Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2204/07-2
Relator: ANTÓNIO GONÇALVES
Descritores: APREENSÃO DE VEÍCULO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/25/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: 1. O executado tem legitimidade para se defender da ilegalidade da penhora de bens próprios e ainda da ilegítima penhora de bens sobre os quais detenha tão-só um direito real menor de gozo (ao lado do domínio ou propriedade, considerada como direito real máximo, havemos de distinguir também os designados direitos reais menores que integram uma menor extensão dos poderes de denominação contidos nas respectivas afectações, tais como o usufruto, o direito de superfície, o direito do locatário, as servidões, o direito do comodatário e depositário, entre outros).
2. Para que o Tribunal possa atender ao rogo que nestas circunstâncias perspectiva o executado, haverá ele de alegar e provar a razão por que está a desfrutar o veículo objecto da penhora, mais precisamente, haverá de convencer o Julgador de que acordou com o actual dono do veículo denominado pacto a consubstanciar o modo de lhe transferir a titularidade de particularizado direito real menor de gozo, capaz de justificar a defesa da prerrogativa que ora explicita.
3. Neste contexto não pode aproveitar ao executado/embargante a circunstância, de muito embora seja utilizado pelo ora oponente para a prática da sua profissão de electricista, o veículo penhorado já lhe não pertence, pois que o vendeu ao seu irmão Luís F... antes da efectivação da penhora.
Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES:

O executado Carlos F... veio deduzir oposição à penhora incidente sobre o veículo automóvel de matrícula 83-45-...J, alegando que, muito embora seja utilizado pelo ora oponente para a prática da sua profissão de electricista, este veículo já lhe não pertence desde o início de 2007, pois que o vendeu ao seu irmão Luís F.... Pede que tal penhora seja levantada.

Com o fundamento em que, não pertencendo já ao oponente o veículo penhorado está ele impedido de deduzir oposição à penhora registada com data de apresentação em 20.04.2007, o Ex.mo Juiz indeferiu liminarmente a oposição.

Inconformado com esta sentença dela recorreu o oponente Carlos F..., que alegou e concluiu do modo seguinte:
a) Com data de 31 de Maio de 2007, deu entrada na Secretaria do Tribunal Judicial da Comarca de Fafe a Petição Inicial de Oposição.
b) Em 8 de Junho de 2007 proferiu o douto Tribunal a quo sentença nos autos.
c) O Tribunal a quo fundamentou a sua decisão ao abrigo do disposto no art. 863.° - A do Código de Processo Civil, considerando de que a oposição deve ser liminarmente (Cfr. art.° 863.° - A, n.° 1, al. a) a c) e n.° 2),
d) O Tribunal a quo fundamentou a sua decisão no facto de o veículo automóvel de matrícula 83-45-...J já não pertencer ao recorrente e assim, sem mais, entendeu indeferir liminarmente a oposição.
e) Com o devido respeito e ao contrário da opinião perfilhada pelo Tribunal a quo, que manifestamente discordamos, somos do entendimento de que o Tribunal a quo deve receber a oposição do recorrente, ora por legitima (Cfr. art.º 812.° e segs. do CPC), ora por manifestamente procedente (Cfr. art. 817.°), ora porque a penhora incidiu sobre um bem que, não respondendo, nos termos do direito substantivo, pela dívida exequenda, não devia ter sido atingido pela diligência (art.° 863.° A, n.° 1, al. c).
f) E isto porque, conforme expresso na petição de oposição, o recorrido Joaquim P... indicou à penhora o veículo automóvel de marca Mazda, matricula 83-45-...J, ligeiro de mercadorias, utilizado pelo recorrente para a prática da sua profissão de electricista.
g) No entanto, o mesmo veículo supra mencionado não pertence ao recorrente.
h) O irmão do recorrente, Luís F... é o ora proprietário do veículo devendo assim a pretendida penhora ser levantada.
i) De facto, conforme havíamos referido na petição de oposição, pese embora o veículo já não pertença ao recorrente verdade é que o mesmo veículo ainda se encontra registado em seu nome e daí o fundamento para o auto de penhora.
j) Mais ainda, o Tribunal a quo ao impedir o recorrente de utilizar o veículo, decidiu erradamente pois que ao abster-se de julgar recusando os fundamentos de oposição do recorrente, veio a colhê-los julgando parcialmente em prejuízo do recorrente.
1) Na verdade, salvo melhor e com o devido respeito, o Tribunal a quo deve decidir sobre a procedência ou não procedência da penhora sobre o veículo automóvel mencionado e não simplesmente dizer que o veículo já não pertence ao recorrente e que o mesmo não o pode utilizar, sem daí extrair as devidas conclusões de facto, de direito e de mérito.
m) E isto porque, como sabemos "o interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da acção; o interesse em contradizer, pelo prejuízo que dessa procedência advenha" (Cfr. art.º 26.° n.° 2, do Código de Processo Civil).
n) E na realidade é isto que está em causa: o interesse do recorrente em contradizer pelo prejuízo da procedência da demanda do recorrido.
o) Por último, e conforme o articulado nesta peça, somos do parecer de que o Tribunal a quo tinha alternativa, quer na letra e espírito da lei, quer na prática judicial, à sanção última que aplicou em determinar o indeferimento liminar da oposição, pelo que decidiu erradamente com prejuízo directo para o recorrente.
Termina pedindo que seja revogado o despacho recorrido.

Não foram produzidas contra-alegações.

Colhidos os vistos cumpre decidir.

A questão posta no recurso é a de saber se o executado, não sendo dono do veículo penhorado mas utilizando-o na sua profissão de electricista, pode deduzir oposição à penhora nele realizada.

I. O executado - também o seu cônjuge no caso pontificado no art.º 864.º -B, do C.P.Civil Artigo 864.º -A (Estatuto processual do cônjuge do executado)
O cônjuge do executado, citado nos termos da alínea a) do n.º 3 do artigo anterior, é admitido a deduzir, no prazo de 10 dias, ou até ao termo do prazo concedido ao executado, se terminar depois daquele, oposição à execução ou à penhora e a exercer, no apenso de verificação e graduação de créditos e na fase do pagamento, todos os direitos que a lei processual confere ao executado, sem prejuízo de poder também requerer a separação dos bens do casal, nos termos do n.º 5 do artigo 825.º, quando a penhora recaia sobre bens comuns. - e ainda certos terceiros estranhos à execução podem defender-se contra a penhora ilegal contra si concretizada, designadamente quando incidir sobre bens do executado que não podem ser apreendidos (ilegalidade objectiva) ou, então, porque afecta os direitos (reais ou pessoais de gozo) ou a disponibilidade empírica que certa pessoa que não está a ser executada pode fazer valer relativamente aos bens penhorados (ilegalidade subjectiva).
Nos termos do disposto no art.º 863.º -A, do C.P.Civil, ARTIGO 863.º -A (Fundamentos da oposição)
1 – Sendo penhorados bens pertencentes ao executado, pode este opor-se à penhora com algum dos seguintes fundamentos:
a) Inadmissibilidade da penhora dos bens concretamente apreendidos ou da extensão com que ela foi realizada;
b) Imediata penhora de bens que só subsidiariamente respondam pela dívida exequenda;
c) Incidência da penhora sobre bens que, não respondendo, nos termos do direito substantivo, pela dívida exequenda, não deviam ter sido atingidos pela diligência.
2 – Quando a oposição se funde na existência de patrimónios separados, deve o executado indicar logo os bens, integrados no património autónomo que responde pela dívida exequenda, que tenha em seu poder e estejam sujeitos à penhora.
é permitido ao executado defender-se contra a ofensa dos limites objectivos de penhorabilidade, isto é, pode reagir na salvaguarda do bens que não deveriam ter sido penhorados, nestes se incluindo aqueles cujo direito de propriedade ou outro direito real menor de gozo estejam na titularidade do executado.
Tratando-se de uma questão de legitimidade activa, o oponente está impedido de fazer uso desta metodológica iniciativa se os fundamentos por ele invocados se não contiverem no enquadramento jurídico-processual estatuído naquele normativo.
Considerando que, como alega o oponente, o veículo penhorado já lhe não pertence em virtude de o ter vendido a seu irmão, parece que lhe falta legitimidade para deduzir oposição ao acto da penhora, porquanto será ao seu irmão a quem está deferida esta acção através da dedução de embargos de terceiro, por ser ele quem, não estando a ser executado, é o titular do direito incompatível ou que viu a sua posse ofendida pela penhora. J. P. Remédio Marques; Curso de Processo Executivo Comum; pág. 261/269.
É este o entendimento professado no despacho em recurso e é também a esta percepção que sobre este temática damos a nossa aquiescência.

II. Sustenta, porém, o recorrente que o veículo automóvel indicado à penhora, de marca Mazda, matrícula 83-45-...J, ligeiro de mercadorias, é utilizado pelo recorrente para a prática da sua profissão de electricista; e a sua apreensão impede o agravante de utilizar o veículo, causando-lhe prejuízo.

Já dissemos que o executado tem legitimidade para se defender da ilegalidade da penhora de bens próprios e ainda da ilegítima penhora de bens sobre os quais detenha tão-só um direito real menor de gozo.
Ao lado do domínio ou propriedade, considerada como direito real máximo, havemos de distinguir também os designados direitos reais menores que integram uma menor extensão dos poderes de denominação contidos nas respectivas afectações, tais como o usufruto, o direito de superfície, o direito do locatário, as servidões, o direito do comodatário e depositário, entre outros.
O interesse desta distinção, essencialmente académica, está em saber se estes direitos reais menores são desmembramentos ou parcelamentos da propriedade ou se, pelo contrário, são direitos “a seque vêm limitar ou onerar um direito de propriedade que porventura existe. Menezes Cordeiro; Direitos Reais; I Volume; pág. 483.
Parece ser este o enquadramento doutrinal em que se move o oponente/recorrente quando diz que é ele quem está a usufruir o veículo indicado à penhora, embora o tenha já vendido a seu irmão.
Não lhe pode aproveitar, todavia, esta factualidade por si avançada.
Na verdade, para que o Tribunal pudesse atender ao rogo que nestas circunstâncias perspectiva, haveria ele de alegar e provar a razão por que está a desfrutar o veículo objecto da penhora, mais precisamente, haveria de convencer o Julgador de que acordou com o actual dono do veículo denominado pacto a consubstanciar o modo de lhe transferir a titularidade de particularizado direito real menor de gozo, capaz de justificar a defesa da prerrogativa que ora explicita.
Não agindo assim, a evidência da falta de fundamento da sua pretensão não permite que possa ser atribuída ao recorrente a protecção do direito que assim deduz.

Pelo exposto, negando-se provimento ao agravo, confirma-se a decisão recorrida.

Custas pelo agravante.

Guimarães, 25 de Novembro de 2007.