Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1881/07-1
Relator: GOMES DA SILVA
Descritores: IMPUGNAÇÃO
CREDOR
INSOLVÊNCIA
DESPEDIMENTO
INDEMNIZAÇÃO
CONTRATO DE TRABALHO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/15/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO/APELAÇÃO
Decisão: JULGADA PROCEDENTE APELAÇÃO/REVOGADA A DECISÃO
Sumário: a. A impugnação da lista de credores reconhecidos e não reconhecidos, no âmbito do processo de insolvência, apresenta-se como questão incidental da respectiva instância, correndo por apenso, sem autonomia própria.
b. Assim, o requerimento não deve suportar taxa de justiça nem a respectiva omissão de liquidação a sanção aludida no art. 690º-B CPC.
c. Não sendo a insolvente uma microempresa e tendo-se abstido de proceder como nos arts. 390º-nº3-2ª parte e 419º e sgs., a extinção das relações contratuais com os seus trabalhadores ocorreu por despedimento ilegal, nos termos do disposto no art. 431º-nº1, cujas consequências estão previstas no art. 436º-nº1, todos do CT.
Em face disso, é apodíctico que os reclamantes-trabalhadores têm direito a receber indemnização pela cessação ilícita do contrato de trabalho, nos termos do art. 439º-nºs 1 e 3 CT.
Decisão Texto Integral: ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO CÍIVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES:
I –
INTRODUÇÃO

1. Transitada a sentença que decretou a insolvência de P... – FÁBRICA DE MALHAS, S.A., veio o respectivo Administrador apresentar a lista de créditos a que alude o artº. 129º do CIRE.

2. Das três impugnações foi possível alcançar acordo quanto aos créditos reclamados por G... – MÁQUINAS E ACESSÓRIOS PARA A INDÚSTRIA TÊXTIL, LDA e por IS SOCIAL, IP e fixar-se o valor pelo qual os respectivos créditos se consideram reconhecidos, apenas não tendo sido possível a conciliação quanto aos créditos reclamados pelos trabalhadores, ABÍLIO O...; ADÉLIA F...; ALBERTO M...; ALBERTO R...; ANTÓNIO P...; ANTÓNIO J...; ANTÓNIO L...; ANTÓNIO M...; ANTÓNIO MR; ARMANDO P...; ARMÉNIA M...; BERNARDINO S...; BRUNO S...; CARLA G...; CARLA T...; CARLOS R...; CARLOS J...; CÉLIA C...; CRISTINA T...; DALILA T...; DANIEL G...; DAVIDE G...; DEOLINDA S...; DOMINGOS F...; DOMINGOS J...; DORA M...; ELVIRA C...; EULÁLIA A...; FELICIDADE S...; FERNANDO C...; FERNANDO R...; FERNANDO V...; FLORINDA F...; FRANCISCO V...; FRANCISCO M...; GRACINDA C...; HELENA S...; JAIME S...; JOAQUIM L...; JOAQUINA M...; JOAQUIM R...; JOSÉ M...; JOSÉ C...; JOSÉ F...; JOSÉ H...; JOSÉ M...; JOSÉ MM...; JOSÉ OR...; LUÍS M...; LUÍS M...; MANUEL AF...; MANUEL P...; MANUEL MO...; MANUEL MS...; MÁRCIO F...; MARIA LF...; MARIA AS...; MARIA FC...; MARIA AL...; MARIA CP...; MARIA CM...; MARIA AP...; MARIA EF...; MARIA PM...; MARIA FP...; MARIA FD...; MARIA FF...; MARIA FT...; MARIA SS...; MARIA LM...; MARIA LS...; MARIA FG...; MARIA SM...; MARIA MM...; MÁRIO S...; ORLANDO S...; PALMIRA S...; Paula G...; PAULO C...; PAULO SM...; RAFAEL P...; ROSA MC...; ROSA MM...; SERAFIM S...; SIDÓNIO V...; SÓNIA L...; SÓNIA ML...; SÓNIA RT...; SUSANA M...; VERA S...; VIRGÍNIA O...; VÍTOR F... e VÍTOR DP....

3. Estando em litígio apenas os normativos aplicáveis ao cálculo das respectivas indemnizações laborais, cuja apreciação não carecia de prova (cfr. art. 136º-nº7 do C.I.R.E.) - que não os vínculos laborais nem qualquer facto atinente aos mesmos – no saneador, foi lançada sentença que, homologando aquela lista, decidiu, sem prejuízo da precipuidade dos créditos relativos às dívidas da massa insolvente, graduar os créditos reconhecidos nos seguintes termos:
i. os créditos reclamados pelos trabalhadores;
ii. o crédito reclamado pelo Ministério Público, em representação da Fazenda Nacional, no montante de 100.770,37 €;
iii. o crédito reclamado pelo C.D.S. Social do I.S.S., I.P., no valor de 250.420,61 €;
iv. os demais créditos reclamados (inclusivé a parte restante crédito reclamado pelo C.D.S. Social do I.S.S., I.P. e pelo Ministério Público em representação da Fazenda Nacional), rateadamente, na proporção dos respectivos montantes; e
v. os créditos subordinados reclamados sob os nos.20, 31, 109 e 170 por António VG..., Capellotto M..., José PG...e P... Fernandez.

4. Inconformado, dela apelou o credor José VP..., tendo elencado súmula conclusiva.
Nada foi contra-alegado.

5. Entretanto, tendo rematado as suas alegações com a menção: “não há lugar ao pagamento da taxa inicial, nos termos do art. 18º-nº3 do CC”J, sem ter efectuado a respectiva autoliquidação, sofreu a multa aludida no art. 690º-B-nº-1CPC.

6. Novamente irresignado, dela agravou, rematando com conclusões.
Tal decisão vê-se tabelarmente sustentada.

7. Colhidos os legais vistos, cumpre apreciar e decidir.

II –

MATERIALIDADE

Com interesse para a matéria em discussão, mostra-se provado:

1. ABÍLIO O...; ADÉLIA F...; ALBERTO M...; ALBERTO R...; ANTÓNIO P...; ANTÓNIO J...; ANTÓNIO L...; ANTÓNIO M...; ANTÓNIO MR; ARMANDO P...; ARMÉNIA M...; BERNARDINO S...; BRUNO S...; CARLA G...; CARLA T...; CARLOS R...; CARLOS J...; CÉLIA C...; CRISTINA T...; DALILA T...; DANIEL G...; DAVIDE G...; DEOLINDA S...; DOMINGOS F...; DOMINGOS J...; DORA M...; ELVIRA C...; EULÁLIA A...; FELICIDADE S...; FERNANDO C...; FERNANDO R...; FERNANDO V...; FLORINDA F...; FRANCISCO V...; FRANCISCO M...; GRACINDA C...; HELENA S...; JAIME S...; JOAQUIM L...; JOAQUINA M...; JOAQUIM R...; JOSÉ M...; JOSÉ C...; JOSÉ F...; JOSÉ H...; JOSÉ M...; JOSÉ MM...; JOSÉ OR...; LUÍS M...; Luís MR...; MANUEL AF...; MANUEL P...; MANUEL MO...; MANUEL MS...; MÁRCIO F...; MARIA LF...; MARIA AS...; MARIA FC...; MARIA AL...; MARIA CP...; MARIA CM...; MARIA AP...; MARIA EF...; MARIA PM...; MARIA FP...; MARIA FD...; MARIA FF...; MARIA FT...; MARIA SS...; MARIA LM...; MARIA LS...; MARIA FG...; MARIA SM...; MARIA MM...; MÁRIO S...; ORLANDO S...; PALMIRA S...; Paula G...; PAULO C...; PAULO SM...; RAFAEL P...; ROSA MC...; ROSA MM...; SERAFIM S...; SIDÓNIO V...; SÓNIA L...; SÓNIA ML...; SÓNIA RT...; SUSANA M...; VERA S...; VIRGÍNIA O...; VÍTOR F... e VÍTOR DP... foram admitidos para trabalhar sob a autoridade, direcção e fiscalização da insolvente, mediante retribuição (nos termos e condições exarados nas respectivas petições de reclamação, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
2. Desde as respectivas datas de admissão, os reclamantes referidos em 1. mantiveram-se ininterruptamente ao serviço da insolvente até 11 de Setembro de 2006, data em que cessaram tais relações.
3. A insolvente encerrou para o período de férias completamente descapitalizada, não tendo retomado a laboração após tal encerramento para férias.
4. No dia 11 de Setembro de 2006, após o gozo de férias, a insolvente comunicou aos reclamantes referidos em 1., e quando estes retomavam o trabalho, que cessava a actividade.
5. A insolvente deliberou apresentar-se à insolvência em 20 de Setembro de 2006, tendo a respectiva petição inicial dado entrada em juízo no dia 13 de Novembro de 2006.

III –

JURISCIDADE

1.
a)
Analisemos as censuras feita às sindicadas decisões, explanadas nas minutas recursórias, considerando que é por elas que se afere da delimitação objectiva deles (arts. 684°-n°3 e 690°-n°1 CPC), pela ordem da respectiva interposição, sendo que o provimento do agravo tem inteeresse para o Recorrente (art. 710º-nº2 CPC).

b)
Reconduzem-se afinal ao seguinte:
· da apelação:
- tendo ocorrido caducidades dos vínculos contratuais laborais, só cabia aos Recorridos a compensação de um mês de retribuição-base e diuturnidades, por cada ano completo de antiguidade;
- o incumprimento dos procedimentos previstos nos arts. 419º e 390º-nº3 do CT não é sancionado nos termos impostos;
- a indemnização fixada é excessiva e injustificada;
· do agravo:
- a impugnação da lista de credores conhecidos, no processo de insolvência é um incidente da instância no âmbito deste;
- o art. 18º-nº3 CCJ não contempla a situação em apreço, por não haver lugar ao pagamento da taxa de justiça.

2.
a)
A decisão a quo aborda, longa e acertadamente, os temas agora propostos pelo Recorrente, desde o despedimento, como ilicitude laboral, à omissão dos procedimentos previstos nos arts. 419º e sgs. do CT e à quantificação dos critérios retributivos integradores da indemnização devida aos trabalhadores.

b)
Não se vendo que a respectiva bondade devesse ser obliterada, limitar-nos-emos a sufragá-la, anotando a seguinte passagem do Ac. STJ, de 2007.05.09, e referindo também o Ac. de 2006.10.18: é sabido que a integração do conceito de impossibilidade superveniente a que alude a alínea b) do art. 4º do RJCCIT “tem de se enquadrar nos parâmetros constantes dos arts. 790.º e ss. do CC” (consoante se expressa Pedro Romano Martinez, em Da Cessação do Contrato, 409, embora se reportando ao vigente Código do Trabalho) e, porque de um negócio sinalagmático se trata, não basta a verificação de um agravamento da situação da entidade empregadora ou uma maior onerosidade para ela na manutenção do contrato de trabalho. Não basta, assim, que tão somente se poste uma situação de mera dificuldade na aceitação do trabalho, antes sendo necessária a ocorrência de uma real não continuação da actividade empresarial da entidade empregadora que inviabilize, absoluta e totalmente, a relação laboral, o que o mesmo é dizer, para se citar o Acórdão deste Supremo Tribunal de 7 de Abril de 2005 (Procº nº 4088/2004, da 4ª Secção), lavrado na senda de uma jurisprudência tomada no mesmo sentido, a impossibilidade absoluta “não se confunde com a difficultas praestandi ou a difficultas agendi”.
… Tem sido sustentado, nomeadamente por este Supremo (cfr. citado Acórdão de 7 de Abril de 2005 e o Acórdão, também deste Supremo, de 9 de Março de 2004, da 4ª Secção) que, podendo o «encerramento» definitivo da entidade empregadora ser configurado como causa de caducidade dos contratos de trabalho ou como despedimento colectivo, a subsunção a uma ou outra dessas figuras há-de fazer-se «pelo carácter voluntário ou involuntário» desse «encerramento».
Haverá, em conformidade, que considerar como ilícito o despedimento, por isso que não inserido em alguma forma justificada de cessação da relação laboral por parte da sua entidade patronal…, improcedendo, desta arte, a brandida cessação, por caducidade, do contrato de trabalho”.

3.
a)
Conforme foi por nós exposto no Proc. Nº 1889/07, através do Decreto-Lei nº 324/2003, de 27 de Dezembro, pretendeu-se, reformando o Código das Custas Judiciais, estender aos processos de natureza cível o princípio geral de sujeição do Estado e das demais entidades públicas ao nobre princípio universal pagamento de custas judiciais, tidas estas como via de tributação de rendimentos, à laia de verdadeiros impostos.
O art. 1º desse doploma veio alterar o art. 2º nº1 do CCJ, essencialmente pela revogação das alíneas a), c), d), e), f), g), i), j), m) e n) desse nº 1 e pelo reforço conferido à regra da tendencial universalidade, com a limitação da isenção de custas ao Ministério Público, apenas nas acções, procedimentos e recursos em que age em nome próprio, na defesa dos direitos e interesses que lhe são confiados por lei. Por via dessa alteração, deixaram, assim, de estar isentos do pagamento de custas judiciais, isenção subjectiva anteriormente consagrada no art. 2º-nº1-g), os institutos públicos da estrutura orgânica do Sistema de Segurança Social.
Por seu lado, o art. 14º do mesmo veio estabelecer que as alterações ao CCJ constantes desse diploma só se aplicavam aos processos instaurados após a sua entrada em vigor, ou seja, a partir de 1 de Janeiro de 2004.

b)
In casu, a impugnação de credores, na qual o Agravante exerceu o seu direito, como reclamante-credor da executada, é apenso do requerimento de insolvência de 2006.09.20, ou seja, bem depois do início de vigência da dita copilação adjectiva-fiscal.
É sabido que o direito processual civil agrupa o conjunto uno e concertado de princípios e normas que regem a solução de conflitos de interesses por meio do exercício da jurisdição, adentro da função de soberania do Estado, como instrumento de busca da efectividação das leis materiais. Exerce-se através da função jurisdicional, de dizer o direito, isto é de fazer valer o respeito as leis de forma definitiva e coativa, assim solucionando as lides e pacificando a sociedade.
O exercício da jurisdição deve obedecer a um conjunto de normas que visam garantir a efetividade da tutela jurisdicional, permitir a participação dos interessados e definir e delimitar a actuação dos juízes e da elaboração das leis.
A jurisdição civil, materializada no processo escrito, necessariamente provocada ou posta em movimento pelos interessados, visa apurar a bondade dos factos propostos em juízo e, depois, dar satisfação coactiva à pretensão que o autor convenceu assistir-lhe, designadamente pela execução do património do devedor, a título singular ou colectivo.
Dentro desta, a especial segue o modelo da execução singular, mas com uma componente concursual: embora impulsionada pelo credor em busca da satisfação do seu crédito, nela podem intervir outros credores com garantia real sobre os bens penhorados, para que os bens venham a ser transmitidos livres dos direitos de garantia; é o que acontece, depois de junta a certidão dos direitos, ónus ou encargos inscritos, se houver bens penhorados sujeitos a registo, ou depois de realizada a penhora, se tal sujeição se não verificar: seguir-se-á a fase da convocação de outros interessados para intervir na execução, ao lado do exequente ou do executado (art. 864º CPC).
Alguma tonalidade declarativa, própria do procedimento para impugnação da lista de credores pelos concredores, não lhe retira a característica instrumental do conjunto sequenciado de actos adequados à regualaridade e objectivos da instância executiva.
Ou seja, tendo uma autuação própria e alguma autonomia em relação ao processo principal (de insolvência), não deixa de integrar-se nele, pela via incidental; daí que não possa ser considerado verdadeiro processo, como a jurisprudência maioritária indubitavelmente reafirma.

c)
Conquanto pouco clara, a redação do art. 14º-nº1 do CCJ não podia ignorar os comuns ensinamentos da doutrina e jurisprudência, só podendo, pois, reportar-se aos verdadeiros processos (principais), definidores da pretensão global, que não aos seus apensos e incidentes, instrumentalmente encadeados (cfr. arts. 865º-nº2, 868º-nº1, 813º e 817º CPC).
Por outro lado, no CCJ ora em vigor, não há lugar ao pagamento de taza de justiça inicial e subsequente, nos processos executivos (cfr. art. 29º-nº3-a), a contrario). Acresce que o art. 14º CCJ, contemplando a redução da taxa de justiça a metade, com dispensa da taxa subsequente, elenca aimpugnação da lista de credores reconhecidos e não reconhecidos pelo Administrador.
Daí que ao Agravante não deva possa ser imposta a impugnada sanção (960 €), com fundamento nos arts. 960º-B CPC e 18º-nº3 CCJ, mas tão somente a que decorre do anormal processado a que der causa (taxada entre 1 e 20 UC’s - art. 16º CCJ).

IV –

DECISÃO

Perante o exposto, em nome do Povo:

1. julga-se procedente o recurso e

2. revoga-se a decisão recorrida, a ser substituída por outra que quantifique a taxa de justiça do incidente de fls. 727, sem pagamento de taxa de justiça inicial;

3. e confirma-se, no demais, a sentença.

Custas pelo sucumbente.

Guimarães, 2007.11.15,