Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1195/07-1
Relator: ROSA TCHING
Descritores: EXECUÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/05/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NEGADO PROVCIMENTO
Sumário: 1º- O art. 325º, nsº.1 e 2 do C. P. Civil, permite a utilização do incidente da intervenção principal provocada, quer para assegurar a legitimidade passiva (nos casos de litisconsórcio necessário ou voluntário), quer para fazer intervir como réu o terceiro contra quem pretenda formular pedido subsidiário feito para valer na eventualidade de o pedido principal não proceder (caso litisconsórcio eventual ou subsidiário reguladono art. 31º-B do C. P. Civil).

2º- Quanto a este último caso, carece, porém, o requerente do chamamento de alegar,no seu requerimento de intervenção, dúvida fundamentada sobre o sujeito da relação controvertida, ou seja, exige-se que o chamante expresse, de forma convincente, as razões que o levam a não ter a certeza sobre o titular passivo da relação material controvertida que configura ou apresenta.

3º- O facto de ter sido indicado, em contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, como proprietário e como condutor habitual pessoa diversa do segurado e tomador do seguro, não torna o contrato nulo, sendo a seguradora responsável nos termos e limites do contrato de seguro .

4º- Consequentemente inexiste, neste caso, fundamento para fazer intervir na presente acção o Fundo de Garantia e o responsável civil, Francisco F..., nos termos do disposto nos arts. art.325º,nº. 2 e 31º-B do C.P. Civil e no art.21°, n.°2, al. a) do DL 522/85 de 31 de Dezembro.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães


Mário J..., instaurou acção, com processo ordinário, contra Companhia de Seguros A... P... SA, pedindo a condenação da ré no pagamento da quantia de € 29.365,24, acrescida de juros moratórios, à taxa legal, desde a citação e até efectivo pagamento, e em quantia que se vier a liquidar em execução de sentença, a título de indemnização pelos danos que alega ter sofrido em consequência de acidente de viação ocorrido no dia 18 de Janeiro de 2004 e a que deu causa o condutor do veículo ligeiro de mercadorias, de matrícula XS-33-0..., propriedade de José G... e seguro na ré.

Citada, a ré Companhia de Seguros A... P... SA contestou, excepcionando a nulidade do contrato de seguro decorrente de falsidade das declarações produzidas pelo tomador, António L..., na data da sua celebração, quanto ao proprietário e condutor habitual do referido veículo automóvel.

Na réplica, o autor sustentou a improcedência da arguida nulidade e, para o caso de assim não ser entendido, ao abrigo das disposições conjugadas do art.325º do C. P. Civil e do art. 21º,nº. 2,al. a) do DL nº.522/85, de31/12, requereu a intervenção principal provocada do Fundo de Garantia Automóvel e de Francisco F..., pedindo a sua condenação solidária no pedido tal como concluiu na P. I.

Foi proferido despacho que indeferiu o pedido de intervenção principal deduzido, condenando o autor nas custas do incidente.

Inconformado com este despacho, dele agravou o autor, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões, que se transcrevem:
“a) O A. intentou a presente Acção Declarativa Emergente De Acidente De Viação, com Processo Ordinário, contra a Companhia de Seguros A... P... S.A..
b) Na contestação veio a Ré, ao abrigo do disposto no art.429º do Código Comercial alegar a nulidade do aludido contrato de seguro, por alegada falsidade das declarações produzidas pelo tomador na data da sua celebração, com o intuito de enganar a sociedade R. e daí retirar vantagem na obtenção de uma apólice de seguro.
c) Replicando, veio o A. dizer que não há nexo de causalidade entre as alegadas declarações inexactas, ou factos omitidos pelo segurado, e a verificação do risco coberto pelo contrato de seguro.
d) Contudo, o A. para o caso de a excepção alegada pela R. vir a ser julgada procedente requereu, ao abrigo do disposto no art. 325º do CPC, a Intervenção Principal Provocada, como RR., do Fundo de Garantia Automóvel e de Francisco F..., tendo em vista acautelar a possibilidade de o responsável pela produção do sinistro não ter a sua responsabilidade transferida para a R. Cª de Seguros, o que determinaria a absolvição desta, requereu o A. a intervenção daquele Fundo e do responsável civil,pois, nos termos do art. 21°, n.° 2, al. a) do DL 522/85 de 31/12, o Fundo de Garantia Automóvel garante a satisfação das indemnizações por morte ou lesões corporais quando o responsável seja desconhecido ou não beneficie de seguro válido ou eficaz.
e) O despacho proferido a fls..., nega, ainda, a possibilidade da intervenção principal requerida à luz do disposto no art.325º, n.° 2 do C.P.C., visto que não foi deduzido ab initio nenhum pedido (ao abrigo do art.31°-B do mesmo diploma) contra os chamados.
f) Com a reforma de 1995, foi eliminado o incidente do chamamento à demanda, o qual, nas palavras do Prof. Castro Mendes, e tendo em conta a forma como se encontrava configurado no anterior art.330º, mais não era do que uma sub-espécie da intervenção principal, provocada pelo réu demandado como co-devedor e através da qual o mesmo réu chama para seu lado os outros ou alguns dos outros co-devedores.
g) o incidente de intervenção principal provocada, na sua actual configuração normativa (ou seja, após as alterações introduzidas pelo DL n.° 329° -A/95 de 12- 12), admite a possibilidade de. qualquer das partes chamar a juízo o interessado com direito a intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária. Abrange, entre outras hipóteses, os casos de cumulação subjectiva subsidiária, regulados no art.31°-B, mais precisamente os casos em que o autor chame a intervir como réus os terceiros contra quem se vai deduzir pedido subsidiário ou em relação aos quais se pretende formular dedução subsidiária do mesmo pedido.
h) Alargado que foi o âmbito de aplicação da figura da coligação inicial, nos termos constantes do art.31°-B, tornou-se possível o chamamento para intervenção principal provocada destinado a dedução subsidiária do mesmo pedido ou a dedução de pedido subsidiário pelo autor contra o agora interveniente.
i) Possibilitou-se assim, em muitos casos e em termos inovatórios no nosso ordenamento jurídico, o suprimento da própria ilegitimidade singular, trazendo à causa e direccionando-a contra, afinal, o verdadeiro interessado em contradizer (conferir Relatório do DL n.° 329°-A/95, de 12-12).
j) Assim, é perfeitamente admissível, ao abrigo do art. 325° do CPC, a intervenção principal provocada quando qualquer das partes pretenda fazer intervir na causa um terceiro como seu associado ou como associado da parte contrária.
k) A ratio do DL n.° 329°-A/95 teve por base evitar que regras de índole estritamente procedimental pudessem obstar ou criar dificuldades insuperáveis à plena realização dos fins do processo, bem como pretendeu prevenir numerosas hipóteses de possível ilegitimidade passiva.
l) Hoje, face ao disposto no art.325º, n.° 2, é pacífico que o autor pode aproveitar o alegado pelo réu na contestação para requerer o incidente de intervenção principal de terceiros, designadamente para assegurar a legitimidade passiva.
m) As hipóteses previstas no art.31°-B estão, sobretudo pensadas para aqueles casos em que (1) haja dúvida fundamentada sobre o sujeito da relação jurídica; (2) recaindo sobre o Autor, por força do n.° 3 do art.325º, o ónus de indicar a causa do chamamento e de explicitar o interesse que, através dele, se pretende acautelar, por forma a clarificar liminarmente as situações a que o acidente se reporta, permitindo assim ajuizar com segurança a legitimidade e o interesse em agir quer de quem suscita a intervenção, quer de quem é chamado a intervir; (3) é ainda necessário, para que o incidente seja procedente, que se averigue se o chamado a intervir tem interesse em contradizer.
n) Se o contrato de seguro não for válido, como alega a Ré, os sujeitos da relação controvertida serão os chamados a intervir - o Fundo de Garantia Automóvel e o condutor do veículo, Francisco F...; no entanto, se aquele contrato não se encontrar inquinado por nenhuma invalidade então a responsável será a demandada R. Cª de seguros.
o) No articulado em que se requereu a intervenção, o agravante indicou não só a causa do chamamento como também explicitou e clarificou o interesse que através desse incidente visava acautelar.
p) O A. fundamentou aquela intervenção principal provocada no art.21°, n.°2, al.a) do DL 522/85 de 31 de Dezembro, pois, segundo este, o Fundo de Garantia Automóvel garante a satisfação das indemnizações por morte ou lesões corporais quando o responsável não beneficie de seguro válido e eficaz.
q) A provar-se o alegado pela R., relativamente à nulidade do contrato de seguro, o FGA e o responsável civil serão os responsáveis pela indemnização peticionada nos autos.
r) Concluiu dizendo que, ao ser intentada a presente acção contra aqueles, se pretendia assegurar a legitimidade passiva dos responsáveis civis.
s) Os chamados a intervir têm interesse em contradizer, pois foram-no na qualidade de RR., e diz-nos o art.26° do C.P.C, que o réu será parte legítima se tiver interesse directo em contradizer, o que é o caso dos autos.
t) Foi assim violado o art. 325º e o art. 31-B do CPC.”

A final, pede seja revogado o despacho recorrido e a sua substituição por outro que admita a requerida intervenção.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Foi proferido despacho de sustentação.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir:


FUNDAMENTAÇÃO:

Como é sabido, o âmbito do recurso determina-se pelas conclusões da alegação do recorrente – art. 660º, n.º2, 684º, n.º3 e 690º, n.º1, todos do C. P. Civil - , só se devendo tomar conhecimento das questões que tenham sido suscitadas nas alegações e levadas às conclusões, ainda que outras, eventualmente, tenham sido suscitadas nas alegações propriamente ditas. Vide Acórdãos do STJ de 21-10-93 e de 12-1-95, in CJ. STJ, Ano I, tomo 3, pág. 84 e Ano III, tomo 1, pág. 19, respectivamente.


Assim, a única questão a decidir traduz-se em saber se existe fundamento para admitir o incidente de intervenção principal provocada do Fundo de Garantia Automóvel e de Francisco F....

Dispõe o nº1 do art. 325º do C. P. Civil, que “Qualquer das partes pode chamar a juízo o interessado com direito a intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária”, estabelecendo o seu nº. 2 que “Nos casos previstos no artigo 31º- B, pode ainda o autor chamar a intervir como réu o terceiro contra quem pretenda dirigir o pedido”, e no seu nº. 3 que “O autor do chamamento alega a causa do chamamento e justifica o interesse que, através dele pretende acautelar”.
Por sua vez, estatui o citado art.31º-B que “ É admitida a dedução subsidiária do mesmo pedido, ou a dedução de pedido subsidiário, por autor ou contra réu diverso do que demanda a título principal, no caso de dúvida fundamentada sobre o sujeito da relação controvertida”.
Daqui resulta que o incidente da intervenção principal provocada, na sua actual configuração normativa, tanto pode ser usado pelo autor para, nos casos de litisconsórcio sucessivo necessário ou voluntário, assegurar a legitimidade passiva como para, nos casos de cumulação subjectiva subsidiária regulados no art. 31º-B, fazer intervir como réus os terceiros contra quem pretenda formular pedido subsidiário feito para valer na eventualidade de o pedido principal não proceder.
Trata-se, neste último caso, de uma situação de litisconsórcio eventual ou subsidiário, sendo por esta via, possível a formulação de pedidos subsidiários contra réus diversos dos originariamente demandados, desde que com isso se não convole para uma relação jurídica diversa da inicialmente controvertida e desde que o chamante, no seu requerimento de intervenção, alegue dúvida fundamentada sobre o sujeito da relação controvertida.
Exige-se, assim, que o chamante expresse, de forma convincente, as razões que o levam a não ter a certeza sobre o titular passivo da relação material controvertida que configura ou apresenta.
Estabelecido este critério, verifica-se, no caso presente, que:
- A fundamentar o pedido de condenação da ré, Companhia de Seguros A... P... SA, no pagamento da quantia de € de € 29.365,24, acrescida de juros moratórios, à taxa legal e desde a citação e até efectivo pagamento, e em quantia que se vier a liquidar em execução de sentença, a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais por ele sofridos em consequência de acidente de viação ocorrido no dia 18 de Janeiro de 2004, alegou o autor, na petição inicial, que tal acidente ficou a dever-se a culpa exclusiva condutor do veículo ligeiro de mercadorias, de matrícula XS-33-0....
Mais alegou, que, à data do acidente, este veículo automóvel era propriedade de José G... e conduzido por Francisco F... e que o proprietário deste veículo havia transferido a sua responsabilidade civil para a ré, Companhia de Seguros A... P... SA por contrato de seguro titulado pela apólice nº. 2889339.
- Na sua contestação, excepcionou a ré a nulidade do contrato de seguro decorrente de falsidade das declarações produzidas pelo tomador, António L..., na data da sua celebração, nos termos do disposto no art.429º do C. Comercial.
Alegou, para tanto, que o referido contrato de seguro, titulado pela apólice nº. 5070/8093994 e com início a partir do dia 15 de Janeiro de 2004, foi celebrado com António L..., o qual declarou ser o proprietário e condutor habitual do XS-33-0... e assumiu a qualidade de tomador do seguro e segurado. Todavia, na sequência da reclamação que lhe foi apresentada pelo autor, após o acidente, pode concluir que à data em que celebrou o referido contrato de seguro e
à data do acidente, o veículo automóvel com o número de matrícula XS-33-0... pertencia a Luís E... e não ao tomador do seguro, António L... e que o condutor habitual de tal veículo era Francisco F...
Mais alegou que tais circunstâncias, dolosamente ocultadas pelo tomador, influenciariam a possibilidade de celebração do contrato de seguro, pois que nunca celebraria qualquer contrato de seguro com o verdadeiro interessado no risco da circulação – o seu condutor habitual, Francisco F... – uma vez que este já havia sido segurado da ré em contrato de seguro resolvido por falta de pagamento do respectivo prémio.
- Na réplica, o autor sustentou a improcedência da arguida nulidade e, para o caso de assim não ser entendido, ao abrigo das disposições conjugadas do art.325º do C. P. Civil e do art. 21º,nº. 2,al. a) do DL nº.522/85, de31/12, requereu a intervenção principal provocada do Fundo de Garantia Automóvel e de Francisco F..., pedindo a sua condenação solidária no pedido tal como concluiu na P. I.

Face a esta situação, foi proferido despacho que considerou não ser admissível a requerida intervenção, quer com base no disposto no art. 320º, al. a) do C. P. Civil, porquanto entendeu não terem os chamados um interesse igual ao da ré, quer à luz do disposto no art.325º,nº. 2 e 31º-B do mesmo Código, com o argumento de que não foi deduzido ab initio nenhum pedido contra os chamados.

Sustenta, porém, o autor/agravante que a provar-se o alegado pela R., relativamente à nulidade do contrato de seguro, o FGA e o Francisco F... serão os responsáveis pela indemnização peticionada nos autos, de harmonia com o disposto nos arts. art.325º,nº. 2 e 31º-B do C.P. Civil e no art.21°, n.°2, al. a) do DL 522/85 de 31 de Dezembro.

Desprezando-se, aqui, por irrelevante, a situação prevista no citado art. 320º, al. a), centraremos a nossa atenção apenas na situação a que alude o citado art.325º, nº. 2.

Vejamos, então, de que lado está a razão.

Para tanto importa, desde logo, clarificar quais as consequências legais da procedência da invocada excepção, pois só assim, se poderá concluir se estamos, ou não, perante uma situação de incerteza sobre o titular passivo da relação material controvertida.
E a este respeito, cumpre referir que o contrato de seguro é “ o contrato pelo qual a seguradora, mediante retribuição pelo tomador do seguro, se obriga, a favor do segurado ou de terceiro, à indemnização de prejuízos resultantes, ou ao pagamento de valor pré-definido, no caso de se realizar um determinado evento futuro e incerto” José Vasques, in Contrato de Seguro, ed. 1999, pág. 94.
E que o contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel destina-se a garantir o ressarcimento dos lesados em consequência de acidentes de trânsito
Tal contrato é regulado pelo DL nº. 522/85, de 31 de Dezembro e tem natureza pessoal pois que, de harmonia com o disposto no artigo 1º deste mesmo diploma, o que se segura é a responsabilidade pessoal de todo aquele que possa ser chamado a responder pelos danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes de lesões provocadas a terceiros por um veículo terrestre a motor, e não o próprio veículo.
Significa isto que, transferindo-se para a seguradora a eventual responsabilidade do segurado ou seja, do tomador do seguro, dos sujeitos da obrigação de segurar previstos no art. 2º (proprietário do veículo) e dos legítimos detentores e condutores do veículo- cfr. art.8º do DL 522/85., não há em princípio responsabilidade da seguradora e a extensão da obrigação do segurado é efectivamente aquela que nos termos dos arts. 500º e 503º do C. Civil, resulta para o segurado da circulação de um veiculo sob a direcção e no interesse, ainda que por intermédio de comissário.
E o segurado é aquele que consta da apólice de seguro.
De salientar que a responsabilidade decorrente do contrato de seguro, o qual é também, por sua natureza, um contrato a favor de terceiro, tem duas faces: uma, em relação ao segurado e outra em relação ao próprio lesado.
E é sobretudo em relação a este terceiro, beneficiário do seguro, que se nos impõem maiores medidas de protecção.
Quanto à arguida nulidade rege o art.429º do C. Comercial, o qual dispõe que “Toda a declaração inexacta, assim como toda a reticência de factos ou circunstâncias conhecidas pelo segurado ou por quem fez o seguro e que teriam podido influir sobre a existência ou condições do contrato tornam o seguro nulo (…)”.
A “declaração” consiste na informação dada sobre esses factos ou circunstâncias enquanto que a “reticência” envolve a sua omissão.
Mas, apesar de nesta norma se fazer referência a contrato de seguro nulo, os interesses que estão em causa não justificam a severidade dessa sanção da nulidade.
Seguindo os ensinamentos do Professor Manuel de Andrade In ob. citada, pág. 416.,diremos que o regime mais severo da nulidade encontra a sua justificação teleológica em razões de interesse público predominante enquanto as anulabilidades baseiam-se na infracção de requisitos que visam a tutela de interesses predominantemente particulares.
Dado que o que está em causa na previsão do art. 429º do C. Comercial, é a tutela de interesses particulares, tem-se defendido ao nível da doutrina Vide, J.C. Moitinho de Almeida, in ob. citada, fls. 61e, entre muitos outros, o Acórdão do S.T.J. de 3-3-98, in C.J.S.T.J., anoVI, tomo I. pág.103. e jurisprudência nacionais que, a existir invalidade, se trata de anulabilidade.
Mas, para além disto, não é qualquer declaração inexacta ou reticente que pode tornar anulável o contrato de seguro.
No dizer de Cunha Gonçalves In, ob. citada, vol. II., pág.541. “ É indispensável que a inexactidão influa na existência e condições do contrato, de sorte que o segurador ou não contrataria ou teria contratado em diversas condições. As simples inexactidões anódinas não produzem a consequência jurídica de anular o contrato”.
Aliás, é isso mesmo que resulta do disposto nos artigos 251 e 247º do C. Civil.
E a verdade é que, no caso dos autos, nem sequer se vê que a alegada inexactidão possa influir na existência e condições do contrato de seguro em causa.
Desde logo, porque se o nº 2 do art. 2º do referido DL nº.522/85 permite expressamente que qualquer pessoa, diferente do dono ou do condutor do veículo, celebre contrato de seguro relativamente a este, está implicitamente a afirmar que não é essencial a correspondência entre o proprietário ou o condutor e o tomador do seguro e a impedir a seguradora de se negar a assumir a responsabilidade com esse fundamento, posto que o legislador pretendeu foi assegurar que, relativamente a todo o veículo, exista um seguro em vigor, para que o lesado veja assegurado o direito ao ressarcimento dos danos emergentes de acidente.
E porque dos factos alegados pela ré seguradora ( ou seja, da simples circunstância de ter resolvido um contrato de seguro celebrado com o Francisco Filipe Cunha Teixeira por falta de pagamento do respectivo prémio), não se retira que a mesma veja onerada a sua contraprestação pelo simples facto de o Francisco Filipe Cunha Teixeira ser o condutor habitual do veículo XS-33-04, pois que, sempre caberia ao tomador do seguro, António L..., e não a este, efectuar o pagamento do prémio do contrato de seguro em causa.
E muito menos se pode concluir que era maior o grau de risco que contratualmente assistia à ré se o proprietário do veículo XS-33-04, em vez do António L..., fosse o Luís Eduardo Carvalho da Costa.
De qualquer forma, mesmo que o facto de ter sido indicado como proprietário e condutor habitual pessoa diversa do tomador do seguro e da pessoa que habitualmente conduz o veículo seguro pudesse, nas circunstâncias dos autos, gerar a anulabilidade do contrato de seguro, ainda assim e independentemente dos seus efeitos entre os outorgantes, tal anulabilidade, porque suscitada após a ocorrência do acidente dos autos, nunca seria oponível ao terceiro lesado, ora A, por a isso se opor o art. 14º Do DL n.º 522/85, de 31 de Dezembro.
Na verdade, dispõe este artigo que “a seguradora apenas pode opor aos lesados a cessação do contrato (..), a sua resolução ou nulidade (…) desde quer anteriores à data do sinistro.
Significa isto que, mesmo que de anulabilidade se tratasse, para a ré poder opô-la ao ora autor (lesado) necessário seria que a mesma alegasse e demonstrasse ter, em momento anterior à datado acidente, oposto tal invalidade ao tomador, o que não fez no caso dos autos.
Consequentemente, é a ré Companhia de Seguros Allianz SA responsável nos termos e limites do contrato de seguro titulado pela apólice nº. 5070/8093994, inexistindo, por isso, fundamento para fazer intervir na presente acção o Fundo de Garantia e o responsável civil, Francisco F....

Daí improcederem todas as conclusões do autor/agravante.


CONCLUSÃO:
Do exposto poderá extair-se que:

1º- O art. 325º, nsº.1 e 2 do C. P. Civil, permite a utilização do incidente da intervenção principal provocada, quer para assegurar a legitimidade passiva (nos casos de litisconsórcio necessário ou voluntário), quer para fazer intervir como réu o terceiro contra quem pretenda formular pedido subsidiário feito para valer na eventualidade de o pedido principal não proceder (caso litisconsórcio eventual ou subsidiário reguladono art. 31º-B do C. P. Civil).

2º- Quanto a este último caso, carece, porém, o requerente do chamamento de alegar,no seu requerimento de intervenção, dúvida fundamentada sobre o sujeito da relação controvertida, ou seja, exige-se que o chamante expresse, de forma convincente, as razões que o levam a não ter a certeza sobre o titular passivo da relação material controvertida que configura ou apresenta.

3º- O facto de ter sido indicado, em contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, como proprietário e como condutor habitual pessoa diversa do segurado e tomador do seguro, não torna o contrato nulo, sendo a seguradora responsável nos termos e limites do contrato de seguro .

4º- Consequentemente inexiste, neste caso, fundamento para fazer intervir na presente acção o Fundo de Garantia e o responsável civil, Francisco F..., nos termos do disposto nos arts. art.325º,nº. 2 e 31º-B do C.P. Civil e no art.21°, n.°2, al. a) do DL 522/85 de 31 de Dezembro.


DECISÃO:

Pelo exposto, nega-se provimento ao agravo e, ainda que com base em fundamento diverso, mantém-se o despacho recorrido.
Custas deste agravo pelo autor/agravante.

Guimarães, 5 de Julho de 2007