Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
239/06.5GAVNC.G1
Relator: ANSELMO LOPES
Descritores: PROIBIÇÃO DE PROVA
ACTO SEXUAL DE RELEVO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/28/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I – Não constitui prova obtida mediante a intromissão na vida privada, podendo ser utilizada no julgamento, a fotografia tirada ao arguido quando este, na esplanada dum café, induzia uma menor de sete anos a tocar-lhe no pénis.
II – O «acto sexual de relevo» é aquele que, não sendo de cópula ou de coito anal, está relacionado com o sexo e objectivamente ocasiona mais perturbação do que o «acto exibicionista», a «conversa obscena», ou o esporádico e fugidio «apalpão».
III – Integra a prática de acto sexual de relevo o comportamento do arguido que induz uma menor de sete anos a que lhe segure e fotografe o pénis e a que afaste as cuecas e saia, mostrando a vagina ao arguido, para que este a fotografe.
Decisão Texto Integral: Após audiência, acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

TRIBUNAL RECORRIDO
Tribunal Judicial de Vila Nova de Cerveira

ARGUIDO/RECORRENTE
F

RECORRIDO
O Ministério Público

OBJECTO DO RECURSO
O arguido foi julgado pela prática de um crime de abuso sexual de crianças p. e p. pelo art. 172, nº 1 do CPenal (vigente art. 171, nº 1)
Veio a ser condenado na pena de 1 ano e 6 meses de prisão cuja execução se declarou suspensa sob condição dele pagar à ofendida C a quantia de 3600 euros, em prestações mensais de 200 euros, bem assim de se apresentar semanalmente no posto policial mais próximo da sua residência.

É desta decisão que vem interposto o presente recurso, pois o recorrente:
a) Dissente do facto de na sentença se consignar que o arguido é “construtor civil/empreiteiro” pois que “jamais o referiu”, não correspondendo à verdade que “não passe dificuldades económicas” – conclusões 3 e 5;
b) Dissente do facto de se ter dado como provado que não gozava de “bom conceito” já que tem tido bom comportamento antes e depois dos factos – conclusões 8 e 9;
c) Diverge da forma como foi concretizada a tomada de depoimento à ofendida, perseguindo o entendimento de que o depoimento daquela foi prestado sob sugestão e com falta de espontaneidade – conclusões 12 a 17;
d) Afirma que “nenhuma testemunha da acusação foi peremptória em afirmar” o que se deu como provado na sentença, não aceitando o que se deu como assente, portanto, nos n.ºs 4 a 6, 8 a 11, 14 e 15 e 24 da sentença impugnada.
e) Manifesta-se expressamente e com mais incisão sobre o depoimento dos avós da ofendida, por nada terem feito para pôr fim aos comportamentos “algo estranhos do arguido com a menor”, por forma a concluir que os comportamentos do arguido, afinal “não eram assim tão graves como no julgamento quiseram fazer crer” – conclusões 24 a 28;
f) Quanto à matéria de facto, o julgador decidiu “contra a prova realmente produzida”, todos os factos provados deverão ser julgados como não provados, por as provas imporem decisão diversa da recorrida, não sendo admissível que o arguido tenha praticado os factos à hora e no local referidos na sentença pois o normal seria ele ter “procurado fazê-lo em local menos exposto” – conclusões 35 a 39.
g) Foi feito uso de provas nulas pois que as fotografias admitidas como prova foram obtidas ilegalmente “em clara violação do direito de imagem do arguido”, não tendo sido “autorizadas por nenhum juiz”, e, aliás, “nada provam as mesmas” – conclusões41 a 45.
h) Os factos dados como provados porque não revelam a prática de um qualquer acto sexual de relevo, deveriam ser qualificados como crime p. e p. pelo art.170 do CPenal actual – importunação sexual – conclusões 47 a 53
i) É “violência extrema e inaudita” a fixação das condições de suspensão da suspensão da pena – conclusão 54 porque as “possibilidades do arguido são escassas” e porque “os actos porventura praticados pelo arguido não revestem a gravidade que a sentença em crise lhes empresta” – conclusões 63 e 64.
j) A sentença é nula “pois que conheceu de questão de que não podia tomar conhecimento” – conclusão 70, por ter fixado pagamento indemnizatório à menor sem atentar nas possibilidades económico-financeiras do arguido – conclusões 73 a 76.

MATÉRIA DE FACTO
Com relevância para a decisão da causa resulta demonstrada a seguinte factualidade:

1. C nasceu no dia 19 de Agosto de 1999 e é filha de Manuel e de Maria.
2. O arguido conhecia a C, porque para além de ser vizinho, frequentava com regularidade o restaurante explorado, à data, pelos pais da C, denominado “X”, sito no lugar da ...
3. No decurso das férias escolares de Verão do ano de 2006, no referido restaurante, quando aí se deslocava na hora de almoço, o arguido foi conquistando a confiança da menor, a quem mostrava o telemóvel, dizendo-lhe que tirava fotografias.
4. Neste contexto, em número não concretamente apurado de vezes, mas ao longo de pelo menos uma semana, o arguido, aliciando a menor com o telemóvel, incitou-a a mostrar a vagina e a tocar-lhe no pénis.
5. Nessas ocasiões o arguido fotografava a vagina da menor e entregava-lhe o telemóvel para que a menor lhe fotografasse o pénis.
6. Tais actos eram praticados dissimuladamente na esplanada do restaurante, tendo numa dessas vezes o arguido pedido à C para subirem ao terraço onde se situa a churrasqueira, a fim de fotografar a vagina, o que veio a suceder.
7. Assim, nos dias 30 e 31 de Agosto de 2006, cerca das 12:30h., o arguido dirigiu-se ao restaurante “X” e, após ter tomado café na zona do bar, fez-se acompanhar da menor até à esplanada.
8. Aí, estando sentados lado a lado, o arguido abriu a perna do calção curto que vestia e mostrou o pénis à menor.
9. A C, por sua vez, a pedido do arguido, segurou-lhe o pénis.
10. Depois, inclinou-se para trás e desviou o vestido e cuecas para o lado para que o arguido visse e fotografasse a sua vagina.
11. Neste circunstancialismo, o arguido fotografou, por diversas vezes, a vagina da menor e entregou o telemóvel à menor para que esta lhe fotografasse o pénis.
12. M, avô da C, que nos dias referidos tinha assistido de sua casa aos factos descritos, logo tratou de contratar um fotógrafo profissional, a fim de denunciar a situação.
13. Assim, no dia 1 de Setembro de 2006, à hora do almoço, o fotógrafo R posicionou-se na janela da cozinha de casa dos avós da C, sita em frente ao restaurante “X” e tirou as fotografias juntas aos autos.
14. Nesse dia, o arguido, como habitualmente, entrou no restaurante e voltou a sair na companhia da menor. Sentaram-se na esplanada e voltaram a fotografar-se, tendo uma vez mais o arguido puxado para o lado o calção e colocado o pénis de fora, ao mesmo tempo que o escondia com a mão ou com a perna traçada.
15. A menor tocava e fotografava o pénis do arguido e afastava as cuecas e a saia, mostrando a vagina ao arguido para que este a fotografasse.
16. Mais tarde, o arguido abandonou o local e convidou a menor a segui-lo pelo caminho lateral ao restaurante.
17. Nessa altura, M, que a tudo tinha assistido, saiu para a rua e gritou pela neta, evitando que esta acompanhasse o arguido.
18. O arguido agiu da forma descrita, com o propósito de satisfazer os seus instintos libidinosos, actuando sobre a menor C, que sabia ser menor de 14 anos de idade e que não tinha capacidade para se determinar sexualmente.
19. Sabia que com a sua conduta, reiterada, ofendia os mais elementares princípios da moral sexual e atentava contra a liberdade de determinação sexual daquela menor.
20. Agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal.
21. O arguido e os pais da C conheciam-se, sendo a mãe desta sua familiar afastada.
22. O arguido conhece a C desde pequena.
23. O arguido, à data dos factos, frequentava o restaurante “X”.
24. O arguido, construtor civil/empreiteiro, declarou que se encontra desempregado há cerca de um ano e não aufere já qualquer rendimento.
25. O arguido tem dois filhos maiores, embora um deles dependa economicamente dele.
26. A mulher do arguido é ajudante de cozinha numa estalagem, auferindo cerca de €485,00 mensais.
27. O arguido vive em casa própria.
28. O arguido tem o 6º ano de escolaridade.
29. O arguido é reputado por pessoa respeitadora.
30. O arguido não tem antecedentes criminais.
31. A mãe de C é cozinheira.
32. O arguido não voltou a contactar com a C.

Factos não provados:
Não resulta demonstrada qualquer outra factualidade relevante para a boa decisão da causa. Nomeadamente, que a) o avô da C tivesse ameaçado o arguido com uma pistola; b) o arguido seja bom marido e sempre tenha respeitado a sua mulher; c) o arguido seja um bom pai; d) o arguido tenha sempre tido bom comportamento anterior e posterior aos factos.

MOTIVAÇÃO/CONCLUSÕES
São as seguintes as conclusões do recurso:
1. Passamos a indicar os concretos pontos de facto incorrectamente julgados e as concretas provas que impõem decisão diversa;
2. Na verdade, a sentença em crise ignorou a prova realmente trazida ao julgamento, afirmando, inclusivamente, factos como tendo sido declarados pelo arguido que não o foram, de todo;
3. Como seja, o de se intitular construtor civil/empreiteiro, quando jamais o referiu, pois, tão só, disse que trabalhava na construção civil, encontrando-se desempregado há mais de um ano;
4. Não correspondendo, pois, à verdade que alguma vez se tenha assumido como construtor civil/empreiteiro, para se permitir concluir que nada de concreto se apurou quanto à sua condição sócio-económica;
5. Pelo que não corresponde à verdade que não passe dificuldades económicas;
6. Tal conclusão é errada, primeiro, porque nunca o arguido a afirmou, como erradamente diz a sentença;
7. E, segundo, porque as testemunhas MJ, ouvido em 2009/03/09 das 12:10:14 às 12:18:23 horas, e EF, ouvido em 2009/03/09 das 12:19:01 às 12:25:20 horas, foram claras em afirmar que o arguido trabalhava na construção civil e que se encontra desempregado;
8. Por outro lado, as mesmas testemunhas e, ainda, H, ouvido em 2009/03/09 das 11:50:59 às 11:58:10, foram unânimes em afirmar que o arguido goza de bom conceito;
9. Nada conhecendo em seu desabono, tendo tido bom comportamento antes e depois dos factos;
10. Sendo incorrecto, pois, afirmar o contrário, como faz a sentença em crise;
11. Mais adiantando as mesmas que parece impossível que pelo crime em causa tenha o arguido sido acusado;
12. Relativamente aos factos, de notar, em primeiro lugar, a orientação e condução dadas à menor durante o seu depoimento pela própria Mº(ª) Juiz(a) a quo, o que não é aceitável, muito embora se trate de uma criança de 9 anos;
13. Todos sabemos que as crianças são facilmente sugestionáveis e, uma vez apercebendo-se de que caminho queremos que sigam, seguem-no;
14. Tendo sido o que aconteceu com a dita menor C, ouvida em 2009/02/17 das 12:00:30 às 13:01:26, em que o seu depoimento nada de espontâneo teve;
15. Tendo sido insistentemente conduzido pela Mº(ª) Juiz(a) a quo que sugeria constantemente a mesma, como bem se pode alcançar da gravação;
16. A qual, aliás, é de péssima qualidade, não se conseguindo ouvir nada do pouco que a mesma disse;
17. Na verdade, não é admissível que se obtenha de quem quer que seja depoimento da forma que foi utilizada pela Mº(ª) Juiz(a) a quo, pois que nada de espontâneo teve;
18. Nenhuma testemunha da acusação foi peremptória em afirmar nada do que na sentença se deu como provado;
19. Tendo-se ficado com a sensação de que a mesma foi proferida mais pela repulsa que tal espécie de crime causa a qualquer pessoa, do que de acordo, absolutamente, com a prova produzida;
20. Na verdade, não se compreende como se pode ter chegado à conclusão de dar como provados os factos descritos nos nºs 4, 5, 6, 8, 9, 10, 11, 14, 15 e 24 da fundamentação dos factos;
21. O que se contesta com veemência e se deseja que sejam reapreciados, renovando-se as provas correspondentes;
22. Com efeito, repassando os depoimentos daquelas testemunhas não se vê que nenhuma delas tenha referido com a segurança necessária que o arguido praticou aqueles factos;
23. São elas a própria menor, sua avó, ouvida em 2009/02/17 das 10:40:01 às 11:05:25, R, ouvido em 2009/02/17 das 11:07:17 às 11: 11:28, MA, ouvida em 2009/03/09 das 10:57:57 às 11:18:29 e Manuel, ouvido em 2009/03/09 das 11:22:04 às 11:48:45, as quais nada de concreto e convincente adiantaram;
24. Note-se que a primeira e quarta testemunhas, avós da menor, dizendo, embora, que assistiam a comportamentos algo estranhos do arguido com a menor, nada fizeram para pôr fim aos mesmos;
25. O que, de modo nenhum, é aceitável, se verdade fosse que viram tais comportamentos estranhos;
26. É que qualquer avô ou avó, perante os mesmos, teria reagido imediatamente, tratando de impedir a sua continuação;
27. E não, como disseram, que “estavam a ver em que davam as coisas”;
28. Donde se pode concluir que tais comportamentos não eram assim tão graves como no julgamento quiseram fazer crer;
29. Note-se mais que os mesmos só disseram aos pais da menor o que se estava a passar no fim do mês de Setembro de 2006, quando situaram os factos em 30 e 31 do anterior mês de Agosto. Onde está gravidade da situação?
30. A segunda testemunha acima referida disse claramente que não era possível ver qualquer gesto do arguido ou da menor à distância a que estava, ou seja, na janela da casa dos avós da menor, onde estavam também estes, sem o auxílio da lente telescópica;
31. O que ele também não viu mesmo com esta lente;
32. Portanto, os avós da menor nada podiam ter visto a olho nu à distância que se encontravam, que, no seu dizer, era entre 20 a 30 metros, cfr. respectivos depoimentos;
33. Tudo o que dizem não passa de pura especulação e imaginação, pois, nada viram, uma vez que nem nada havia para ver;
34. De modo algum se pode admitir os depoimentos de tais testemunhas quando querem dar a ideia da verdade do que, afinal, não disseram;
35. Mas o(a) Mº(ª) Juiz(a) a quo deu como provado, como se disse, contra a prova realmente produzida;
36. Aliás, não se pode admitir que tais actos pudessem ser levados a cabo durante a hora de almoço do restaurante dos pais da menor e, ainda por cima, na esplanada do mesmo, por onde é o único acesso à respectiva sala de jantar;
37. Se tivesse havido qualquer propósito do arguido em praticar os factos por que veio a ser condenado, mas mal, teria procurado fazê-lo em local menos exposto;
38. Pois que em frente, a 20/30 metros, era a casa dos avós da menor e logo atrás, na sala de jantar do restaurante, estavam os pais da mesma. Definitivamente, não faz sentido!
39. Todos os indicados pontos de facto foram incorrectamente julgadas e, analisadas as provas, impõem decisão diversa da recorrida, favorável, portanto, ao arguido, devendo ser, portanto, renovadas, quando se entenda necessário;
40. Requereu-se no início do julgamento que as fotografias não fossem admitidas como prova;
41. Pois que tinham sido obtidas ilegalmente, em clara violação do direito de imagem do arguido, não tendo, sequer, sido, autorizadas por nenhum juiz;
42. Na verdade, os artigos 26º, nº 1, e 38º, nº 2, da Constituição, referindo que aquele direito de imagem é um direito de personalidade e, como tal, inviolável, declaram nulas todas as provas obtidas em violação de tal inviolabilidade, designadamente mediante abusiva intromissão da vida privada;
43. Ora, tais fotografias pecam de todos essas máculas, o que as torna nulas, não podendo, pois, ser utilizadas neste processo, como foram, já que do mesmo não foram eliminadas, como se requereu e deviam ter sido;
44. Aliás, não obstante a existência de tais fotografias, nada provam as mesmas, no sentido em que se quis dar como provado;
45. Pois, nem elas permitem chegar a tais conclusões, não deixando de ser contudo uma intolerável violação do direito à imagem do arguido;
46. Para além de todo o exposto, há que realçar que os factos ocorreram sob a vigência do Código Penal na redacção anterior, pelo que foi imputado ao arguido o crime p.e p. no artigo 172º, nº 1;
47. Quando, de acordo com a prova carreada para os autos, tal já não era admissível, mas a incriminação do artigo 171º, que p. e p. “actos exibicionistas”, hoje artigo 170º, que trata de “importunação sexual”, pois de outro crime não se trata;
48. Mas, em julgamento, de forma alguma se provaram factos que possam, determinar a aplicação ao arguido da pena que lhe foi imposta, pois que a sua conduta, quando muito, teria sido integradora daquele crime do artigo 171º, ou seja, “actos exibicionistas”;
49. Pois que não se pode dizer que foi pelo arguido praticado com a menor acto sexual de relevo;
50. Mas, tão só, actos de “importunação sexual”, ou seja, de carácter exibicionista ou constrangendo a menor a contacto de natureza sexual, p. e p., actualmente, pelo referido artigo 170º;
51. Com efeito, quer por um quer por outro preceito, a pena a aplicar ao arguido devia ser a retirada de um deles;
52. E, jamais, a do artigo 172º, nº 1, hoje, artigo 171º, nº 1, que trata do ”abuso sexual de crianças”;
53. Pois, reitera-se, não foi praticado pelo arguido nenhum acto sexual de relevo;
54. Por outro lado, a aplicação ao arguido da indemnização de €3.600,00, e, ainda por cima, com a condição de a pagar no prazo de um ano e meio, €200,00 mensais, de modo a poder beneficiar da suspensão da pena pelo mesmo período, mais devendo apresentar-se semanalmente no posto policial mais próximo da sua residência, é de uma violência extrema e inaudita;
55. Desde logo, tendo em conta o crime em causa, não se vê qual o objectivo de obrigar o arguido a apresentar-se semanalmente no posto policial;
56. O que, para além do mais, vai contender com a possibilidade de o mesmo procurar trabalho no estrangeiro, mormente em Espanha, onde costumava trabalhar antes de ter sofrido o acidente de trabalho;
57. Por outro lado, o(a) Mº(ª) Juiz(a) a quo fez ouvidos de mercador relativamente à situação económico-financeira do arguido;
58. Pois, provado está que se encontra desempregado e é pobre, trabalhando para conseguir subsistir;
59. Pois que não tem quaisquer outros rendimentos para além dos do trabalho, o que, de momento, nem acontece por estar desempregado;
60. O(a) Mº(ª) Juiz(a) a quo não só ignorou tudo que se vem de dizer, como ainda o promoveu, ilegitimamente, a empreiteiro/construtor civil;
61. Quando o mesmo sempre disse, apenas, trabalhar na construção civil, o que faz muita diferença até ser empreiteiro/construtor civil;
62. Não é, pois, acertado fixar semelhante indemnização a pagar à menor;
63. Primeiro, porque os actos, porventura, praticados pelo arguido não revestem a gravidade que a sentença em crise lhes empresta;
64. E, segundo, porque as possibilidades do arguido são escassas;
65. Veja-se que nem os pais da menor viram tanta gravidade nos factos praticados;
66. Pois que não se constituíram assistentes nem, tão pouco, deduziram pedido de indemnização civil;
67. Não se vê, pois, como pode o(a)(ª) Juiz(a) a quo condenar o arguido em indemnização civil que não foi pedida;
68. O que representa violação do disposto no artigo 51º, nº 2, do CP;
69. Pois que lhe impõe uma obrigação que não é razoavelmente de lhe exigir;
70. Integrando, também, nulidade da sentença, nos termos do artigo 379º, nº 1, al. c), in fine, do CPP, pois que conheceu de questão de que não podia tomar conhecimento;
71. Por outro lado, e mesmo que assim não fosse, que é, condenar-se deste modo é um verdadeiro exagero, nada compatível com a função da justiça;
72. Pois que, quando esta pune deve ter por finalidade ressarcir os danos e prejuízos, porventura, sofridos pelo ofendido, cfr. artigo 483º, nº 1, do Código Civil;
73. Mas também corrigir o arguido, sempre de acordo, porém, com as suas possibilidades económico-financeiras;
74. O que não se consegue sendo cegamente severo, como foi, no caso, o(a) Mº(ª) Juiz(a) a quo;
75. Que, ainda por cima, não justifica, de forma alguma, tão grande indemnização à menor, pois que silenciou absolutamente a especificação de quaisquer fundamentos que justificassem semelhante indemnização;
76. Pelo que, também por esta via, é nula a sentença, nos termos do artigo 668º, nº 1, al. b), do CPC, aplicável ex vi artigo 4º do CPP;
77. Violou o(a) Mº(ª) Juiz(a) a quo as normas dos artigos 26º, nº 1, e 38º, nº 2, da Constituição, 51º, nº 2, 172º, nº 1, 171º, hoje 170º, do Código Penal, 483º, nº 1, do Código Civil, 379º, nº 1, al. c), in fine, do CPP e 668º, nº 1, al. b), do CPC.

RESPOSTA
O Ministério Público, na 1ª instância, responde para defender o julgado.

PARECER
Nesta instância, o Ilustre Procurador-Geral Adjunto entende que o recurso deve proceder apenas no tocante ao modo de pagamento da indemnização e quanto às apresentações à entidade policial, concluindo assim:
A sentença não é nula pois que possui sólida fundamentação, não se verificando qualquer excesso de pronúncia; as provas usadas para firmar a convicção do julgador são válidas e utilizáveis, inclusive a resultante das fotografias juntas aos autos e recolhidas em local público envolvendo não só a vítima como o próprio arguido, provas que, por sua vez, dão plena sustentabilidade aos factos dados como provados, devendo estes, por isso, manter-se intangíveis; a fixada condição de reparação do mal do crime através do pagamento duma quantia mensal como dever a cumprir pelo arguido no âmbito duma condição da suspensão da execução da pena de prisão estabelecida, apresenta-se justificada e absolutamente legal em face da finalidade reclamada para a pena e o seu carácter pedagógico; por violação do princípio da proporcionalidade, o quantum mensal a pagar pelo arguido como dever reparador da vítima deve ser reduzido para 50 euros/mês, ampliando-se, por outro lado, o período de apresentação no posto policial que deverá ser, por isso, mensal.

Os termos deste Parecer, pela sua pertinência e completude, preencherão a fundamentação da decisão final, pelo que adiante será o mesmo inserido.

PODERES DE COGNIÇÃO
O objecto do recurso é demarcado pelas conclusões da motivação – artº 412º do C.P.Penal, sem prejuízo do conhecimento oficioso nos termos do artº 410º, nº 2 do mesmo Código, do qual serão as citações sem referência expressa.

QUESTÕES A DECIDIR
As questões a decidir são as que emergem das conclusões transcritas.

FUNDAMENTAÇÃO
Este recorrente, tal como se vê na maioria dos recursos, adopta também uma curiosa maneira de atacar uma sentença: cita a prova (ou parte dela) por remissão para a data e tempo das gravações; faz a sua própria análise (necessariamente diferente da do Tribunal) e espera que este Tribunal leia (ou ouça) os depoimentos e diga quem tem razão.
Ora, no rigor da lei, as coisas não são bem assim, pois existem regras próprias para se recorrer das decisões e que impedem o meio aqui pretendido.
Vejamos.
Nos termos do artº 428º, nº 1 do Código de Processo Penal, as Relações conhecem de facto e de direito.
O conhecimento da matéria de facto apenas pode ocorrer em quatro situações:
1ª - Quando há documentação da prova oral;
2ª - Quando, mesmo sem documentação da prova oral, houver prova não pessoal que o recorrente queira impugnar;
3ª - Quando a prova for apenas por reconhecimento, por reconstituição do facto, pericial ou documental;
4ª - Quando se verificarem os vícios previstos no artº 410º, nº 2.
Havendo documentação da prova oral produzida em audiência, se o recorrente quiser impugnar a matéria de facto deve especificar, nos termos do artº 412º, nº 3:
.a) – Os pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
.b) – As provas que impõem decisão diversa da recorrida.
Nesta situação, a documentação da prova serve de apoio ao recorrente para demonstrar que a matéria de facto, toda ou parte dela, foi mal julgada, deixando de ter validade a livre apreciação do Juiz, pois o recorrente pugna por uma valoração diferente da prova perante o Tribunal superior e este, observado o disposto no nº 4 do citado artº 412º, faz uso da documentação e aprecia se, nos aspectos impugnados, o Tribunal recorrido decidiu correcta ou incorrectamente - Ac. S.T.J., de 26-01-00, Pº nº 950/99, 3ª Secção:
I - A exigência de especificação, pelo recorrente, de todos os pontos de facto que considerou incorrectamente julgados, é determinada pelas razões e circunstâncias em que a lei actual pretende assegurar um recurso efectivo em matéria de facto.
II - Quer no domínio da jurisdição civil, quer no âmbito da jurisdição penal, não se visa permitir a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência, mediante uma repetição do julgamento, com as inerentes consequências de frequente inutilidade e inconveniência - por desnecessidade e riscos de menor autenticidade - e de injustificado prejuízo para as consabidas exigências de celeridade na administração da justiça adequada.
III - O fim prosseguido por aquela imposição é o de permitir a correcção e detecção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, o que exige o mencionado ónus legal de concreta e clara especificação desses pontos e das provas que impõem decisão diversa da recorrida.
IV - Não pode pois relevar a impugnação, pelo recorrente, da decisão da matéria de facto quando o faz de forma genérica e imprecisa..
Esta tarefa pode, como se disse, abranger apenas certos pontos da matéria de facto, como pode abrangê-la toda, mas, também neste caso, o recorrente deve especificar, ponto por ponto, as razões pelas quais entende haver incorrecto julgamento e as provas que impõem decisão diferente, não bastando repetir ou remeter para a prova produzida e concluir que ela conduz a conclusão diferente daquela a que o Tribunal recorrido chegou - Ac. S.T.J., de 18-01-01, Pº 3.105/00, 5ª Secção.
I - Quando o recorrente impugne matéria de facto, para que essa impugnação possa validamente ser tomada em consideração pela Relação, deve aquele especificar, com referência aos suportes técnicos da gravação, as provas que imponham decisão diversa da recorrida, e as que, na sua óptica, devem ser renovadas.
II - O princípio contido no art. 127.º, do CPP, estabelece três tipos de critérios para a apreciação da prova com características e natureza completamente diferentes: haverá uma apreciação da prova inteiramente objectiva quando o Lei assim o determinar; outra, também objectiva, quando for imposta pelas regras da experiência; finalmente, uma outra, já de carácter eminentemente subjectiva e que resulta da livre convicção do julgador.
III - É certo que tudo isto se poderá conjugar, e também é certo que a prova assente ou resultante da livre convicção poderá ser motivada e fundamentada, mas neste caso, a motivação tem de se alicerçar em critérios subjectivos, embora explicitados para serem objecto de compreensão.
IV - Seja como for, a motivação probatória compete sempre aos julgadores e não pode ser posta em confrontação com as convicções pessoais do recorrente.
V - Os n.ºs 3 e 4 do art. 412.º do CPP, limitam o julgamento da matéria de facto àqueles ponto que referem, mas não permitem o julgamento da globalidade dessa mesma matéria de facto..
Se o recorrente alega vícios da decisão recorrida a que se refere o nº 2 do art. 410º do C.P.P., mas fora das condições previstas nesse normativo, afinal impugna a convicção adquirida pelo Tribunal a quo sobre determinados factos, em contraposição com a que sobre os mesmos factos ele adquiriu em julgamento, esquecido da regra da livre apreciação da prova inserta no art. 127º (que neste caso, e sempre sem prejuízo do nº 2 do artº 410º, passa a valer). – Ac. S.T.J., de 13-02-91, AJ, nºs 15/16, 7.
Quando o recorrente, tendo havido documentação da prova, não usa devidamente a faculdade de impugnação prevista no artº 412º, nºs 3 e 4 e também não fundamenta os vícios previstos no artº 410º, nº 2, não pode atacar a livre convicção do Juiz. Não havendo documentação da prova e não sendo regularmente demonstrados os vícios do citado artº 410º, nº 2, também o recorrente não pode questionar aquela livre convicção. Em ambos os casos, o Tribunal de recurso não dispõe de condições para analisar e corrigir a matéria de facto, salvo se oficiosamente descobrir qualquer dos vícios indicados no artº 410º, nº 2.
Quando o Tribunal de recurso, por si, oficiosamente, ou ainda por demanda do recorrente, verifica a existência de qualquer desses vícios, as consequências são as indicadas no artº 426º, nº 1 ou no artº 430º, nº 1, ou seja, o Tribunal verifica se pode ou não conhecer da causa e, não podendo, reenvia o processo para novo julgamento ou, então, ordena a renovação da prova e altera-a ou não, conforme o julgamento ditar.
As demais possibilidades de, em recurso perante as Relações, se discutir a matéria de facto são aquelas em que também ou apenas haja prova não pessoal, valendo aqui, quer tenha havido ou não documentação da prova, os mesmos meios de impugnação acima indicados, ou seja, a impugnação pela via do artº 412º, nº 3 e a invocação ou o conhecimento oficioso dos vícios previstos no artº 410º, nº 2. Se a prova não pessoal não for regularmente sindicada e à matéria de facto que sustente não forem atribuídos ou descobertos os vícios previstos no artº 410º, nº 2, passa a valer a livre apreciação que dela tenha sido feita pelo Juiz, sem prejuízo de os recorrentes poderem demonstrar que os juízos formulados violam as regras da experiência, são discricionários ou arbitrários, não se encaixando na prova produzida.
Convém dizer, por fim, que o sistema processual de controle da prova é o que acima sumariamente se expõe e que, pelos meios fornecidos, incluindo o de controle da livre apreciação através da exigência de fundamentação (e dos seus reflexos para a eventual verificação dos vícios consignados no artº 410º, nº 2), fornece aos sujeitos processuais todas as garantias de um duplo grau de jurisdição.
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Como se vê das conclusões, o recorrente não fornece provas que imponham decisão diversa, mas antes se limita a discordar do julgamento do Mmª Juíza e faz o seu próprio julgamento, ou seja, põe apenas em causa a livre apreciação da prova.
Esta é, de facto, uma das vias de recurso, mas para isso, como já se disse, é preciso demonstrar que o julgamento não respeitou as regras da livre apreciação, o que, como se vai ver, de todo, o recorrente alcança.
A violação do princípio da livre apreciação da prova só ocorre quando, sem justificação, houver manifesta decisão arbitrária, discricionária ou caprichosa.
Ora, o Tribunal a quo cuidou de fundamentar a sua convicção de forma a que ela surgisse como clara e convincente para os destinatários da decisão, indicando as provas que serviram para formar a sua convicção e, detidamente, fazendo a sua análise crítica, com a explicitação individualizada dos participantes que entendeu primordiais para a génese da formação da mesma e, mais que isso, justificando a desvalorização da versão de uma das partes, sem esquecer a resposta a aspectos que da decisão sobrevêm.
Apesar disso, o recorrente não se conforma e invoca, no essencial, que, face à prova produzida:

...jamais o referiu ser construtor civil/empreiteiro, quando, pois, tão só, disse que trabalhava na construção civil, encontrando-se desempregado há mais de um ano;
… não corresponde à verdade que não passe dificuldades económicas;
as testemunhas foram unânimes em afirmar que o arguido goza de bom conceito, nada conhecendo em seu desabono, tendo tido bom comportamento antes e depois dos factos;
Mais adiantando as mesmas que parece impossível que pelo crime em causa tenha o arguido sido acusado;
…de notar, em primeiro lugar, a orientação e condução dadas à menor durante o seu depoimento pela própria Mº(ª) Juiz(a) a quo, o que não é aceitável, muito embora se trate de uma criança de 9 anos;
Todos sabemos que as crianças são facilmente sugestionáveis e, uma vez apercebendo-se de que caminho queremos que sigam, seguem-no;
Tendo sido o que aconteceu com a dita menor C, ouvida em 2009/02/17 das 12:00:30 às 13:01:26, em que o seu depoimento nada de espontâneo teve;
Tendo sido insistentemente conduzido pela Mº(ª) Juiz(a) a quo que sugeria constantemente a mesma, como bem se pode alcançar da gravação;
Na verdade, não é admissível que se obtenha de quem quer que seja depoimento da forma que foi utilizada pela Mº(ª) Juiz(a) a quo, pois que nada de espontâneo teve;
Nenhuma testemunha da acusação foi peremptória em afirmar nada do que na sentença se deu como provado;
Tendo-se ficado com a sensação de que a mesma foi proferida mais pela repulsa que tal espécie de crime causa a qualquer pessoa, do que de acordo, absolutamente, com a prova produzida;
Na verdade, não se compreende como se pode ter chegado à conclusão de dar como provados os factos descritos nos nºs 4, 5, 6, 8, 9, 10, 11, 14, 15 e 24 da fundamentação dos factos;
O que se contesta com veemência e se deseja que sejam reapreciados, renovando-se as provas correspondentes;
Note-se que a primeira e quarta testemunhas, avós da menor, dizendo, embora, que assistiam a comportamentos algo estranhos do arguido com a menor, nada fizeram para pôr fim aos mesmos;
O que, de modo nenhum, é aceitável, se verdade fosse que viram tais comportamentos estranhos;
É que qualquer avô ou avó, perante os mesmos, teria reagido imediatamente, tratando de impedir a sua continuação;
E não, como disseram, que “estavam a ver em que davam as coisas”;
Donde se pode concluir que tais comportamentos não eram assim tão graves como no julgamento quiseram fazer crer;
Tudo o que dizem não passa de pura especulação e imaginação, pois, nada viram, uma vez que nem nada havia para ver;
Aliás, não se pode admitir que tais actos pudessem ser levados a cabo durante a hora de almoço do restaurante dos pais da menor e, ainda por cima, na esplanada do mesmo, por onde é o único acesso à respectiva sala de jantar;
Se tivesse havido qualquer propósito do arguido em praticar os factos por que veio a ser condenado, mas mal, teria procurado fazê-lo em local menos exposto;
Pois que em frente, a 20/30 metros, era a casa dos avós da menor e logo atrás, na sala de jantar do restaurante, estavam os pais da mesma. Definitivamente, não faz sentido!
Todos os indicados pontos de facto foram incorrectamente julgadas e, analisadas as provas, impõem decisão diversa da recorrida, favorável, portanto, ao arguido, devendo ser, portanto, renovadas, quando se entenda necessário;
Aliás, não obstante a existência de tais fotografias, nada provam as mesmas, no sentido em que se quis dar como provado.

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Está visto.
É assim que o recorrente põe em causa o julgamento: faz o seu próprio julgamento, incluindo a sua própria fundamentação, de onde se realça que tudo o que as testemunhas dizem não passa de pura especulação e imaginação e que (se) fica com a sensação de que a sentença foi proferida mais pela repulsa que tal espécie de crime causa a qualquer pessoa, do que de acordo, absolutamente, com a prova produzida…
Esquece o recorrente que não é assim que, como se disse, demonstraria que a motivação do Tribunal foi discricionária e arbitrária, sem cabimento na prova produzida.
E para se dissiparem quaisquer dúvidas, aqui vai a fundamentação do Tribunal.
Diz assim, acrescentando-se agora os sublinhados:
O tribunal fundou a sua convicção na apreciação e análise crítica de toda a prova produzida e examinada em audiência de julgamento, segundo juízos de experiência comum e o princípio da livre apreciação (art.127ºCPP). Concretizando,
a) Quanto à responsabilidade criminal do arguido a convicção do tribunal fundou-se, para além dos documentos juntos aos autos e relatório de perícia psicológico-forense (fls. 193 a 199), nos depoimentos, por coerentes, em si e entre si, das testemunhas presenciais inquiridas, principalmente, por a um tempo vítima e interveniente, no depoimento de C. Na verdade, de forma espontânea, o que se foi logrando no decurso da tomada do depoimento, e não obstante a sua tenra idade (9 anos), consequente timidez e vergonha, especialmente concretizada na resistência à verbalização das palavras pilinha (pénis) e pipi (vagina), obrigando ao eufemismo da substituição por flor e borboleta, respectivamente, C confirmou, e de forma coerente, toda a factualidade imputada descrita nos factos provados. Ou seja, descreveu a forma como o arguido a abordou e lhe foi sugerindo/pedindo que procedesse, tirando fotografias à pilinha (flor), que o mesmo retirava do calção, cruzando a perna (posição que reproduziu em juízo), e levantando a saia/vestido, afastando as pernas (posição que exemplificou) e as cuecas para o lado, assim permitindo ao arguido fotografar-lhe a vagina (borboleta). Mais, acrescentou, a pedido do arguido, tocou e pegou na pilinha (flor), segurando-a, descrevendo a sensação de tal facto por referência a dois dedos de uma mão.
Factualidade, esta, corroborada, pelos depoimentos de CA, avó da C, e M, avô da C, casal que reside em frente, cerca de 30 metros, da esplanada do restaurante e que da janela da cozinha foi assistindo, de forma impotente, aos factos, acrescentando este último que decidiu contratar um fotografo por sugestão da GNR que lhe dissera que não poderia fazer nada. O que fez, contratando R, o qual, da cozinha dos avós da C, e pela lente da sua máquina fotográfica, assistiu ao último episódio da sucessão de factos que justifica os presentes. Ou seja, viu o arguido sentado de frente para a rua, dando as costas ao vidro do restaurante, de perna cruzada, a C ao seu lado a tirar fotografias com telemóvel direccionado para a zona do pénis do arguido, a quem conseguia ver um testículo, e o arguido a tirar fotografias com o mesmo telemóvel à vagina de C, após a mesma afastar as pernas e elevar a saia. Mais viu C a dirigir e colocar a mão na zona do pénis do arguido.
Por fim, tomou-se ainda em consideração o depoimento de Maria, mãe de C, a qual revelou nunca se ter apercebido de nada, não obstante se encontrar sempre no restaurante em causa, já que se encontrava ocupada a trabalhar e o arguido, além de familiar afastado, era cliente do restaurante, nada a fazendo suspeitar do sucedido, inclusive porque a C nunca o comentou. Sendo que, a mesma (C) só se apercebeu da sua gravidade na sequência da reacção dos adultos, envergonhando-se pelos mesmos, convicta de que teria feito algo de mal. O que, acredita, a terá levado a evitar por uns tempos a casa dos avós.
Resta notar, e no confronto com toda a prova produzida, que as declarações do arguido sobre os factos imputados, negando-os, não lograram convencer o tribunal. Sendo que o arguido manteve tais declarações não obstante os depoimentos das testemunhas ouvidas, chegando mesmo a esboçar um sorriso de descrédito quando confrontado com o depoimento de C.
Ou seja, em momento algum o arguido exprimiu sequer um qualquer sentimento próximo do arrependimento, mantendo-se firme e isolado na negação dos factos imputados, não obstante confirmados testemunha após testemunha.
Comportamento coerente com a forma vigilante e dissimulada como actuava e fazia C actuar, atenta à aproximação de outras pessoas. O que, a um tempo, não deixa dúvidas de que o arguido conhecia a natureza torpe e proibida da sua conduta e não obstante, ultrapassando tais obstáculos, agiu de forma a satisfazer os seus desejos libidinosos, aproveitando a ingenuidade e natural curiosidade da vítima, atraída pelo telemóvel (isco).
Acresce, da factualidade demonstrada, concretamente dos actos de carácter sexual praticados perante e com a menor, do aproveitamento da confiança depositada no arguido quer pela menor quer pelos seus pais, da sua localização no espaço (local público) e no tempo (12:30h., pleno dia, hora de almoço), consequente maior ocupação dos pais da menor e redução da vigilância da mesma, a contrastar com o maior risco de flagrante por terceiros, cuja aproximação vigiava, resulta documentada um intensa ligação dos factos a uma vontade livre e esclarecida do arguido, resolvida a agir como demonstrado.
b) quanto às condições sócio económicas do arguido: nas declarações deste, bem como nos depoimentos das testemunhas ... No entanto, importa notar que não se apurou nada de concreto quanto à sua condição sócio-económica, já que começou por se assumir como construtor civil/empreiteiro (fls. 121), para de seguida se afirmar desempregado e sem qualquer rendimento, sendo que nada permite concluir que passe qualquer dificuldade económica.
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A fundamentação agora reproduzida acha-se alicerçada nas regras da experiência e em adequados juízos de normalidade, não se notando a violação de qualquer regra da lógica ou ensinamento da experiência comum.

E assim sendo, nenhuma razão objectiva colhe ao recorrente ao catalogar e desqualificar os elementos probatórios, infirmando-os ou afirmando-os de acordo com a sua própria interpretação e conveniência.

A fundamentação analisada inculca ter havido um excelente domínio da prova produzida e que a sua análise foi feita de acordo com os critérios legais, não valendo, como se disse, a simples opinião diversa do recorrente para a beliscar.
Com efeito, os fundamentos invocados permitem acompanhar os juízos formulados para a fixação da matéria de facto e os que o recorrente faz não se suportam nos critérios da livre apreciação, ou seja, são parciais, e apenas tentam explorar as provas a seu favor.
O recorrente, como se viu, tenta a via da modificação da matéria de facto através do apelo à gravação dos depoimentos e pedindo que este Tribunal faça um novo confronto das provas. Diz expressamente: …factos que contesta com veemência e se deseja que sejam reapreciados, renovando-se as provas correspondentes!!!
Ora, a questão não pode ser assim posta, pois os recursos não se destinam a que o Tribunal ad quem leia ou ouça as provas e diga que decisão tomaria. Os recursos visam conhecer de vícios de conhecimento oficioso ou que lhe sejam demonstrados.
No caso presente, como se viu, o Tribunal explica de modo brilhante e transparente o seu raciocínio, resultando que não teve quaisquer dúvidas de que o recorrente praticou os factos que lhe eram imputados.


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E quanto aos aspectos essenciais pelo recorrente suscitados, responde cabalmente, como já se disse, o Ilustre Procurador Geral-Adjunto, cujo trabalho se louva e por economia se reproduz.

Diz assim:
2.1
Podemos ordenar as questões colocadas no presente recurso pela seguinte forma:
a) Em primeiro lugar, o vício atinente à sentença, a sua nulidade;
b) De seguida, considerar-se-á a impugnação da matéria de facto. Aqui também se ponderará a validade das provas, mormente a prova por fotografias;
c) Passar-se-á, depois, para a qualificação jurídico-penal dos factos, e
d) A final, apreciar-se-á o condicionamento da suspensão da pena de prisão aplicada.

2.2
Consideremos, antes de mais, a invocada nulidade da sentença. Assume primazia em face da natureza adjectiva de tal vício. Diz o recorrente que tal nulidade resulta de excesso de pronúncia pois invoca, expressamente, o disposto no art. 379, nº1, al. c), in fine, do CPPenal.
Enxerta o recorrente esta nulidade no facto de ter sido fixada uma condição de suspensão da execução da pena de prisão de carácter pecuniário e em favor da menor ofendida, na circunstância concreta dos seus legais representantes não terem deduzido qualquer pedido de indemnização civil. Porque não foi formulado pedido de indemnização civil, não poderia o julgador fixar qualquer quantum indemnizatório à vítima.
Recorde-se que a suspensão da execução da pena de prisão pode ser simples ou com imposição de deveres - artigo 50.º, n.ºs 2 e 3, do CPenal.
Quanto a esta última modalidade, afirma o artigo 51.º, n.º 1, alínea a), do CPenal que
a suspensão da execução da pena de prisão pode ser subordinada ao cumprimento de deveres impostos ao condenado e destinados a reparar o mal do crime, nomeadamente, pagar dentro de certo prazo, no todo ou na parte que o tribunal considerar possível, a indemnização devida ao lesado, ou garantir o seu pagamento por meio de caução idónea”.

O dever enunciado tem, em primeira linha, uma finalidade reparadora – reparar o mal do crime, mas, por via dela, fortalece a finalidade da pena enquanto visa a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
Na verdade, limitando-se a suspensão da execução da pena de prisão ao pronunciamento da culpa e da pena, deve encontrar-se, por razões de justiça e equidade, outra maneira de fazer sentir à comunidade e ao condenado, os efeitos da condenação (Jescheck, Tratado de Derecho Penal, Parte Geral, Volume II, Bosch, Casa Editorial, S.A., p. 1160).
O dever de indemnizar assume uma função adjuvante na realização da finalidade da punição como refere Figueiredo Dias, in As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, p. 353].
Como muito bem se refere no acórdão do STJ de 13/10/1999, proc. 665/99, o pagamento da indemnização, na medida em que representa um esforço ou implica até um sacrifício para o arguido, no sentido de reparar as consequências danosas da sua conduta, funciona não só como reforço do conteúdo reeducativo e pedagógico da pena de substituição, mas também como elemento pacificador, neutralizando o efeito negativo do crime e apresentando-se, assim, como meio idóneo para dar satisfação suficiente às finalidades da punição, respondendo, nomeadamente, à necessidade de tutela dos bens jurídicos e estabilização contrafáctica das expectativas da comunidade.
A condição de suspensão da execução da pena de prisão, condição de carácter pecuniário fixada ao arguido – “entregar mensalmente à menor C 200 euros, através dos seus legais representantes, num total de 3600 euros” – não reveste natureza cível. Não se trata de atribuição oficiosa de indemnização civil de natureza penal, própria do direito penal anterior ao Código Penal de 1982, diploma que veio dispor, diversamente, que a indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil – art. 129.º, (cfr. neste sentido, Figueiredo Dias, Direito Penal Português As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas/Editorial Notícias, pp. 345 e ss).

Assim, a nossa jurisprudência vem fazendo a destrinça entre a indemnização civil na sequência de pedido com esse alcance e o montante arbitrado no âmbito do instituto da suspensão da execução da pena nos seguintes termos:
A quantia cujo pagamento a favor do lesado é imposto ao arguido como condição de suspensão da execução da pena não constitui uma verdadeira indemnização, mas apenas uma compensação destinada ao reforço do conteúdo reeducativo e pedagógico da pena de substituição e a dar finalidade suficiente às finalidades da punição, respondendo nomeadamente à necessidade de tutela dos bens jurídicos e estabilização contrafactiva das expectativas comunitárias. (Acórdão do STJ de 11.6.1997, Acs STJ V, 2, 226)
(1) - Quando a medida de suspensão da execução da pena é composta com o dever económico de reparar o mal do crime, não fica constituída e imposta um obrigação de indemnização civil em sentido estrito. (2) - Esse dever (ou obrigação em sentido lato) vale apenas no seio do referido instituto, sendo o sancionamento pelo não cumprimento apenas o que deriva das regras da própria suspensão da execução da pena. (3) - Contudo, ao lado da suspensão da execução da pena, sujeita ao referido dever económico, pode surgir uma obrigação de indemnizar em sentido técnico, com conexa condenação do sujeito passivo a cumpri-la, sob pena de se poder recorrer aos meios legais, sendo a esta indemnização que se reporta o art.º 129, do CPP. (4) - Mas, a indemnização referida na al. a), do n.º 1, do art.º 51, do CP, não pode ser imposta arbitrariamente. Formulado o pedido civil, e existindo condenação em indemnização, não pode o julgador, na composição do mencionado dever económico - condição da suspensão - ir além do montante indemnizatório fixado, embora, como decorre da lei, possa ser inferior. (5) - Assim, o dever de indemnizar, componente da suspensão da execução da pena de prisão, não se pode cumular com o dever de indemnizar constante da decisão sobre o pedido civil, quando se verifiquem as duas situações. No caso, o que então o julgador pode fazer é subordinar a suspensão da execução ao pagamento de toda ou parte da indemnização arbitrada na decisão civil. (Acórdão do STJ de 27.5.1998, proc. n.º 274/98)

Embora a indemnização de perdas e danos não constitua no actual CP um efeito penal da condenação, este dever de indemnizar assume no quadro desse instituto da suspensão uma função adjuvante da realização da finalidade da punição. Trata-se da imposição de um dever que visa a reparação do mal do crime pelo arguido e, mediante esta, a sua reinserção social. (Acórdão do STJ de 20.10.1999, proc. nº 317/99)
(2) - Porém, a "obrigação" de pagar essa indemnização, imposta nos termos do art. 51.º, n.º 1, al. a), do CP, embora não constitua um efeito penal da condenação, assume natureza penal, na medida em que se integra no instituto da suspensão da execução da pena, no quadro do qual o dever de indemnizar, destinado a reparar o mal do crime, assume uma função adjuvante da realização da finalidade da punição. (3) - De forma que o montante da indemnização a arbitrar como integrando o conteúdo desse dever imposto como condição da suspensão da execução da pena, embora deva, naturalmente, ser fixado tendo em atenção os critérios regulados pela lei civil, por forma a corresponder o mais possível ao que resulta da consideração desses critérios e a não os exceder, deve obedecer em tudo o mais, quer quanto à medida desse montante objecto específico de tal dever, quer quanto ao prazo e modalidade do pagamento, à sua referida função no quadro do mencionado instituto. (Acórdão do STJ de 11.10.2000, proc. nº 1110/99-3)

Portanto, ante o exposto, nenhuma censura pode ser feita à sentença quando condicionou a suspensão da execução da pena de prisão ao pagamento de quantia em favor da vítima. Inexiste excesso que fulmine a sentença com o vício da nulidade. Uma coisa é o pedido de indemnização civil, outra, diversa, o montante fixado e a pagar pelo arguido como condição da suspensão da execução da pena de prisão.

2.3
Consideremos, agora, a impugnação da matéria de facto efectuada pelo arguido. De forma expressa o arguido considera que o julgador errou na fixação da matéria de facto, que o mesmo decidiu “contra a prova realmente produzida” – conclusão 35.
Como acima se enunciou, o arguido impugna, claramente, o que na sentença se consignou sob os n.ºs 4 a 6, 8 a 11, 14 e 15 e 24 – vd. conclusão 20, ou seja, o seguinte: “4-Neste contexto, em número não concretamente apurado de vezes, mas ao longo de pelo menos uma semana, o arguido, aliciando a menor com o telemóvel, incitou-a a mostrar a vagina e a tocar-lhe no pénis. 5-Nessas ocasiões o arguido fotografava a vagina da menor e entregava-lhe o telemóvel para que a menor lhe fotografasse o pénis. 6-Tais actos eram praticados dissimuladamente na esplanada do restaurante, tendo numa dessas vezes o arguido pedido à C para subirem ao terraço onde se situa a churrasqueira, a fim de fotografar a vagina, o que veio a suceder. (…) 8.Aí, estando sentados lado a lado, o arguido abriu a perna do calção curto que vestia e mostrou o pénis à menor. 9.A C, por sua vez, a pedido do arguido, segurou-lhe o pénis. 10.Depois, inclinou-se para trás e desviou o vestido e cuecas para o lado para que o arguido visse e fotografasse a sua vagina. 11.Neste circunstancialismo, o arguido fotografou, por diversas vezes, a vagina da menor e entregou o telemóvel à menor para que esta lhe fotografasse o pénis. (…)14.Nesse dia, o arguido, como habitualmente, entrou no restaurante e voltou a sair na companhia da menor. Sentaram-se na esplanada e voltaram a fotografar-se, tendo uma vez mais o arguido puxado para o lado o calção e colocado o pénis de fora, ao mesmo tempo que o escondia com a mão ou com a perna traçada. 15.A menor tocava e fotografava o pénis do arguido e afastava as cuecas e a saia, mostrando a vagina ao arguido para que este a fotografasse. 24.O arguido, construtor civil/empreiteiro, declarou que se encontra desempregado há cerca de um ano e não aufere já qualquer rendimento”.

No entender do arguido, tal matéria de facto não deveria ter a qualidade de matéria provada.
E a razão para essa conclusão encontra-a o dissidente nas seguintes circunstâncias: o depoimento da menor, da vítima, foi prestado sob sugestão do julgador, portanto sem espontaneidade; as testemunhas não referem, “com segurança necessária”, que tenha o arguido praticado os factos dados como provados porque nada viram, nada podiam ver.
Deve desde já dizer-se e tomando em linha de conta a primeira crítica avançada e relativa à forma como a instância da menor foi efectuada, que tal procedimento é de todo anómalo. A forma como decorre o julgamento é objecto de apreciação no momento da sua realização. Cabe aos intervenientes no julgamento fiscalizar a acção do julgador a quem incumbe os poderes de disciplina e direcção dos trabalhos, conforme dispõem os art.ºs 322 e 323 ambos do CPPenal. No recurso da sentença, o que em causa não é a forma como a ela se chegou, o iter processual, mas ela própria. Saber se o interrogatório dum arguido deveria ter sido feito desta ou daquela forma, saber se a inquirição duma testemunha deveria ter-se processado desta ou daquele maneira, são assuntos da própria audiência não da sentença cujo conhecimento está confinado ao momento da sua realização, implicando a anunciação do vício logo que verificado. É que a forma como deve decorrer um interrogatório ou uma inquirição está, efectivamente, prevista na lei – vd. art.ºs 140, 141 e 145 do CPPenal – mas o incumprimento do que nela se prevê constitui mera irregularidade nos termos consignados no art. 118, nº2 do CPPenal, a suscitar “no próprio acto” conforme prescreve o art. 123, nº1 do mesmo CPPenal.
Portanto, irreleva a mencionada circunstância no contexto do presente recurso.

Avança o recorrente para alicerçar a sua pretensão que as testemunhas inquiridas em audiência “nada viram”. Ou seja, o arguido questiona, claramente, a razão de ciência daquelas.
Como é consabido, e se pode retirar, com grande clareza do acórdão do STJ de 21/03/2003, proc. 024324, relator Conselheiro Afonso Correia,
“A admissibilidade da respectiva alteração por parte do Tribunal da Relação, mesmo quando exista prova gravada, funcionará assim, apenas, nos casos para os quais não exista qualquer sustentabilidade face à compatibilidade da resposta com a respectiva fundamentação. Assim, por exemplo:
a) apoiar-se a prova em depoimentos de testemunhas, quando a prova só pudesse ocorrer através de outro sistema de prova vinculada;
b) apoiar-se exclusivamente em depoimento(s) de testemunha(s) que não depôs(useram) à matéria em causa ou que teve(tiveram) expressão de sinal contrário daquele que foi considerado como provado;
c) apoiar-se a prova exclusivamente em depoimentos que não sejam minimamente consistentes, ou em elementos ou documentos referidos na fundamentação, que nada tenham a ver com o conteúdo das respostas dadas”.

Mister apurar, então, da aludida sustentabilidade da matéria de facto dada como provada na prova produzida em audiência e constante do processo.
A sustentabilidade da factualidade dada como provada, e exigida, apoia-se, soberanamente, no depoimento prestado pela vítima, a menor C, ao tempo dos factos com 7 anos de idade. Afastada a crítica lançada pelo arguido sobre a forma como tal depoimento foi prestado, nos termos já exarados, permanece com plena eficácia e validade formal e substancial o depoimento oferecido em juízo pela pessoa que directamente o viveu. Aliás, o arguido no seu recurso, de forma alguma, questiona a validade do dito depoimento. Sem sucesso visou afectar a credibilidade do mesmo. E convém não esquecer o que impressivamente se exarou no laudo pericial de psicologia forense e que consta de fls. 194 e seguintes. Diz-se nele aludindo à menor: “Os dados da avaliação psicológica indicam ainda que a examinada apresenta um nível elevado de resistência à sugestionabilidade. Os dados recolhidos na avaliação psicológica apontam, pois, para a existência de um conjunto de capacidades cognitivas e emocionais que lhe permitem testemunhar sobre uma situação vivenciada”. Para concluir “Por todas as informações supra referidas, é de admitir que o menor reúne competências para relatar de forma credível situações por ela vivenciadas”.

Por outro lado, a testemunha R presenciou os factos. Foi peremptória na afirmação daquilo que viu. Tal atitude é revelada por aquilo que, como fotógrafo contratado para a situação, registou digitalmente e fez chegar aos autos, havendo, por isso e necessariamente, uma coincidência entre o que foi por si declarado e o que foi fotografado.

Por isso, ao invés do asseverado pelo recorrente, a factualidade dada como provada e concernente à conduta do arguido visando a vítima, colhe absoluta sustentabilidade. A razão de ciência das testemunhas está objectivada. Isso mesmo se fez constar da sentença recorrida.

Para além do exposto, há ainda o depoimento dos familiares da vítima que relataram o que esta lhes contou e que se passou com a pessoa do arguido recorrente. A prova resultante desta circunstância é também prova relevante e válida, tendo em vista o disposto no art. 129 do CPPenal. Também eles dão sustentabilidade à factualidade dada como provada e relativa ao agir do arguido.

Assim, nada justifica a censura que o arguido lança à decisão, neste particular. Os factos dados como provados assentam em prova efectivamente produzida em audiência. A convicção firmada pelo julgador não foi concretizada ao invés da prova, como afirma o recorrente, mas sim, nela e por ela.

Sempre se dirá, ainda, e contrariamente ao escrito pelo arguido no seu recurso, não há erro de julgamento quando se deu como assente que o arguido era “construtor civil/empreiteiro” – vd. fls. 290. O recorrente apela aos depoimentos prestados por testemunhas por si indicadas. Todavia, não importa socorrermo-nos delas para se poder alicerçar a factualidade citada. Basta atentar no que consta do processo, de forma objectiva e até subscrito pelo próprio punho do arguido. Este no TIR que assinou deu como sua profissão “empreiteiro” – vd. fls. 106 e no seu interrogatório judicial de arguido detido afirmou-se como “construtor civil” – vd. fls. 115. Mas mais elucidativo é o que consta de fls. 121 dos autos, um requerimento onde afirma: “Sucede que, sendo o arguido empreiteiro, são-lhe imprescindíveis os contactos telefónicos contidos no sobredito cartão de memória, referentes a clientes e fornecedores, para o normal desempenho da sua actividade profissional”. Mais clareza do que esta não é possível evidenciar.

E quanto ao facto dado como provado que o arguido “declarou que se encontra desempregado…”, é realidade que o próprio arguido, afinal, aceita. A declaração foi feita por si. O que não significa, contudo, que se tenha dado como provado que estivesse nessa situação. O declarado é uma coisa, a consistência do declarado é outra. E, no caso, apenas foi dado como assente o declarado. Aliás, nem na sua contestação o arguido tal afirmou – vd. fls. 255.

Portanto, neste particular a razão não está com o recorrente.

Em conclusão e quanto à matéria de facto impugnada, a mesma deve manter-se imodificada, nada justificando a sua alteração.

2.4
E assim é, também, porque as provas usadas na formação da convicção do julgador se mostram absolutamente legais.
Questiona o arguido a legalidade da prova consistente nas fotografias que constam do processo e que foram tiradas pela testemunha R. Tais fotografias foram juntas aos autos e constituíram um dos meios de prova usados para a convicção do julgador – “Quanto à responsabilidade criminal do arguido a convicção do tribunal fundou-se, para além dos documentos juntos aos autos e relatório de perícia psicológico-forense…” (fls. 290 e 291). Elas integram, efectivamente, o processo. E na factualidade provada assentou-se que aquela testemunha, no dia 01/09/2006, à hora do almoço, “tirou as fotografias juntas aos autos”, adiantando, que elas captaram as imagens não só do arguido como também da menor, estando ambos na companhia um do outro, sentados na esplanada do café. É o que as fotografias revelam.

Diz o arguido que este procedimento – captação da sua imagem através de fotografia, é ilegal, pois que as fotografias foram obtidas “em clara violação do direito de imagem do arguido”, portanto sem a sua autorização e sem autorização de um juiz. Conclui que este meio de prova é nulo, não podendo ser utilizado pois que foi obtido mediante “abusiva intromissão da vida privada”.

Dispõe o art. 167 do CPPenal, seu n.º 1, que as reproduções fotográficas e de um modo geral quaisquer reproduções mecânicas “só valem como prova dos factos ou coisas reproduzidas se não foram ilícitas, nos termos da lei penal”.

Nos termos da lei penal – art. 199, nº2 do CPenal – é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 240 dias, no que aqui interessa, quem fotografar, utilizar ou permitir que façam uso de fotografias duma pessoa “contra vontade” sua.

Por sua vez, prevê o art. 126, nº3 do CPPenal que, ressalvados os casos previstos na lei, são nulas, “não podendo ser utilizadas”, provas obtidas “mediante intromissão na vida privada”.
O que venha a ser “vida privada” é questão algo controversa tendo em vista o seu âmbito e referência subjectiva. Porém, há já sobre o conceito uma suficiente densificação na doutrina.
Como já se escreveu, poderá reter-se a noção de "vida privada" enquanto significando "aquele conjunto de actividades, situações, atitudes ou comportamentos individuais que, não tendo relação com a vida pública (privada entendido como separado da coisa pública), respeitam estritamente à vida pessoal e familiar da pessoa" (Garcia Marques, "Informática e Vida Privada", Lisboa, 1988, Separata do "Boletim do Ministério da Justiça", nº 373).

Recuperando o saber contido no Parecer da Procuradoria Geral de República n.º 95/2003 de 06/11/2003, relator Pinto Hespanhol,
“2. O direito à reserva da intimidade da vida privada, como direito fundamental inerente à própria dignidade do homem, é proclamado nos diversos instrumentos internacionais de protecção dos direitos do Homem.
A Constituição, no n.º 1 do artigo 26.º, com a epígrafe «Outros direitos pessoais», consagra o direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar como direito fundamental pessoal, reconhecendo a todos «os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação».
Para GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA «o direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar analisa-se principalmente em dois direitos menores: (a) o direito a impedir o acesso de estranhos a informações sobre a vida privada e familiar e (b) o direito a que ninguém divulgue as informações que tenha sobre a vida privada e familiar de outrem».
Tem-se entendido que «a reserva da vida privada que a lei protege compreende os actos que devem ser subtraídos à curiosidade pública, por naturais razões de resguardo e melindre, como os sentimentos, os afectos, os costumes da vida e as vulgares práticas quotidianas, as dificuldades próprias da difícil situação económica e as renúncias que implica e até por vezes o modo particular de ser, o gosto pessoal de simplicidade que contraste com certa posição económica ou social; os sentimentos, acções e abstenções que fazem parte de um certo modo de ser e estar e que são condição da realização e do desenvolvimento da personalidade. Tratar-se-á, numa delimitação possível ou de simples referência de critérios, dos sectores ou acontecimentos da vida de cada indivíduo relativamente aos quais é legítimo supor que a pessoa manifeste uma exigência de discrição como expressão de um direito ao resguardo».
No entanto, a delimitação do conceito de vida privada não é fácil, sendo a extensão da reserva variável em função de circunstâncias concretas e da maior ou menor notoriedade das pessoas envolvidas.
Assim o exprime, aliás, o artigo 80.º do Código Civil, que, depois de afirmar que «todos devem guardar reserva quanto à intimidade da vida privada de outrem» (n.º 1), apresenta dois critérios de que poderá socorrer-se o intérprete na delimitação do âmbito de tutela do direito à intimidade da vida privada, reconhecendo que «a extensão da reserva é definida conforme a natureza do caso e a condição das pessoas» (n.º 2).
De facto, a notoriedade de certas pessoas (a condição das pessoas) reduz o objecto do direito de reserva à intimidade da vida privada. A relevância social de certas pessoas, pelas funções que desempenhem, pela profissão que exercem, pela celebridade que alcançaram ou pela proeminência social que atingiram, pode justificar que factos ou circunstâncias da vida privada e peculiaridades que esta apresente sejam transmitidos ao conhecimento do público por exigências de interesse público. Em tais casos, a colectividade tem interesse, que deve ser considerado legítimo, em conhecer factos da vida de personagens que, consciente ou inconscientemente, ou mesmo por força da natureza das relações sociais, se expõem à publicidade.
Nestes casos, e muito embora a reserva da intimidade conserve sempre um círculo inultrapassável, «a vida privada tenderá a abranger menos aspectos e a ser mais limitada do que a das pessoas que cultivam o que LYON-CAEN chamou de jardim secreto, ou seja, que vêem no anonimato e na conservação de uma esfera de isolamento, condições indispensáveis à sua felicidade».
A notoriedade das pessoas, relevante para determinar, nos limites da lei, o conteúdo do direito à reserva, pode resultar não apenas do cargo, das funções, da profissão ou do relevo social e público que alcançaram, mas também de circunstâncias ocasionais, «como acontece, por exemplo, com as vítimas de um grande acidente ou os protagonistas e testemunhas de facto inusitado».
Por outro lado, a extensão da reserva é igualmente condicionada pela natureza do caso.
Trata-se não já de atender a elementos subjectivos, mas a caracteres objectivos; de traços específicos que caracterizam e envolvem uma determinada situação concreta independentemente da pessoa considerada. Serão os casos, em princípio, de actos ocorridos em público, acessíveis, por isso, ao conhecimento e à apreensão de quem os tenha observado, ou o carácter histórico de determinado evento. O critério objectivo inerente à natureza do caso significará que não será admissível que interesse à reserva tudo quanto é exterior ao sujeito, no sentido de que não pode ser individualizado o que, por definição, é público.
Mas isto apenas como critério geral. É que não será possível admitir que elementos da vida privada de uma pessoa se tornem em actividades públicas pelo simples facto de a pessoa se encontrar em lugar público ou acessível ao público.
Por isso, afigura-se útil aplicar na densificação do conceito de vida privada a chamada «teoria dos três graus ou das três esferas», de criação jurisprudencial alemã. Segundo essa construção, podem diferenciar-se: a esfera da vida íntima ou da intimidade, correspondente a um domínio inviolável e intangível da vida privada, subtraído ao conhecimento de outrem; a esfera da vida privada propriamente dita, que abrange factos que cada um partilha com um núcleo limitado de pessoas; e a esfera da vida pública ou da vida normal de relação, envolvendo factos susceptíveis de serem conhecidos por todos, que respeita à participação de cada um na vida da colectividade.
O direito à reserva sobre a intimidade da vida privada tutela a primeira esfera, «mas já não abrangerá a actividade profissional que, tendo relações estreitíssimas com a pessoa, constitui, simultaneamente, uma das mais importantes manifestações da sua actividade social e cívica».
A tutela penal do direito à intimidade foi estabelecida no nosso ordenamento jurídico pela Lei n.º 3/73, de 5 de Abril, que, nesta parte, viria a inspirar o Código Penal de 1982.
Actualmente, a violação da reserva da vida privada constitui infracção penal, nos termos do artigo 192.º do Código Penal, que prevê: (…)”.

Este mesmo parecer, avança, ainda, na concreta abordagem ao direito à imagem.
Diz, bem esclarecendo:
“3. Na ordem jurídica portuguesa, o direito à imagem constitui um direito autónomo (distinto da privacidade), encontrando-se protegido constitucionalmente, a par de outros direitos de personalidade, no citado n.º 1 do artigo 26.º da Constituição.
De acordo com GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, o direito à imagem abrange, não só o direito de cada um de não ser fotografado nem ver o seu retrato exposto em público sem seu consentimento, mas também o direito de não o ver apresentado em forma gráfica ou montagem ofensiva e malevolamente distorcida ou infiel.
«O direito à imagem é o mais exterior e público dos direitos da pessoa (física) e, destarte, é o que é mais susceptível de ser ofendido».
Com efeito, fora da esfera íntima da sua vida privada, a pessoa física encontra-se permanentemente exposta ao exame do público.
Na lição de ADRIANO DE CUPIS, «a necessidade de proteger a pessoa contra a arbitrária difusão da sua imagem, deriva de uma exigência individualista, segundo a qual a pessoa deve ser árbitro de consentir ou não na reprodução das suas próprias feições: o sentido cioso da própria individualidade cria uma exigência de circunspecção, de reserva. A referida necessidade tornou-se mais forte com os progressos técnicos, que permitiram o emprego do processo fotográfico, o qual facilita muito a reprodução (-). A exigência social dirigida ao conhecimento e à crítica dos indivíduos e dos factos privados actua, em sentido oposto (-)».
Ora, por força do disposto no n.º 1 do artigo 79.º do Código Civil, o retrato de uma pessoa não pode ser exposto ou publicado sem o seu consentimento.
O citado artigo 79.º estabelece:
“Artigo 79.º (Direito à imagem)
1 – O retrato de uma pessoa não pode ser exposto, reproduzido ou lançado no comércio sem consentimento dela; depois da morte da pessoa retratada, a autorização compete às pessoas designadas no n.º 2 do artigo 71.º, segundo a ordem nele indicada.
2 – Não é necessário o consentimento da pessoa retratada quando assim o justifique a sua notoriedade, o cargo que desempenhe, exigências de polícia ou de justiça, finalidades científicas, didácticas ou culturais, ou quando a reprodução da imagem vier enquadrada na de lugares públicos, ou na de factos de interesse público ou que hajam decorrido publicamente.
3– O retrato não pode, porém, ser reproduzido, exposto ou lançado no comércio, se do facto resultar prejuízo para a honra, reputação ou simples decoro da pessoa retratada.»
Portanto, atenta a letra da lei, o ordenamento juscivilista apenas considera ilegítima a exposição, reprodução ou comercialização do retrato, mas não a simples fixação da imagem num retrato.
«No que respeita a pessoas revestidas de notoriedade, a lei entendeu satisfazer o interesse do público em conhecer a sua imagem. Trata-se de casos determinados, nos quais a exigência social, dirigida ao conhecimento da imagem da pessoa, é particularmente sensível, devendo, em tais casos, o direito à imagem ceder em face dela. De qualquer modo, mesmo as pessoas revestidas de notoriedade conservam o direito à imagem relativamente à esfera íntima da sua vida privada, em face da qual as exigências de curiosidade pública têm que deter-se”.
O cargo público exercido é incluído pela lei entre os casos de limitação legal do direito à imagem, já que o interesse público em conhecer a imagem dos respectivos titulares sobreleva, nessas hipóteses, o interesse privado.
Efectivamente, «[o] interesse da sociedade estende-se sobre todos os que desempenham uma função pública de notável importância e que são rodeados, a tal título, de notoriedade. As necessidades da justiça ou de polícia, os fins científicos, didácticos ou culturais, constituem outras tantas hipóteses especificamente determinadas, nas quais o sentido da individualidade deve ceder em face de exigências opostas de carácter geral. O mesmo sentido da individualidade deve, do mesmo modo, ceder quando a reprodução esteja ligada a factos, acontecimentos ou cerimónias de interesse público ou realizadas em público.»
A protecção de forma autónoma e individualizada do direito à imagem está penalmente tutelada no Capítulo VIII (Dos crimes contra outros bens jurídicos) do Título I (Dos crimes contra as pessoas) do Livro II (Parte especial) do Código Penal.

Dispõe, a este respeito, o artigo 199.º do Código Penal:
“Artigo 199.º (Gravações e fotografias ilícitas)
1 – Quem, sem consentimento:
a) Gravar palavras proferidas por outra pessoa e não destinadas ao público, mesmo que lhe sejam dirigidas; ou
b) Utilizar ou permitir que se utilizem as gravações referidas na alínea anterior, mesmo que licitamente produzidas
é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 240 dias.
2 – Na mesma pena incorre quem, contra vontade:
a) Fotografar ou filmar outra pessoa, mesmo em eventos em que tenha legitimamente participado; ou
b) Utilizar ou permitir que se utilizem fotografias ou filmes referidos na alínea anterior, mesmo que licitamente obtidos.
3 – É correspondentemente aplicável o disposto nos artigos 197.º e 198.º»

O texto do artigo transcrito resulta da revisão do Código Penal operada pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março.
Os trabalhos preparatórios e a discussão parlamentar que antecedeu a concessão ao Governo de autorização legislativa para rever o Código Penal fornecem contributos para o tratamento do tema que nos ocupa.
O Deputado Costa Andrade (PSD), intervindo na reunião da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias com representantes do Sindicato de Jornalistas, que teve lugar em 25 de Maio de 1994 e em 14 de Junho seguinte, afirmou:
«(...) não podemos esquecer aqui o Código Civil, que alarga as justificações, designadamente em relação às fotografias e filmes, porque diz que não são ilícitas as fotografias feitas de pessoas notáveis, para fins didácticos e científicos, em lugares e eventos públicos. Ora, é óbvio que todas essas justificações do Código Civil, valem, por força do princípio da subsidiariedade do direito penal e, portanto, não pode ser penalmente ilícito aquilo que é lícito segundo outro ramo do direito.
Assim, digamos relativamente ao crime de fotografias ilícitas, se conjugarmos o artigo do Código Penal com o do Código Civil, a incriminação estreita, quase tendencialmente, até à fotografia íntima. Se projectarmos bem o regime do Código Civil sobre o universo de casos em abstracto típicos segundo a incriminação do Código Penal, aquele deixa uma margem extremamente escassa de fotografia ilícita, porque exclui a incriminação quando se fotografa com fins científicos, didácticos, em lugares e manifestações pública, etc.
Penso, portanto, que um jornalista pode fotografar tudo o que diz respeito ao público, mas já tenho dúvidas que outras instâncias, que não os jornalistas, o possam fazer ou, pelo menos, que o possam fazer individualizando pessoas.”.
E mais adiante prosseguiu:
«...quanto às fotografias ilícitas, as alterações ao Código Penal, na medida em que existem – e são poucas – resultam em estreitar o âmbito punível. Quer dizer, a fotografia resultará menos punível com estas alterações do que com o direito vigente. Porque se faz depender a licitude ou ilicitude da fotografia de ser contra a vontade da pessoa enquanto que, actualmente, é “sem consentimento de quem de direito”. Uma coisa é fazer algo sem consentimento, outra, é ir contra a vontade, o que significa que a pessoa em causa se pronunciou.
Para além disso – que vale, obviamente, em Direito Penal – não podemos esquecer a justificação das fotografias ilícitas inserida no Código Civil. O Código Civil tem um artigo sobre fotografias que diz mais ou menos que são lícitas as fotografias em lugares públicos, para fins científicos, etc. Em termos tais que, se combinarmos, como temos sempre de fazer (para um jornalista, isto pode não ser claro mas, para um jornalista jurista, é obviamente claro), o Código Penal com o Código Civil – uma vez que, por força do artigo 31.º do Código Penal, todas as causas de justificação existentes em qualquer ramo da ordem jurídica valem em Direito Penal (o Direito Penal não pode declarar ilícito aquilo que qualquer ramo do Direito declara lícito) – para as fotografias penalmente ilícitas, como tal, sobra relativamente pouco.
No fundo, resultará criminalizável a fotografia que já o seria em nome da intimidade e não da imagem.»
(…)
Conforme salienta COSTA ANDRADE, «[n]a determinação da área de tutela típica do direito à imagem deve ainda ter-se presente o disposto no n.º 2 do artigo 79.º do Código Civil. Que, pelo menos em algumas constelações previstas, se projecta em sede de tipicidade e não apenas de ilicitude/justificação. Deve ser assim em relação a dois grupos de casos: a) Em primeiro lugar (...), quando a “imagem vier enquadrada na de lugares públicos ou na de factos de interesse público ou hajam decorrido publicamente”. Isto na medida em que a imagem da pessoa resulte inequivocamente integrada na “imagem” daqueles espaços ou eventos e neles se dissolva (...); b) Em segundo lugar, quando seja relevante a “notoriedade ou o cargo desempenhado”. Num caso e noutro a exclusão da responsabilidade criminal actualiza-se logo em sede de tipicidade (-)». (…).
Nesta perspectiva, «a interpretação da incriminação das fotografias ilícitas constante do Código Penal terá sempre de actualizar-se em integração sistemática com a ordem jurídica no seu conjunto. É o que impõe o postulado da unidade do sistema jurídico (artigo 31.º do Código Penal): que afasta sem mais o estigma da ilicitude penal em relação a condutas autorizadas ou legitimadas por força de qualquer outro ramo do ordenamento jurídico».
Tomando em conta o que se acabou de citar, dúvidas não ficam que a recolha fotográfica efectuada e já citada se processou estando o arguido num local público. Estava em local público franqueado ao uso de quem quer que fosse. O arguido não estava isolado, estava na companhia de outrem em relação à qual não se coloca minimamente a questão do direito à intimidade nomeadamente na sua vertente do direito à imagem pois que a menor é neta de quem ordenou a recolha fotográfica da mesma. E o que se pretendia era, justamente, recolher a imagem da menor, a conduta da mesma, registar a sua conduta.

Estando o arguido em local público, não há lugar, nos termos acima expostos, no parecer evidenciado, à tutela da vida privada. A denominada “natureza do caso” isso determina. A recolha fotográfica não constituiu uma conduta ilícita. Estando o arguido em local público na companhia doutras pessoas, estava ele na acima referida “esfera da vida pública” onde não pode ser invocada a reserva da vida privada, nem, in casu, o direito à imagem.

Assim sendo, as provas constituídas pelas fotografias captadas à menor na companhia do arguido são provas válidas. E utilizáveis.
Portanto, sob este ângulo, também sob ângulo, nada justifica a modificação da matéria de facto dada como assente.

2. 5.
Questiona o arguido a qualificação jurídico-penal dos factos. Entende que em causa está um crime de actos exibicionistas p. e p. pelo art. 171 do CPenal, redacção do DL 48/95 de 15/03. Em face da alteração introduzida pela Lei 59/2007 de 04/09, tal crime corresponde agora ao previsto no art. 170 do CPenal – Importunação sexual.
Com o devido respeito, não cremos que assista razão ao recorrente.

Para darmos adequada resposta ao problema apresentado pelo arguido importa socorrermo-nos do douto acórdão da Relação de Coimbra, de 22/04/2009, proc. 23/04.0 TAVNO-C2, sendo relatora Isabel Valongo que, com esmero e clareza, trata da sucessão de leis no tempo que no caso se verifica e analisa, ponderando, os elementos típicos em confronto. Diz ele:
“O Artigo 172º do C.P. sob a epígrafe “ Abuso sexual de crianças “ aplicável à data da prática dos factos, estabelecia:
“1. Quem praticar acto sexual de relevo com ou em menor de 14 anos, ou o levar a praticá-lo consigo ou com outra pessoa, é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos.
As diversas situações típicas previstas no referido artigo 172º, do Código Penal, tutelam o mesmo bem jurídico, qual seja a autodeterminação sexual de menor de 14 anos de idade - protecção da sexualidade e do livre desenvolvimento da personalidade (Cf. Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense ao Código Penal, I, 541/542 e Mouraz Lopes, Os Crimes Contra a Liberdade e a Autodeterminação Sexual no Código Penal, 81/82).
Actualmente, após a alteração operada pelo n.º 2 do artigo 3.º da Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, (com entrada em vigor a 15-09), o artigo 171º, do C.P., sob idêntica epígrafe “Abuso sexual de crianças”, dispõe:
1 - Quem praticar acto sexual de relevo com ou em menor de 14 anos, ou o levar a praticá-lo com outra pessoa, é punido com pena de prisão de um a oito anos.
2 - Se o acto sexual de relevo consistir em cópula, coito anal, coito oral ou introdução vaginal ou anal de partes do corpo ou objectos, o agente é punido com pena de prisão de três a dez anos.
3 - Quem:
a) Importunar menor de 14 anos, praticando acto previsto no artigo 170.º; ou
b) Actuar sobre menor de 14 anos, por meio de conversa, escrito, espectáculo ou objecto pornográficos;
é punido com pena de prisão até três anos.
O acto mencionado na al a) daquele nº 3 e previsto no artigo 170º do CP, produzido por uma conduta geradora de importunação sexual, pode consistir num acto exibicionista ou num acto de constrangimento/constrição a contacto de natureza sexual.
Com efeito, o art. 170º estabelece que “Quem importunar outra pessoa praticando perante ela actos de carácter exibicionista ou constrangendo-a a contacto de natureza sexual é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal - (Artigo 170.º alterado pelo artigo 1.º da Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, Vigésima terceira alteração ao Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de Setembro (DR 4 Setembro), vigência a 15 Setembro 2007.
Importa esclarecer qual o âmbito do elemento objectivo do tipo de ilícito em causa – a conduta – no segmento reportado ao contacto de natureza sexual. Constranger outrem a suportar um contacto sexual é obviamente a conduta de um agente que envolve a vítima numa situação de natureza sexual sem a sua anuência.
José Mouraz Lopes, sublinha que “...é de pressupor que só um acto sexual, que possa ser objectivamente entendido como tal, pode estar em causa” – Os crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual no Código Penal 4ª edição, pág 108. E apelando à discussão na doutrina e na jurisprudência sobre o que não era considerado “acto sexual de relevo” conclui que os actos que desta figura exorbitem, integrarão o domínio do contacto de natureza sexual para efeitos deste tipo de crime.
E explicita afirmando “É o caso do “apalpão” ou o “roçar” ou pressionar partes do corpo contra partes do corpo da vítima, por exemplo nos transportes públicos ou em espaços fechados, que podem consubstanciar uma situação de “froteurismo ( de frotter). “
Ilustra bem o critério da relevância ético-social do bem jurídico e da modalidade da conduta que o pode lesar, por pressupor uma valoração social negativa, o caso de “Maria” ... bonita e loira, vestia uma mini de cabedal preto e um blusão de pêlo branco e caminhava só na rua, ao pé do Cais do Sodré, a caminho de casa. Quando estava a 300 metros do destino, um grupo de três rapazes de vinte anos apareceu-lhe à frente. O primeiro mandou-lhe a mão ao rabo, o segundo imitou-o. O terceiro encostou-a à parede e passou-lhe revista. A Maria gritou, empurrou, debateu-se, deu pontapés, mas não conseguiu rechaçá-lo. Quando os rapazes a largaram, ficou parada a insultá-los, aos gritos, até ficar rouca, mas eles riram e não voltaram para trás.” – in http://redejovensigualdade.org.pt/blog.

Mais grave e por isso de relevo, o «Acto sexual de relevo é aquele que, não sendo de cópula ou de coito anal, esteja relacionado com o sexo, perturbe seriamente a autodeterminação sexual de uma criança e, objectivamente, ocasione, pelo menos, tanto ou mais perturbação que o «acto exibicionista» (perante menor de 14 anos) ou mesmo a mera «conversa obscena», «escrito, espectáculo de objecto pornográfico», referidos no nº 3 do art. 172º do CP/revisto» [Ac. R.L. de 26/5/97, in CJ-XXII-Tomo III-148].
O "acto sexual" a que alude a previsão típica do art. 172º do Código Penal é o que tem, de um ponto de vista predominantemente objectivo, natureza e conteúdo directamente relacionados com a sexualidade e assume o significado "de relevo" quando constitua ofensa séria e grave à intimidade e liberdade do sujeito no domínio da sexualidade.
Não é, pois, qualquer acto de natureza, conteúdo ou significado sexual que se integra naquele conceito e serve ao espírito da previsão normativa, "mas apenas aqueles actos que constituam uma ofensa séria e grave à intimidade e liberdade sexual do sujeito passivo e invadam, de uma maneira objectivamente significativa, aquilo que constitui a reserva pessoal, o património íntimo, que no domínio da sexualidade, é apanágio de todo o ser humano" – Ac STJ de 12/07/2005.

Delimitando o conceito pela negativa e citando o Prof. FIGUEIREDO DIAS (em Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, Coimbra Editora, 1999, p. 448/449) acentua que é de excluir do conceito de "acto sexual de relevo" não apenas os actos «insignificantes ou bagatelares», mas também aqueles que não representem «entrave com importância para a liberdade de determinação sexual da vítima», como por exemplo, os «actos que, embora "pesados" ou em si "significantes", por impróprios, desonestos, de mau gosto ou despudorados, todavia, pela sua pequena quantidade, ocasionalidade ou instantaneidade, não entravem de forma importante a livre determinação sexual da vítima».

Aproveitando o saber exposto e atentando ao facto de se ter dado como provado, entre outros factos, que a menor, de 7 anos, nos dias 30 e 31 de Agosto de 2006 “a pedido do arguido segurou-lhe o pénis” e que no dia 01/09/2006 “tocava e fotografava o pénis do arguido e afastava as cuecas e saia, mostrando a vagina ao arguido para que este a fotografasse”, resulta que em causa se patenteia um acto sexual de relevo. Há mais do que um constrangimento, há por banda do arguido uma vontade, reiterada, de usar uma criança como seu objecto de prazer sexual, seguramente alheio a qualquer forma insignificante ou bagatelar, não se patenteando uma situação idêntica ou similar a um esporádico e fugidio “apalpão”.

Daí, pois, que nada há a censurar à qualificação jurídico-penal firmada.

2.6
Importa, por último atentar nas condições da suspensão da pena de prisão que a sentença estabeleceu. Será que, como refere o arguido, aquelas são violentas, no sentido de excessivas, desproporcionadas?
Sobre a condição de pagamento à menor de quantia pecuniária já tivemos a oportunidade de nos debruçarmos sobre ela. Aqui o reafirmamos.
Questão agora a ponderar é a da proporcionalidade. Note-se que o pagamento em causa reveste finalidade pedagógica e visa reparar o mal do crime, sendo certo que e conforme estabelece o artigo 51.º, n.º 2, do CPenal, “os deveres impostos não podem em caso algum representar para o condenado obrigações cujo cumprimento não seja razoavelmente de lhe exigir”.
Cremos que sob esta perspectiva, o montante fixado – 200 euros mensais, peca por excesso. Não se descortina razão para este valor que ronda a metade do valor do salário mínimo nacional. Aceita-se como sendo equilibrado à função reclamada pelo estabelecimento deste dever a quantia de 50 euros/mês. Respeita este valor o princípio da proporcionalidade, ou da proibição do excesso. Considera as necessidades da pena na sua vertente reparadora e as efectivas possibilidades económicas do arguido. Ou seja, mostra adequação, justifica a exigência e observa a justa medida.
Aqui, neste ponto, o arguido está com razão na crítica que aponta à sentença.

Pela mesma razão, cremos que a exigência de comparência semanal no posto policial se mostra excessiva. Cremos que aquela exigência se satisfaz com uma apresentação mensal no posto policial. Compatibiliza, eficazmente, a prevenção da prática de outros crimes com o exercício de qualquer profissão, mesmo em Espanha, como obtempera o recorrente.

*
Depois disto tão bem dito, só resta remeter o recorrente para a sua leitura atenta.
E no que à função deste Tribunal diz respeito, não vemos qualquer razão para se discordar das propostas feitas neste Parecer, pelo que serão as mesmas inteiramente acolhidas e só nessa medida se dando parcial provimento ao recurso.

ACÓRDÃO
Nestes termos, acorda-se em se julgar o recurso parcialmente procedente, passando o quantum mensal a pagar pelo arguido como dever reparador da vítima para 50 euros/mês e ampliando-se o período de apresentação do arguido no posto policial para mensal.
Custas da parte improcedente pelo recorrente, com mínimo de taxa de justiça.
*
Guimarães, 21 de Setembro de 2009