Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2269/03-2
Relator: MANSO RAÍNHO
Descritores: ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES
FUNDO DE GARANTIA DE ALIMENTOS A MENORES
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/11/2004
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: - A obrigação de alimentos criada pela Lei nº 75/95 é independente ou autónoma, conquanto subsidiária, da do primitivo obrigado.
- Assim, os alimentos a suportar pelo Fundo de Garantia dos Alimentos devidos a Menores não podem abranger as prestações acumuladas que o primitivo devedor omitiu.
- Os alimentos a suportar pelo Fundo são devidos desde a data em que foi apresentado contra o Estado (IGFSS) o respectivo pedido, e não desde a data da decisão que os fixa.
Decisão Texto Integral: Recurso nº 2269/03
Agravo

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Acordam em conferência na Secção Cível da Relação de Guimarães:



Nos autos de incumprimento da obrigação de alimentos (autos esses correntes pelo 1º Juízo Cível do tribunal da comarca de Viana do Castelo) imposta a "A" e em benefício de seu filho menor "B", veio o Mº Pº, em 12 de Dezembro de 2002, requerer que fosse fixada uma prestação de alimentos a pagar pelo Fundo de Grantia dos Alimentos Devidos a Menores.
Alegou para o efeito que o pai do menor, conquanto condenado a pagar a este alimentos, jamais os prestou, sendo que se verificam os demais requisitos de que a lei faz depender tal fixação.
Após a realização das pertinentes diligências, foi proferida decisão onde se reconheceu que estavam reunidas as condições legais para que o FGADM satisfizesse ao menor alimentos, que foram estabelecidos em 100 euros mensais.
Mais se decidiu que tais alimentos eram devidos desde Dezembro de 2002, data da entrada em Juízo da pretensão do Mº Pº.

O Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, inconformado com o decidido, veio então interpor o presente agravo.

Da respectiva alegação extrai o agravante conclusões, onde sustenta que a decisão recorrida é ilegal na parte em que lhe impôs a obrigação de pagar alimentos já acumulados.
O Mº Pº contra-alegou, concluindo pela improcedência do agravo.


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Corridos os vistos, cumpra apreciar e decidir.


O que vem posto à nossa decisão é apenas a questão de saber se a obrigação imposta ao agravante deve abranger os alimentos já vencidos desde que o pedido foi apresentado.
E desde já dizemos que deve. Exactamente como se decidiu no tribunal a quo.
Com efeito:
A obrigação de alimentos criada pela Lei nº 75/95 é como que independente ou autónoma, conquanto subsidiária, da do primitivo obrigado, no sentido de que o Estado não se vincula a suportar os precisos alimentos incumpridos, mas sim a suportar alimentos fixados ex novo (cujo quantitativo, periodicidade e forma de pagamento não têm sequer de coincidir com a obrigação do primitivo devedor). A prestação de alimentos incumprida pelo primitivo devedor funciona apenas como um pressuposto (sine qua non) de facto do cometimento ao Estado da obrigação de alimentos. Nesta base não será certamente muito curial defender-se que os alimentos a suportar pelo FGADM devam abranger prestações atrasadas (acumuladas) que o primitivo devedor omitiu, porventura durante vários anos. E aqui estamos de acordo com o que diz o agravante.
Simplesmente, não é desta situação que se cuida in casu, pelo que carece de menor precisão a afirmação do agravante de que "Está assim em causa se o débito acumulado da pessoa judicialmente obrigada ao pagamento de alimentos competirá também ao Estado". Efectivamente, o que aqui se discute é apenas desde quando deve vigorar a falada obrigação independente ou autónoma do próprio Fundo. Não se cuida de "recuperar" alimentos atrasados e não pagos pelo pai do menor.
A Lei nº 75/98 é omissa quanto a tal momento. O mesmo acontece com o diploma regulamentador, o DL nº 164/99.
Não há porém a mínima razão para, por analogia ou identidade de razão, não se adoptar a doutrina que promana do artº 2006º do CC: os alimentos são devidos desde a proposição da acção. E o pagamento do que for devido é iniciado no mês seguinte ao da notificação da decisão (artº 4º, nº 5 do DL nº 164/99). É esta aliás a interpretação mais equilibrada, subsistindo aqui as precisas razões que levaram o legislador a consagrar o princípio da retroactividade dos alimentos. Por outro lado, há que ver que com o mecanismo da Lei nº 75/98 quis-se garantir um mínimo de subsistência ao menor (salvaguarda do direito à vida), achando-se que não seria justo obrigar o menor a aguardar que o devedor dos alimentos cumprisse (rectius, tivesse possibilidade de cumprir) no futuro a obrigação. Nesta base, é a urgência do alimentando no recebimento dos alimentos que justifica a interposição do Estado, que aliás fica subrogado contra o verdadeiro devedor nos direitos do credor. Portanto, há indiscutível analogia com o princípio que enforma os alimentos provisórios E se assim é, então também importa atender à doutrina ínsita no nº 1 do artº 401º do CPC, donde decorre que os alimentos atrasados são igualmente devidos.
Argumenta o agravante com o facto do Fundo ser financiado pelo Orçamento de Estado. Mas não vemos que isto adiante muito ao caso. Que seja do nosso conhecimento, as despesas orçamentadas são determinadas por estimativa de custos e previsão e não por certeza. Quando muito podemos dizer que tal argumento seria válido em ordem a obstar a que se pagassem alimentos com referência a período em que ainda não houvesse qualquer orçamentação. Mas não é este o caso vertente, pois que em Dezembro de 2002 já estava em vigor lei orçamental contemplativa dos alimentos a pagar a este título. Também não se entende a alusão que o agravante faz ao princípio da não retroactividade da lei, pois que in casu não se está a aplicar retroactivamente qualquer lei. De resto, se fosse como quer o agravante então o nº 5 do artº 4º do DL nº 164/99 seria como que "letra morta", pois que a obrigação só se venceria depois de ser concretamente orçamentada.
Improcede pois o agravo.



Decisão:


Pelo exposto acordam os juizes nesta Relação em negar provimento ao agravo, confirmando a decisão recorrida.


Regime de Custas:

Sem custas de recurso (isenção subjectiva).



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Guimarães, 11 de Fevereiro de 2004