Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2168/07-2
Relator: FERNANDO MONTERROSO
Descritores: SUSPENSÃO PROVISÓRIA DO PROCESSO
REQUISITOS
PENA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/10/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I – A suspensão provisória do processo apenas está prevista para os casos em que o crime for punível com prisão não superior a cinco anos (art. 281 nº 1 do CPP), não se aplicando, pois, ao crime de peculato, punível com pena de prisão até 8 anos.
II – Se o MP fez a declaração prevista no art. 16 nº 3 do CPP, a pena abstracta de oito anos fixada no art. 375 nº 1 do Cod. Penal, não se convola numa pena abstracta de cinco anos, pois aquela declaração do MP só condiciona a «pena concreta», não alterando a «moldura penal abstracta».
III – Ou seja, o tribunal determina a «pena concreta» partindo da moldura penal abstracta fixada pelo legislador e ponderando os elementos a que os arts. 71 e ss do Cod. Penal mandam atender e, se porventura chegar a uma pena superior a cinco anos, ela é reduzida até este patamar.
IV – É isso que resulta do segmento da norma “não deve ser aplicada, em concreto, pena de prisão superior a cinco anos” do art. 16 nº 3 do CPP, não passando a atitude do Ministério Público de num juízo de prognose, ponderando as diversas variáveis atendíveis na fixação da pena concreta, pois tem por seguro que esta não ultrapassará os cinco anos.
V – Além disso, no caso, a suspensão provisória do processo nunca podia ser decidida sem a iniciativa (no inquérito) ou a concordância (na instrução – art. 307 nº 2 do CPP) do órgão do Estado que exerce a acção penal, isto é, do MP.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
No 3º Juízo Criminal de Braga, no processo de instrução nº 864/05.1TABRG-A, aquando da prolação do despacho de pronúncia, foi indeferido o requerimento do arguido Fernando para que fosse decidida a suspensão provisória do processo, ao abrigo das disposições conjugadas dos arts. 307 nº 2 e 281 do CPP.
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O arguido interpôs recurso.
A questão do recurso é a de saber se a sra. juiz podia ter decidido a suspensão provisória do processo requerida pelo arguido.
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O magistrado do MP junto do tribunal recorrido, respondeu defendendo a improcedência do recurso.
Nesta instância, o sr. procurador-geral adjunto emitiu parecer no mesmo sentido.
Cumpriu-se o disposto no art. 417 nº 2 do CPP.
Já após o decurso do prazo de resposta foi junto aos autos o parecer de fls. 76 e ss.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.

FUNDAMENTAÇÃO
Tendo sido acusado pelo MP da autoria de um crime de peculato p. e p. pelo art. 375 nº 1 do Cod. Penal e outro do falsificação de documento p. e p. pelo art. 256 nºs 1 al. a) e 3 do Cod. Penal, o arguido Fernando requereu a instrução visando o arquivamento dos autos.
Subsidiariamente, para o caso de não obter esse desiderato, pediu que fosse decidida a suspensão provisória do processo, ao abrigo das disposições conjugadas dos arts. 307 nº 2 e 281 do CPP.
Porém, confrontou-se com um obstáculo à sua pretensão: a suspensão provisória do processo apenas está prevista para os casos em que o crime for punível com prisão não superior a cinco anos (art. 281 nº 1 do CPP), sendo que ao imputado crime de peculato corresponde pena de prisão até 8 anos.
Para o contornar, argumentou que, tendo o MP feito a declaração prevista no art. 16 nº 3 do CPP, “a pena abstracta de oito anos fixada no art. 375 nº 1 do Cod. Penal, convolou-se numa pena abstracta de cinco anos balizada pelo MP”.
É uma argumentação que não procede, porque aquela declaração do MP só condiciona a «pena concreta», não alterando a «moldura penal abstracta». Ou seja, o tribunal determina a «pena concreta» partindo da moldura penal abstracta fixada pelo legislador e ponderando os elementos a que os arts. 71 e ss do Cod. Penal mandam atender. Se, porventura, chegar a uma pena superior a cinco anos, ela é reduzida até este patamar. Isso resulta do segmento da norma “não deve ser aplicada, em concreto, pena de prisão superior a cinco anos” do art. 16 nº 3 do CPP.
Aliás, é assim desde os primórdios da norma. No ponto nº 58 da Lei 43/86 de 26-9, que concedeu ao Governo autorização para aprovar o novo Código de Processo Penal, expressamente se refere “a possibilidade de fazer julgar pelo tribunal singular (…) os crimes que não sejam, na óptica do Ministério Público, passíveis em concreto de pena de prisão ou medida de segurança superior a três anos”.
Ou seja, o MP, num juízo de prognose, ponderando as diversas variáveis atendíveis na fixação da pena concreta, tem por seguro que esta não ultrapassará os cinco anos (três, no início da vigência do CPP). Formulado tal juízo, faz a declaração prevista no art. 16 nº 3.
Percebe-se o esforço argumentativo em sentido contrário, mas onde o legislador sempre refere a «pena concreta», não se consegue ler «moldura penal abstracta».
Mas outro obstáculo existe à pretensão do arguido que, aliás, é prévio à questão já decidida.
O nosso direito processual penal é enformado pelo princípio da legalidade, tal como acontece na generalidade dos países de cultura jurídica romano-germânica. O instituto da suspensão provisória do processo é um afloramento do princípio da oportunidade, embora se trate de uma oportunidade regulada, sem a configuração e a amplitude ilimitada dos direitos anglo-saxónicos.
Sendo um afloramento do princípio da oportunidade, a suspensão provisória do processo não pode ser decidida sem a iniciativa (no inquérito) ou a concordância (na instrução – art. 307 nº 2 do CPP) do órgão do Estado que exerce a acção penal, isto é, do MP. Ao MP compete decidir se considera “oportuna” a suspensão provisória do processo ou se, pelo contrário, pretende exercer a acção penal. Trata-se de condição necessária, embora não suficiente, como decorre do nº 1 do art. 281 do CPP.
O MP opôs-se à pretensão do arguido – v. acta do debate instrutório.
Ora, apenas as decisões dos tribunais, isto é, dos juízes, são sindicáveis por via de recurso. Não pode o tribunal suprir a “vontade” do MP, conjecturando sobre as razões da oposição. Como também nunca poderá suprir o requisito da concordância do arguido ou do assistente (cfr. art. 281 nº 1 al. a)do CPP), mesmo quando a oposição destes for manifestamente insensata. Seria um absurdo processual.
É certo que a nova redacção do nº 1 do art. 281 do CPP (Lei 48/07 de 29-8) aponta para a obrigatoriedade da suspensão provisória pelo MP, quando estiverem reunidos os demais requisitos. – a expressão «pode decidir» foi substituída por «determina». Mas isso não coloca a «decisão» do MP sob controlo jurisdicional. Sendo o MP uma magistratura hierarquizada, o meio próprio para se obter a concordância deste órgão do Estado, quando determinado magistrado não a pretender formalizar, será a reclamação hierárquica.

DECISÃO
Os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães negam provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
O recorrente pagará 3UCs de taxa de justiça.