Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
577/13.0TJVNF-A.G1
Relator: ALEXANDRA ROLIM MENDES
Descritores: CONTRATO DE LOCAÇÃO FINANCEIRA IMOBILIÁRIA
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
ALTERAÇÃO DO CONTRATO
ALTERAÇÃO DAS CIRCUNSTÂNCIAS
REDUÇÃO DA CLÁUSULA PENAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/08/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2º SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1 – Os fatores relevantes para efeitos de resolução ou alteração do contrato com base em alteração das circunstâncias, têm de afetar de forma anómala e imprevista o circunstancialismo em que as partes assentaram a decisão de contratar de forma a tornar intolerável a manutenção do contrato tal como foi inicialmente querido entre os contraentes.
2 - Embora a crise económica possa constituir uma situação excecional no sentido de ser qualificada como alteração das circunstâncias, para relevar para efeitos de alteração do contrato é necessário que essa crise fosse de todo imprevisível para as partes contratantes.
3 – Fundando os Executados/Embargantes a sua decisão de contratar com conhecimento do quadro de recessão em que se encontrava a economia mundial e que afetava o nosso país e que tinha tendência para piorar e que afetou gravemente o setor da construção civil, não constitui tal situação circunstância imprevista/anómala, não podendo os Executados dizer que foram surpreendidos por ela de forma a justificar que o negócio deixe de produzir os seus efeitos típicos.
4 - O juízo valorativo sobre a desproporção da cláusula penal tem de ser efetuado em abstrato e em concreto.
5 - A indemnização pré-fixada, em cláusula inserta em contrato de locação financeira imobiliária, correspondente a 20% do resultado da adição das rendas ainda não vencidas na data da resolução com o valor residual não se afigura excessiva em abstrato, tendo em atenção, nomeadamente, a prática corrente em casos similares, a desvalorização dos bens imóveis, os custos de gestão destes.
6Cabe aos Embargantes, que pretendem a eliminação ou redução da cláusula penal a prova de factos que permitam concluir pela desproporção entre o valor dessa cláusula e dos danos a ressarcir, demonstrando por exemplo, o valor comercial do imóvel e o valor obtido pelo credor com a eventual venda do mesmo.
Decisão Texto Integral: Relatório:

Por apenso à execução ordinária que C, intentou contra F, J e FM lhes moveu, vieram os executados apresentar oposição à execução, pretendendo a procedência da mesma, considerando-se ineficaz a livrança dada á execução, por não ter sido comunicado o valor do seu preenchimento aos executados ou, subsidiariamente, reduzir-se o montante da quantia exequenda a €24.419,28, correspondente às rendas da locação, em dívida, considerando a supressão da cláusula penal, por modificação do contrato, em virtude da alteração das circunstâncias.

Notificada para contestar, a exequente fê-lo pela forma que consta de fls. 35 e seguintes dos autos, onde pugna pela improcedência da presente oposição à execução, prosseguindo a execução a sua normal tramitação.


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Foi proferida sentença que julgou os embargos improcedentes.
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Inconformados vieram os Embargantes recorrer formulando as seguintes Conclusões:

I - Além dos Factos provados, contidos na Motivação da douta decisão recorrida, deveria ter-se considerado também provada a matéria constante dos art.°s 10°, 11°, 13°, 15°, 17°, 18°, 19° e 23°, da oposição à execução;

II - Para o efeito, relevam os destaques a negrito sublinhado, das declarações das testemunhas, JF e PS, anteriormente transcritas; a publicação oficial do Portal de Estatísticas Empresariais do Ministério da justiça/Portal Estatístico de Informação Empresarial do IRN; e a "FOLHA DE VISITA", que constitui o doc. 3 da oposição;

III - As referidas testemunhas, cuja credibilidade a Mm. a Juiz a quo não questiona, disseram, expressamente, que uns clientes da opoente, face à anormal crise do sector da construção civil, fugiram para o Brasil e outros fecharam portas e faliram, em 2011;

IV - O Portal de Estatística, referido na conclusão II, constituindo uma publicação oficial do Ministério da Justiça, é de conhecimento oficioso, após citação, prevista no art. ° 412° do Cód. Proc. Civil, devendo implicar que se considerem provados os seus dados estatísticos, alegados em 13° da oposição, juntando-se, a título exemplificativo, uma impressão em papel (doc. 1A);

V - A "FOLHA DE VISITA" que constitui o doc. 3 da oposição ao conter a denominação da exequente, "Caixa Leasing"; o número do contrato, 347794 (alegado em 7° da contestação e item 14 dos Factos Provados, insertos na douta sentença recorrida); a data de 10/10/2012;e a morada R. da Paz, 5-14 Norte, V. N. Famalicão, denota o conhecimento da exequente desta nova morada, implicando dar-se como Provado o alegado em 23° da oposição;

Sem conceder na alteração da decisão sobre a matéria de facto, vinda de referir nas conclusões precedentes, o certo é que, só os próprios factos dados como provados, constantes da douta sentença recorrida, já impõem uma decisão em sentido inverso do ajuizado;

Como resulta dos itens 7, 8 e 9, dos "Factos Provados", constantes da douta sentença recorrida, verificou-se uma queda abrupta das empresas do sector da construção civil;

O Portal, supra referido na conclusão IV, contém dados que provam terem sido extintas mais de 2.500 empresas de construção, em 2010, e, em 2011, ultrapassou-se as 4.500;

O contrato, que subjaz à existência da livrança dada á execução, foi celebrado em 19/02/2009 - itens 2 e 15 dos Factos Provados, na sentença recorrida;

A queda abrupta das empresas de construção, vinda de referir nas conclusões VII e VIII, ocorrida em 2010 e 2011 é, efetivamente, uma alteração anormal, imprevisível e inesperada das circunstâncias, relativamente a 2009, o ano da celebração do contrato de locação, que conduziu à existência do título executivo, a livrança;

Tal factualidade é anormalmente penalizadora para a opoente, cuja atividade consistia em executar "projetos de Arquitetura", diretamente ligada àquele sector da construção civil - item 9 dos Factos Provados, na sentença recorrida - ;

O circunstancialismo delineado nas conclusões precedentes preenche os requisitos previstos no art. nº 4370, 2, do Cód. Civil, face à alteração anormal das circunstâncias, diretamente penalizadora da atividade da opoente, tornando-se a manutenção do contrato uma grave violação dos princípios da boa fé, face ao decaimento abrupto do mercado, objetivamente constatado;

Quando a alteração anormal das circunstâncias se verificou, a opoente/executada/recorrente não se encontrava em mora, tendo já pago 25 rendas, até Março de 2011 - item 6 dos Factos Provados, na sentença recorrida;

A resolução operada pela exequente, em final de Agosto de 2012, mais não foi do que a constatação da alteração circunstancial do mercado, relativamente à data da celebração do contrato, em Fevereiro de 2009;

Os co-executados da locatária, F. Pereira, Lda, além de terem alegado, em 22° da oposição, que já tinham feito saber à exequente das sobrevindas dificuldades em pagar a renda da locação, face à completa reviravolta do mercado- item 12 dos Factos Provados, na sentença recorrida, também beneficiam das modificações contratuais que venham a ocorrer, relativamente à locatária, visto serem meros avalistas de uma livrança dependente das vicissitudes contratuais;

Relativamente ao preenchimento abusivo da livrança dada à execução, face ao teor dos itens 11 e 13 dos Factos Provados, da douta sentença recorrida, verifica-se que a exequente não comunicou tal preenchimento aos opoentes, enviando as cartas juntas ao Requerimento Executivo, para endereço diverso do que consta da FOLHA DE VISITA, supra referido na conclusão V;

Tal novo endereço já fora utilizado em 10/10/2012,como consta da referida FOLHA DE VISITA (doc. 3 da oposição), tendo sido datadas, em 07/12/2012,as cartas respeitantes ao preenchimento da livrança, juntas com o requerimento executivo;

Uma instituição bancária, da envergadura da exequente, tinha obrigação de contactar os exequentes no endereço que, anteriormente, mencionou na aludida FOLHA DE VISITA, porque sabia não terem sido recebidas as cartas que enviou no dia 07/12/2012, como consta do item 13dos Factos Provados, da douta sentença recorrida;

Não o tendo feito impossibilitou os executados de se pronunciarem sobre o valor inscrito no título executivo, tornando-o ineficaz, por incumprimento do contrato de preenchimento;

A não proceder a ineficácia do título, os opoentes peticionaram, subsidiariamente, a supressão da cláusula penal de 34.916,79€, também denominada indemnização, como a própria exequente reconhece em 17°da sua douta contestação e prevê o art. ° 810° do Cód. Civil;

O valor de tal cláusula foi incluído, de forma imponderada, na livrança exequenda, apesar da alteração anormal das circunstâncias contratuais vindas de enumerar nas conclusões precedentes;

Constitui uma desproporcionalidade flagrante o valor da cláusula 34.916,79 €-, relativamente à dívida subsistente, após a resolução contratual, no montante de 23.350,61 €(item 6 dos Factos Provados da douta sentença recorrida);

Em 31 ° e 32° da oposição, os opoentes alegaram o direito de supressão da cláusula penal, remetendo, expressamente, no citado art. ° 32°, para a "alegada alteração das circunstâncias contratuais" anteriormente alegadas (sic).

Para averiguar se uma cláusula penal é desproporcionada aos danos a ressarcir é necessário proceder a uma comparação entre o montante da indemnização que resulta dessa cláusula e a ordem de grandeza dos prejuízos que o credor sofrerá com o incumprimento (STJ, Rev. nº 2892/01-7a, 29-11-2000 Sumários, 55°)

A cláusula penal desproporcionada, nos termos da al. c), do art. ° 19°, do Dec. Lei n. ° 446/85, de 25-10, conduz à nulidade e não a uma simples redução - citado ac. do STJ;

XXVII - Contrariamente ao percecionado pela Mm. Juiz a quo, os opoentes não se limitaram a afirmar, de forma puramente conclusiva, que a cláusula penal é desproporcional, porque pediram a supressão da mesma, face às circunstâncias anteriormente alegadas, designadamente, em 6°, 8º, 9°, 17°, 18°, 19°, 27° e 28° da oposição;

XXVIII - Assim, considerando a resolução contratual operada em fim de Agosto de 2012 (item 5 dos Factos Provados da sentença recorrida),com a consequente retoma dos prédios locados pela exequente, tendo-se fixado a dívida em 23.350,61 € (item 6 dos Factos Provados da sentença recorrida),a dita cláusula penal de 34.916,79 € é manifestamente nula, devendo suprimir-se esse valor da livrança exequenda, nos termos do disposto no art. ° 812° do Cód. Civil.

XXIX-A douta sentença recorrida, ao julgar a oposição totalmente improcedente, violou o disposto nos art. ºs 437° e 812° do Cód. Civil.

Termos em que, com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve revogar-se a douta sentença recorrida, substituindo-a por decisão que julgue procedente a oposição, pelo menos, o pedido subsidiário de supressão da cláusula penal, reduzindo o valor da livrança exequenda, nessa medida, assim se fazendo JUSTIÇA!


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A embargada apresentou contra-alegações com as seguintes conclusões:

a. Ao não cumprir o disposto na al. a) do n.º2 do artigo 640,° do CPC, não indicando com exatidão as passagens da gravação que são citadas, deve o recurso da matéria de facto ser rejeitado nesta parte, conforme dispõe a referida disposição legal.

b. Não se verifica in casu qualquer alteração das circunstâncias, desde logo porque a alteração das circunstâncias deve afetar as bases nas quais ambas as partes aceitaram celebrar o contrato, não tendo os Apelantes alegado qualquer factualidade respeitante às negociações do contrato.

c. Por outro lado, alegar a existência da crise económica, por si só, não poderá garantir e fundamentar uma alteração das circunstâncias, uma vez que tal deverá estar coberto pelos riscos inerentes ao contrato e à própria atividade comercial.

d. Mas, ainda que se equacionasse que a crise económica poderia justificar uma redução da cláusula penal relativamente à Executada subscritora da livrança e anterior locatária, o que se admite apenas para construção de raciocínio, não concedendo, a verdade é que não foi alegada pelos Apelantes qualquer factualidade que justifique tal redução no que diz respeito aos Executados avalistas,

e. Quanto à alegada falta de interpelação para pagamento da livrança, tal facto é totalmente irrelevante, tal como de resto tem sido jurisprudência unânime e constante dos nossos Tribunais que entendem que a apresentante da livrança não está obrigada a remeter qualquer carta de apresentação a pagamento da livrança, fazendo-o apenas por mera cortesia.

f. A este propósito vejam-se os Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 28-10-2010, 15-09-2009 e 10-02-2009, proferidos, respetivamente, no âmbito dos processos nºs 27951/06YYL8B-AL 1-8, 2758/06.4TBRRAL 1-7 e 9001/2008-1 (disponíveis em www.dgsi.pt).

g. Por último, quanto à alegada desprorporcionalidade da cláusula penal, tal argumento improcede igualmente uma vez que a cláusula penal é perfeitamente válida, sendo unanimemente considerada na jurisprudência como tal.

h. Tratando-se de uma livrança subscrita como garantia de um contrato de locação financeira será necessário atender ao tipo contratual em questão.

i. Com efeito, a locação financeira é "o contrato pelo qual uma das partes se obriga, mediante retribuição, a ceder à outra o gozo temporário de uma coisa, móvel ou imóvel, adquirida ou construída por indicação desta". (artigo 1.° do Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de Junho).

j. Assim, não tem a locadora qualquer interesse no bem adquirido e, em caso de incumprimento ficará com um bem ao qual não irá dar qualquer uso, tendo que despender tempo e dinheiro na tentativa da sua alienação. Ora, são precisamente estes os prejuízos que a cláusula penal visa ressarcir.

k. Veja-se a este respeito os Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 0309-2003, proferido no âmbito do processo nº 02A2973, de 05-12-2002, proferido no âmbito do processo nº 0283522, de 09-02-1999, proferido no âmbito do processo nº 99A001, de 15-12-1998, proferido no âmbito do processo nº 98A 1090, de 03-10-2002, proferido no âmbito do processo nº 0281499 e o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15-12-2011, proferido no âmbito do processo nº 680/10.9YXLSB.L 1-6, todos disponíveis em www.dsgi.pt.

I. Assim, os argumentos apresentados pelos Apelantes são totalmente infundados e improcedentes, devendo manter-se a douta sentença recorrida.

Pelo exposto e pelo douto suprimento do Venerando Tribunal "ad quem", deve o presente recurso de apelação ser considerado improcedente e mantida a decisão recorrida.

Só assim decidindo será feita JUSTIÇA


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Questões a decidir:
- Verificar se o recurso, na parte que impugna a matéria de facto, obedece aos requisitos legais;
- Caso o recurso contenha os requisitos necessários, verificar se a prova produzida em audiência permite extrair as conclusões de facto expressas na sentença;
- Da relevância da falta de recebimento das cartas que comunicavam aos Embargantes o valor por que a livrança iria ser preenchida.
- Da alteração das circunstâncias que determinaram a decisão de contratar;
- Da desproporcionalidade da cláusula penal.
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Nada obstando ao conhecimento do objeto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
A matéria considerada provada na 1ª instância é a seguinte:

1. A exequente adquiriu, no dia 19 de Fevereiro de 2009, três frações prediais pelo preço global de 180.000,00 €.

2. Celebrando-se, nesse mesmo dia, o contrato de locação financeira, através do qual, a exequente proporcionou à executada, F. Pereira, Lda. o gozo, daquelas três frações, pelo prazo de 15 anos, mediante o pagamento da renda mensal de cerca de 1.400,00 €.

3. A executada pagou à exequente 25 rendas mensais, na globalidade de cerca de 35.000,00 €.

4. A executada deixou de poder pagar as rendas da locação financeira.

5. Vindo o contrato a ser resolvido, pela exequente, no final de Agosto de 2012.

6. Assim, face à resolução operada, a executada constituiu-se devedora das rendas vencidas, entre 10/03/2011 e 10/08/2012, no valor total de 23.350,61 €.

7. Face a alteração das circunstâncias da economia, verificou-se uma queda abrupta das empresas do sector da construção civil.

8. Muitas empresas foram declaradas insolventes.

9. Tal estado de coisas penalizou a própria atividade da executada, “Projectos de Arquitectura”, diretamente ligada àquele sector da construção civil.

10. A exequente endereçou as cartas (juntas com o requerimento executivo) aos executados.

11. A Proactivos (Recuperação de Ativos) para agendar uma reunião, entregou uma folha de visita, em 10.10.2012, na Rua da Paz, 5, 14 Norte, Vila Nova de Famalicão.

12. Os executados já tinham feito saber à exequente das sobrevindas dificuldades em pagar a renda da locação, face à completa reviravolta do mercado.

13. Os executados não receberam as cartas juntas com o requerimento executivo, sobre o valor atribuído à livrança, como delas próprias consta (doc.s 1 a 4 do R. I.), já sabendo a exequente da morada supra referida.

14. A livrança dada à execução foi entregue á exequente, em branco, para garantir o bom cumprimento do contrato de locação financeira nº347794, celebrado entre a exequente e a locatária, 1ª. executada/opoente F. Pereira, Ldª.

15. Aquando da celebração do aludido contrato de locação financeira, a referida locatária entregou à exequente, em 26 de Janeiro de 2009, a livrança em questão, devidamente assinada por aquela, no lugar do subscritor, e pelos 3 executados/opoentes, que prestaram o seu aval no verso da livrança, apondo aí a sua assinatura.

16. Nessa mesma data e em conjunto com a referida livrança, os executados/opoentes entregaram à exequente uma carta de autorização para preenchimento de livrança, que está também devidamente assinada pela empresa locatária, 1ª. executada/opoente e pelos 3 executados avalistas.

17. Conforme consta do texto da referida carta de autorização para preenchimento da livrança dada á execução, os executados/opoentes declararam expressamente, referenciando o contrato nº347794, que dão à exequente consentimento expresso para que a livrança seja preenchida em caso de mora ou incumprimento do referido contrato de locação financeira celebrado com a exequente, referindo ainda expressamente, que tal livrança será pagável á vista e poderá ser preenchida e apresentada a pagamento logo que se verifique uma das situações referidas, que, verificado o incumprimento do referido contrato, a exequente pode preencher a livrança até ao limite do valor correspondente ao contrato, acrescido das despesas inerentes ao seu preenchimento e apresentação a pagamento.

18. A referida livrança destinava-se a ser preenchida ou completada pela exequente no caso de incumprimento do citado contrato de locação financeira por parte da referida empresa locatária, ao abrigo da carta de autorização para preenchimento da livrança.

19. Face ao incumprimento de tal contrato de locação financeira imobiliário e consequente resolução do mesmo, a exequente avançou com o preenchimento da livrança de acordo com o teor da carta de autorização para preenchimento da livrança, pelo valor de €62.298,92.

20. Tal valor foi calculado tendo por base os valores em dívida à data da resolução do contrato – 29.08.2012 – acrescidos dos juros de mora entretanto vencidos e do custo da selagem da livrança, conforme se passa a discriminar:

a) €23.391,35, relativa a parte da renda 25ª, vencida em 10.02.2011, no valor de €227,39 e a totalidade das rendas 26ª a 43ª, vencidas entre 10.03.2011 e 10.08.2012, no valor de, respetivamente, €1.270,74, €1.274,35, €1.274,35, €1.274,35, €1.301,49, €1.301,49, €1.301,49, €1.301,48, €1.301,48, €1.301,48, €1.306,38, €1.306,38, €1.306,38, €1.273,14, €1.273,14, €1.273,14, €1.246,35 e €1.246,35;

b) €1.352,38 a título de imposto municipal sobre imóveis relativo aos anos de 2010 e 2011 e despesas administrativas;

c) €34.916,79 a título de indemnização, correspondente a 20% da soma das rendas vincendas com o valor residual, conforme estipula a cláusula 15ª, nº4, al. c), das Condições Gerais do contrato;

d) €2.326,91 a título de juros de mora vencidos sobre as referidas rendas e indemnização, contados desde as datas do vencimento das rendas e da resolução do contrato (quanto à indemnização), às taxas contratuais e legais em vigor, até 07.12.2012, data do preenchimento e apresentação a pagamento da livrança;

e) €311,49 relativo à selagem da livrança, tudo perfazendo o total em dívida de €62.298,92, valor pelo qual foi preenchida a livrança dada à execução.

21. Quanto à 1ª. executada/opoente, subscritora da livrança, a carta que lhe foi endereçada com a livrança contém a mesma morada indicada pela própria 1ª. executada nesta oposição, que é também a morada constante do contrato de locação financeira e a morada onde esta executada foi citada.

22. A exequente remeteu as cartas para as moradas constantes quer do contrato de locação financeira, quer da carta de autorização do preenchimento do título cambiário.

23. Os executados/opoentes avalistas foram citados na morada constante das cartas com a livrança, do requerimento executivo inicial e a carta de autorização do preenchimento do título cambiário.


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Cumpre apreciar e decidir:

Da reapreciação da matéria de facto:
Quanto à impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente especificar, obrigatoriamente e sob pena de rejeição, o seguinte (v. artigo 640º n.º 1 do CPC):
“a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”.
Analisadas as alegações dos Recorrentes, verifica-se que embora referira que impugna vários pontos alegados na oposição que não foram considerados provados, quanto ao ponto 23º, apenas o mencionam nas conclusões do recurso e não fazem referência aos meios de prova que imporiam decisão diversa ou à decisão que no seu entender sobre o mesmo deveria ter sido proferida, sendo certo que não existe no texto em causa qualquer dado que nos permita inferir qual seria no entender dos Recorrentes a decisão correta.
Ora, de forma a impugnar a matéria que foi considerada provada e/ou não provada na sentença, o recorrente tem necessariamente de especificar que decisão deveria ter recaído sob os pontos de que discorda de forma a que a parte contrária possa exercer devidamente o contraditório e a que o julgador da segunda instância possa analisar em concreto a pretensão daquele.
Conforme refere Abrantes Geraldes (in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 3ª ed., pág. 139 a 141), sempre que o recurso envolva a impugnação da matéria de facto deve o recorrente, nomeadamente:
a) Em quaisquer circunstâncias, indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões;
b) Quando a impugnação se fundar em meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados, o recorrente deve especificar, na motivação, aqueles que, em seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos;
c) Deixar expressa na motivação, a decisão que no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos.
Os requisitos acima enunciados impedem “que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo” (Abrantes Geraldes, ob. cit., pág. 129).
Acresce que, quanto ao recurso da matéria de facto não existe despacho de aperfeiçoamento ao contrário do que sucede quanto ao recurso em matéria de direito, por aplicação do disposto no art. 639º, nº 3 do C.P.C.
Assim, por falta de observância do formalismo imposto pelo art. 640º do C. P. Civil, se rejeita o recurso na parte respeitante à reapreciação da matéria de facto referente ao mencionado ponto 23.

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Vejamos então se a matéria dos pontos 10º, 11º, 13º, 15º, 17º, 18º e 19 deverá integrar os factos provados.

Resulta do disposto no art. 662.º, n.º 1, do Código de Processo Civil que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Conforme explica Abrantes Geraldes (in Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 3ª Edição, pág. 245), a Relação deve assumir-se como verdadeiro tribunal de instância e, por isso, desde que, dentro dos seus poderes de livre apreciação dos meios de prova, encontre motivo para tal, deve introduzir as modificações na matéria provada e não provada. Acrescentando que, em face da redação do art. 662º do C. P. Civil, fica claro que a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe a sua própria convicção, mediante reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis, apenas cedendo nos fatores da imediação e oralidade.

A matéria dos mencionados pontos é a seguinte:
10 – Consequentemente, face à mencionada alteração das circunstâncias estruturais da economia, decorrente de forte influência de fatores externos, absolutamente alheios à oponente.
11 – Verificou-se uma queda abrupta das empresas do setor da construção civil.
13 – Registando-se de acordo com os dados do Portal de Estatísticas Empresariais do Ministério da Justiça, o encerramento de 2.578 empresas de construção civil, em 2010 e 4515, em 2011.
15 – Tal estado de coisas penalizou de forma contundente a própria atividade da executada “Projetos de Arquitetura”, diretamente ligada àquele setor da construção civil.
17 – Tal valor foi incorporado, sem ponderação, no montante da livrança dada à execução.
18 – Pela própria exequente unilateralmente.
19 – Em 7 de dezembro de 2012

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Conforme se constata pela simples leitura dos pontos acima transcritos verificamos que os pontos 10, 11, 15, 17, 18 não contêm factos mas apenas juízos conclusivos. Ora, a matéria de facto não pode conter qualquer juízo, indução ou conclusão jurídica (cfr. Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil’, Lex, 1997, pg. 312).
Pelo exposto, é manifesto que tal matéria não pode ser incluída nos factos provados.
Ponto 13:
O mesmo diz respeito a estatísticas oficiais respeitantes ao encerramento de empresas da construção civil em 2010 e 2011.
Os factos em causa poder-se-iam eventualmente considerar como factos instrumentais que são "os que interessam indiretamente à solução do pleito, por servirem para demonstrar a verdade ou falsidade dos factos pertinentes" (Castro Mendes in Direito Processual Civil, 1968, 2º, pág. 208).
Os factos instrumentais não devem ser incluídos nos factos assentes apenas servindo para indiciar os factos essenciais ou “nucleares” constituem o núcleo primordial da causa de pedir ou da exceção (cfr. Teixeira de Sousa in Introdução ao Processo Civil, 1993, pág. 52 e Lopes do Rego (Comentário ao Código de Processo Civil, pág. 201).
Assim, os mencionados factos nunca poderiam fazer parte dos factos provados e, dada a ausência de concretização dos motivos do encerramento das empresas nos mencionados dados, entendemos não são idóneos para dos mesmos se retirar a conclusão pretendida pelos Embargantes ou pelo menos com a abrangência pretendida.
Assim, falece também a pretensão de inclusão da mencionada matéria na matéria assente.
Quanto ao ponto 19 – data de preenchimento da livrança - a mesma não tem qualquer relevância para o que se está a discutir nos presentes autos e que respeita à eventual alteração das circunstâncias que determinaram a decisão de contratar e à eventual desproporção da cláusula penal.
Para os Embargantes a relevância de tal data tem a ver com a falta de recebimento da comunicação referida no ponto 13, relativa ao valor atribuído à livrança e da impossibilidade de “protestar junto da exequente da necessidade de ser excluído da livrança o valor da cláusula penal” (v. art. 16º da oposição) mas para este fim não é necessária a inclusão de tal facto nos factos provados pois tal circunstância resulta da conjugação da análise da data das cartas, com o facto de os Embargantes não as terem recebido assim como com a data que consta da livrança e que é posterior à data de remessa de tais cartas.
Por outro lado, a crise económica/financeira que assolou o país é um facto notório que não necessita de alegação ou prova para poder ser tido em conta pelo Tribunal, caso se entenda necessário (v. art. 412º do C. P. Civil).
Deste modo, a inclusão ao não de tal facto na matéria assente não é necessária para a resolução das questões invocadas pelos Embargantes no recurso, pelo que, se desatende a pretensão dos Embargantes relativa à sua inclusão nos factos provados.
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O Direito:
Da relevância da falta de recebimento das cartas que comunicavam aos Embargantes o valor por que a livrança iria ser preenchida.
Em primeiro lugar cumpre referir que, como referem os Embargantes, o ónus da prova de que receberam a correspondência cabia à Exequente/Embargada, não lhes cabendo, obviamente o ónus da prova de que não receberam as cartas em causa.
Dizem os Embargantes que o facto de não terem recebido as cartas em que a Embargada lhes comunicava que ia preencher a livrança e o montante que iria ser inscrito nesse título os impossibilitou de requerer junto da Embargada que o valor da cláusula penal fosse excluído desse título.
O facto de poderem ou não negociar com a Embargada a redução da dívida – pois é disso que se trata – não tem relevância para o caso em apreço, pois mesmo que tivessem recebido as cartas e que na sequência desse recebimento tivessem contactado a Embargada, nada nos diz que teriam “chegado a bom porto” os seus intentos de reduzir a dívida através da eliminação da cláusula penal. Na verdade, tudo nos indica o contrário ou não estaríamos “aqui”. Por outro lado, o pedido de eliminação da cláusula penal poderia ter sido efetuado após o preenchimento da livrança, nada impedia isso.
Portanto, a circunstância de os Embargantes não terem recebido a comunicação supre referida não teve qualquer influência na possibilidade de encetarem negociações com a Exequente nos termos pretendidos.
Tal facto poderia, no entanto, ter relevância para aferir da exigibilidade e vencimento da obrigação mas tal também não acontece no caso em apreço.
Vejamos:
O título executivo é um documento que constitui o meio legal de demonstração da existência do direito da exequente ou que estabelece, de forma ilidível, a existência daquele direito (v. José Lebre de Freitas in A acção executiva à luz do Código Revisto, pág. 30).
O título executivo constitui, pois, a base da execução, por ele se determinando o fim e os limites daquela (art. 45º do C. P. Civil).
Outro normativo a ter em conta para a análise da situação em apreço, é o art. 713º do C. P. Civil, que exige como requisitos da obrigação exequenda que esta seja certa, líquida e exigível.
A obrigação é ilíquida quando a sua existência é certa, mas o respetivo montante não está ainda fixado.
A prestação é exigível quando a obrigação se encontra vencida ou o seu vencimento depende de mera interpelação.
Diz-nos o art. 781º do C. Civil que se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações a falta de realização de uma delas implica o vencimento das restantes.
É entendimento praticamente unânime na doutrina e jurisprudência que embora a lei descreva a situação prevista no art. 781º como de vencimento antecipado, parece tratar-se antes de uma situação de perda de benefício do prazo, já que se o credor não exigir as prestações restantes, não parece que o devedor fique logo constituído em mora pela totalidade da obrigação (v. Menezes Leitão, 11ª ed., vol. II, pág. 163-164,Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 2º vol. 3ª ed. pág. 52-53, Ac. R. P de 25/01/10, Ac. da R. L. 22/01/08, ambos in www.dgsi.pt).
Como é referido nos acórdãos acima mencionados a perda do benefício do prazo em relação às prestações ainda em dívida justifica-se com a quebra de confiança resultante da falta de pagamento das prestações acordadas.
A partir do incumprimento ocorre a possibilidade de o credor exigir a totalidade da dívida mas não implica o vencimento imediato das prestações futuras (v. Acórdão supra mencionados).
Assim, ficando na disponibilidade do credor a exigência imediata ou não das prestações restantes, o devedor não fica logo constituído em mora, tendo de ser interpelado para tal, manifestando desta forma o credor ao devedor a sua intenção de se aproveitar do mencionado benefício.
Ora, no caso em apreço, embora os Executados não tenham recebido as cartas juntas com o requerimento executivo, que lhes comunicam o valor total pelo qual vai ser preenchida a livrança que garantia o cumprimento do contrato celebrado com a Exequente, receberam a comunicação relativa à resolução do contrato (v. art. 8º da petição de embargos), pelo que, foram interpelados para o facto de a credora pretender exigir a totalidade da dívida, estando, pois, vencida a dívida em causa.
Deste modo, a falta de recebimento da correspondência supra mencionada não teve qualquer influência no vencimento da obrigação e portanto na exigibilidade da mesma.
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Da alteração das circunstâncias que determinaram a decisão de contratar.

Os Embargantes invocam a alteração das circunstâncias, decorrentes de alterações profundas do mercado da construção civil resultantes da crise económica que assolou o país, para obterem a eliminação ou redução da disposição contratual que estipula a cláusula penal.

Em termos gerais, a lei permite, no art. 437.º do C. Civil, que o devedor deixe de cumprir as obrigações contratadas no momento da conclusão do contrato, perante a ocorrência de circunstâncias fácticas supervenientes e imprevisíveis, que não lhe sejam imputáveis.
Para que haja alteração relevante das circunstâncias em que as partes tenham fundado a decisão de contratar é preciso que essas circunstâncias se tenham alterado de forma anormal e que a exigência da obrigação à parte lesada afete gravemente os princípios da boa fé, não estando coberta pelos riscos do negócio (v. Ac. STJ de 10/10/13 in www.dgsi.pt ).
Assim, os fatores relevantes para efeitos de resolução ou alteração do contrato com base em alteração das circunstâncias, têm de afetar de forma anómala e imprevista o circunstancialismo em que as partes assentaram a decisão de contratar de forma a tornar intolerável a manutenção do contrato tal como foi inicialmente querido entre os contraentes.
Luís Carvalho Fernandes (in A Teoria da Imprevisão no Direito Civil português, Quid Juris, 2001, pág. 83 e ss.) refere uma ideia de cooperação como princípio ínsito no próprio conceito de obrigação, explicando que cada contrato, cada negócio jurídico, visa realizar certo modo de cooperação entre determinados indivíduos, que ele vincula, que justifica que o negócio deixe de produzir os seus efeitos típicos, se factos supervenientes vierem tornar impossível a realização desse mínimo de cooperação que nele se devia definir.
Concluindo-se pela verificação, em concreto, de uma situação de alteração das circunstâncias, a parte lesada poderá, nos termos resultantes do art. 437.º, n.º 1, do C. Civil, dissolver o contrato ou modificá-lo segundo juízos de equidade, consoante os efeitos da alteração das circunstâncias na economia do contrato. O objetivo final será sempre o da reposição dos equilíbrios iniciais do contrato.
Analisemos então o caso em apreço.
Dos documentos juntos aos autos verificamos que o contrato celebrado entre a Exequente e a Executada “F” foi celebrado em Fevereiro de 2009, ou seja, já quando a crise financeira se fazia sentir em Portugal (no sentido de que a crise financeira se iniciou em Agosto de 2007 v. Luís Máximo dos Santos, in Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, ano I, nº 4, págs. 56 a 59).
Assim, embora a crise económica possa constituir uma situação excecional no sentido de ser qualificada como alteração das circunstâncias (v. Menezes Leitão in Direito das Obrigações, vol. II, 11ª ed., pág. 135 e 136), para relevar para efeitos de alteração do contrato nos termos pretendidos pelos Recorrentes era necessário que essa crise fosse de todo imprevisível para as partes contratantes. Ora, os Embargantes/Executados fundaram a sua decisão de contratar com conhecimento do quadro de recessão em que se encontrava a economia mundial e que afetava o nosso país e que tinha tendência para piorar, crise essa que provocou grandes dificuldades no financiamento externo à economia portuguesa com repercussões que se fizeram sentir na concessão de crédito bancário, o que por sua vez implicou uma diminuição acentuada na aquisição de imóveis, afetando gravemente o setor da construção civil.
A situação económica em que ocorreu o incumprimento já se manifestava pois, na altura em que os Embargantes outorgaram o contrato cujo cumprimento a livrança dada à execução garantia, não constituindo tal situação circunstância imprevista/anómala, não podendo os Executados dizer que foram surpreendidos por ela
de forma a justificar que o negócio deixe de produzir os seus efeitos típicos.

Não está pois, no caso, configurada a previsão do nº 1 do art. 437º.


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Resta analisar se a cláusula 15ª, nº 4 – c) do contrato de locação financeira é nula ou suscetível de ser reduzida com base em juízos de equidade, no que respeita à parte em que permite ao locador exigir da locatária 20% do valor das rendas vincendas e do valor residual em caso de resolução do contrato por incumprimento do mesmo por parte da segunda.
Esta cláusula insere-se nas cláusulas gerais do contrato de locação financeira.
A mesma cláusula tem a natureza de uma cláusula penal, uma vez que através dela as partes quiseram fixar antecipadamente a indemnização em caso de incumprimento da obrigação (art. 810º nº 1 do C. Civil) tendo ainda a finalidade de desmotivar o locatário do incumprimento.
Vejamos se a indemnização prevista na cláusula em análise se pode considerar despropositada para os efeitos da mencionada norma.
Como se refere no Acórdão do STJ de 15/12/98 (in proc. 1.090/98 citado no Ac. STJ de 9/2/99 publicado na Col. Jur. S., T.I, pág. 97), para que se faça um juízo valorativo sobre a desproporção importa efetuar duas operações sucessivas ou simultâneas, uma, de apreciação em abstrato, visando a análise da “medida” da cláusula penal inserta na cláusula contratual, à luz da generalidade dos contratos (no caso de locação financeira imobiliária); outra de apreciação em concreto, em face da factualidade do caso sub judice, pois a primeira, se utilizada em exclusivo, conduziria a resultados manifestamente insuficientes.
Os embargantes não alegaram expressamente que a cláusula penal excede manifestamente o valor do prejuízo resultante do incumprimento da obrigação principal (art. 811º, nº 3 do C. Civil), no entanto, sendo matéria de direito decidir se uma pena convencional é ou não manifestamente excessiva em relação ao dano que visa prevenir, impõe-se ao Tribunal, em face dos factos, decidir acerca daquela desproporção, nomeadamente para efeitos do preceituado no art. 812º do C. Civil.
A indemnização pré-fixada corresponde a 20% do resultado da adição das rendas ainda não vencidas na data da resolução com o valor residual.
Tal indemnização não se afigura excessiva em abstrato, tendo em atenção, nomeadamente, a prática corrente em casos similares, a desvalorização dos bens imóveis, os custos de gestão destes.
Quanto ao caso concreto, cabia aos Embargantes a prova de factos que fizessem concluir pela desproporção entre o valor da cláusula penal e dos danos a ressarcir (v. art. 342º, nº 2 do C. P. Civil), demonstrando por exemplo, o valor comercial do imóvel e valor obtido pelo credor com a eventual venda do mesmo, mas nada disto foi feito nos presentes autos.
Pelo exposto, concluiu-se pela inalterabilidade da cláusula penal supra identificada.
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DECISÃO:
Pelo exposto, acorda-se nesta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas a cargo dos Recorrentes.
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Guimarães, 8 de junho de 2017

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(Alexandra Rolim Mendes)

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(Maria de Purificação Carvalho)

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(Maria dos Anjos Melo Nogueira)