropriações!
Ora, quanto ao referido negócio dos jogadores (ressalvando a questão dos câmbios), estamos perfeitamente esclarecidos, e quanto à questão dos cheques e da letra, no meio de tantas facilidades, não deixaria de ser anormal que o arguido se fosse apropriar precisamente por vias que, para qualquer pessoa comum, eram as que deixavam mais pistas, ao alcance de qualquer amanuense ou detective amador.
A letra teve todo o seu percurso bancário bem retratado; os cheques tiveram uma circulação transparente, sem recurso a qualquer camuflagem ou subterfúgio, tendo, aliás, sido entregues pelo chefe da contabilidade e, segundo o arguido, com lançamento nos livros.
Aliás, a este propósito, veja-se o que diz a testemunha PA:
Quanto às letras a que se referem o extracto de conta constante no apenso XLIII, fls. 168 e 169, esta testemunha explicou que o Clube não conseguia proceder ao seu desconto, por falta de crédito na banca, tendo essas letras sido descontadas na conta da esposa do arguido, com perfeito conhecimento e total controlo por parte do Clube.
Quanto a uns cheques de 15, 18 e 20 mil contos, emitidos e pagos pelo SP, que foram depositados em contas do arguido A e da sua esposa, esta testemunha nada adiantou, não se recordando se tais quantias deram entrada no saco azul (foi confrontado com fls. 22 desse apenso – depósito de 18 mil contos, admitindo que possa ter sido o dinheiro proveniente do levantamento desse cheque constante a fls. 8 do apenso XXIV) ou se foram debitadas na conta-corrente do arguido (foi confrontado com o extracto da conta-corrente de fls. 171, apenso LXIII [é o Apenso XLIII], volume I).
Como, com toda a pertinência, alega o arguido, isto demonstra que não se pode afirmar que as quantias recebidas pelo arguido não o reembolsassem de verbas de que fosse credor e o seu recebimento implicasse apropriação, antes resultando que os movimentos dos cheques, bem como os da letra, foram feitos às claras, sem qualquer intenção de camuflagem.

E assim, além de não se poder dar como provada a ilegitimidade da descrita apropriação, deve dar-se como provado o citado facto não provado, ou seja, que o montante descrito em 33 constituiu o pagamento, por parte do Clube, de empréstimo de igual valor que o arguido lhe houvera concedido.
É que, tem razão o arguido nos já transcritos argumentos que invoca.
Para além do que já se disse e se demonstrou - «contas paralelas»; «contabilidade criativa»; desaparecimento de documentos, em especial do extracto relativo ao ano de 95; extracto de 96 com menção de 97; desconformidade da transição de saldos, etc. -, há que atender ao que resulta do relatório de Exame Pericial Financeiro-Contabilistico, constante do Apenso XLIV [página 35], ou seja que este montante difere do valor do extracto da conta “732-Transferência de jogadores” em 34.500.000$00, não se sabendo se tal verba está contabilizada em 1995.
Tem, pois, particular força o argumento do arguido, de que, não tendo sido encontrada a contabilidade do clube, antes reconstituída [em parte e com graves deficiências], não é possível concluir-se, como o faz o acórdão recorrido [página 78], que «se a verba em questão se destinasse a ressarcir o arguido de algum empréstimo, certamente isso ficaria espelhado na contabilidade», pelo que não estando espelhado é porque houve apropriação, pois, não se pode afirmar, como o faz o aresto recorrido, que o movimento financeiro em causa não estivesse espelhado na dita contabilidade, já que esta não foi localizada nem captada para os autos.
E igual força se concede à invocação do paralelismo entre esta situação e a que mais tarde veio a suceder com o pagamento da quantia desembolsada para a compra de três jogadores, como é relevante o invocado teor das declarações do arguido, cuja probidade não foi até agora posta em causa.
*
De todo o modo, como já se deixou pontualmente demonstrado, a prova, no que também diz respeito a este segmento dos factos, não resistiria minimamente, se fosse preciso - mas nem é - ao princípio in dubio pro reo, que, como já se disse, é uma expressão, em matéria de prova, do princípio da presunção de inocência, que, por sua vez, emana do princípio do Estado de Direito Democrático.
A Constituição da República Portuguesa consagra a presunção de inocência no artigo 32º, nº 2, o qual, no dizer de Cavaleiro Ferreira (Direito Penal Português, I, pág. 111), "implica que, sendo incerta a prova, se não use de um critério formal como o resultante do ónus legal da prova para decidir da condenação do réu, a qual terá sempre de assentar na certeza dos factos probandos".
Só a prova efectiva dos factos imputados ao arguido na acusação pode destruir o princípio da presunção de inocência do arguido. Em circunstância alguma recai sobre este o ónus de provar a sua inocência, assim como também não existe verdadeiramente um ónus de o acusador provar os factos da acusação.
Como refere o Prof. Figueiredo Dias, RLJ, ano 125, pág. 140, "a absolvição por falta de prova em todos os casos de persistência de dúvida no espírito do Tribunal não é consequência de qualquer ónus de prova, mas sim resultado da incidência do princípio in dubio pro reo".
E como se diz no Ac.STJ, de 18.10.2001, Proc. n.º 2371/01 - 5.ª Secção – Rel. Pereira Madeira:
I - O princípio do "in dubio pro reo" para além de ser uma garantia subjectiva, é também uma imposição dirigida ao juiz no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao réu, quando não tiver a certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa.
II - Nas suas origens, teve sobretudo o valor de reacção contra os abusos do passado e o significado jurídico negativo de não presunção de culpa. No presente, a sua afirmação, quer nos textos constitucionais, quer nos documentos internacionais, ainda que possa significar reacção aos abusos do passado mais ou menos próximo, "representa sobretudo um acto de fé no valor ético da pessoa, próprio de toda a sociedade livre".
III - Por outras palavras, significa tal princípio, que não obstante as provas oficiosamente reunidas no processo, não possam ser "provados" os factos sobre os quais persista dúvida razoável e ainda que, sendo esse, a final do julgamento, o estado de espírito do julgador emergente da prova coligida, a dúvida deva ser sempre valorada em favor do arguido.

E, pelo estímulo de tudo o que até agora se disse, é este o momento mais azado para aqui se deixar uma breve nota, para se dizer que, neste processo, não se julgava o mundo do futebol, com a sua impenatrabilidade, pactos de silêncios, os seus conluios e malhas apertadas de interesses obscuros e/ou ilícitos, nem, muito menos, a volatilidade e confidencialidade com que se revestem os seus negócios (cf. relatório final do inquérito), pois esse não se julga: analisa-se e combate-se.
Aqui, está a ser julgado um cidadão concreto, relativamente a concretos factos, e para esse cidadão e para esses factos, por muito que se desiludam aqueles que parece verem nestes casos a oportunidade de punição do sistema, há um conjunto de regras constitucionais e processuais sagradas de aplicação inderrogável.
Os direitos fundamentais transportam em si uma partilha de sentido universal de valores comuns, como se traduzissem uma linguagem comum de vocação universal. Para ser efectiva, não podem subsistir recusas de partilha do sentido dos valores.
A judicialização constitui o modo mais eficaz de afirmação e efectivação, contribuindo, mais do que outros modos, para a necessária sedimentação desta linguagem comum.
Os direitos fundamentais não são já apenas referências últimas, mas judicializados e dotados de efectividade, e também como instrumentos ao dispor do arsenal interpretativo e argumentativos dos juízes, participam do mundo de todos os dias e impregnam os vários sectores do direito – família, trabalho, civil penal e do processo penal, administrativo – Consº A Henriques Gaspar, Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, comunicação aquando da celebração do 30.º Aniversário da Adesão à Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
Em casos como o destes autos, a equanimidade das decisões tem que assumir (se é que isso é possível) contornos mais definidos, para que se não sinta a influência de instâncias informais (opinião pública incluída) e se repudie qualquer vestígio de que a punição vai também ser um exemplo. E o contrário também, ou seja, com receio de punição residual de determinado fenómeno, não pode deixar de se punir um culpado.
Nos mais variados sectores sociais, a partir de alguns factos concretos, reinam, por deturpação, ideias generalizantes de actos ilícitos, ideias essas que apodrecem a imagem social do país e que dão aos cidadãos a convicção de que toda a gente (os outros) prevarica, a par da persuasão de impunidade por defeito da justiça. E isso acontece, como todos sabem, mesmo que os Tribunais, como única instância de Justiça, decidam que alguém é inocente.
Ora, o valor intrínseco das decisões judiciais, quando devidamente fundamentadas e transparentes, não devem suscitar dúvidas a ninguém, senão as que, legitimamente, sejam fundamento de recurso e, ainda mais legitimamente, aquelas que, de estrito âmbito técnico-jurídico - e rigorosamente dirigidas à decisão em si -, contribuam para o enriquecimento do Direito e da aplicação da Lei, em ordem a aumentar o esclarecimento público e a confiança dos cidadãos na Justiça.

Pelo exposto, e nesta parte, merecem provimento as conclusões do arguido.
*
A seguir, o arguido invoca o seguinte:
6.ª O arguido discorda que, para integração do crime de peculato, tenha sido dado como provados (i) os factos objectivos 74-76 [apropriação] (ii) o facto subjectivo 109 [dolo de apropriação] (iii) o facto objectivo e subjectivo 110 [dano e dolo de dano] (iv) e o facto subjectivo 111 [redundante, respeitante ao dolo de dano], pois que deveria ter sido dado como provado que a quantia recebida pelo arguido equivale aquela que lhe era devida, relE o câmbio entre as divisas utilizadas.

7.ª São provas concretas que impõem decisão diversa:
(1) Critérios de experiência comum [artigo 127º do CPP], porquanto relevando o câmbio das divisas em presença US$/EUR/ESP [dólares americanos, euros e escudos] e efectuando uma aritmética de conversão alcançamos que o valor pelo qual o arguido foi ressarcido pelo assistente é igual àquele pelo qual era credor deste, tendo sido ainda prejudicado pela operação.
(2) Os documentos bancários constantes do Apenso XXXIIII obtidos através de rogatória expedida às Autoridades Helvéticas.
(3) Declarações do arguido, prestadas em audiência [acta da sessão ocorrida em 26.11.07], quando refere que a quantia recebida lhe era devida e esta foi a forma que encontrou de a receber.

E apresenta as seguintes operações:

CHEQUE a fls. DATAMONTANTE EM ESCUDOSTAXA DE CÂMBIOMONTANTE EM DOLARESMONTANTE EM EUROS
124/DB20-08-009.000.000,000,9023$40.505,0044.883,81 €
125/DB30-08-009.000.000,000,8909$39.994,0044.883,81 €
126/DB10-09-009.000.000,000,8609$38.646,0044.883,81 €
131/DB30-09-009.000.000,000,8765$39.346,0044.883,81 €
143/DB30-10-009.000.000,000,8482$38.076,0044.883,81 €
149/DB15-11-009.000.000,000,8596$38.588,0044.883,81 €
152/DB25-11-009.000.000,000,8406$37.735,0044.883,81 €
153/DB05-12-009.000.000,000,881$39.548,0044.883,81 €
156/DB,20-12-009.000.000,000,9059$40.666,0044.883,81 €
182/DB30-12-009.000.000,000,9305$41.771,0044.883,81 €
TOTAIS$394.875,00448.883,10 €


Acrescendo a este valor o montante de 119.995,00 USD provenientes da transferência do jogador P e o valor dos juros de 20.368 USD resulta:

VALORES EM DOLARESVALORES ACÓRDÃO EM EUROS
Empréstimo USD
505.652,98
514.659,52
Transferência P
119.955,00
130.783,92
10 cheques de 9.000 contos
394.875,00
448.918,10*
Juros
20.368,00
26.096,28
Empréstimo + juros
526.020,98
540.755,80
Reembolsos
514.830,00
579.702,02
Diferença entre valor do empréstimo e reembolsos
-11.190,98
38.946,22

* A conversão operada enferma de erro conforme se pode compulsar do extracto bancário constante do Apenso XXXIII, que se repercute no resultado apurado.
Atento o pagamento efectuado em dólares americanos a aferição dos valores dos reembolsos deverá ter por referência esta moeda sob pena de adulteração dos resultados pela (i) variação das taxas de câmbios entre moedas ao longo do tempo (ii) a variação das próprias taxas entre diferentes moedas escudos/euros e dólares/Euros.

Na resposta, diz o assistente o seguinte:
Cumpre então recordar ao arguido que, tomando-se como boa a sua tese de que tinha procedido a um empréstimo ao Clube, então, esse empréstimo ocorreu entre duas pessoas domiciliadas em Portugal, e portanto sujeitas à legislação portuguesa, designadamente, no que esta matéria interessa, na obrigação de pagamento em moeda que tenha curso legal em Portugal, pelo que bem andou o Tribunal recorrido em ter como referência a actual divisa com curso legal em Portugal, ou seja, o Euro, tanto mais que, no período temporal em referência, ou seja, 25 de Janeiro de 2000, data em que o arguido contraiu um empréstimo junto de um banco suíço, o escudo encontrava-se já com o seu valor fixado face ao Euro.
MAIS ACRESCE QUE,
As obrigações valutárias, ou seja, o pagamento de obrigações pecuniárias em moeda com curso legal no estrangeiro, dependem de estipulação nesse sentido entre credor e devedor, como preceitua o artigo 558º n.º 1 do Código Civil. Ou seja, se tivesse sido acordado entre o arguido e o Clube que esse (alegado) empréstimo seria pago em dólares, então o pagamento do Clube dessa obrigação em euros ou escudos, seria, nos termos do n.º 1 do artigo 558º do Código Civil, “(...) segundo o câmbio do dia do cumprimento e do lugar para este estabelecido(...)”.
Mas como não foi convencionado o pagamento do aludido empréstimo em divisa estrangeira, não surge então nenhuma obrigação para o Clube de pagar essa quantia atendendo ao câmbio da divisa na data do cumprimento.
Deste passo, apesar de não se poder concordar com o facto de o Tribunal recorrido ter entendido que o arguido se visou ressarcir de um empréstimo que tinha concedido ao Clube, bem andou o Tribunal recorrido em fazer a conversão de todos os valores em causa para euros.

Os factos em causa, que o arguido impugna, são os seguintes:
74 – A compra destes jogadores acarretou um custo de 514.659,52€, tendo ainda o arguido suportado os juros decorrentes do empréstimo que contraíra, no valor de total de 26.096,28€, pelo que com a aquisição dos 3 jogadores o arguido despendeu a quantia de 540.755,8€, tendo recebido os montantes descritos em 55-), 58-) e 76-), no valor total de 579.702,02€.
75 - Em 19 de Janeiro de 2001, o CLUBE, representado exclusivamente pelo arguido A, celebrou um contrato com o Esporte Clube Clube, até 30 de Junho de 2002, pelo qual cedeu a este Clube o jogador Carlos Eduardo C, mediante o pagamento da quantia de 120.000,00 (cento e vinte mil) USD, a ser paga em três prestações de 40 mil (quarenta mil) USD cada, a depositar na conta bancária do BCP, titulada pelo CLUBE, a que corresponde o NIB 00, de acordo com a cláusula 3º do contrato.
76 - Posteriormente, o arguido A deu instruções, que foram seguidas, tendo sido depositado os 120.000,00 (cento e vinte mil) USD, a que correspondiam, à data do depósito 130.783,92€, na conta nº 223460 da CBES-Suiça, em três prestações, de 40.000,00 (quarenta mil) USD pagas em 22 de Janeiro, 01 de Março e 21 de Março, de 2001.
109 – Ao actuar da forma descrita em 74-) a 76-) e tendo em conta o dinheiro que já havia recebido em 55-) a 58-), o arguido A agiu livre, voluntária e conscientemente, sendo sua intenção, para além do ressarcimento referido em 108-) apropriar-se do montante de 38.946,22€, a que corresponde à diferença entre aquilo que pagara pelo passe dos jogadores E, R e P e aquilo que recebeu do Clube para ressarcimento de tal despesa.
110 - Com a conduta supra descrita, o arguido A lesou financeiramente os interesses do CLUBE, causando-lhe um prejuízo de 38.946,22€, quantia que integrou no seu património, estando bem ciente que tal não lhe pertencia e que actuava contra a vontade do seu legitimo proprietário, nomeadamente o assistente Clube.
111 – O arguido A sabia que lesava o interesse da instituição Clube que lhe incumbia proteger enquanto Presidente da Direcção dessa instituição.

Estes factos foram assim fundamentados:
Aqui chegados, tem de se colocar a questão de saber se tal apropriação foi culposa ou não, ou seja, se esse saldo a mais em favor do arguido se deveu a uma mera incúria deste, que não soube ou não cuidou de fazer correctamente as contas, ou se, pelo contrário, teve perfeita consciência daquilo que se passava e quis integrar tal montante no seu património.
Analisando todo a prova produzida entendemos que houve dolo de apropriação por parte do arguido A.
Com efeito e desde logo há que referir que o arguido optou pela não contabilização do passe destes jogadores e pelo recurso à off-shore para ressarcimento do empréstimo que contraíra.
Na verdade, causou alguma estranheza o facto do arguido não ter tornado público ou, pelo menos, não ter comunicado à contabilidade do Clube o valor e a forma como estes passes foram adquiridos, nomeadamente o recurso a um empréstimo, bem como qual a razão que o terá levado a recorrer a uma off-shore para liquidação desse empréstimo e não ter utilizado o procedimento habitual quando o pagamento era feito por si (pelo arguido), ou seja, através da contabilização dessas aquisições em conta-corrente, com o posterior ressarcimento (os casos dos jogadores PT, Paulo César, entre outros foram suscitados como termo de comparação).
Para responder a isso, o arguido argumentou com a confidencialidade que lhe foi pedida pelo Banco Suíço, pois que, na sua versão dos factos, tal instituição não queria ser envolvida em negociações e pagamentos de transferência de jogadores de futebol. Logo e de forma a honrar a confidencialidade que lhe foi pedida, não poderia transmitir quaisquer informações à contabilidade do clube, sob pena de tudo ser descoberto.
Ora, esta explicação do sucedido, não mereceu acolhimento por parte do Tribunal. Na verdade, não nos parece lógico, usual e necessário ter de se recorrer a uma estratagema tão rebuscado para se manter uma alegada confidencialidade (nem isso ficou assente, pois não foi produzida qualquer prova nesse sentido, nada constando na autorização de conta a descoberto), pois que para a manter bastava ao arguido não divulgar a fonte do seu dinheiro. Com efeito, mesmo que o arguido anunciasse que adiantara dinheiro ao clube para adquirir tais jogadores e que, em momento oportuno, iria ser ressarcido ou, se apenas se limitasse a lançar tal aquisição na sua conta-corrente, tal não implicaria que tivesse que divulgar a proveniência do seu dinheiro, pelo que a alegada confidencialidade solicitada nunca seria quebrada.
Por outro lado, estamos a falar de montantes bastante elevados e de um diferença de dinheiro substancial, o que facilmente seria detectável pelo arguido, ou por qualquer outra pessoa que pudesse analisar as contas.
Assim e em resumo temos que o arguido não contabilizou os passes dos 3 jogadores na contabilidade do Clube, não lançou o empréstimo que contraíra para adquirir esses jogadores em conta-corrente e, para além do mais, ainda utilizou uma empresa off-shore para se ressarcir desse montante, fabricando um documento falso em que constava a intermediação de tal empresa na venda do jogador M, o que nunca aconteceu.
Se a esses factos adicionarmos a circunstância de, com todos estes movimentos, o arguido ter ficado com um saldo positivo de 38.946,22€, facilmente detectável por uma observação rigoR e cuidada, então temos de concluir que todo o comportamento adoptado pelo arguido visou essa apropriação e não a manutenção de uma alegada confidencialidade que nunca existiu ou, mesmo que tivesse existido, nunca justificaria tais condutas.

Face ao que já acima foi decidido, quer quanto ao recurso do Ministério Público e do assistente sobre a questão da aquisição e pagamento da quantia relativa aos passes destes três jogadores, quer, agora, sobre a questão da quantia de 34.347.909$00 (facto 33), têm que se dar como não provados os factos dos pontos 109, 110 e 111, na parte em que definiam a sua intenção, para além do ressarcimento referido em 108-) apropriar-se do montante de 38.946,22€ e de que estava bem ciente que tal não lhe pertencia e que actuava contra a vontade do seu legitimo proprietário, nomeadamente o assistente Clube ou que sabia que lesava o interesse da instituição Clube que lhe incumbia proteger enquanto Presidente da Direcção dessa instituição., ficando apenas para decidir, em termos de pedido cível, se com a conduta supra descrita, o arguido lesou financeiramente os interesses do CLUBE, causando-lhe um prejuízo de 38.946,22€.
Com efeito, todas as razões expostas valem, por maioria de razão, para o imputado excesso (faltando apenas apurar se excesso houve), não havendo qualquer indício de que o arguido se quisesse apropriar de qualquer quantia.
Ele despendeu 526.020.98 USD (505.617,98 USD+20.368,00) e calcula, no seu critério, ter recebido apenas 514.830,00 USD, pelo que a simples existência de diferença de critério de cálculo não permite imputação subjectiva nos termos feitos na decisão.
De resto, além de o empréstimo e o negócio dos jogadores ficar espelhado em movimentos bancários acessíveis (mesmo ocorrendo no estrangeiro, estão todos nos autos), é o próprio Tribunal que afirma ter o arguido ficado com um saldo positivo de 38.946,22€, facilmente detectável por uma observação rigorosa e cuidada, sendo incongruente a conclusão de que todo o comportamento adoptado pelo arguido visou essa apropriação e não a manutenção de uma alegada confidencialidade…

Vejamos, porém, se houve algum excesso.
Como se vê do Apenso XXXIII, Vol. I, fls. 28, e tal como o arguido invoca, o pagamento dos jogadores foi feito em dólares americanos.
Assim, é legítimo que, respeitando os câmbios das datas de ressarcimento, se façam as contas em dólares.
As taxas de câmbio do dólar, nas datas dos recebimentos, eram as indicadas pelo arguido (cf. histórico de câmbios em www.bportugal.pt).
Como já se disse, ele despendeu 526.020.98 USD (505.617,98 USD+20.368,00) e apenas recebeu 514.830,00 USD, pelo que ainda teria a receber mais 11.190,98 USD.
O Tribunal, como se viu, justifica a sua diferença com o benefício para o arguido das melhores taxas de câmbio na data - 27-06-01 - em que transferiu os 120 mil USD da conta 223460/00 que era em dólares, para a conta n.º 223460/35 que era em Euros, mas a verdade é que essa transferência nada tem a ver com o negócio em causa, tal como não poderia ter repercussões em prejuízo do clube se à data dessa mesma transferência as taxas de câmbio fosse mais desfavoráveis: o que contava, e conta, é a moeda em que o arguido pagou e os montantes que nessa moeda recebeu.
O contrário, como acentua o arguido, levava a adulteração dos resultados pela (i) variação das taxas de câmbios entre moedas ao longo do tempo (ii) a variação das próprias taxas entre diferentes moedas escudos/euros e dólares/Euros.
Quanto aos argumentos do clube, acima transcritos, tem que se dizer que, tendo o arguido, em acto de gestão do clube - a compra de jogadores -, ajustado com o clube brasileiro o pagamento em dólares americanos, estava, automaticamente, a estipular recebimento em igual moeda, ao abrigo do disposto no artigo 558º n.º 1 do Código Civil, sendo que, como já se disse, os câmbios dos sucessivos dias de cumprimento estão correctos.
***
Na conclusão 11ª, o arguido diz que o acórdão recorrido enferma de erro de Direito, por violação na aplicação dos artigos 129º do Código Penal e 483º do CCv, pois que decreta a condenação na obrigação de indemnizar em virtude da prática de acto ilícito penal, quando tal facto não ocorreu.
Esta questão, face a todo o exposto, fica necessariamente prejudicada.
***
Como decorre da improcedência dos recursos do Ministério Público e do assistente e da parcial procedência do recurso do arguido, este tem que ser absolvido dos crimes de peculato por que foi condenado, restando apenas a condenação pelo crime de falsificação.

Um arguido, quando recorre apenas a pedir a sua absolvição, pode ver esse pedido convolado para uma redução da pena, ou mesmo para a escolha de outro tipo de pena, se os fundamentos desse pedido se ajustarem a esse minus - Já assim não será, por exemplo, se um arguido, num recurso manifestamente inepto, e por isso, passível de rejeição liminar, se limitar a, em seca conclusão, dizer que deve ser absolvido, ou seja, não apresentando fundamentos (ou fazendo argumentos ineptos) quer para a absolvição quer para a alteração da pena, pois nesse caso apenas há uma motivação formal., sem que se violem os poderes de cognição decorrentes das conclusões da motivação de recurso.
Com efeito, se o arguido fundamenta o pedido absolutório, os fundamentos podem não valer para esse efeito, mas podem ser aproveitáveis para se conhecer do inconformismo com a pena escolhida ou com a medida da pena, tudo de forma a que, mesmo na improcedência daquele pedido, o jus puniendi seja exercido com maior equilíbrio. Neste caso, o Tribunal não actua propriamente ex officio, mas sim por vinculação a uma motivação que tem, pelo menos, a alteração da pena como implícita.
No caso presente, assim se considera a motivação do arguido, reclamando os factos provados da falsificação, desligados dos demais, o devido ajuste à escolha da pena, pois, atentas as condições pessoais do arguido, se tem a pena de multa como bastante para realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição – artº 70º do Código Penal.
Por outro lado, ponderando todas as circunstâncias do crime em causa, e atribuindo-se ao mesmo um grau relativamente elevado de ilicitude, nos termos do artº 71º do Código Penal, e considerando em especial as razões determinantes da conduta, fixa-se a pena em 200 (duzentos dias).
E atendendo ao disposto no artº 47º, nºs 1 e 2, ainda do Código Penal, fixa-se a taxa diária da multa em 20 (vinte) euros.
***
Por fim, analise-se a questão suscitada com o requerimento de fls. 6792, decidida pelo despacho de fls. 7179, e com as respectivas alegações a fls. 7193.
No citado despacho diz-se assim:
O arguido, a fls. 6792 e ss., vem requerer a revogação da medida de coacção a que se encontra sujeito (caução no valor de € 500.000).
Alega que já decorreram mais de 5 anos sobre a aplicação de tal medida e que o arguido cumpriu pontualmente o seu dever de presença em todas as sessões de julgamento.
Refere que não obstante o acórdão proferido não ter transitado em julgado, as eventuais fases de recurso a decorrer nos Tribunais superiores não exigem o dever de presença pessoal, pelo que não existe perigo de fuga, a prova encontra-se totalmente recolhida e não há perigo de continuação pois o arguido afastou-se completamente do clube desportivo de que era presidente.
Refere que a garantia bancária efectuada implica um sacrifício financeiro muito elevado.
Por fim, refere que o C.P.Penal ao não estipular para a medida de coacção da caução um prazo de duração implica uma duvidosa inconstitucionalidade.
O Ministério Público, teve vista no processo, pronunciando-se pelo indeferimento do requerimento em apreço.
Cumpre decidir.
Salvo melhor entendimento, consideramos que subsistem as circunstâncias que determinaram a aplicação da medida de coacção em causa, já que foi proferido acórdão condenatório do arguido A, acórdão esse que não transitou em julgado. Em face dos recursos interpostos, podendo o Tribunal superior manter o acórdão em causa, sendo necessário assegurar o cumprimento, ou pelo mesmo, ordenar a renovação da prova ou do reenvio do processo para novo julgamento.
Assim, entendemos que subsistem as circunstâncias que justificaram a aplicação da caução em causa, não padecendo a norma que a consagra de qualquer inconstitucionalidade.
Em consequência, entendemos que se mantêm os pressupostos previstos no artº 204º, al. a) do C.P.P., devendo manter-se a aplicação de tal medida não obstante tal implicar um sacrifício financeiro para o arguido.
Atento o exposto, indefere-se o ora requerido.

O Ilustre Procurador Geral-Adjunto, no seu douto Parecer, diz o seguinte:
Contrariamente ao que acontece com outras medidas de coacção, a caução não está sujeita a nenhum prazo de duração máxima, conforme ressalta da leitura do art. 218.º do CPP.
A caução, no que toca à revogação e substituição, está sujeita ao regime geral previsto no art. 212.º e, relativamente à extinção, rege-se pelo disposto no art. 214.º, ambos do CPP.
Como medida de coacção, está sujeita aos princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade (art. 193.º do CPP) e só deve manter-se enquanto necessária para a realização dos fins processuais que legitimam a sua aplicação ao arguido.
É verdade que nas fases de recurso nos tribunais superiores não é exigido o dever de presença processual do arguido. Mas também é certo que o tribunal de recurso pode mandar repetir o julgamento e aí, na 1.ª instância, mantém-se o dever de presença.
É necessário chamar ao caso o disposto no art. 214.º do CPP (extinção das medidas).
A medida de coacção em causa apenas se extingue com o trânsito em julgado da sentença condenatória. O que ainda não ocorreu.
No caso presente, não nos parece que tenha deixado de ser necessária adequada e proporcional, a caução, ou que se tenha verificado uma manifesta alteração das circunstâncias em que foi aplicada.
Por essa razão, entendemos que deve manter-se contrariamente ao alegado pelo arguido recorrente.

Vejamos.
Com as decisões acima anunciadas, e com a sobrevivência, apenas, do crime de falsificação, é manifesto que deixam de se verificar quaisquer dos pressupostos da medida aplicada, sem do suficiente o TIR já prestado.
Ainda assim, tem que se dizer que, com excepção da invocada inconstitucionalidade (feita, aliás, em termos de mera dúvida, ou seja, de modo processual irrelevante), assiste razão ao arguido nos motivos que invoca para a requerida extinção da medida aplicada, ou, pelo menos, para a sua razoável diminuição (cf. artº 207º, a contrário e 212º, nº 3).
Com efeito, é muito relevante que já decorreram mais de 5 anos sobre a aplicação de tal medida e que o arguido cumpriu pontualmente o seu dever de presença em todas as sessões de julgamento, bem como que, não obstante o acórdão proferido não ter transitado em julgado, já não existe perigo de fuga, a prova encontra-se totalmente recolhida e não há perigo de continuação pois o arguido afastou-se completamente do clube desportivo de que era presidente (cf. artº 204º).
O arguido tem tido comportamento processual que dá garantias de observância dos seus deveres processuais, e é sabido que tem toda a sua vida económica e familiar estabilizada em Portugal (cf. artº 197º, nº 3).
A caução em apreço não tinha natureza de caução económica (cf. artº 227º), mas, de todo o modo, não deve esquecer-se que ao arguido (ponto 78 dos factos provados) foi apreendido o saldo das contas nºs 223460, PAZ, com o saldo de PTE 113.742.601$00 e 103690, SPORT LDª, com o saldo de 45.465,00€ (no total de 122.781.000$00), quantias estas que, em termos de caução como medida de coacção, seriam bastantes, se fosse o caso, para assegurar as finalidades previstas na lei.
Nestes termos se justificaria o deferimento do pedido.

ACÓRDÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedentes os recursos do Ministério Público e do assistente, incluindo, deste, o relativo ao pedido de condenação do arguido A no pagamento de quaisquer quantias;
Quanto aos recursos do arguido:
.- Julga-se improcedente o recurso intercalar sobre a qualidade da audição do interveniente Rui F...;
.- Julga-se procedente o recurso do arguido quanto aos imputados crimes de peculato, dos quais vai ele absolvido;
Julga-se parcialmente procedente o recurso quanto ao crime de falsificação, alterando-se a pena para pena de multa, condenando-se o arguido em 200 (duzentos dias), à taxa diária de 20 (vinte) euros;
.- Julga-se procedente o recurso do despacho de fls. 7179-7180, que indeferiu a pretensão de revogação da medida de coacção, e declara-se extinta a medida de coacção aplicada ao arguido A, subsistindo apenas o TIR;
.- Absolve-se o arguido A do pedido cível em que foi condenado;
.- Ordena-se a entrega ao arguido das quantias apreendidas (ponto 78 dos factos).
***
Custas pelo assistente, fixando-se a taxa de justiça em 10 (dez) UC´s.
Custas pelo arguido, quanto à improcedência parcial do recurso sobre a falsificação, fixando-se a taxa de justiça em 2 (duas) UC´s.
*
Guimarães, 25 de Fevereiro de 2009
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1- No relatório pericial refere-se claramente que estes montantes, para além de outros, estão dados como saídos da conta n.º “119 – transferências de caixa”, tendo a regularização dessa conta sido feita com lançamentos indevidos, os quais, com excepção do lançamento identificado na alínea e), de fls. 39, do referido relatório pericial, não constituíram reais entradas de dinheiro na caixa do clube. Assim, o relatório pericial concluiu “que a regularização da conta n.º 119 – transferências de caixa foi toda ela feita, exceptuando-se admite-se, um único registo contabilístico, com recurso a lançamentos que se contextualizam na área da cosmética contabilística ou, se se quiser no foro da contabilidade criativa”.

2 - Ac. S.T.J., de 26-01-00, Pº nº 950/99, 3ª Secção:
I - A exigência de especificação, pelo recorrente, de todos os pontos de facto que considerou incorrectamente julgados, é determinada pelas razões e circunstâncias em que a lei actual pretende assegurar um recurso efectivo em matéria de facto.
II - Quer no domínio da jurisdição civil, quer no âmbito da jurisdição penal, não se visa permitir a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência, mediante uma repetição do julgamento, com as inerentes consequências de frequente inutilidade e inconveniência - por desnecessidade e riscos de menor autenticidade - e de injustificado prejuízo para as consabidas exigências de celeridade na administração da justiça adequada.
III - O fim prosseguido por aquela imposição é o de permitir a correcção e detecção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, o que exige o mencionado ónus legal de concreta e clara especificação desses pontos e das provas que impõem decisão diversa da recorrida.
IV - Não pode pois relevar a impugnação, pelo recorrente, da decisão da matéria de facto quando o faz de forma genérica e imprecisa.

3 - Ac. S.T.J., de 18-01-01, Pº 3.105/00, 5ª Secção.
I - Quando o recorrente impugne matéria de facto, para que essa impugnação possa validamente ser tomada em consideração pela Relação, deve aquele especificar, com referência aos suportes técnicos da gravação, as provas que imponham decisão diversa da recorrida, e as que, na sua óptica, devem ser renovadas.
II - O princípio contido no art. 127.º, do CPP, estabelece três tipos de critérios para a apreciação da prova com características e natureza completamente diferentes: haverá uma apreciação da prova inteiramente objectiva quando o Lei assim o determinar; outra, também objectiva, quando for imposta pelas regras da experiência; finalmente, uma outra, já de carácter eminentemente subjectiva e que resulta da livre convicção do julgador.
III - É certo que tudo isto se poderá conjugar, e também é certo que a prova assente ou resultante da livre convicção poderá ser motivada e fundamentada, mas neste caso, a motivação tem de se alicerçar em critérios subjectivos, embora explicitados para serem objecto de compreensão.
IV - Seja como for, a motivação probatória compete sempre aos julgadores e não pode ser posta em confrontação com as convicções pessoais do recorrente.
V - Os n.ºs 3 e 4 do art. 412.º do CPP, limitam o julgamento da matéria de facto àqueles ponto que referem, mas não permitem o julgamento da globalidade dessa mesma matéria de facto.

4 - Neste sentido, veja-se o sumário do Ac. TRG, de 20-03-06, Pº nº 245/06, rel. Fernando Monterroso:
I – Ao transcrever passagens dos depoimentos prestados no julgamento, o recorrente pretendeu impugnar a matéria de facto, nos termos previstos no art. 412 nºs 3 e 4 do CPP.
II – Mas a impugnação da matéria de facto, além de não cumprir o formalismo previsto nos nºs 3 e 4 do artº 412 do CPP, parece partir de um equívoco: o de que o tribunal da Relação pode fazer um novo julgamento de facto, indicando, mediante a leitura das transcrições feitas, os factos que considera provados e não provados.
III – Porém, como escreveu o Prof. Germano Marques da Silva, talvez o principal responsável pelas alterações introduzidas no CPP pela Lei 59/98 de 25-8, “o recurso em matéria de facto não se destina a um novo julgamento, constituindo apenas um remédio para os vícios do julgamento em primeira instância’” – Forum Justitiae, Maio/99.
IV – Não concretiza aquele Professor a que vícios se refere, mas alguns poderão ser sumariamente indicados, como por exemplo: se o tribunal a quo tiver dado como provado que A bateu em B com base no depoimento testemunha Z, mas se da transcrição do depoimento de tal testemunha não constar que ela afirmou esse facto, então estaremos perante um erro manifesto no julgamento; e, aproveitando ainda o mesmo exemplo, também haverá um erro no julgamento da matéria de facto se, apesar da testemunha Z afirmar que A bateu em B, souber de tal facto apenas por o ter ouvido a terceiros, pois que estaremos perante uma indevida valoração de meio de prova proibido (arts. 129 e 130 do CPP), que pode ser sindicada pela relação.
V – O recurso da matéria de facto não se destina, assim, a postergar o principio da livre apreciação da prova que tem consagração expressa no artº 127º do CPP, pois que a decisão do Tribunal há-de ser sempre uma “convicção pessoal – até porque nela desempenham um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v. g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais. – Prof. Figueiredo Dias. Direito Processual Penal. vol. I. ed. 1974. pág. 204.
VI – Por outro lado, a livre apreciação da prova é indissociável da oralidade com que decorre o julgamento em primeira instância, pois como ensinava o Prof. Alberto do Reis, citando Chiovenda: ”ao juiz que haja de julgar segundo o princípio da livre convicção é tão indispensável a oralidade, como o ar é necessário para respirar. – Anotado. vol. IV, págs. 566 e segs.
VII – Finalmente, é ainda o artº 127º citado que nos indica um limite à discricionariedade do julgador: as regras da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica, devendo notar-se, no entanto, a este propósito que se afigura indubitável que há casos em que, face à prova produzida, as regras da experiência permitem ou não colidem com mais do que uma solução, pelo que se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis segundo as regras da experiência, ela será inatacável, já que foi proferida em obediência à lei que impõe que ele julgue de acordo coma sua livre convicção.
VIII – Ora o recorrente, na sua motivação, não alega que a descrição que a sentença faz do conteúdo dos depoimentos não corresponde ao que, na realidade, disseram o queixoso e as testemunhas, dizendo antes que devido a contradições e imprecisões dos depoimentos, não lhes devia ter sido dada credibilidade.
IX – Mas a função do julgador não é a de achar o máximo denominador comum entre os diversos depoimentos, nem, tão pouco, tem o juiz de aceitar ou recusar cada um dos depoimentos na globalidade, cabendo-lhe antes a espinhosa missão de dilucidar, em cada um deles, o que lhe merece crédito, pois como, aliás, já há muito ensinava o prof. Enrico Altavilla “O interrogatório como qualquer testemunho está sujeito à crítica do juiz que poderá considerá-lo todo verdadeiro ou todo falso, mas poderá aceitar como verdadeira, certas partes e negar crédito a outras. – Psicologia Judiciária, vol. II, 3ª ed. pág. 12.
X – Ou seja: o ataque à decisão da matéria de facto que é feito pela via da credibilidade que o colectivo deu a determinados depoimentos pressuporia a revogação pela Relação da já mencionada norma do art. 127 do CPP, a que os tribunais devem, naturalmente, obediência e que manda que o Juiz julgue segundo a sua livre convicção, pelo que, ao visar a alteração da matéria de facto pela via da revogação do princípio da livre apreciação da prova, o recurso é manifestamente improcedente, pelo que deve ser rejeitado – art. 420, n° 1 do CPP.

5 - Basta ler a denúncia inicial (sobretudo a fls. 10) para se ficar esclarecido deste ponto.
E veja-se, também, o que o CLUBE diz no pedido cível:
Artº 9º: Os demais directores e empregados do Clube funcionavam como meros executores materiais de ordens e instruções dele 1º arguido,
Artº 10º: Muito embora alguns deles não pudessem nem devessem desconhecer a completa ilegalidade dos factos que executavam.

6 - Sobre o tema da conta-corrente, diz Joel Timóteo Ramos Pereira, Juiz de Direito, Revista «O Advogado», Série II, n.º 5 - Julho de 2004:
«1. É muito frequente, nas acções declarativas, haver a invocação de uma conta-corrente, com pedido de pagamento do saldo constante da mesma, com junção de um documento contabilístico emitido pela própria parte que assim o peticiona. Há, todavia, uma manifesta confusão entre o conceito jurídico e legal de contrato de conta corrente e o documento contabilístico, também designado de conta corrente.
2. Dá-se o contrato de conta corrente quando duas pessoas (singulares ou colectivas) tendo de entregar valores uma à outra, se obrigam a transformar os seus créditos em artigos de "deve" e "haver", sendo apenas exigível o saldo final resultante da sua liquidação. Os artigos 344.º e 350.º do Código Comercial estabelecem os efeitos do contrato de conta-corrente, a saber:
a) A transferência da propriedade do crédito indicado em conta corrente para a pessoa que por ele se debita;
b) A novação entre o creditado e o debitado da obrigação anterior, de que resultou o crédito em conta corrente;
c) A compensação recíproca entre os contraentes até à concorrência dos respectivos créditos;
d) A exigibilidade só do saldo resultante da conta corrente;
e) O vencimento de juros das quantias creditadas em conta corrente a cargo do debitado desde o dia do efectivo recebimento.
- O lançamento em conta corrente de mercadoria ou títulos de crédito presume-se sempre feito com a cláusula "salva cobrança".
2.1. Através deste contrato, duas pessoas obrigam-se a inscrever em partidas de débito e crédito valores correspondentes a remessas de numerário ou de outras mercadorias que reciprocamente se façam. Todavia, as partes não se vinculam a fazer entregas de dinheiro ou de mercadorias, mas sim a converter os respectivos valores em artigos de deve e haver; por isso, os objectos do contrato são os lançamentos.
2.2. No âmbito deste contrato, a nenhuma das partes assiste a faculdade de reclamar qualquer outro crédito de forma isolada, mas apenas o saldo que a conta apresentar, no final do contrato ou no termo do prazo convencionado. Por isso, o elemento fundamental do contrato não é a forma de contabilização dos créditos recíprocos, mas a estipulação prévia sobre a forma como uma parte pode reclamar da outra o saldo liquidado.
2.3. A este propósito, decidiu o Supremo Tribunal de Justiça (Ac. STJ, 12.06.1986, BMJ, 358, p. 558): "O contrato de conta corrente, regulado nos artigos 344º e seguintes do Código Comercial, pressupõe que as partes tenham convencionado proceder, entregando valores uma à outra e obrigando-se a transformar os seus créditos em artigos de "deve e haver", quanto aos créditos recíprocos e a só considerar exigível o saldo final, pelo que não existe tal contrato quando as partes adoptam o processo contabilístico de efectuar os lançamentos dos débitos e dos créditos resultantes das suas operações ou transacções com o consequente saldo credor ou devedor".
3. Diferente, é o documento através do qual se formaliza de modo contabilístico a exteriorização de relações comerciais. O simples facto de uma pessoa singular ou colectiva elaborar uma conta corrente onde lança todos os movimentos a crédito e a débito que expressam as relações entre ele e outrem não significa que exista um contrato de conta corrente, na medida em que esse processo contabilístico de escrituração de transacções, em rubricas de "deve" e "haver", "débitos" e créditos" é comum a comerciantes e não comerciantes - o que não se confunde com a existência de uma convenção entre as partes no sentido de lançarem a débito e a crédito os valores que reciprocamente tenham que entregar uma à outra e de se exigir apenas o saldo final que se venha a apurar.
4. Conforme decidiu o recente Acórdão da Relação do Porto, de 18.05.2004 (proc. 0421597, www.dgsi.pt), "Tal contrato [de conta-corrente] nada tem a ver com a conta corrente contabilística (que é tão só o processo de registo contabilístico de operações efectuadas a crédito e débito), pela qual se exprime numericamente o movimento ou resultado de qualquer operação ou transacção, que por sua vez se traduz num saldo credor ou devedor; por outras palavras, não se confunde com a forma técnica de o comerciante, sem intervenção do seu cliente ou fornecedor, registar numericamente o movimento das suas transacções, designadamente fornecimentos ou empréstimos e respectivas amortizações, ou seja, com a técnica de escrituração, através de descrições genéricas de lançamentos em forma de conta corrente, com que ele, unilateralmente, vai exprimindo o seu giro". No mesmo sentido, decidiu a Relação de Lisboa (Ac. RL, 15.04.1999, BMJ, 486, p. 357), "O registo de operações comerciais segundo a técnica contabilística de inserção de colunas de deve e haver, vulgarmente designado por conta corrente, constitui realidade essencialmente diversa do contrato de conta corrente a que se reporta o artigo 344º do Código Comercial".
5. Nesta conformidade, a parte que pretenda invocar o contrato de conta corrente, tem que alegar os factos referentes ao acordo (o "ajuste") havido entre as partes, a vontade recíproca de ambas no sentido da transformação dos seus créditos em artigos de "deve" e "há-de haver", com a exigibilidade apenas do saldo final para o período de vigência do contrato, isto é, mediante a compensação recíproca de créditos e débitos, com a exigibilidade da diferença.
6. A não existir contrato de conta corrente, a parte não deve subsumir (quer em sede do processo de injunção, quer nas acções declarativas comuns) a factualidade correspondente a esse contrato. Mas, conforme decidiu a Relação de Évora (Ac. RE, 14.03.1996, CJ, II, p. 273), "não existe um contrato de conta corrente quando as partes se limitam a elaborar meras contas contabilísticas. A existência destas contas não obsta a que se faça prova das transacções por quaisquer meios probatórios admitidos por lei"».

7 - As influências subliminares são aquelas que não ultrapassam o limiar da consciência. Em psicologia, diz-se dos estímulos de fraca intensidade que, quando repetidos, actuam no indivíduo ao nível do subconsciente, podendo interferir na sua conduta sem que ele se aperceba, ou seja, de forma subliminal.

8 - Sobre estes 120.000 USD, o Tribunal diz o seguinte:
Por outro lado, há que esclarecer que, não obstante a acusação separar a conduta do arguido no que concerne ao negócio do aluguer do passe do jogador P e da venda do passe do jogador M, é óbvio que tais condutas não podem ser dissociadas. Com efeito e tendo em conta a versão apresentada pelo arguido, bem como aquilo que foi considerado como assente por este Tribunal, torna-se óbvio que a conduta do arguido A relacionada com a venda do passe do jogador M, nomeadamente a transferência e a apropriação de 90 mil contos, via Sport Ldª, bem como o aluguer do passe do jogador P, na parte em que não excede o valor que havia gasto com a aquisição do passe dos jogadores P, E e R, não configura qualquer ilícito criminal, pois que não houve qualquer enriquecimento por parte do arguido.

9 - Note-se o que, a fls. 878, aquando do primeiro interrogatório do arguido, a Mmª Juíza de Instrução, consignou (excluindo os sublinhados):
As declarações hoje produzidas pelo arguido em sede de interrogatório, trouxeram uma visão aos autos até hoje desconhecida dos mesmos.
Só uma exaustiva descrição dos factos indiciados, como a que caracterizou os mandados de detenção emitidos pelo M.P., permitiu o exaustivo estabelecimento do contraditório, dando-se ao arguido a hipótese de se defender.
Ao fazê-lo do modo em que o fez, o arguido abriu seguramente o leque das hipóteses a colocar para compreensão do caso, bem como das provas ainda por compilar pelos investigadores,

Se a tese do arguido enferma de alguma fragilidade ao assentar em prova documental só hoje junta, e que não foi possível aos investigadores recolherem nas buscas às instalações do clube e às residências do arguido, anteriormente realizadas, a verdade é que ela, por outro lado, traz aos autos a estratégia da defesa.
Em suma, a grande questão a definir, provavelmente até ao final deste processo, será a de saber se com esta direcção excessivamente “personalizada” do clube por parte do arguido, aquele sofreu ou não prejuízos.

10 - O juízo de valor analisa-se numa afirmação contendo uma apreciação ou opinião— o que define as opiniões e as distingue das afirmações de facto é o elemento da tomada de posição: ou se é a favor ou se é contra; o mesmo é dizer que no juízo de valor a afirmação é composta por elementos da posição ou opinião própria — se ela é correcta ou incorrecta é questão de convencimento pessoal.
E como a linguagem dos valores não pode ser reduzida à linguagem lógica ou à linguagem descritiva, para provar um juízo de valor não se pode recorrer nem à demonstração lógica nem à verificação empírica, mas apenas a argumentos de carácter subjectivo – cf. Ac. TRG, Pº nº 660/06, rel. Miguez Garcia.

11- Veja-se, por exemplo, o teor (aliás, correctíssimo) do ponto 3 da matéria de facto e a ligação adicional - por outro lado… - que dele se faz no ponto 4, parecendo, por força de tal ligação, descarregar-se aqui, sem qualquer sentido, o “absolutismo” do arguido como causa (ainda que aparente) da impossibilidade de controle por causa do desaparecimento de actas e documentos:

3 - No exercício das suas funções, o arguido A limitava-se, a maior parte das vezes, a comunicar aos restantes membros das sucessivas Direcções com que trabalhou e aos Serviços de Contabilidade e de Tesouraria do CLUBE, doravante designados apenas por Serviços, os procedimentos por si adoptados, ocultando, muitas vezes, a ambos (Direcções e Serviços), as condições em que se processavam as contratações, aquisições, vendas, empréstimos e transferências dos jogadores de futebol do CLUBE.

4 - Por outro lado, impossibilitando qualquer tipo de controlo, os Serviços do CLUBE viram desaparecer as actas das reuniões de Direcção posteriores a 1995, documentos de suporte relacionados com lançamentos contabilísticos respeitantes a transferências de jogadores do CLUBE durante os anos de 1995 a 1996 e eliminação de ficheiros informáticos da base de dados.

5 - O arguido A tinha um absoluto controlo interno no CLUBE, apresentando-se como detentor de capacidade económica susceptível não só de afastar qualquer juízo de suspeita acerca de um eventual aproveitamento de fundos do CLUBE em seu proveito e dos seus familiares mais próximos, mas ainda o de que, sem essa sua capacidade o CLUBE não teria viabilidade.

E veja-se, também, a leitura que se faz no recurso do Ministério Público:
21ª.- Toda a prova, até a documental, é fortemente demonstrativa de que o Arguido A, que exercia a direcção de modo marcadamente presidencialista, teve conhecimento desse processo de reformulação da acta.
28ª.- Não se vê que qualquer outro membro de órgão social ou funcionário do clube tivesse interesse material na reformulação da acta, coisa que só interessava à direcção; e como direcção tinha cunho marcadamente presidencialista, onde nenhum assunto da vida do clube escapava ao controlo do arguido A, a questão não podia deixar de passar necessariamente pelo seu conhecimento.
29ª.- Assim, deve-se considerar provado que o arguido teve conhecimento da preparação das negociações e da reformulação da acta.
(…)
O arguido metia dinheiros do clube nas suas contas pessoais sem que existisse, na contabilidade, documentação que validasse a existência de qualquer fluxo financeiro a seu favor, porque tudo funcionava sob a sua égide e o seu controlo.

12 - Igualmente influentes podem ser - e são bem escusadas - afirmações genéricas e generalizantes provindas, desde logo, do inquérito, citando-se, como exemplo, a seguinte, constante do relatório final, a fls. 3680:
Decorre da experiência que qualquer investigação que vise o mundo do futebol, reveste-se sempre de especiais dificuldades, que pela impenatrabilidade conferida pelos pactos de silêncios (ou versões concertadas) que se geram entre os seus agentes, quer pelos conluios e malhas apertadas de interesses obscuros e/ou ilícitos que se vão tecendo entre uns e outros, quer ainda pela volatilidade e confidencialidade com que se revestem os seus negócios. Enquanto isso, assiste-se à deterioração da situação económica e financeira da generalidade dos clubes de Futebol, na medida inversa do enriquecimento exteriorizado pelos seus agentes, quer sejam empresários de jogadores, dirigentes, jogadores, ou outros que normalmente gravitam no mundo do futebol.

E do mesmo relatório, a fls. 3706, cita-se o seguinte:
Isto é, se a presente investigação não tivesse tido origem, e A não tivesse sido confrontado com os factos, é de crer, com base no atrás exposto, que o mesmo, com o domínio absoluto e centralizador que tinha no clube em matéria de transferências de jogadores, que, mais tarde, aquando da venda ou empréstimo dos jogadores a clubes terceiros, o mesmo viesse (provavelmente) a reclamar para si os proveitos desses eventuais negócios…

E a fls. 3754, mais consta o seguinte:
No CLUBE, do qual foi Presidente da Direcção entre 1980 e 07-06-04, A, concentrou na sua pessoa toda a condução e decisão de praticamente todos os actos de gestão do clube, do qual emanavam ainda todas as instruções (relevantes) relativas á organização e modo de funcionamento dos serviços, tendo a presidência sido de tal forma marcada pela sua personalidade, que, em algumas áreas de gestão do clube, se confundia com o seu interesse pessoal/privado. Recorde-se a este propósito, a forma como A “retirou” ao clube a “comissão” de 90 mil contos do caso M.

A propósito, e deste mesmo relatório, consigne-se o que também se diz a fls. 3756, ponto 10.13:
Emergiu ainda de forma clara na presente investigação, a existência de uma acentuada “promiscuidade” entre os dinheiros provenientes da actividade do CLUBE e os dinheiros existentes em contas particulares do arguido e/ou familiares…

Também já agora, cite-se o seguinte excerto, de fls. 3759, ponto 11.2:
Assim, o referido desaparecimento generalizado em 1996 e 1997 de documentação de suporte relativa à transferência de jogadores, assim como a eliminação mais recente de ficheiros da base de dados da Contabilidade do clube, força-nos a admitir como provável que tais “ocorrências” no interior do CLUBE - do qual A era Presidente, Director Financeiro e genericamente figura centralizadora do poder do clube (esta afirmação intercalar é sintomática) - mais não representarão que acções (ou tentativas disso) de alguém que ao sentir-se ameaçado pelo aprofundamento da investigação em matéria de transferência de jogadores, optou, como último recurso, pela via do descaminho ou destruição de eventual informação comprometedora.

13 - Apesar de alguma natural influência sobre a “gestão” do arguido, note-se o elevado cuidado com que a Mmª Juíza de Instrução, por seu lado, traduz a impressão que lhe causaram as declarações do mesmo, ainda que valorizadas apenas em sede de determinação da medida de coacção.
Diz assim, repetindo-se a transcrição (fls. 878):
As declarações hoje produzidas pelo arguido em sede de interrogatório, trouxeram uma visão aos autos até hoje desconhecida dos mesmos.
Só uma exaustiva descrição dos factos indiciados, como a que caracterizou os mandados de detenção emitidos pelo M.P., permitiu o exaustivo estabelecimento do contraditório, dando-se ao arguido a hipótese de se defender.
Ao fazê-lo do modo em que o fez, o arguido abriu seguramente o leque das hipóteses a colocar para compreensão do caso, bem como das provas ainda por compilar pelos investigadores.
Se a tese do arguido enferma de alguma fragilidade ao assentar em prova documental só hoje junta, e que não foi possível aos investigadores recolherem nas buscas às instalações do clube e às residências do arguido, anteriormente realizadas, a verdade é que ela, por outro lado, traz aos autos a estratégia da defesa.
Em suma, a grande questão a definir, provavelmente até ao final deste processo, será a de saber se com esta direcção excessivamente “personalizada” do clube por parte do arguido, aquele sofreu ou não prejuízos.

14 - Mas, para que não subsistam quaisquer dúvidas, deixem-se aqui, precisamente em rodapé, umas breves notas.
1º - Querendo-se, com êxito, atacar a fundamentação dum facto, não se pode recorrer à abstracta afirmação da impossibilidade de o facto fundamentado poder ter acontecido e invocar as regras da experiência comum. Isso é inócuo.
Como diz o Venº Desembargador Ricardo Silva, Pº nº 203/04, …se as regras da experiência comum pudessem ser afirmadas com tal amplitude quase não seria necessário fazer julgamentos e produzir prova. As regras da experiência comum ensinar-nos-iam, em cada situação, qual seria a solução de maior senso comum, que com certeza não poderia estar errada.
Além disso, no caso presente, a simples prova de que o arguido sabia que a acta fora reformulada não bastava para determinar a autoria, nem era suficiente para integrar os elementos típicos do crime.
2º - …as regras da experiência, aliadas ao acervo da prova produzida, designadamente… Qual prova??? A demonstrativa da materialidade consistente na reformulação de uma acta?
É ponto assente que a acta foi reformulada, mas o Tribunal, com base na prova produzida, dá todas as explicações sobre a impossibilidade de determinação da autoria moral, mormente por parte do arguido.
3º - …toda a prova, até a documental, é fortemente indiciária que o [?] Arguido A, que exercia a direcção de modo marcadamente presidencialista, teve conhecimento da reformulação da acta. E que não poderia ser de outro modo.
Que não poderia ser de outro modo é remate para a falta de argumentos e, manifestamente, não o é a simples remessa para a prova (que, como se vê, foi de sentido contrário) nem mais um retalho adjectivo do modelo de gestão do arguido (a ser assim, tudo o se quisesse imputar ao arguido poderia ser fundamentado com o modo marcadamente presidencialista…, etc., etc., etc…).
4º - Também não vale clamar que a lógica da pronúncia é a única lógica que tem procedência e se adequa à realidade dos factos.
Em princípio, e com rigor, todas as pronúncias devem ter “lógica” e corresponder a uma realidade factual concreta, integradora de um tipo legal.
Simplesmente, entre essa correspondência (que será, digamos grosso modo, a lógica reclamada pelo princípio acusatório) e o resultado final do julgamento …vai um abismo! Se fosse como o Digno recorrente diz, …os julgamentos não valiam de nada: a lógica da pronúncia tinha que proceder, mesmo que as testemunhas não confirmassem a imputação!!!
5º - …face à lógica, o arguido teve conhecimento da preparação das negociações e da reformulação da acta.
A “lógica” não é aqui o modo instrumental de sustentação de uma tese; é antes um resultado de certas premissas, pelo que não pode ser invocada por si mesma. Em todo o caso, como já se disse, o simples conhecimento da reformulação não era autoria, nem bastava para convolação para uso de documento falso.
6º - Idem…
7º - A nova redacção da acta, e o seu âmbito, em nada contribuem para se apurar a autoria moral da reformulação, sobretudo quanto ao arguido.
8º - É evidente que a secretária não terá agido sozinha, mas o que ela garante é que não recebeu quaisquer instruções por parte do arguido. Além disso, nenhuma das outras testemunhas faz qualquer referência ao arguido; antes pelo contrário, apura-se a conformidade da segunda versão com o fundo essencial da reunião em causa.
9º - …atenta a lógica presidencialista como era gerido o CLUBE… – lógica ínsita à pronúncia e que ficou demonstrada pelo resultado da prova produzida no seu conjunto. Qual prova???
10º - A gestão presidencialista não justifica tudo. Ou justifica?
11º - Não se vê, de todo o rigoRmente transcrito, qualquer acervo de factos - repetimos, factos - que levem necessariamente e fatalmente a que o arguido tenha de ser condenado pelo crime de falsificação.

15 - No relatório pericial refere-se claramente que estes montantes, para além de outros, estão dados como saídos da conta n.º “119 – transferências de caixa”, tendo a regularização dessa conta sido feita com lançamentos indevidos, os quais, com excepção do lançamento identificado na alínea e), de fls. 39, do referido relatório pericial, não constituíram reais entradas de dinheiro na caixa do clube. Assim, o relatório pericial concluiu “que a regularização da conta n.º 119 – transferências de caixa foi toda ela feita, exceptuando-se admite-se, um único registo contabilístico, com recurso a lançamentos que se contextualizam na área da cosmética contabilística ou, se se quiser no foro da contabilidade criativa”.

16 - Sobre esta questão (de facto mal explicada, e sobre a qual, também é temerário e antijurídico fazerem-se quaisquer conjecturas), a testemunha PA diz que o extracto de 96 aparece com a menção de 97, devido a um erro informático no clube (confirmou que o extracto constante a fls. 174 do apenso XLIII, correspondia ao ano de 1996), o que se sucedeu em muitos outros campos (balancetes e contabilidades de outras áreas referentes ao ano de 1996, apareciam com a data de 1997).
Por seu lado, o denunciante, D, confrontado com a hipótese de ter havido um erro informático, esta testemunha admitiu tal possibilidade, embora a considere muito pouco provável, pois que um erro de um ano no computador era facilmente detectável e corrigível. Além disso, acrescentou que se assim fosse, aquele documento enfermaria logo de um erro crasso, pois que o saldo com que alegadamente encerrou o ano de 96, não corresponde ao movimento de abertura do ano seguinte, que é superior (vide fls. 174 e 175), sendo que tal saldo já é inferior na transposição de fls. 176 para 177.
E, já agora, cite-se que esta mesma testemunha afirma que em 98 o saldo dessa conta-corrente era nulo e que em 99 e 2000, o arguido já figurava novamente como credor do clube e que tal facto, na sua óptica, apenas se pode dever à adopção de uma técnica contabilística diferente, ou então a uma dívida do clube contraída nesses anos (sem documentos de suporte localizados, é claro)!!!

17 - A testemunha PA é que diz, sobre a documentação relativa aos anos de 95 a 96 do saco azul, que passados 2/3 anos destruíram esses elementos.

18 - Já assim não será, por exemplo, se um arguido, num recurso manifestamente inepto, e por isso, passível de rejeição liminar, se limitar a, em seca conclusão, dizer que deve ser absolvido, ou seja, não apresentando fundamentos (ou fazendo argumentos ineptos) quer para a absolvição quer para a alteração da pena, pois nesse caso apenas há uma motivação formal.