Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
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| Relator: | ANTÓNIO GONÇALVES | ||
| Descritores: | TRANSACÇÃO | ||
| Nº do Documento: | RG | ||
| Data do Acordão: | 05/24/2007 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | AGRAVO | ||
| Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
| Sumário: | 1. A desistência da instância formulada pelo demandante na acção e que faz cessar o processo que se instaurara (art.º 295.º, n.º 2, do C.P.Civil), constitui um negócio processual (unilateral) efectivamente firmado pela parte interveniente na acção, correspondente àquilo que ela realmente quis e conforme o conteúdo da declaração feita, salvaguardada que está a posição da demandada, que tem sempre a possibilidade de rejeitar o benefício que lhe é conferido quando por qualquer razão não o queira aceitar, nos termos do que dispõe o n.º 1 do art.º 296.º do C.P.Civil. 2. Ao homologar tal declaração de desistência da instância o Juiz, nos termos do disposto no art.º 300.º, n.º 3 do C.P.Civil, limita-se a fiscalizar a legalidade e a verificar a qualidade do objecto desse negócio jurídico e a averiguar a qualidade da pessoa que fez tal declaração. A sua exigida presença faz com que se atribua ao negócio celebrado uma função jurisdicional, dando-lhe força executiva. Não toma, porém, o Juiz posição acerca deste negócio, ficando de fora do sentido e alcance desta declaração assim feita. 3. Quer isto dizer que quando a acção termina por desistência da instância, porque a lide atingiu o seu termo por acto único de quem propôs a acção, claramente que não estamos perante uma sentença a solucionar o diferendo trazido a juízo por demandante e demandado; e, se é assim, na falta de uma sentença que tenha resolvido jurisdicionalmente a questão nela posta - a lide não foi decidida por sentença anterior, pois foi concertada apenas por vontade das partes - não pode também conjecturar-se e ficcionar-se a existência de uma sentença para termos de admitir a sua impugnação mediante recurso e a incidir sobre algo que só aparentemente tem existência jurídica. 4. Constituindo a declaração de desistência da instância um negócio jurídico unilateral efectivamente proposto pelo demandante e não se caracterizando a sua homologação como uma sentença final a dirimir jurisdicionalmente o pleito, porque não estamos perante uma decisão tal qual é definida pelo n.º 1 do art.º 678.º do C.P.Civil, a excepção de caso julgado não pode ser considerada. | ||
| Decisão Texto Integral: | ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES: Do despacho proferido na acção de processo ordinário n.º 1154/06.8TBFLG/1.º Juízo do T. J. da comarca de Felgueiras que julgou improcedente a alegada excepção de caso julgado invocada pela ré, dele agravou a demandada “V... -Comércio de Couros, L.da” que alegou e concluiu do modo seguinte: A) Na sequência da invocada excepção de caso julgado por parte da Ré, ora Recorrente, na decisão recorrida expendeu-se o entendimento de que "A questão circunscreve-se, assim, à delimitação objectiva do caso julgado, ou seja, ao pedido e à causa de pedir." B) A decisão recorrida que julgou improcedente a excepção de caso julgado e ora colocada em crise, apenas confronta a requerida insolvência com a presente acção numa única vertente que se traduz no confronto do que é a causa de pedir e o pedido nos dois procedimentos julgando-os como tendo identidades diferentes. C) Não atentou o Mmo Juiz a quo, na decisão recorrida, quanto ao circunstancialismo fáctico e jurídico de a Requerida, ora Recorrida, ter deduzido no processo de insolvência pedidos de condenação da Requerente, ora Recorrente, como litigante de má-fé e de indemnização tendo como causa de pedir o mesmo facto ou acto jurídico que explana na petição inicial nos presentes autos a saber: o uso indevido do requerimento de insolvência; D) Importa referir que o ressarcimento dos danos com fundamento no eventual pedido infundado de insolvência deduzido pela Recorrente não pode ser julgado em processo autónomo ao do procedimento falimentar; E) A Recorrida, tendo deduzido no processo de insolvência pedido de condenação da Recorrente como litigante de má-fé e pedido a condenação daquela em indemnização de Euros 2500,00 tudo em consequência do alegado pedido infundado de insolvência e tendo havido desistência de instância daquele processo não pode agora, nos presentes autos, vir deduzir pedido idêntico e com causa de pedir idêntica; F) Nos termos do art.° 22° do CIRE a dedução de pedido de insolvência gera responsabilidade civil pelos prejuízos causados ao devedor mas apenas em caso de dolo. G) Ora, resulta do n.º 1 do art.° 456 do CPC, aplicável ex vi artigo 17° do GIRE, que o incidente de litigância de má fé deve ser deduzido e julgado no próprio processo. H) A nossa melhor doutrina, in volume I do "Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado" (Edição Quid Juris de 2005) de Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, em anotação (ponto 4.) ao citado art.º 22° do mencionado Código entende que: "O artigo em anotação nada diz acerca do exercício da responsabilidade adveniente da conduta dolosa do requerente e consequente pedido de reparação dos prejuízos sofridos pelo lesado. Em face desta omissão, justifica-se o recurso ao regime geral da lei processual, tendo, além do mais, presente a estatuição do art. ° 17°. I) No entender dos mesmos Autores "Importa então atender ao que vai disposto no já mencionado art. ° 456. °, n.º 1. Resulta dele que o pedido indemnizatório deve ser apresentado no próprio processo. " J) Acrescentando "Quando o direito à indemnização é exercível no próprio processo de insolvência, por aí haver oportunidade para a dedução do correspondente pedido, é nele que o interessado deve agir, em razão dos princípios gerais de economia e utilidade do processo. "; K) No nosso entender estamos perante a excepção dilatória de caso julgado considerando o conceito previsto no n.º 1 do art.° 497 e o disposto no art.° 498.º do CPC; L) Também estamos perante tal excepção interpretando as normas referidas na alínea anterior em conjugação com o disposto no n.º 1 do art.º 456 do mesmo diploma legal e o disposto no art.º 22 do CIRE; M) Com efeito, a Autora, ora Recorrida, aceitou no processo de insolvência, sem reservas, a desistência de instância tendo aí esgotado e visto precludido o direito de vir invocar em processo autónomo o direito de se ver indemnizada usando causa de pedir e pedido idênticos aos constantes na sua oposição nos autos de insolvência supra, referidos. N) Os factos que a Autora, ora Recorrida, invoca na presente acção são os mesmos que servem de suporte à oposição ao requerimento de insolvência. O) Estamos perante uma situação em que a pretensão da Recorrida, quer na insolvência quer na presente acção é, fundamentalmente, a de que a Recorrente seja condenada em indemnização. P) O mesmo se dirá quanto à causa de pedir invocada pela Recorrida quando a mesma se subjaz ao alegado uso infundado do procedimento falimentar por parte da Recorrente, identidade que se repete quer na oposição à insolvência quer na presente acção. Q) O direito da Recorrida a ser indemnizada pelo alegado recurso pela Recorrente ao procedimento falimentar, já estava fixado no processo de insolvência e a relação jurídica controvertida estava, na sua essência, fixada definitivamente. R) Acresce que a especificidade da instância do procedimento falimentar tal como é regulado no CIRE retira à Requerida o direito de em processo autónomo vir deduzir com fundamento no seu uso indevido, pedido de indemnização contra a. Requerente por força da aplicação do art.° 456 n.º 1 do CPC aplicável ex vi art.º 17 do GIRE S) Na nossa interpretação o legislador limitou a discussão da causa da insolvência e as suas consequências aquele procedimento T) Sem condescender sobre a interpretação de que o regime regulador do procedimento falimentar o tornou autónomo para a discussão de todas as questões que ao "mesmo digam respeito incluindo um eventual pedido de indemnização, sempre haverá que concluir pela identidade de sujeitos, causa de pedir e pedidos nas duas acções: a da insolvência e a da presente acção; U) A decisão recorrida ao não considerar a verificação da excepção de caso julgado, em particular quanto à existência em dois processos de idênticos pedidos e causas de pedir, violou o disposto no art.° 494 n.° 1 al. i), 497° e 498° devendo ser revogada por se verificar a excepção de caso julgado V) Acresce que a decisão recorrida ao permitir a discussão, em processo autónomo ao da insolvência, do pedido de indemnização da Recorrida tendo como causa o procedimento falimentar requerido pela Recorrente, violou o n.º 1 do art.° 456 do CPC aplicável por via do art.º 17 do CIRE de onde resulta que o pedido indemnizatório deve ser apresentado no próprio processo. Termina pedindo que seja revogada a decisão recorrida. Não foram apresentadas contra-alegações e o Ex.mo Juiz manteve a decisão recorrida. Colhidos os vistos cumpre decidir. Com interesse para a decisão em recurso estão assentes os factos seguintes: I. “V... -Comércio de Couros, L.da” requereu a declaração de insolvência da sociedade “Calçado R..., L.da” - processo n.º 2751/04.1TBFLG/2.º Juízo do T. J. da comarca de Felgueiras - alegando para o efeito que, sendo credora da requerida no respeitante a € 19659,57, esta sociedade não tem meios próprios, cessou todos os pagamentos, não tem crédito e está impossibilitada de cumprir com as suas obrigações. A requerida apresentou oposição a esta insolvência e deduziu incidente de litigância de má-fé pedindo a condenação da requerente (ora ré) em multa e indemnização a favor da requerida num mínimo de € 2500. II. Esta acção - processo n.º 2751/04.1TBFLG/2.º Juízo do T. J. da comarca de Felgueiras - terminou com a desistência da instância formulada pelo gerente da requerente, aceite pela requerida e declarada válida por sentença que homologou esta desistência, deste modo tendo sido julgada extinta a instância. III A autora “Calçado R..., L.da” intentou agora acção declarativa contra a ré “V... -Comércio de Couros, L.da” pedindo que a demandada seja condenada a pagar à demandante a quantia de € 68.886,55, acrescida dos juros de mora vincendos até efectivo e integral pagamento. A fundamentar o seu pedido alega que a ré, ao requerer a insolvência da autora alegou para tanto factos que sabia serem falsos e pretendendo com tal acção tão-só receber a quantia que a ré lhe devia, bem sabendo também que o pedido de insolvência da autora lhe traria avultados prejuízos. Esta atitude provocou danos no património da autora que discrimina e de cujo montante pretende ser ressarcida. IV. Na sua contestação a ré “V... -Comércio de Couros, L.da” invoca em seu favor que a desistência da instância, homologada por sentença na acção em que requereu a insolvência da ora autora, fez operar a excepção dilatória de caso julgado o que faz determinar a absolvição da instância nos termos do n.º 2 do art.º 493.º do C.P.Civil. V. Com o fundamento em que não existe identidade, nem entre a causa de pedir nas acções em conflito nem tampouco dos pedidos peticionados, sendo incontroverso que o interesse substancial da autora ainda não foi apreciado e decidido por sentença transitada em julgado, verificando-se assim que não estão reunidos todos os pressupostos da excepção dilatória em apreço, o Ex.mo Juiz julgou improcedente a alegada excepção do caso julgado invocada pela ré na sua contestação. VI. É desta decisão de que se recorre. Passemos agora à análise das censuras feitas à decisão recorrida nas conclusões do recurso, considerando que é por aquelas que se afere da delimitação objectiva deste (artigos 684.º, n.º 3 e 690.º, n.º 1, do C.P.C.). A questão posta no recurso é a de saber se pode conhecer-se do mérito da presente acção em virtude de o seu contexto estar abrangido pela existência do caso julgado verificado no processo de declaração de insolvência da sociedade “Calçado R..., L.da” n.º 2751/04.1TBFLG/2.º Juízo do T. J. da comarca de Felgueiras. I. . Dispõe o n.º 1 do artigo 671.º, do C.P.C. : Transitada em julgado a sentença, a decisão sobre a relação controvertida fica tendo força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 497.º e seguintes, sem prejuízo do que vai disposto sobre os recursos de revisão e de oposição de terceiro. Quer isto dizer que, em princípio, dirimido o litígio entre as partes na acção através de sentença transitada em julgado, o modo como foi solucionada a questão posta e juízo passa a ter força vinculativa no processo e fora dele, não podendo contrariar-se mais a autoridade de caso julgado. A certeza do direito e a segurança das relações jurídicas impõem o cumprimento deste princípio. |