Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2276/07-2
Relator: ANTERO VEIGA
Descritores: EXCEPÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO
RENDAS VENCIDAS NA PENDÊNCIA DA ACÇÃO
ARRENDAMENTO URBANO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/29/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO
Sumário: - O incidente de despejo imediato nos termos do art. 58º do RAU, por falta de pagamento das rendas vencidas na pendência da acção, apenas admite como oposição a prova do pagamento ou do depósito liberatório, sendo irrelevante a alegação por parte do inquilino de excepção de não cumprimento por parte do senhorio.
- Tal solução, tendo em conta a possibilidade de depósito das rendas e a circunstância de na acção principal o réu poder deduzir toda a sua defesa, não afronta de forma intolerável, desproporcionada e excessiva a proibição da indefesa.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães.

Recorrentes: Manuel … e esposa Maria …, autores na presente acção de despejo.

Recorridos: Rui … e Cristina ….

Os Recorrentes requereram a passagem de mandados de execução imediata de despejo dos Réus, em virtude destes não terem procedido, até ao prazo da contestação, ao pagamento das rendas devidas, nem ao depósito liberatório, nos termos do art. 58.° do RAU.

Os Réus alegaram que não procederam ao pagamento das rendas em dívida, em virtude do arrendado não assegurar as condições necessárias à sua habitação e que por isso os autores não têm direito a requerer o despejo imediato do imóvel, sendo certo que foram eles que deram causa à "suspensão" do pagamento das rendas.


Por decisão de 23/7/07 foi decidido indeferir a requerida pretensão.

Inconformados os requerentes interpuseram o presente recurso de agravo, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

A- Os Agravados deixaram de pagar as rendas do locado dos autos ao senhorio, desde Fevereiro a Setembro de 2007, sendo que as mesmas se vencem no mês anterior àquele a que dizem respeito - conforme o confessado pelos RR. nos seus articulados.

B- Quando foi proposta a acção de desejo os Agravados já estavam em mora no pagamento de quatro meses de renda;

C- Os RR. não pagaram até hoje aos senhorios, as rendas que se venceram desde Fevereiro de 2007, nem fizeram depósitos liberatórios nos prazos legalmente estabelecidos.

D- Os RR - agravados nunca comunicaram aos AA - a existência de quaisquer vícios ou defeitos que exigissem a execução de obras a cargo do senhorio; Também nunca realizaram quaisquer obras, com fundamento legal, que tivessem carácter de urgência, e em que os Agravantes estivessem em mora na sua execução. Não podem os Agravados, nestas circunstâncias, suspender o pagamento das rendas vencidas e a vencer, com o fundamento de falta de obras que eliminassem os defeitos do locado;

E- Não há a menor prova, ainda que indiciaria da existência desses vícios. Nenhum crédito existe para os RR - agravados que justifique legalmente compensarem-se com as rendas que têm a obrigação de pagar aos AA.

F- In casu é inaplicável o instituto da exceptio non adimpleti contractus, como resulta claramente de doutrina e jurisprudência, nos termos que alegámos.

G- O despacho da Srª Juíza ora em censura, de forma clara e manifesta violou os artigos 428, 1031, 1036, 1038 al. a) do C. Civil e art.° 26 da Lei 6/2006 de 27.2.

Sem contra-alegações.
O Mmº Juiz sustentou o despacho recorrido.
Colhidos os vistos dos Ex.mos Srs. Adjuntos há que conhecer do recurso.

A factualidade com interesse é a que resulta do precedente relatório.


***

Conhecendo do recurso:
Nos termos dos artigos 684º, n.º 3 e 690º do CPC o âmbito do recurso encontra-se balizado pelas conclusões do recorrente.

A questão a decidir prende-se com saber se a invocação de que o arrendado não assegura as condições necessárias à sua habitação é suficiente para obstar ao despejo imediato do imóvel, por falta de pagamento de rendas ou depósito liberatório nos termos do artº 58.° do RAU.

A Mmª juíza entendeu ser invocável a excepção de não cumprimento, entendendo ser desadequado conceder aos réus como único meio de defesa a prova do pagamento ou depósito das rendas. Invoca o Ac. do TC de nº 673/2005 de 3/2/06. Os pressupostos do acórdão do TC referido não se verificam no presente caso.

Nos termos do artigo 58.º do RAU aplicável, na pendência da acção de despejo, as rendas vencidas devem ser pagas ou depositadas, nos termos gerais (nº 1). O senhorio pode requerer o despejo imediato com base no não cumprimento do disposto no número anterior, sendo ouvido o arrendatário (nº 2).

Como vem sendo referido, o incidente tem uma dupla natureza, preventiva e coactiva. Pretende-se com este obstar à utilização da coisa locada durante a pendência da acção, sem pagamento da respectiva contraprestação contratual; obstar a que o locador se veja impossibilitado de receber a sua indemnização quando, obtido ganho, se verifique a impossibilidade da sua execução, e prevenir eventual conflitualidade - Aragão Seia, Arrendamento Urbano, pág. 309ss.

Ns o preâmbulo do Dec.Lei n° 321-B/90. Aí se refere que; "a única forma de evitar que alguém possa, gratuitamente, desfrutar de imóveis, durante o longo período que pode levar à conclusão de um despejo e numa situação que já não seria reparada por nenhuma condenação em indemnização ou em rendas vencidas, sempre que o despejado não tivesse bens bastantes".

Dada a simplicidade do incidente, e pressuposto esteja admitida a existência do contrato e não sendo controversa a “renda” – montante -, não é admissível outra oposição que não seja a alegação e prova do pagamento ou do depósito das rendas.

Refere-se no Ac. STJ de 5/12/06, www.dgsi.pt/jstj, processo nº 06A2299, onde se referem outras decisões do STJ; “…De qualquer modo a natureza expedita e sumária deste incidente e as razões que estão subjacente ao mesmo incidente não permitem que o arrendatário obste ao deferimento do despejo a não ser que faça a referida prova do pagamento ou depósito e não também com quaisquer outros meios de defesa que poderiam ser alegados na acção de despejo, como seja, a mora do senhorio, a existência de direito a compensação de um seu crédito sobre o senhorio com o montante de rendas devidas, ou alguma excepção de incumprimento do contrato, por parte do senhorio, ou, ainda, eventual direito de retenção com vista a garantir direito a benfeitorias.

Alargar o leque de questões que o inquilino poderia alegar para obstar ao despejo imediato equivaleria a inviabilizar os fins preventivos e coactivos do instituto, passando o incidente a poder ter, eventualmente, uma demora equivalente à da acção...”

No ac. do STJ de 9/10/07, www.dgsi.pt/jstj, processo nº 07A2681, refere-se que, “Não pode, portanto, o arrendatário, motu proprio, deixar de pagar ou a depositar a renda contratualizada, enquanto judicialmente não for reconhecido que o locado não corresponde nas suas qualidades àquilo que esteve subjacente na contratação e que a ele arrendatário foi assegurado…”.

Neste sentido entre outros, Ac. RL de 25/5/04, www.dgsi.pt/jtrl, processo nº 4503/2003-7, Ac. RC de 11/2/99, www.dgsi.pt/jtrc, processo nº 2217 (sumário).

Em sentido diverso do seguido, e admitindo a invocação da excepção de não cumprimento no incidente, diz-se no ac. RP de 10/11/04, www.dgsi.pt/jtrp, processo nº 0454472

“… No entanto, a designada acção de despejo incidental, prevista no artº 58º, do RAU, apesar de relativamente independente da acção de despejo onde se processa, não se mostra indiferente ao alegado na contestação pelo locatário.

Na verdade, como refere J. Aragão Seia (Arrendamento Urbano, 5ª ed. P. 328 e jurisprudência aí citada) “só se pode falar em rendas vencidas na pendência da acção se esta tiver subjacente um arrendamento válido, que não é posto de qualquer modo em questão pelo réu ou se este põe em causa o direito que o autor se arroga de receber rendas”.

Ora, na contestação, a locatária demandada questiona, além do mais, a validade do contrato e excepciona o não cumprimento contratual, o que, a nosso ver, impede que seja decretado o despejo imediato com base no estatuído no artº 58º, do RAU.

Quer dizer, o despejo imediato pressupõe que esteja assente na acção de despejo a validade do contrato de arrendamento e a falta de cumprimento (mora) do locatário, sem que haja a invocação, por parte do locatário, da excepção de não cumprimento do contrato (da obrigação correspectiva do senhorio) - arts. 428º, 762º, nº 1, 1031º, al. b), 1038º, al. a), do CC, e M. J. Almeida Costa, RLJ, 119º/145). Deste modo, entendemos que bem andou o julgador da 1ª instância ao julgar improcedente o incidente suscitado pelos locadores e indeferir o requerido despejo imediato….”

Ainda neste sentido, RC de 17/10/06, www.dgsi.pt/jtrc, processo nº 1552/05.4TBCTB-A.C1, entre outros.

Seguimos o entendimento do Ac. STJ de 5/12/06, acima referido.

Não deve esquecer-se a natureza expedita do incidente e os seus objectivos. Da interpretação que foi perfilhada, resulta a possibilidade de inutilização prática dos objectivos do incidente, bastando para tanto que o réu invoque um qualquer defeito no arrendado para sustentar que o mesmo não assegura as condições necessárias de habitabilidade, continuando contudo a usufruir do locado.

A limitação que com o entendimento seguido decorre para os meios de defesa do réu, resulta como “forma de compatibilizar os interesses contrapostos do senhorio e do inquilino “, como se refere no sumário do acórdão da RC de 11/2/99, www.dgsi.pt/jtrc, processo nº 2217.

No acto de legislar, o legislador equaciona os diversos interesses em jogo, procurando a solução que do ponto de vista social (na percepção de quem legitimamente tem a autoridade para legislar), melhor satisfazem as exigências sociais e são promotoras da paz e justiça social.

Tal acondicionamento pode implicar algum sacrifício de princípios constitucionais. Não é qualquer sacrifício que importa inconstitucionalidade, sob pena de a actividade legislativa se tornar impossível e impossível a regulação social que com a mesma se pretende.

O sacrifico imposto a determinados princípios nas soluções consagradas legislativamente, constituem uma opção do legislador em face de outros valores caros à comunidade com ele conflituante. No caso os interesses já acima referenciados.

Tendo em conta a possibilidade de depósito das rendas e a circunstância de na acção principal o réu poder deduzir toda a sua defesa, aquela limitação não afronta de forma intolerável, desproporcionada e excessiva a proibição da indefesa. O sacrifício imposto é aceitável do ponto de vista social e constitucional, tendo em vista os interesses prosseguidos.

Procede consequentemente o agravo.

DECISÃO:

Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães conceder provimento ao agravo, revogando-se o despacho recorrido decretando-se o despejo imediato.
Sem custas.