Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
408/04-2
Relator: AMÍLCAR ANDRADE
Descritores: CONTRATO DE TRANSPORTE
TRANSPORTE INTERNACIONAL DE MERCADORIAS POR ESTRADA - TIR
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
INTERVENÇÃO ACESSÓRIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/23/2004
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I. O artigo 330º do Código de Processo Civil admite, a título de intervenção acessória provocada, o chamamento do terceiro, titular passivo, no confronto do réu, da acção de regresso ou indemnização, conexa com a relação material controvertida.
II- O nosso processo civil está sujeito à teoria da substanciação, segundo a qual o objecto da acção é o pedido, definido através de certa causa de pedir.
III- O tribunal não pode alterar a causa de pedir, nem substituí-la, por força do princípio da substanciação.
IV- Assim, se a causa de pedir invocada pelos Autores assenta num contrato de transporte, não pode a acção ser julgada procedente com base noutra causa de pedir.
V- Não sendo a chamada sujeito passivo da relação material controvertida, não tem o tribunal que apreciar a invocada excepção peremptória de prescrição, pois «a intervenção do chamado circunscreve-se à discussão das questões que tenham repercussão na acção de regresso invocada como fundamento do chamamento» (artº 330º,nº2 do CPC).
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães


"A", com sede na Rua ..., Guimarães, propôs a presente acção declarativa sob a forma ordinária contra "B", com sede em ..., 4610 Felgueiras pedindo a condenação desta a pagar-lhe a indemnização de 9.141.420$00, acrescida dos juros vencidos no montante de 566.121$00 e vincendos desde 12.10.2000, à taxa de 5% e até efectivo e integral pagamento, alegando para tanto e em síntese que:
A A. é uma empresa que se dedica à representação, importação e exportação de produtos têxteis.
Do exercício da sua actividade acordou a venda de mercadorias e para o transporte destas contratou os serviços da R..
Quando o camião, propriedade da R, seguia em direcção a Madrid, no IP4, foi interceptado por dois homens que furtaram a mercadoria.
Por carta datada de 11.12.98 a A. responsabilizou a R. pelos prejuízos resultantes do furto da mercadoria .
O valor da mercadoria era de 9.141.420$00.
Contestando a R. veio dizer que nunca deve ser responsabilizada pelo furto da mercadoria, uma vez que o condutor não teve qualquer possibilidade de se defender. Mas a haver lugar a pagamento de indemnização o limite máximo da mesma é de 8,33 direitos de saque especiais por Kg em falta e a mercadoria tinha o peso de 3.316Kg.
Requer a intervenção acessória provocada da "C" (C.ª de Seguros), uma vez que por contrato de seguro, titulado pela apólice nº 501137 esta garantiu a responsabilidade civil imputável à R., no exercício da sua actividade, tendo assim, direito de regresso sobre aquela Companhia de Seguros.
Termina pugnando pela improcedência da acção.
A A deduziu réplica, na qual alterou a causa de pedir alegando não aceitar que a mercadoria tenha sido roubada.
Foi admitido o chamamento requerido pela R..
Contestando a chamada veio arguir excepção de prescrição do direito da A., uma vez que o roubo da mercadoria ocorreu em 2-12-1998 e somente foi citada para a acção em 2-3-2001, sendo certo que o prazo de prescrição é de um ano.
Termina pugnando pela procedência da excepção de prescrição e pedindo, ainda, a sua absolvição do pedido.
Foi elaborado despacho saneador e seleccionada a matéria de facto assente e a controvertida.
Procedeu-se a julgamento, e a final, veio a ser proferida sentença que julgando a acção procedente por provada condenou a Ré "B" a pagar à "A" a indemnização de Esc. 9.141.420$00, actualmente 45.597,21 (quarenta e cinco mil quinhentos e noventa e sete euros e vinte e um cêntimos), acrescida dos juros de mora, à taxa de 5%, somando os vencidos até 12-10-2000, o montante de 566.121$00, actualmente 2.823,80 ( dois mil oitocentos e vinte e três euros e oitenta cêntimos) e vincendos desde aquela data e até efectivo e integral pagamento.
Inconformados com esta sentença recorreram de apelação a chamada e a Ré.
Contra-alegando, a Autora pugna pela confirmação da sentença.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.

Fundamentação de facto
São os seguintes os factos dados como provados na 1ª instância:
A A . é uma empresa que se dedica à representação, importação e exportação de produtos texteis.( A).
No exercício dessa sua actividade negociou e acordou a venda de diversas mercadorias com a Confectiones Beyton, com sede em Meson de Paredes, 2928612, Madrid – Espanha. (B).
Mercadorias essas constantes da factura nº 188, datada de 26-11-98, no valor de PTE 7.617.850,00 que ao câmbio de 1.2 será de 9.141.420$00. ( C ).
Para o transporte das mercadorias constantes da factura a A . contratou com a R. o transporte das mesmas até ao destino, ao abrigo da convenção relativa ao Contrato de Transporte Internacional de Mercadorias por Estrada ( CMR). (2).
Tendo a R. emitido o C.M.R. nº 061040 e datado de 27 de Novembro de 1998. (E).
Por contrato de seguro titulado pela apólice nº 501137, celebrado com a "C" , esta seguradora comprometeu-se a garantir a responsabilidade civil imputável à R. no exercício da sua actividade. (F).
A A participou criminalmente contra desconhecidos pelo furto da mercadoria e que corre seu termos no Tribunal da Comarca de Alijó com o nº 199/98, de 2-12-98. (G).
Até à presente data a R. ainda não indemnizou a A. do valor da mercadoria e dos prejuízos sofridos. ( H).
A mercadoria transportada tinha o peso de 3.316 Kg.(I)
A A reclamou à Ré em 11-12-98. ( 1º)
A Ré não rejeitou tal reclamação nem restituiu os documentos que a A. juntou. (2º).
O condutor do camião quando se dirigia para Madrid foi interceptado no IP4 por dois homens com a farda da GNR que lhe apontaram uma pistola e o fizeram seguir viagem para um local abandonado perto de Vila Pouca, onde descarregaram parte da mercadoria que seguia no camião apoderando-se da mesma. ( 3º, 5º, e 20º).
O condutor não teve qualquer possibilidade de se defender. (4º).
O Sr. motorista, após o referido em 3º, 5º e 20º prosseguiu a sua viagem para Espanha sem previamente se dirigir a um posto da GNR, a fim de participar o roubo a que foi sujeito, onde entregou a restante mercadoria que não tinha sido objecto de roubo.(6º e 8º)
Nem sequer ligou para o 112 ( número gratuito) de qualquer estabelecimento público (ex. café), ou de qualquer casa particular a participar sucedido. (7º).
Só a mercadoria da A. e a totalidade da mesma foi objecto de roubo. (9º).
A A teve conhecimento, pela primeira vez, de tal roubo em 2-12-98. (10º e 11º).
O que contribuiu para que não fosse encontrado qualquer rasto á mercadoria “roubada” (12º).
Não tendo sido a mesma recuperada.(13º)
O preço corrente de tal mercadoria é superior ao constante da factura de fls. 4. (16º)
O preço que consta na factura não é o preço de mercado, mas sim o preço de venda a um cliente, para este posteriormente revender tais mercadorias. (18º)
Tal revendedor teria lucros superiores ao preço a que comprou tais mercadorias à A ..(19º).

Dos Recursos
São dois os recursos a apreciar. Deles importa conhecer, respeitando a ordem da sua interposição.

Da apelação da chamada
Na sua apelação a chamada "C" formulou as seguintes conclusões:
1º- A ora recorrente na sua contestação invocou a excepção da prescrição, pelo facto de já ter decorrido mais de um ano desde 02/12/98 (data em que cessou o transporte), até à data em que foi citada para a presente acção (02/03/2001), sendo certo que a A. nunca fez à ora recorrente qualquer reclamação fundamentada e documentada.
2º- O douto despacho saneador decidiu relegar para final o conhecimento dessa excepção.
3º- Relativamente à R. "B", foi decidido que o direito da A. não estava prescrito, pelo facto de ter ficado provado que em 27/11/98 a mercadoria foi entregue, tendo a A. em 11/12/98 apresentado junto da R. a respectiva reclamação escrita, não tendo esta rejeitado nem restituído tal reclamação, o que significa que o prazo de prescrição se suspendeu, não decorrendo o seu prazo até propositura da acção.
8º- Relativamente à ora recorrente a douta sentença recorrida não se pronunciou quanto a invocada excepção da prescrição.
9º-Da douta sentença resulta que a entrega da mercadoria ocorreu em 27/11/98, tendo a recorrente sido citada para a presente acção em 02/03/2001, ou seja muito mais de um ano, mais precisamente 2 anos e 3 meses, sendo certo que o prazo de prescrição, nos termos do artº 32º da Convenção C.M.R. é de um ano.
10º- Não ficou provado que a A. tivesse apresentado à ora recorrente qualquer reclamação escrita.
11º- A excepção da prescrição, relativamente à recorrente, deve ser julgada procedente. Sem conceder,
12º- A douta sentença recorrida deveria ter reduzido o valor da condenação em função dos referidos limites previstos na Convenção.
13º- Refere a douta sentença que a responsabilidade da transportadora está limitada ao valor consignado no nº 3 do artº 23º da Convenção, ou seja, não pode ultrapassar 8,33 unidades de conta por quilograma de peso bruto em falta.
14º- Na determinação do valor da condenação, a douta sentença não aplica os limites previstos no artº 23º da Convenção C.M.R..
15º- A determinação da indemnização pela perda da mercadoria em causa, deverá observar os limites previstos, no artº 23º nº 3 da referida convenção, ou seja 8,33 unidades de conta.
16º- Tendo em conta que o direito especial de saque à data da entrega da mercadoria era de Esc.239$213, e que o peso da mercadora em falta era de 3.316 Kg, o valor da respectiva indemnização será de Esc.6.607.608$46, que corresponde € 32.958,61 (239$213 x 8,33 = 1992,64 x 3,316 = 6.607.608$46).
17º- O valor da condenação de € 45.597,21 deverá ser reduzido para € 32.958,61.
18º- A douta sentença recorrida violou pois os artºs 32º e 23º da Convenção C.M.R..
Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso, julgando-se procedente a excepção da prescrição, relativamente à recorrente, e ainda, sem conceder, deve o valor da condenação ser alterado para € 32.958,61.
Apelação da Ré "B".
Na sua alegação a Ré formulou as seguintes conclusões:
1 - A presente acção respeita a um transporte internacional de mercadorias por estrada, regido pela Convenção CMR aprovada em Portugal pelo Decreto-Lei nº 46235, de 18 de Março de 1965.
2 – Nesta Convenção a responsabilidade do transportador no caso de perda total ou parcial da mercadoria que lhe foi confiada fica limitada ao valor máximo de 8,33 direitos de saque especiais por quilo de mercadoria em falta (Artº 23º, nº 3).
3 – Ficou provado que a mercadoria que foi roubada tinha 3.316 Kgs de peso.
4 – Assim sendo, a indemnização a pagar à autora não deverá ultrapassar o valor de 3.316 Kgs.X8,33 direitos de saque especiais, que à cotação de Novembro de 1998 tem um valor muito inferior aos 9.141.420$00 em que a ré foi condenada.
5 – O mesmo se dizendo em relação aos juros vencidos até 12.10.2000, que foram calculados com base no capital de 9.141.420$00, quando o capital que deve servir de base ao seu cálculo é bastante inferior.
Termos em que deve a condenação da R. "B" ser reduzida para os limites impostos pela Convenção CMR.
*
Passemos então à análise das censuras feitas à sentença recorrida, nas conclusões dos recursos, considerando que é por aquelas que se afere da delimitação objectiva destes (artigos 684º, nº 3 e 690º, nº1, do CPC).
As questões postas nos recursos são as seguintes:
1. Prescrição
2. Montante indemnizatório

Quanto à primeira questão.
Sustenta a chamada/apelante que na sua contestação invocou a excepção da prescrição, pelo facto de já ter decorrido mais de um ano desde 02/12/98 (data em que cessou o transporte), até à data em que foi citada para a presente acção (02/03/2001), sendo certo que a A. nunca fez à ora recorrente qualquer reclamação fundamentada e documentada e que relativamente à chamada, ora recorrente, a douta sentença recorrida não se pronunciou quanto a invocada excepção da prescrição.
Vejamos.
A Autora intentou a presente acção contra Ré "B"., pedindo a condenação desta a pagar-lhe a indemnização de 9.141.420$00, acrescida dos juros de mora.
A Autora funda o seu pedido no contrato de transporte celebrado com a Ré, tendo por objecto mercadorias que a A. vendeu, no exercício da sua actividade, e que tais mercadorias vieram a ser furtadas quando eram transportadas no camião da Ré. Com a presente acção pretende a A. responsabilizar a R. pelos prejuízos resultantes do furto da mercadoria .

A Ré, na sua contestação, vem requerer a intervenção acessória provocada de "C", alegando que por contrato de seguro, titulado pela apólice nº 501137 celebrado com esta Seguradora, esta comprometeu-se a garantir a responsabilidade civil imputável à R., no exercício da sua actividade, sendo responsável perante a Ré pelo pagamento da indemnização em que esta venha a ser condenada.
Pelo que assiste à Ré o direito de regresso sobre aquela Companhia de Seguros, resultante da perda da demanda.
Essa é a causa do presente chamamento e este é o interesse da Ré neste chamamento, para assim acautelar o seu direito de regresso contra a referida Companhia Seguradora, no caso de realmente vir a ser condenada.
Socorreu-se, assim, a Ré, do incidente de intervenção provocada, previsto no arº 330º do CPC que estatui no seu nº 1, que «O réu que tenha acção de regresso contra terceiro para ser indemnizado do prejuízo que lhe cause a perda da demanda pode chamá-lo a intervir como auxiliar na defesa, sempre que o terceiro careça de legitimidade para intervir como parte principal».
O incidente de intervenção acessória provocada, regulada neste artº 330º, é uma inovação da Reforma de 1995, destinada a colmatar a lacuna decorrente da supressão do incidente do chamamento à autoria, regulado antes nos artigos 325º a 329º como incidente autónomo.
Também sob este aspecto, o Relatório do DL nº329-A/95 é deveras elucidativo, e, daí, que passemos a transcrever a fundamentação dela constante, relativa ao presente incidente:
«Relativamente às situações presentemente (ou seja, na redacção anterior do CPC) abordadas e tratadas sob a égide do chamamento à autoria, optou-se por acautelar os eventuais interesses legítimos que estão na base e fundam o chamamento nos quadros da intervenção acessória, admitindo, deste modo, em termos inovadores, que esta possa comportar, ao lado da “assistência”, também uma forma de intervenção (acessória) provocada ou suscitada pelo réu da causa principal.
Considera-se que a posição processual que deve corresponder ao titular da relação de regresso, meramente conexa com a controvertida – invocada pelo réu como causa do chamamento – é a de mero auxiliar na defesa, tendo em vista o seu interesse indirecto ou reflexo na improcedência da pretensão do autor, pondo-se, consequentemente, a coberto de ulterior e eventual efectivação da acção de regresso pelo réu da demanda anterior – e não a de parte principal: mal se compreende, na verdade, que quem não é reconhecidamente titular ou contitular da relação material controvertida (mas tão somente sujeito passivo de uma eventual acção de regresso ou indemnização configurada pelo chamante) e que, em nenhuma circunstância, poderá ser condenado caso a acção proceda (ficando tão-somente vinculado, em termos reflexos, pelo caso julgado, relativamente a certos pressupostos daquela acção de regresso, a efectivar em demanda ulterior) deva ser tratado como “parte principal”.
A fisionomia atribuída a este incidente traduz-se, nesta perspectiva, numa intervenção acessória ou subordinada, suscitada pelo réu na altura em que deduz a sua defesa, visando colocar o terceiro em condições de o auxiliar na defesa, relativamente à discussão das questões que possam ter repercussão na acção de regresso ou indemnização invocada como fundamento do chamamento.
Procurou, por outro lado, operar-se uma ponderação adequada entre os interesses do autor (que normalmente não terá qualquer vantagem em ver a linearidade e celeridade da acção que intentou perturbada com a dedução de um incidente que lhe não aproveita, já que o chamado não é devedor no seu confronto, nunca podendo ser condenado mesmo que a acção proceda) e do réu, que pretende tornar, desde logo, indiscutíveis certos pressupostos de uma futura e eventual acção de regresso contra o terceiro, nele repercutindo o prejuízo que lhe cause a perda de demanda».
Em suma: este artigo 330º admite, a título de intervenção acessória provocada, o chamamento do terceiro, titular passivo, no confronto do réu, da acção de regresso ou indemnização, conexa com a relação material controvertida.
A mera aceitação do chamamento à autoria – que após a reforma processual de 1995 deixou de ter autonomia como incidente de intervenção de terceiros – requeira ou não o primitivo réu a exclusão da causa, não significa que o chamado seja condenado a cumprir qualquer obrigação. Tal aceitação apenas lhe impõe o efeito de caso julgado da sentença que for proferida (STJ, de 8.6.2000, Sumários, 42º-30).
A sentença proferida vincula o chamado à autoria quanto ao pressuposto da acção de regresso do demandado contra o chamado que é o da responsabilidade daquele, mas não visa a condenação do chamado juntamente com o demandado (STJ, de 21.11.1975, BMJ, 251º-184).
Ora, no caso vertente, a Autora nenhum pedido formula contra a chamada e esta não é sujeito da relação material controvertida, mas tão somente de uma relação conexa com esta, de que são titulares a Ré demandado e a chamada.
A Autora, na presente acção, fundamenta o seu pedido no contrato de transporte celebrado com a Ré e nos prejuízos decorrentes do furto da mercadoria transportada no camião da Ré.
Toda a acção é delimitada pela causa de pedir e pelo pedido, sendo necessário, para a procedência deste, que o mesmo seja lógico corolário daquela.
O nosso processo civil está sujeito à teoria da substanciação, segundo a qual o objecto da acção é o pedido, definido através de certa causa de pedir.
O tribunal não pode alterar a causa de pedir, nem substituí-la, por força do princípio da substanciação.
Assim, se a causa de pedir invocada pelos Autores assenta num contrato de transporte, não pode a acção ser julgada procedente com base noutra causa de pedir.
A acção de regresso que a Ré tenha perante a Companhia Seguradora não surge em função de ambos serem co-obrigados perante a Autora; só surge da relação conexa entre a demandada e o terceiro.
Deste modo, não sendo a chamada sujeito passivo da relação material controvertida, não tem o tribunal que apreciar a invocada excepção peremptória de prescrição, pois «a intervenção do chamado circunscreve-se à discussão das questões que tenham repercussão na acção de regresso invocada como fundamento do chamamento» (artº 330º,nº2 do CPC).
Improcede, deste modo, a apelação da chamada.

2ª Questão
Como estatui o artº 17º, nº 1 da Convenção Relativa ao Contrato de Transporte Internacional de Mercadorias, o transportador é responsável pela perda, total ou parcial, da mercadoria entre o momento do carregamento e o da entrega.
A responsabilidade do transportador pela perda da mercadoria é calculada segundo o valor da mercadoria no lugar e época em que foi aceite para transporte, segundo a cotação na bolsa, ou na falta desta, pelo preço corrente no mercado ou, na falta de ambos, pelo valor usual das mercadorias da mesma natureza e qualidade – artº 23º, nº 1 e 2 da Convenção.
No entanto, esta responsabilidade tem um limite máximo: não pode ultrapassar 8,33 unidades de conta por quilograma de peso bruto em falta, como dispõe o artº 23, nº 3 da Convenção.
A unidade de conta referida na Convenção é o direito de saque especial, tal como vem definido pelo Fundo Monetário Internacional (artº 23º, nº7).
Sustenta a Ré/apelante na sua alegação que “a indemnização a pagar à autora não deverá ultrapassar o valor de 3.316 Kgs.X8,33 direitos de saque especiais, que à cotação de Novembro de 1998 tem um valor muito inferior aos 9.141.420$00 em que a ré foi condenada”.
Semelhantemente à posição já defendida na sua contestação, em que se limita a alegar que “Dado que a mercadoria transportada tinha o peso de 3.316 quilogramas, conforme consta do documento 2 junto pela Autora, o valor da eventual indemnização nunca poderá ser o pretendido” (cfr. artigo 9º da contestação da Ré), a Ré não especifica qual seja esse valor.
Ora, neste capítulo, a Ré, embora invocando o artº 23º,nº 3 da Convenção, não carreia para o processo os pertinentes elementos, que sustentem aquela afirmação de que o valor da eventual indemnização nunca poderá ser o pretendido.
E por isso, tais elementos não puderam ser levados à base instrutória.
Em conformidade com o artº 342º, do Cód. Civil, sobre a Ré recaía o ónus de alegação dos factos correspondentes à previsão abstracta da norma substantiva em que baseia a causa impeditiva, modificativa ou extintiva do efeito pretendido pelo Autor, competindo-lhe, portanto, a prova dos factos impeditivos ou extintivos da prestação da contraparte, determinados de acordo com a norma em que assenta a excepção por ela invocada.
O ónus da prova traduz-se, para a parte a quem compete, no dever de fornecer a prova do facto visado, sob pena de sofrer as desvantajosas consequências da sua falta (RC, 17.11.1987, CJ, 1987, 5º-80).
Como resultou provado, as mercadorias em apreço, constantes da factura nº 188, datada de 26-11-98, tinham o valor de PTR 7.617.850,00 que ao câmbio de 1-2 será de 9.141.420$00. ( C ).
Assim, nenhuma censura merece a sentença recorrida ao condenar a Ré "B" a pagar à A. "A" a indemnização de Esc. 9.141.420$00, actualmente 45.597,21 Euros, acrescida dos juros de mora, à taxa de 5%, vencidos e vincendos.
Custas, em ambos os recursos pelos recorrentes.
Guimarães, 23 de Junho de 2004