Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2005/07-1
Relator: CONCEIÇÃO BUCHO
Descritores: DIVISÃO DE COISA COMUM
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/06/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADO O DESPACHO RECORRIDO
Sumário: I- Proposta uma acção de divisão de coisa comum com base na indivisibilidade em substancia da coisa, apenas se seguirão os termos do processo declatório comum, quando o juiz, atenta a complexidade da questão, entenda que a não pode dirimir logo de forma sumária.
II- Tendo-se entendido que a questão é complexa, e que a acção teria de seguir a forma do processo ordinário, até ser proferida sentença que decida sobre a questão da divisibilidade, é essa a forma que deverá prosseguir a acção.
Só posteriormente à decisão é que se seguirá a tramitação prevista no artigo 1056º, n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães.

I – AA... e mulher M.... instauraram contra BB... e CC..., a presente acção de divisão de coisa comum, pedindo que se proceda à adjudicação do prédio urbano identificado no artigo 1º, ou à sua venda, consoante haja ou não acordo entre autores e rés.

Alegaram, em síntese, que são conjuntamente com as rés e respectivamente donos de metade indivisa do prédio urbano composto de casa de morada, inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo 725º.
Pretendem pôr termo à indivisão, e o prédio urbano não é passível de divisão.
Se por um lado a sua divisão implicaria uma profunda alteração do mesmo, por outro, traduzir-se-ia numa diminuição considerável do seu valor, prejudicando, inclusive o uso a que o mesmo se destina, a habitação.

Citadas as rés estas contestaram, impugnaram que os autores sejam donos de metade do prédio, alegando que os autores apenas são donos de uma quinta parte (1/5) indivisa do aludido prédio.
Alegam ainda, que o prédio é divisível desde que as partes acordem na sua constituição em propriedade horizontal.

Os autores responderam alegando e mantendo que são donos da metade indivisa do prédio.

A fls. 81 dos autos foi proferido despacho no qual se decidiu que “ a questão em discussão nos autos não pode sumariamente decidida.
A acção seguirá assim os termos do processo ordinário (tendo em conta o seu valor)”.
Ordenou-se a notificação dos autores, para querendo apresentaram réplica o que estes fizeram.
Foi ordenada a realização de uma perícia, por despacho de fls. 90, cujo relatório se encontra a fls. 109, complementada a fls. 120 e 133.

A fls. 145 foi designado dia para a Conferência a que alude o artigo 1056º do Código de Processo Civil.
Foram juntos esclarecimentos do perito a fls. 153, 154 e 155.

Em 26/6/06 realizou-se a Conferência, na qual se decidiu que como não havia acordo, e a questão não podia ser sumariamente decidida os autos fossem conclusos.

Foi proferida decisão (considerado um incidente) em que se decidiu que efectivamente os autores são donos de metade indivisa do prédio.
Foi ainda declarado que o prédio é divisível e fixados os quinhões.

Inconformadas, as rés interpuseram recurso desta decisão, cujas alegações de fls. 190 e 191, terminam com as seguintes conclusões:

A apelação incide sobre a decisão que fixa os quinhões.
A descrição registral do prédio em questão encontra-se questionada na contestação , no artigo 25º.
Não é possível concluir pela presunção estabelecida no artigo 7º do Código de Registo Predial a favor dos autores.
Conforme deriva do doc. n.º 2 que acompanha a petição inicial a fonte do registo foi, também uma aquisição derivada.
Existe divergência no tangente à identificação registral do prédio cuja divisão se pretende, divergência que ficou expressa nos articulados e que não permite, desde já, a fixação dos quinhões na proporção em que foi feita na decisão ora em crise.
Nos termos do disposto no artigo 1255º do Código Civil “por morte do possuidor, a posse continua nos seus sucessores desde o momento da morte, independentemente da apreensão material da coisa.
E desde que a sucessio possessonis prescinde da apreensão material da coisa (do corpus da posse), a continuação da posse não é prejudicada pelo facto de o sucessor não ter tido, de facto, a posse da herança ou da coisa.
O registo predial não tem, no estado legislativo vigente, natureza constitutiva .
Conforme dispõe o artigo 7º do Código de Registo Predial, trata-se de uma presunção legal geralmente taxada de juris tantum. Deste modo, em regra, pode ser ilidida mediante prova em contrário.

Tendo os recorrentes oferecido prova documental e testemunhal para prova do que alegam na contestação deverá ser apreciada aquela e produzida e valorada esta a fim, de então se fixar os quinhões das partes em litígio.
O prédio é realmente divisível, mas os quinhões pertencentes às partes são os referidos na contestação.
A sentença em recurso não terá feito a melhor aplicação do disposto nos artigos 7º do Código de Registo Predial, 1316º e 1255º do Código Civil e 659º n.º 3 do Código de Processo Civil.

Os recorridos apresentaram contra-alegações a fls. 195 e 196, concluindo do seguinte modo:
A aquisição de ½ indivisa que, pela escritura a que se reporta o documento de fls. 6-10, os apelados fizeram, está registada a favor deles, conforme inscrição G-1, da Conservatória do Registo Predial de Monção, o que emana do documento de fls. 11-14, também dos autos;
gozam, pois, os apelados da presunção do artigo 7º do Cód. de Registo Predial;
os apelantes, em abono da sua tese, se, por um lado, como, na douta decisão recorrida se acentua, “não alegaram a matéria que permitisse o accionamento do instituto da acessão imobiliária ou de posse em condições adequadas à aquisição do direito por usucapião”, por outro, nem sequer pediram o cancelamento do sobredito registo, de ½ indivisa do prédio em causa a favor dos AA.
- não se mostra, por conseguinte, violada qualquer disposição legal, designadamente as pelos recorrentes invocadas.


Colhidos os visto, cumpre decidir

II – Nos termos do artigo 684º, n.º 3 e 690º do Código de Processo Civil, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo do disposto na última parte do n.º 2 do artigo 660º do mesmo código.

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Conforme resulta dos autos, os autores instauraram uma acção de divisão de coisa comum, para a adjudicação ou venda do prédio identificado no artigo 1º da petição inicial, com repartição do respectivo valor, por o considerarem indivisível.

Os réus foram citados e, na sua contestação alegaram, que o prédio era divisível, e que efectivamente os autores eram comproprietários do prédio, mas apenas de uma quinta parte e não da metade indivisa, como alegaram.

Foi então ordenado que os autos passassem a seguir a forma do processo ordinário, uma vez que a questão não podia ser sumariamente decidida.
Ordenou-se a notificação dos autores para apresentarem a réplica.
Após a apresentação da réplica, a acção nunca mais seguiu a forma do processo ordinário, tendo-se procedido à realização de uma perícia, e à Conferência de Interessados, e seguidamente foi proferido o despacho recorrido.
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Como dispõem o n.ºs 2 e 3 do artigo 1053º do Código de Processo Civil, se houver contestação, e as questões suscitadas pelo pedido de divisão puderem ser sumariamente decididas, o juiz produzidas as provas, profere logo decisão , aplicando-se o disposto no artigo 304º.
Se verificar que a questão não pode ser sumariamente decidida mandará seguir os termos subsequentes à contestação, do processo comum, adequados ao valor da causa.

Na acção de divisão de coisa comum (cujo regime foi alterado pela reforma do Código de Processo Civil de 1995/96) apenas se seguirão os termos do processo declatório comum quando o juiz, atenta a complexidade da questão, entenda que a não pode dirimir logo da forma sumária.
Tendo-se entendido, por despacho proferido a fls. 81, que a questão é complexa, e que para apuramento da fixação dos quinhões e decisão sobre a questão da divisibilidade, teria que se seguir a forma do processo ordinário, até ser proferida sentença que decida essas questões, é essa a forma que deverá seguir a acção (artigo 1053º n.º 2 do Código de Processo Civil) .

Só posteriormente à decisão, e conforme o caso, se convocará a Conferência de Interessados, para efectuar a adjudicação dos quinhões, ou sendo declarado que a coisa é indivisível, para adjudicação da mesma a algum dos interessados, ou na falta de acordo, para se proceder à sua venda (n.ºs 1 e 2 do artigo 1056º do Código de Processo Civil).

Foram também alegados quer pelos autores, quer pelos réus (para além do quinhão) factos que não foram tidos em conta , como seja os alegados nos artigos 10º da petição inicial, 21º e 22º da contestação.

É que o conceito de divisibilidade, que consta do artigo 209º do Código Civil, é um conceito jurídico e não um conceito físico-material.
Não havendo nada que não seja divisível materialmente, para que se possa concluir, de um ponto de vista jurídico, pela divisibilidade de uma coisa corpórea torna-se necessário que : não se altere a sua substância ; que não haja diminuição do seu valor, e que não seja prejudicado o uso da coisa (neste sentido, Acs. do STJ de 12/12/89, BMJ 392, pág. 458, e de 14/10/04, CJ Acs do STJ , Ano XII, t. 3, pág. 58 e da Relação de Coimbra de 7/3/95, CJ, Ano XVI, t. 2, pág. 8).
Se falta qualquer um destes requisitos, a coisa é indivisível.
Tem ainda que se atender ao que o prédio é e não ao que poderá vir a ser.

Dispõe o artigo 1412º do Código Civil que nenhum dos comproprietários é obrigado a permanecer na indivisão, salvo quando se houver convencionado que a coisa se conserve indivisa.
A divisão pode ser amigável ou nos termos da lei do processo (artigo 1413º do citado código).
No caso, tendo os autores alegado que a coisa é indivisível, cabe-lhes alegar e provar a situação de compropriedade, indicar as quotas de cada comproprietário e apontar a razão da indivisibilidade; ao réus cabe contestar a compropriedade ou a indivisibilidade, que a proporção é outra da alegada na petição (e demonstrá-lo), ou que não há compropriedade, ou que a coisa é divisível.

Por outro lado, tratando-se de prédio urbano, o mesmo só é divisível se for possível a constituição da propriedade horizontal.
Com efeito, dispõe o artigo 1417º do Código Civil que a propriedade horizontal pode ser constituída por negócio jurídico, usucapião, decisão administrativa ou decisão judicial proferida em acção de divisão de coisa comum ou em processo de inventário.
Mas, para que a propriedade horizontal se constitua por decisão judicial, é necessário que se verifiquem os requisitos exigidos pelo artigo 1415º do citado código.
E nessa conformidade, só podem ser objecto de propriedade horizontal as fracções autónomas que, além de constituírem unidades independentes, sejam distintas e isoladas entre si, com saída própria para uma parte comum do prédio, ou para a via pública.
A falta de requisitos legais importa a nulidade do título.

Ora, para que na acção se possa decidir pela divisibilidade, tem que constar e estar certificado nos autos, a aprovação da Câmara Municipal de Monção.
Com efeito, o Regime Jurídico da Urbanização e Edificação Urbana, aprovado pelo Decreto-Lei 559/99 de 16 de Dezembro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 177/01, de 4 de Junho – artigos 62º a 66º - é expresso relativamente à exigência de certificação pela Câmara Municipal de que o edifício satisfaz os requisitos legais para a sua constituição em propriedade horizontal.
O tribunal não pode decidir pela constituição da propriedade horizontal, sem a observância dos requisitos legais.
E nessa conformidade, tendo os réus alegado que o prédio é divisível, através da constituição da propriedade horizontal, terão que certificar, a aprovação camarária.
Como se refere no acórdão do STJ de 29/11/06, publicado na CJ , Acs do STJ, Ano XIV, t. 3, pág. 140, “a existência da certificação teria que ser invocada em tempo útil, pela parte interessada como facto condicionante da procedência daquele, senão mesmo , mais precisamente como facto constitutivo do direito alegado e integrado na causa de pedir (arts. 342º, n.º 1do CC, e 264º n.º 1 do CPC); não o tendo sido, não se tornou, logicamente, um facto de que ao julgador fosse lícito conhecer e tomar em consideração na sentença por sua iniciativa, já que o princípio do inquisitório não vigora entre nós relativamente aos factos da causa que não sejam meramente instrumentais (arts. 264º, n.º 2 e 664º)”.

E assim, tendo sido ordenado por despacho transitado em julgado que para apreciação das questões suscitadas, a acção passasse a ser tramitada como acção de processo comum sob a forma ordinária, o que deixou de se verificar a partir da apresentação da réplica, a não observância do mesmo processado traduz-se numa nulidade.
Essa nulidade implica a anulação dos actos que não possam ser aproveitados, que no caso, são todos à excepção da perícia realizada e esclarecimentos à mesma.
Devem praticar-se todos os actos que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, quanto possível, da forma estabelecida por lei – artigo 199º do Código de Processo Civil.
E assim, anula-se todo o processado posterior à réplica (sem prejuízo do aproveitamento da perícia), para que sejam apreciadas as questões suscitadas quer na petição, quer na contestação, quanto à divisibilidade do prédio, e quanto ao quinhão de cada comproprietário.

Só após ter sido proferida a sentença, em que se decida aquelas questões, é que se procederá à convocação da Conferência de Interessados, nos termos e para os efeitos do disposto, ou no n.º 1 ou no n.º 2, do artigo 1056º do Código de Processo Civil.
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III – Pelo exposto, acordam os Juízes desta Secção, em revogar o despacho recorrido, anulando-se o processado posterior à réplica, nos termos acima expostos.

Custas pelo vencido a final.

Guimarães, 6/12/07